A menina Benigna, que teve a beatificação autorizada pelo Papa Francisco, foi martirizada, aos 13 anos. No local da violência, foi erguida uma capelinha onde os devotos pagam promessas

Biografia

Menina moça martirizada, aos 13 anos de idade (24/10/1941), por Raul Alves, na beira de uma cacimba, no distrito de Inhumas (Santana do Cariri). O homem, revoltado porque Benigna não aceitou ser sua namorada, a emboscou, tentou estuprá-la e a matou a golpes de facão. Desde então, foi "canonizada" pelo povo que passou a pedir-lhe graça. Em 3 de outubro de 2019, o Papa Francisco autorizou a beatificação da menina morta, abrindo caminho para a canonização no Vaticano.

Lutou como uma garota

Aos 13 anos, o machismo martirizou Benigna. Enquanto a Igreja autorizou a beatificação da menina morta, em outubro de 2019, "santa" ela já é desde 1941 no povoado de Inhumas

Demitri Túlio (texto) demitri@opovo.com.br
Fábio Lima (fotos) fotografia@opovo.com.br

Com todas as forças, aos 13 anos de idade, Benigna lutou como uma garota. Foi depois de ser covardemente emboscada por um homem que tentou violentá-la. Seu corpo era seu e ponto. Mas conta a história, entre os moradores no distrito de Inhumas, em Santana do Cariri, que mesmo tendo dito a Raul Alves (inúmeras vezes) que não queria namorá-lo, o rapaz embruteceu na recusa. O machismo se incomoda com o não.

Raul Alves se materializou em misoginia. Espreitou Benigna e a perseguiu pelo caminho usado pela menina para ir buscar água em um poço. Facão na mão e diante de mais um desaceito da órfã de pai e mãe, Raul acabou reforçando a pecha de que todo homem é um abusador em potencial.

Benigna não imaginava que não aceitar compartilhar afetos com um homem despertaria violência tamanha. Antes, havia sido assediada. Os moradores mais antigos de Inhumas contam que o rapaz era um sujeito como outro qualquer: "normal". E por isso, ninguém acreditava que ele fosse capaz de tentar estuprar e matar uma garota.

Quando começaram os assédios, a adolescente procurou o padre Christiano Coêlho para se socorrer das perseguições de Raul. O vigário teria orientado que ela fosse estudar em Santana do Cariri. Como a palavra de uma garota no sertão do Ceará, há 78 anos, valia quase nada e ser "macho" era a convenção, ninguém foi ao delegado nem ao juiz.

Quando começaram os assédios, a adolescente procurou o padre Christiano Coêlho para se socorrer das perseguições de Raul. O vigário teria orientado que ela fosse estudar em Santana do Cariri. Como a palavra de uma garota no sertão do Ceará, há 78 anos, valia quase nada e ser "macho" era a convenção, ninguém foi à polícia nem ao juiz.

Em documento da igreja, há quase oito décadas, o padre Chistiano escreveu: "Morreu martirizada às 4 horas da tarde, do dia 24 de outubro de 1941, no Sítio Oiti, heroína da castidade. Que sua santa alma converta a freguesia e sirva de proteção às crianças e às famílias da província. São os votos que desejo a nossa santinha".

A relação entre mulheres e homens, em Inhumas, não tomou outro rumo depois do assassinato de Benigna. Porém, o martírio da mocinha acabou santificando-a no povoado. Mesmo sem o aval da igreja católica, o túmulo, o local da última agonia, o vestido vermelho de bolinhas brancas, o pote, a rodilha e até a água do poço viraram relicários da menina santa do mato. "De 1942 para 1943, as pessoas começaram a vir pagar promessas por graças alcançadas pela intercessão de Benigna", religa Maria da Penha Pereira, da Comissão de Beatificação e coordenadora do Memorial da garota.

Até 2009, as missas e as manifestações de fé dos devotos de Benigna eram ignoradas pela Diocese do Crato. Porém, em 2010, dom Fernando Panico foi a Inhumas e determinou a instalação de uma comissão diocesana para dar início ao processo de beatificação.

Não era para menos. Maria da Penha afirma que na última romaria dedicada à Menina, em outubro do ano passado, pelo menos 30 mil fieis se encontraram para celebrar a memória de Benigna. No Vaticano, ela virou Serva de Deus e, neste mês de outubro, o Papa Francisco ordenou a beatificação. Em Inhumas, ela já havia sido santificada.

Reverência

PEDRA. Quando O POVO esteve em Inhumas, há oito anos, não havia estátua de Benigna na entrada de Santana do Cariri. Apenas uma igrejinha de pedra, construída em Inhumas, pelo povo. A diocese já autorizou a construção de um santuário.

ROMARIAS. As romarias pela Menina Benigna ocorrem em 15 de outubro, data do nascimento da garota (1928), e em 24 de outubro, dia do martírio (1941).

FEMINICÍDIO. 24 de outubro é, agora, feriado municipal em Santana do Cariri. Também é o Dia Estadual do Combate ao Feminicídio no Ceará, aprovado em maio deste ano na Assembleia Legislativa. Projeto do deputado Nizo Costa (PSB).

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