O túmulo de Ecídio Lucas de Lima (1924-1973) está a 17 Km de Granja, na margem da CE-364. Fiéis mantêm a capela onde está o túmulo do Leproso Milagroso

Biografia

Ecídio Lucas de Lima (12/7/1924 - 21/1/1973, segundo consta em sua lápide) foi um andarilho que chegou leproso (como apontava aquela época) ao município de Granja (a 343,2 quilômetros de Fortaleza). Nascido no Rio Grande do Norte, não se sabe se era solteiro ou casado. Dizem somente que, na terra natal, assassinou um soldado e, de certeza, resta-lhe a sentença de morte: a negação e o escárnio. Depois de muitos maus tratos, expulsaram o leproso da cidade, jogando-o na CE-364. Na margem da estrada, o povo caridoso lhe arranjou um abrigo de palha, o alimento e o de beber. Ecídio morreu e foi enterrado ali mesmo, realizando-se o último pedido: de não deixarem os urubus lhe comer. Desde então, aparece gente para lhe erguer capelas, acender velas ou rezar um terço por sua alma, em agradecimento pelas curas e outras graça alcançadas. Depois da expiação, ele ganhou o céu como o Leproso Milagroso.

A misericórdia do leproso

Ecídio Lucas de Lima foi um andarilho que chegou leproso ao município de Granja, nascido no Rio Grande do Norte. A doença lhe causou o desviver: tangido pelo preconceito e pelo escárnio, acabou-se na margem da estrada, onde foi rebolado feito lixo. Depois da expiação, ele ganhou o céu como o Leproso Milagroso

Ana Mary C. Cavalcante (textos) anamary@opovo.com.br
Fábio Lima (fotos) fotografia@opovo.com.br

Não é absurdo tão distante destes tempos. O preconceito, a apartação, a brutalidade. Foi na década de 1970, em Granja (a 343,2 quilômetros de Fortaleza). Houve um leproso, tangido pelas ruas, vindo do Rio Grande do Norte. Não encontrou canto ou sossego até morrer, rebolado na CE-364, distante 17 quilômetros da cidade e dos cidadãos, feito lixo e não mais gente. A lepra era sentença de escárnio e morte.

"A hanseníase carrega um estigma social construído desde a Antiguidade, a Idade Média", liga a historiadora Laurinda Rosa Maciel, da Fundação Oswaldo Cruz. O tipo mais forte e contagioso causava deformidades terríveis em pés, mãos, orelhas, nariz. "Na década de 70, já se tinha algum conhecimento da doença, medicamento. Acho que este estigma milenar, social é mais forte... O isolamento (dos hansenianos) começou, no Brasil, na década de 20 e foi até a década de 80, por incrível que pareça. Toda mudança de mentalidade é vagarosa", relaciona a especialista.

Ecídio Lucas de Lima (12/7/1924 - 21/1/1973, demarca a lápide), o leproso de Granja, desviveu quando não havia "a medicina avançada, tinha o estigma e o medo da doença e uma política de saúde pública que era sustentável no isolamento", insere Laurinda. Mas depois da expiação, o mendigo ganhou o céu como o Leproso Milagroso.

A narrativa é do povo, que peregrina até o túmulo-capela de Ecídio, e está no cordel O Leproso 1978, escrito pelo poeta (já falecido) João Carneiro Filho. É a "prova que a gente tem sobre ele", indica o professor José Lira Dutra, 38 anos. E é uma história que se mantém viva "porque vai passando pela oralidade, as pessoas relatam milagres e está tudo na memória do povo", une o professor.

José Lira conta do Leproso Milagroso pelos caminhos de familiares devotos. Ele foi ao túmulo de Ecídio Lucas levando a sogra "para pagar promessa" ou por "curiosidade, para entender essa questão da fé que as pessoas têm nele". Um caminho que é puro caminhar. "Como é que uma pessoa foi arrancada da cidade e jogada em um lugar, para morrer ao relento e que, a partir daí, essa pessoa que não tinha significado nenhum para a sociedade da época, após a sua morte, ganha esse status de santo popular. A gente não consegue entender. Somente pela fé que as pessoas têm nele", conclui.

A fé é a explicação maior, demonstra José Arteiro Rodrigues, 74 anos, "toda vida foi comércio e roça". Devoto de Nossa Senhora e de "Jesus Cristo em primeiro lugar", ele se criou pela reza do terço, toda noite, mais o pai e a mãe. "Sem fé, nada vai", sustenta. O comércio, na CE-364, é passagem para quem vai acender vela no túmulo do Leproso Milagroso ou para quem procura um atalho entre terra e céu: seu Arteiro é dos únicos viventes que amparou Ecídio quando rebolaram o leproso no mato. Há 51 anos, ele mora no acontecido: "Botaram ele em cima dum tratorzim, daquele de limpar rua, trouxeram e derrubaram aqui".

"Judiaram muito com ele, pelejando pra ele cair. Disseram que iam tocar fogo nele... Eram três bêbados se divertindo com ele", reconstitui. O leproso amanheceu sentado numa cadeira, no alpendre da casa-comércio, avista seu Arteiro: parecia ter "uns 60 anos", os pés inchados e se defecava todo. Contou que esteve preso no Rio Grande do Norte, "fez mal a umas mulher lá" e, desde então, "judiavam com ele, colocavam sal". Já o cordel esboça: "Segundo diz sua história/ Tinha ele mau coração/ Diz que matou um soldado/ No estado do Maranhão/ Também não sei o motivo/ E se tinha razão".

Expulso de Granja, naquele "dia de ano, era 1º de janeiro", o leproso pelejava ir até a cidade vizinha; apoiou-se no gole de café e numa bengala, foi, voltou, mais na frente, caiu "e não se levantou mais", segue seu Arteiro. Juntou-se finado Benedito Chicó, Pedro Carneiro, Chico Benício, Vicente, compadres e comadres e toda caridade.

"O trâmite é semelhante a um processo judicial", explica o professor, que é membro da Academia Brasileira de Hagiologia (Abrhagi), dedicada ao estudo dos santos. Rocha ocupa justamente a cadeira número 5 da entidade, que tem Clemência como patronesse. Se o processo seguir, um primeiro milagre reconhecido e Clemência será beatificada. Um segundo milagre, nas mesmas condições de inexplicável, imediato e constante, e será ungida, elevada ao sagrado. Canonizada, estará santificada nos altares oficiais.

Com 16 mil réis, fizeram um abrigo de palha, amenizando o sol, deram-lhe comida e bebida. "Ele gostava muito de refrigerante", lembra seu Arteiro. "Durou 20 dias... Ele tinha dito pra minha esposa que só queria, quando morresse, não deixasse os urubus comessem, que enterrassem ali mesmo", traça. Fizeram a sepultura, a cruz e a santificação na margem da CE-364. "O povo começaram a se sentir bem", soma.

Para Raimundo Nonato de Souza, 40 anos, do Ministério de Intercessão da paróquia local, "existem os santos que já chegou na honra dos altar pelo conhecimento da Igreja através de dois ou três milagres. E o Ecídio Lucas é um santo que não chegou à honra dos altar, talvez, devido à falta de conhecimento das autoridade religiosa, dos milagres que acontece. Mas é conhecido como o santo de calça jeans, aquele santo que morreu e a pessoa alcança uma graça com ele".

Da vida miserável à eternidade santificada, é um caminho que só a fé percorre. "O acreditar nosso faz com que a gente vá ao encontro dessa alma que sofreu tanto... Uma alma capaz de interceder a Deus, no céu, pela cura das outras pessoas", alcança Raimundo.

Graças alcançadas

O destino de Zé Francisco, enterrado vivo para salvação da honra alheia, também compõe a história do Brasil. "O caso combina com o costume da punição exemplar, ligada à definição de papéis masculinos e femininos", observa o historiador Régis Lopes, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará. "Tem relação com a violência típica da colonização no Brasil e não apenas no Nordeste ou no sertão. Violência em nome da honra era comum. Dizia -se que um homem briga por três "coisas": terra, dinheiro e mulher", completa. Nesta entrevista, via WhatsApp, ele abre veredas por este passado não tão distante:

CURA. Helena Santos, 41 anos, dona de casa, pediu a intercessão do Leproso Milagroso pela cura da irmã, Raimunda Maria, 35 anos, mãe de dois filhos e que sofria com um câncer no útero. "Ela fez outra cirurgia, foi muito sacrificoso. Fez exame, biópsia, passou quase um mês pra conseguir vaga em Fortaleza, conseguir tratamento... A gente fez também muitas promessas. Eu cansei de me ajoelhar e pedir por ela", relata. A graça foi alcançada há seis anos, ela completa.

PROMESSA. "Eu via muito falar que a alma dele era muito milagrosa", une a trabalhadora rural Maria Ferreira do Nascimento, 70 anos, que também se apoiou no Leproso Milagroso para obter a cura de uma dor na perna. "Com pouco tempo, eu fiquei boa e fui lá (no túmulo-capela) a pé", afirma. "Eu não fui nem a médico, me apeguei logo com ele e fiquei boa. Eu tomei uns comprimido, por aí assim, por minha conta mesmo", diz, acrescentando que as filhas também "fizeram promessa (para Ecídio Lucas de Lima) e foram valida".

FÉ. Em 2003, a dona de casa Francisca das Chagas Ferreira dos Santos, 35 anos, adoeceu "da pele". Durante cinco meses, ela diz que tomou remédio e "só melhorava, mas não ficava boa... Era umas manchas esbranquicentas, que coçava demais. Eu ia viajar no transporte, a pessoa já fastava, pra não ficar perto de mim. Coçava dia e noite". Até que se valeu do Leproso, "que é muito milagroso. A gente faz promessa e, se tiver fé, fica curada". Assim aconteceu com Francisca: "Fiquei boa e fui lá (no túmulo) visitar. Sempre que eu posso, vou lá, rezar o terço. Fiquei acreditando, sim, que ele intercedeu".

O Leproso - 1978

Cordel do poeta João Carneiro Filho (in memorian)

Divino Deus de bonda
Inspirai ao Carneir
Para escrever esta história
E mostrar ao cavalheiro
Quanto Deus é poderosob
No globo do mundo inteiro

A história que se segue
Não é romance inventado
É um fato verdadeiro
Que provarei ter se dado
É de um pobre leproso
Pelo povo desprezado

Este leproso citado
Que por Deus recebe a sorte
É um pobre sofredor
Do Rio Grande do Norte
Que nasceu para ser marte.
Já trouxe seu passaporte.

Ecídio Lucas de Lima
Este é o nome seu
No Rio Grande do Norte
Lá este infeliz nasceu
Saiu correndo o mundo
Muitos martírios sofreu

Destacou de sua terra
Entrou para o Maranhão
Atravessando o Ceará
E seguindo em direção
Atravessa o Piauí
Com muita satisfação

Referente a sua vida
Eu dou somente um roteiro
Não sei se este casou
Ou se era o mesmo solteiro
Apenas com 49 anos
Morreu este brasileiro

Sua cor era morena
De 3 mortes criminosas
Tudo indica que este moço
Foi um homem perigoso
Mas quem espera por Deus
Sempre é vitorioso

Segundo diz sua história
Tinha ele mau coração
Diz que matou um soldado
No estado do Maranhão
Também não sei o motivo
E se tinha razão

A data do nascimento
Deste pobre penitente
Segundo seu documento
Eu cito perfeitamente
A 12 de Junho de 24
Nasceu este pobre entre

E dentro desta idade
Muitos tormentos sofreu
Com certeza gozou muito
Dirigindo os passos seus
Foi vitima de sofrimento
A sorte que Deus lhe deu
Porém em suas viagens

Tudo lhe era possível
Chegou pegar uma lepra
Uma doença terrível
Ou que fosse um feitiço
Que a este fosse cabível

Sabemos que a doença
Crescia de mais a mais
Forte lepra pelo corpo
E o pobre dando ais
Sem haver quem lhe tratasse
Quem lhe curasse jamais

A doença acabrunhou-o
Que o pobre penitente
Não encontrou remédio
Que fosse suficiente
Para curá-lo de vez
E sempre de mais doente

A doença furiosa
De mais a mais atacando
E o pobre sofredor
Sempre, sempre caminhando
Rompendo longas estradas
Sua vida lamentando

Este vendo que morria
Resolveu então voltar
A sua terra natal
Para lá se sepultar
Mas a doença aumentando
Não conseguiu lá chegar.

Porém em sua viagem
Leproso e muito doente
No estado do Ceará
Viajava a penitente
E na cidade de Granja
Lá chegou infelizmente

E quando chegou em Granja
Foi muito bem recebido
Pelo prefeito local
Um moço bem conhecido
Sr. Luiz Oliveira
Por ser pai dos desvalidos

Porque o prefeito bom
Que conhece seu dever
Quando chega um desvalido
É obrigado acolher
Em sua boa cidade
E a caridade fazer

Pois quando a doença é feia
Como este era leproso
Arrumasse uma choupana
Para da o seu repouso
Pagasse a uma sentinela
Pois nada era custoso

Pois cada um habitante
Daquela mesma cidade
Ou mesmo algum passageiro
Lhe faziam a caridade
Até que chegasse o dia
De ir à eternidade

Porém aquele Prefeito
Não cumpriu sua obrigação
Mandou levar o leproso
Na caçamba ou caminhão
Pertencente o prefeito
Como quem faz com um cão

Não lembrou-se de S. Lázaro
Também foi um desvalido
Era expulso pelos ricos
Mas, foi por Deus acolhido
E de todos seus pecados
Este foi absorvido

Porém aquele prefeito
Tudo isso desconhece
Pois quem sempre se orgulha
Se de Deus se esquece
Mas um dia Deus se lembra
E o castigo lhe oferece

Porém na santa escritura
Nesta escriturado está
Que é mais difícil um camelo
No fundo de uma agulha entrar
Do que um rico orgulhoso
No reino de Deus chegar

Mas este Prefeito
Pensou tudo diferente
Dentro de sua caçamba
Foi jogado o penitente
E para a família carneiro
Mandou deixar de presente

Debaixo de uma oiticica
No pátio de Quintino Carneiro
Foi jogado o penitente
Pelo grupo desordeiro
Deixando lá no relento
No sol e no aguaceiro

O inverno estava forte
E ninguém lhe dava o pão
Pra casa de Zé Arteiro
Moço de bom coração
Aquele pobre leproso
Viajou de arrastão

Este mesmo Zé Arteiro
É um estabelecido
Lá na margem da estrada
Um moço bem conhecido
Lá este passou 3 dias
Pelo mesmo protegido

No quarto dia arrastou-se
Saindo de Zé Arteiro
Foi cair a pobre vitima
No seu ponto derradeiro
Vizinho à casa de um cunhado
Do poeta João Carneiro

O Sr. Valdemar Carneiro
Por ter um bom coração
Com sua esposa Adélia
O poeta é seu irmão
Estes mandavam deixar
Para o leproso o seu pão

O Sr. José Maria
De Granja é o vigário
Passando lá no seu carro
E vendo o pobre precário
Reuniu umas esmolas
Para lhe dar o necessário

Depositou as esmolas
Em mão de José Arteiro
Pedindo que construísse
Um casebre bem ligeiro
Pra colocar o leproso
Livrando do aguaceiro

O Sr. José Arteiro
Logo o casebre empreitou
Pagando só 6 cruzeiros
E com o resto ficou
Segundo me informaram
E lá nem uma vez pisou

Do Rio Grande do Norte
Passa ali um cidadão
E falando com o leproso
Conheceu que era irmão
Disse: vou deixar-lhe uma esmola
Para sua rede então

Chegando no Zé Arteiro
Deixa a importância citada
Para o mesmo comprar a rede
Disse: Mande sem maçada
E Zé Arteiro mandou-lhe
Foi uma rede rasgada

Afinal o pobre homem
Ali 27 dias passou
Por Valdemar e João Neto
Seu pão nunca lhe faltou
E de a 21 de Janeiro de 73
O pobrezinho expirou

Morreu o mesmo sem vela
Porém Deus lhe protegeu
E todos seus pecados
Ele se arrependeu

Mas ao queimar seu casebre
O mesmo foi sepultado
Por Chico Doca e João Neto
Que estavam sempre a seu lado
Benedito Chico, Raimundo Gerônimo
E Raimundo Sirino falado

Foi visitado sua cova
Foi colocado uma cruz
Na mesma já deixam fitas
Com o poder de Jesus
Esta alma é milagrosa
Vai ser um anjo de luz

O Sr. Luiz Oliveira
Ainda vai ao local
Pagar a sua promessa
Por seu pecado brutal
Pra com a família Carneiro
Não querer fazer mal.

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