Antônio Rezador vive em um sítio na zona rural de Milagres, onde há mais de 30 anos é procurado para curar as doenças de devotos

Biografia

Antônio Rezador, 73, vive em um sítio, com a família, na zona rural de Milagres, no Cariri cearense. Ex-safoneiro, é procurado há mais de 30 anos para rezar e benzer os outros. Sua casa vive lotada de pessoas atrás de curar mal olhado, doenças, tristezas. Ele diz que não cura, tem apenas o dom de pedir "aos santos, Deus e Nossa Senhora".

Reza forte do ex-sanfoneiro

Em Milagres, no Semiárido cearense, um ancião não tem sossego com quem acredita que sua reza faz acontecer

Demitri Túlio demitri@opovo.com.br
Fabio Lima fotografia@opovo.com.br

Em uma curva da estrada no Sítio Tabocas, zona rural de Milagres no Cariri cearense, há sempre fila de espera por uma reza dita "santificada". No alpendre da casa, sem muro nem cerca, Antônio Rezador, 73 anos, não para de receber gente. Quem chega ali é costumeiro na porta do intercessor ou foi pela primeira vez porque ouviu alguém falar da virtude do ex-sanfoneiro que reza nos outros há mais de 30 anos. Vem para pedir oração, a vida tem alguns desassossegos que (chega uma hora) se valem do sublime. Antônia Gonçalves da Silva, 71, se repete, desde 2001, na "capela" miúda e cheia de quadro de santos onde Antônio Rezador é cicerone. Estava com o filho Claiton Gonçalves, 43, a nora Francisca, o neto José Bento e um genro. Há dez anos, dona Antônia acredita que a reza forte dele tirou o irmão Cícero do vício de 30 anos de alcoolismo. Ela crê e passou isso para uma parte da família nascida em Mauriti, município da mesma região de Milagres.

É assim, talvez, que nasce o acreditar fora do previsível. Claiton Gonçalves, o filho de Antônia, não encontra outra explicação (além do trabalho de sol a sol) para superações dentro de uma churrascaria que montou em Mauriti para ganhar dinheiro com as obras da transposição do Rio São Francisco. O caminho das pedras era fornecer quentinhas para os operários das empresas no canteiro por onde rio ainda é ausência.

Antônio Rezador pediu pela abundância de Claiton e "profetizou" que o rapaz floresceria. De fato, confirma o comerciante dono do restaurante Pé de Serra, mas um calote de R$ 96 mil aplicado por uma empresa o desaprumou. "Não quebrei, fiquei em pé com dificuldade. Refiz os caminhos e estou reconquistando o que é pra mim", confia.

A esposa de Claiton Gonçalves, 40, é outra história. "Juro, por Deus, sou hipertensa e infartei. Quando cheguei aqui, o cansaço foi me desincomodando, o fôlego me trouxe de volta". Teria sido "a calmaria" vinda de Antônio Rezador. O Rezador, batizado Antônio Aristides Santos em 1946, não floreia a conversa. Nem admite o cartaz de milagreiro. "Eu só faço pedir. Nem rezo, só peço. A fé é deles. Se alcançam, se ficam curados, desadoecidos, não fui eu. É o poder de Jesus, Maria e José", devolve com certa franquia.

Mas ele se veste numa bata branca com os dizeres bordados: Santuário da Sagrada Família e a imagem da pomba do Espírito Santo. Ninguém entra na capela se não for descalço. Há terços para cada destinação, água benta para dar de beber e aspergir. E uma fita amarela contra picada de cobra, lacraia ou outra peçonha. Já amarrou muitas em cortadores de cana-de-açúcar acudidos na Bahia, Paraíba e em Pernambuco.

Pedi para sermos "rezados". Eu, o fotógrafo Fábio Lima e o motorista Alexandre Rodrigues. Um por um, em ocasiões distintas, perguntou para qual destino era a oração. Pedi contra as deslembranças de mamãe. Alexandre pediu pela cirurgia do filho e Fábio, pela cachorra Pérola que havia engolido slime (brinquedo feito de cola e outros produtos). "Pra sua mãe, Nossa Senhora de Fátima". Santa Rita de Cássia para o menino. "Ele vai ligar pra mim, à noite", orientou o Rezador. Para Pérola, "São Francisco de Canindé. Chega aperreio aqui pra cachorro desenganado, eu peço", disse e sussurrou algum dizer para ele mesmo.

Bebemos da água exibida a um dos santos na parede. A fita amarela laçou o meu pulso e o do fotógrafo. Antônio Rezador não viu razão ou esqueceu de fazer o mesmo com Alexandre, mas só a ele deu um terço. Pôs as mãos em nossas cabeças, joelhos e suplicou por cura. "Pronto, se vocês acredita no que disseram pra mim pedir, vem coisa boa. Minha reza é desse jeito, não existe no papel", findou.

Curiosidades

A ESPOSA. Antônio Rezador tem um (quase) dilema pessoal. A esposa Maria de Lourdes, 80, teve um derrame cerebral (AVC) em maio deste ano. "Ela teve pior, foi pro hospital, está tomando remédios e peço por ela. Vai se recuperar. Tenho fé".

MISSA. Todo dia 24 de agosto, em frente à casa de Antônio Rezador acontece uma missa campal. Dois padres celebram para uma multidão vinda de várias cidades do Ceará e outros estados do Nordeste.

DINHEIRO? Ninguém paga pelas preces ou intermediações de Antônio Rezador. Mas há quem traga comida, estátuas e quadros de santos, material de construção para o "santuário" e outras doações. Segundo o ex-sanfoneiro, muita coisa é distribuída.

SEM APOSENTADORIA. O ex-sanfoneiro teria começado a rezar ainda criança. Depois que se aposentou da carreira de músico e gerente de frentes de serviços, passou a atender pedidos para que rezasse por alguém à porta.

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