Terços e garrafas de água são depositados por fiéis ao lado da cruz da Menina Perdida, em Iracema

Biografia

Há poucas informações sobre a história da menina. Seu nome seria Francisca, segundo os devotados. Tinha entre nove e dez anos quando morreu, após dias de fome e sede, como contam. O corpo estava debaixo de um pé de angico. Depositam garrafas d'água ao lado de um cruzeiro construído por fiéis. A região onde foi encontrada sem vida, no Médio Jaguaribe, é próxima à serra do Pereiro, já perto da divisa com o Rio Grande do Norte. Acredita-se que tenha vindo de lá, andando perdida. O junco foi derrubado alguns anos atrás para a passagem de uma estrada carroçável. Rezam para ela todo dia 12 de outubro. Hoje, o sol escaldante e o lugar isolado reafirmam o martírio vivido pela menina.

Resgatada pela fé

Uma menina perdeu-se da mãe e, sem orientação, caminhou desde o Rio Grande do Norte até o povoado cearense de Iracema, hoje município. Esmoreceu de fome e sede e foi encontrada morta à sombra de um angico. Hoje há um cruzeiro em seu nome, onde devotos levam água, velas e fazem preces e agradecem pelos feitos de milagreira

Cláudio Ribeiro (textos) claudioribeiro@opovo.com.br
Júlio Caesar (fotos) juliocaesar@opovo.com.br

O ano em que aconteceu, não se sabe ao certo. O tempo foi apagando os detalhes e desolando os que buscam mais informações para a reverência à história, de tamanha tristeza. Fala-se do acontecido no início do século passado, no meio da caatinga que emenda os territórios do Ceará e do Rio Grande do Norte. O lado cearense fica em Iracema, no Vale Jaguaribano - quando ainda era um povoado de Pereiro, município vizinho. Era um chão de poucas perspectivas, à época, que acabou sendo o cenário do martírio da Menina Perdida.

O enredo contado é de uma criança que morreu de fome e sede ao se perder da mãe. Por vários dias, ela teria andado na mata, sem água nem comida, e só foi encontrada morta. O corpo caído estava acolhido apenas pela sombra de um pé de angico. O nome dela era Francisca, tinha sete anos. Só a fé que a resgatou. Atualmente, há devotos do seu sofrimento, com testemunhos de graças alcançadas.

O pecuarista José Diógenes Marques, de 70 anos, conhecido como Dedé Maroto, é um que tenta levantar minúcias que ajudem a resgatar o drama da menina. No que soube do caso ao longo dos anos, a mãe teria levado a menina para ajudar na lavagem de roupa num riacho perto de casa. "Ela fumava, mas esqueceu de levar fósforo. Aí pediu para a filha: 'vá lá em casa e me traga uma caixa de fósforo ou um tiçãozinho de fogo, que é pra eu acender esse meu cigarro'. Era perto. A bichinha foi. Quando voltou, se perdeu", descreve. "Isso abalou todo mundo naquela época. Faz muito tempo. Ele próprio se diz respeitoso e tem feito pedidos na intenção dela.

O tempo também desfez a exatidão de onde a menina teria partido. Também porque não há registros nem pesquisas feitas sobre o episódio. Àquela época, havia uma localidade chamada Riacho da Roça, pelo lado potiguar. Se veio de lá, a menina provavelmente teria caminhado de 25 a 30 quilômetros, segundo seu Dedé. Mas isso nem é uma certeza. Parentes teriam buscado o corpo da garota, porém a memória e testemunhas do caso também sumiram. Os mais velhos partiram e levaram consigo a narrativa exata.

Hoje, na estradinha carroçável que leva ao antigo sítio Xexa - atualmente assentamento Uberaba - há um cruzeiro. É o marco que guarda a lembrança e o ponto onde a menina desabou. Ao lado, várias garrafas pet com água, flores de plástico, velas, terços pendurados na cruz e na cerca de arame farpado que delimita o terreno. Também alguns brinquedos. A quentura do dia que O POVO esteve no local sugere o que a garota pode ter passado nos dias de desaparecimento. Antes, o marco era uma cruz que ficava debaixo do mesmo pé de angico. A árvore foi derrubada durante a obra da estrada. Altina Franco, nascida em Iracema e moradora de Fortaleza, é devota da Menina Perdida. Foi ela quem bancou a construção do cruzeiro.

Era o ano de 1985, Altina ainda fumava. Já tinha tentado largar o vício outras vezes, mas fraquejava diante de um cigarro. "Quando eu morava lá, passava sempre. Parava o carro, acendia uma velinha. Fui me apegando. Me vali dela. Pedi força, junto a Deus e a ela, e deu certo", descreve. Nos quatro primeiros meses em que o cruzeiro foi erguido, havia uma portinha de vidro em que os fiéis depositavam cédulas de menor valor e moedas. Esmolas de gratidão aos feitos milagreiros da Menina. "Até um dia em que um bêbado passou, quebrou o vidro e pegou o dinheiro", lamenta Altina.

"As pessoas sempre vêm para rezar o terço. Nunca fui para pedir. Passo, me benzo, rezo um Padre Nosso pra ela, na intenção da minha família. No que ela puder fazer de bem para defender os males pela minha família, agradeço", afirma seu Dedé. O lugar recebe grande visitação no dia 12 de outubro, com caminhadas feitas a partir da sede municipal de Iracema. Até o cruzeiro, é uma passada de aproximadamente três quilômetros. Também há boa presença no Dia de Finados.

O município, segundo o secretário de Esportes e Cultura, Ari Diógenes, tem três padroeiras locais: Nossa Senhora da Conceição na sede, Nossa Senhora do Carmo, na comunidade quilombola da Vila dos Bastiões, e Santa Margarida de Alacoc, no distrito de Ema. A história da criança não é formalizada pela Igreja Católica, mas ganha sempre o respeito de quem acredita.

Curiosidades

AÇUDE. Numa propriedade vizinha ao cruzeiro da Menina Perdida, um produtor construiu um açude que, neste ano, ganhou bom volume com as chuvas. O reservatório transbordou e a água escorreu para o entorno do monumento, deixando o lugar sempre empoçado. Apesar da coincidência, o fato tem chamado a curiosidade, já que a menina teria morrido de sede e fome.

ATRAÇÃO."Toda história de devoção é importante para qualquer município. Essa da Menina Perdida não é diferente. Muitos devotos dela vêm fazer suas orações, fazer preces e homenagens de alguma graça ou até mesmo pela comoção com a morte. Isso é importante para o município, nossa cidade é muito religiosa", pontua o secretário de Esportes e Cultura, Ari Diógenes.

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