O Santo Sepulcro é uma trilha santificada pelos pagadores de promessa que vão ao Juazeiro do Norte. Fica no geossítio da Coluna do Horto e também visitado por turistas

Biografia

Trilha de 3 km usada por romeiros, peregrinos, pagadores de promessas, turistas e penitentes no geossítio da Coluna do Horto. É um campo de rochas gigantes onde se deixam ex-votos, fitas, retratos, imagens de santos e tótens de pedras. Lá, no alto da montanha, em Juazeiro do Norte, está a estátua de Padre Cícero.

O caminho da providência

Sacrário a céu aberto, a trilha do Santo Sepulcro é lugar de recorrência para quem se vele do místico em Juazeiro do Norte

Demitri Túlio (texto) demitri@opovo.com.br
Fábio Lima (fotos) fotografia@opovo.com.br

Ao inferno, dona Antônia de Jesus, 60, diz ter ido e voltado. De noite e de dia. Uma mandinga que teriam feito contra ela e durante uns 20 anos a atormentou em Juazeiro do Norte. Bastava fechar os olhos e se transportava contra seu querer para o medonho. "A mulher fez o feitiço com todo tipo de demônio, todo tipo de satanás", sustentou com convicção.

Teria sido, suspeita Antônia de Jesus, "por conta de inveja, inveja da minha família, da nossa convivência. Fez com o Livro de São Cipriano, sofri muito e ainda estou sofrendo. Não é brincadeira, não", ressente.

E o que a senhora via? "Meu filho, tanta coisa feia. Tanta gente virada em coisa feia, tanto lobisomem. Não é nem para eu me lembrar do que eu sofri, do que eu vivo passando. Graças a Deus, já está passando".

Quando nos encontramos no caminho do Santo Sepulcro, uma trilha de três quilômetros entre a estátua de Padre Cícero (no Horto da Colina) e uma floresta de pedras gigantes e Caatinga, Antônia de Jesus agarrava, em uma das mãos, um rosário azul; na outra, um guarda-chuva preto para se proteger do sol de agosto no Cariri. Ali, teriam se refugiados beatos para capir penitências.

Numa madrugada, às quatro da manhã, depois de amanhecer aperreada com "tanta coisa horrorosa vista durante a noite", ajoelhou-se e foi pedir a "Deus que esclarecesse o que deveria fazer" para ser deixada de mão pelas visões e atormento.

"Ouvi uma voz que dizia assim: 'olhe pra mim, olhe pra mim. Quando olhei, eu tenho um quadro do meu padrim frei Damião... Quando olhei, o quadro começou a mudar como aquelas placas que tem na rua e ficam mexendo. O retrato, que ele estava, foi mudando a fisionomia e disse assim: 'vamos mais eu?", recria Antônia de Jesus.

Depois, continua a devota, "ele (frei Damião) me amostrou tudo direitinho de como era pra mim fazer". Para "ficar boa", sair do suplício, fosse todo domingo fazer o caminho do Santo Sepulcro. "Era para ir mais vezes", revela a dona de casa e mãe de cinco filhos. Mas o corpo "envelhecido" e a distância do bairro do Pio XII para a Colina do Horto se encontraram no possível.

Antônia de Jesus seguiu o recomendado pela voz vinda do retrato do frei italiano que viveu no Nordeste. E ela fez da estrada, santificada por romeiros, pagadores de promessas e penitentes, um acalento do espírito. "Agora, já posso conversar, já posso parar de rezar. Já fico na minha casa horas e horas sem rezar. Antes, era só rezando, direto, direto, direto, pedindo pra sair da prisão do inferno. Não podia fechar os olhos", conta.

Há uns sete anos, dona Antônia tira um rosário (ou cinco terços) numa pernada de ida e volta na trilha do Santo Sepulcro. Lugar também de peregrinos e turistas. Estão nas duas margens da estrada, as lembranças de quem veio ter com o místico de Juazeiro do Norte. Centenas de fitinhas amarradas aos troncos, nos galhos e cruzes de madeiras. Também há pedras deixadas por quem se arrepende ou veio agradecer. Em cima das rochas grandes, no chão ou nas placas de orientação. Pequenas, médias, pesadas.

Padre Cícero, acreditam os devotos, subia à Colina do Horto para aquietar o desassossego e o fardo da predestinação de ter de guiar as almas no Nordeste. Há mais de um século os fiéis do "padim" creem assim e a Igreja do Vaticano foi sendo vencida pela fé popular que santificou o padre e líder político.

Encontrei no caminho do Santo Sepulcro, além de Antônia de Jesus, o fotógrafo João Ferreira, 54, a esposa Maria das Dores, 42, e o filho Jonh Robert, 6. Todo dia 20, na data da morte de Padre Cícero (20/7/1934), eles sobem e descem a Colina. "A graça a gente tem todo dia", atravessa João.

Dei também com uma família de Araripina, os pernambucanos Sebastião Sousa, 28, Daniela Mendes, 28, Gabriele Mendes, 7 e Emanuel Sousa, 18. Daniele, que vem desde os 7 anos de idade quando aprendeu o caminho das romarias com a avó Isabel, atraiu o namorado (e hoje marido) Tião. Veem pagar promessa.

Também cruzei com o destino de Maria Zuleide, 56. Há 12 anos, ela vai buscar o sustento na Colina do Horto e na trilha do Sepulcro. Vende pipoca torrada, água, bombons, terços, rosários, medalhas e fitinhas de um cardápio de santos que povoam Juazeiro. No inverno, não desperdiça chuva e aposta na roça lá embaixo. "Passo aperto, mas não passo fome. É a providência do meu 'padrim'. Aqui em Juazeiro é ele", tem crença.

Curiosidades

PATRIMÔNIO. O caminho do Santo Sepulcro é parte do Geopark Araripe. Está localizado no geossítio da Colina do Horto, em Juazeiro do Norte. São três quilômetros de trilha.

NATUREZA. O cenário natural de pedras gigantes, as mais antigas da Chapada do Araripe, se misturam a capelas, relíquias devocionais como fitas amarradas nas árvores, cruzeiros, entalhes nas rochas, ex-votos e outros objetos.

PECADOS. Algumas pedras têm nomes como a do "pecado", a da "escada" e da "coluna". Fiéis e turistas interagem com os monumentos na paga de promessa, atravessando algumas delas e "medindo pecados". Uma brincadeira em meio ao religioso.

PENITÊNCIA. Por causa da dificuldade de acesso, distância e escalada, a trilha do Santo Sepulcro é considerada lugar de penitência. Há quem percorra com pedra na cabeça.

PADIM. Padre Cícero Romão Batista nasceu em 24/3/1844. Faleceu há 85 anos, em 20 de julho de 1934, em Juazeiro do Norte.

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