Mobilidade ativa

Quem se movimenta pela Cidade precisa de calçadas adequadas, ruas arborizadas e uma malha viária segura. Esses são quase pré-requisitos para o chamado deslocamento ativo, que contribui para uma melhor mobilidade urbana, proteção ao meio ambiente e até saúde da população. A mobilidade ativa envolve priorizar pedestres, ciclistas e pessoas com mobilidade reduzida.

Neste terceiro caderno do Movimento Urbano debatemos, justamente, os principais avanços e obstáculos para quem já usufrui dos benefícios de caminhar e pedalar. A situação para as bicicletas, por exemplo, já melhorou muito: houve um crescimento de 282% de estrutura cicloviária. 

Mas, ocupar ruas e avenidas a pé ou de bike exige mais do poder público e das pessoas. “Até porque não existe uma solução única para promover a mobilidade ativa ou suave, existem soluções diversas. E para todas é fundamental uma boa gestão – a vontade política, a disposição de mudar e mobilizar as pessoas e os recursos necessários para que essa mudança aconteça”, explica a arquiteta e urbanista Laura Rios. 

Nesse cenário, olhamos para os dados de segurança viária e convidamos você a experimentar um deslocamento “com a força do corpo”.

Boa leitura! 

O ir e vir pela força do próprio corpo

A sociedade começa a repensar as próprias rotinas e avalia que voltar ao modelo de mobilidade que prioriza o pedalar e o andar faz bem para o corpo e para a mente

Por Luana Severo

Em seminários e escritórios de consultoria sobre desenvolvimento urbano sustentável, universidades, jornais e rodas de conversa do mundo inteiro se fala que o futuro da mobilidade é o deslocamento ativo. Que as cidades precisam se readequar para priorizar pedestres, ciclistas e pessoas com mobilidade reduzida, que caminhadas e pedaladas fortalecem corpo e mente, que o vínculo com as ruas precisa ser resgatado e que isso, sobretudo, interrompe o ciclo de degradação ambiental acelerado pelos veículos motorizados.

Depois de décadas de estímulo ao automóvel privado e de desenvolvimento urbano orientado por centros produtivos afastados dos lares, a sociedade repensa as próprias rotinas e avalia se o modelo de mobilidade que por tanto tempo experimentou é sustentável. Curioso é perceber que esse movimento faz recorrer às técnicas mais primitivas e democráticas de locomoção. 

Em Fortaleza, Bosco Dantas, 36, arquiteto, mora no Monte Castelo e trabalha no Benfica, especificamente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Apesar de ter um carro, ele pouco utiliza o veículo no dia a dia porque prefere ir pedalando ou correndo por cerca de 2,5 quilômetros para o trabalho. Mas, nem sempre foi assim. 

Há pouco mais de seis anos, parte da rotina de Bosco fora do emprego era dedicada a malhar e correr. Isso mudou quando nasceu o primeiro dos seus dois filhos. “Eu não tinha cara de deixar minha esposa com ele para ir para academia”, admitiu. Foi então que Bosco decidiu inserir a atividade física nos deslocamentos diários entre casa e trabalho. “Vou com mochila nas costas levando roupa” para trocar no vestiário, compartilhou. 

Contar com vestiário e bicicletário no trabalho é, inclusive, para Bosco, a principal motivação para optar pelo modal ativo. Além disso, ele considera que a Cidade, hoje, oferece estrutura segura e bem conectada nesse trajeto. “Quanto mais estiverem pintando ciclofaixas e fazendo ciclovias, mais dá coragem para as pessoas, que se sentem preservadas dos carros”, disse. 

Magda Moura de Almeida, professora do departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), compreende o transporte ativo como a melhor forma de garantir que as pessoas cumpram os 30 minutos de atividade física necessários diariamente. Porque “mantém o gasto energético equilibrado e o metabolismo acelerado, além de estar pegando vitamina D, pela exposição ao sol”, explicou a médica. 

Outros ganhos para a saúde, segundo Magda, além da incontestável perda de peso, é prevenir doenças cardiovasculares, melhorar a atividade intestinal e liberar “hormônios da felicidade” como serotonina e endorfina. “Além da questão social”, continuou, à medida que o contato palpável com as ruas proporciona encontros e uma melhor interação com a Cidade. 

Perfil de cidadão

Felipe Alves, 37, engenheiro civil, há muitos anos conhece os benefícios da mobilidade ativa, tanto que prioriza pedaladas e caminhadas nos deslocamentos diários. “Para destinos mais próximos de casa, geralmente, vou a pé”, afirmou. Os únicos obstáculos que disse encontrar quando caminha são as calçadas. “Sempre penso que, se eu não estou achando bom, imagine alguém que tem alguma dificuldade de locomoção. E tem ainda muita dificuldade nas travessias que têm semáforo (para pedestres), mas que a prioridade é dos veículos”, citou. 

Locomoção. Calçadas e a responsabilidade compartilhada

Por Luana Severo

Calçadas são eficientes termômetros para medir a experiência do pedestre nas ruas. Desniveladas, obstruídas, inacessíveis e escorregadias, não estimulam a caminhada por elas e oferecem riscos às vidas das pessoas. Por outro lado, quando espaçadas de acordo com o volume de tráfego da via, antiderrapantes, acessíveis, desobstruídas e ladeadas por fachadas vivas e atraentes, tornam o ir e vir bem mais seguro, acolhedor e prazeroso.

Em Fortaleza, a lei determina que os proprietários dos imóveis são os responsáveis pela manutenção das calçadas. No entanto, a Cidade cresceu praticamente sem fiscalização, o que provocou um impasse difícil de ser superado, mas possível de ser minimizado a curto prazo. “A gente, desde o ano passado (dentro do Plano Municipal de Caminhabilidade), tem tido conversas com o Ministério Público e outros órgãos para traçar um plano de fiscalização que combata ações que dificultam o caminhar”, garante o diretor de planejamento da Agência de Fiscalização de Fortaleza, Márcio Bezerra.

O plano da Prefeitura consiste em fiscalizar calçadas dos principais corredores de transporte da Cidade e estipular prazo para a correção das estruturas, isso quando a própria gestão municipal não executa o serviço no momento em que se dispõe a requalificar toda a via. 

“As infrações mais comuns são batentes e outros obstáculos, até mesmo a não existência da calçada, podendo estar destruída ou não ter sido construída”, explica Márcio. De 28 de janeiro até o fim do mês de julho, a operação Calçada Acessível fez 2.455 notificações a proprietários de edificações em 25 avenidas da Capital — a meta é chegar a 70 até dezembro. 

Caminhabilidade

Em construção no âmbito da Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), o Plano Municipal de Caminhabilidade tem base na Lei Federal de Acessibilidade e no Projeto de Lei do Código da Cidade e prevê melhorar a qualidade da experiência do pedestre em Fortaleza. Um projeto-piloto está previsto para ser desenvolvido na rua João Moreira, Centro da Capital, neste segundo semestre de 2019. 

 

Bate-pronto

Beatriz Rodrigues é coordenadora de Desenho Urbano da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global em Fortaleza

Por Luana Severo

O POVO - Como o desenho urbano pode atrair/estimular o deslocamento ativo?

Beatriz Rodrigues - À medida que deixa claro quem são as prioridades na via: usuários mais vulneráveis, como pedestres e ciclistas, e, em especial, idosos e crianças. Nas BRs 116 e 020, um pedestre ou ciclista tende a se sentir intimidado para cruzar ou percorrer a via. O que é bem diferente na Área de Trânsito Calmo no entorno do Hospital Albert Sabin. No primeiro exemplo, as vias foram pensadas quase que exclusivamente para veículos motorizados e, no segundo, a prioridade são as pessoas. Fica fácil compreender: em qual via você se sentiria mais confortável em caminhar ou pedalar?

OP - Como Fortaleza pode conectar-se melhor?

Beatriz - É preciso seguir aprimorando o sistema de ônibus e de VLT e metrô, mas, também, na oferta de opções de mobilidade ativa como a caminhada ou o uso da bicicleta.  

OP - Bairros adensados e com boa oferta de serviços podem, por si só, induzir a mobilidade ativa? O que prejudica/desestimula esse tipo de deslocamento? 

Beatriz - Esse é o modelo que as cidades mais prósperas estão apostando: ter empregos, moradias e serviços ofertados em uma mesma área com objetivo de reduzir os deslocamentos em massa. Isso gera uma economia absurda do ponto de vista de emissão de gases de efeito estufa, mas, principalmente de qualidade de vida. Quem não gostaria de poder caminhar ou ir para o trabalho ou escola todos os dias em vez de percorrer longas distâncias, seja de carro ou ônibus? O grande desafio foi a forma como as cidades foram construídas, centralizando serviços e empregos e deixando moradias cada vez mais distantes. A mobilidade ativa é fortalecida quando esses componentes estão reunidos numa mesma microrregião.  

Bicicletar. Por que Fortaleza é case no modal cicloviário

Sistema com mais de 221 mil cadastros estimula comportamento mais equilibrado nas vias

Por Luana Severo

Cinco anos atrás, quando Fortaleza dispunha de somente 68,2 quilômetros de estrutura cicloviária, quem pedalava pela Cidade enfrentava o caos. O tráfego de bicicletas era disputado com o de carros, motocicletas, ônibus e caminhões, ciclistas recorrerem às calçadas em busca de refúgio era comum — embora muito errado! —, o desrespeito entre todos os usuários das vias era mais frequente e o ir e vir, por consequência, era mais penoso. 

Tornar esse cenário menos caótico não foi possível somente com redesenho urbano e expansão da malha cicloviária — que, num crescimento de 282%, hoje, é de 260,9 km. Desde dezembro de 2014, são algumas das principais indutoras de respeito e fomento às políticas públicas de mobilidade ativa as bicicletas compartilhadas do sistema municipal Bicicletar. 

Com 80 estações distribuídas pela Capital e a promessa de mais 120 até o fim deste ano, o sistema possibilitou mais de 2,6 milhões de deslocamentos pelo modal cicloviário e conta com mais de 221 mil cadastros, sendo 91% dos ativos, gratuitos, com uso do Bilhete Único. 

Foi a partir das precursoras verdinhas, patrocinadas pela Unimed, então, que nasceram projetos como o Bicicleta Integrada (nos terminais de ônibus), Bicicletar Corporativo (nas secretarias municipais), Mini Bicicletar (para crianças) e Ciclofaixa de Lazer. Também, junto a elas, foram requalificadas vias e estimulados os diferentes deslocamentos ativos. “Hoje, 40% da população de Fortaleza está a até 300 metros de uma ciclofaixa ou ciclovia”, assegura Luiz Alberto Sabóia, secretário-executivo da Conservação e Serviços Públicos da Capital. 

Mesmo assim, conforme o Relatório da Segurança Viária de 2018, das 256 vítimas fatais ano passado, 37,5% eram pedestres e 7,4%, ciclistas. Ou seja, quase metade dos usuários mais vulneráveis das vias continua morrendo. “Nós, poder público e sociedade, não podemos nos contentar com uma só morte. A cidade melhorou muito, reduziu em dois terços as ocorrências com ciclistas, mas, mesmo com esse êxito, não podemos baixar a guarda”, decide Sabóia. 

Dante Rosado, coordenador da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global em Fortaleza, lamenta que, embora o Código de Trânsito Brasileiro priorize a segurança de pedestres e ciclistas, a regra ainda não seja rigorosamente seguida nem no País nem na maioria dos outros com renda média ou baixa que continuam a registrar elevadas taxas de mortes e lesões no trânsito. “Infraestruturas seguras, sinalização, educação e fiscalização são o meio mais eficaz para reverter essa realidade”, afirma. 

Felipe Alves, engenheiro civil associado ao Coletivo Ciclovida, corrobora do pensamento de que as bikes do Bicicletar foram e têm sido importantes para induzir o respeito e a subsequente redução das colisões no trânsito, ainda que a situação permaneça grave. “É interessante ter mais pessoas utilizando a bicicleta para lazer porque, por mais que elas ainda usem o carro na semana, passam a ter um comportamento melhor como motoristas”, afirma. 

“Investir numa malha cicloviária é uma das coisas mais efetivas que existem para construir cultura e respeito. Coloca ciclista numa condição de importância equivalente aos demais usuários das vias. Ele passa a ser ator prioritário”, conclui Luiz Alberto Sabóia. 

Bicicleta Integrada

Luiz Alberto Sabóia, da Conservação e Serviços Públicos da Capital, diz que o sistema que compartilha bicicletas nos terminais de ônibus deve passar por remodelação e ser expandido para 15 estações (atualmente, existem sete), integrando, também, com metrô.

Desrespeito às ciclofaixas

Somente delimitar espaços com tintas e tachões não é suficiente para garantir o respeito dos veículos motorizados ao compartilhamento das vias com as bicicletas. A Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) de Fortaleza registrou no primeiro semestre deste ano 3.135 infrações por transitar sobre ciclofaixas e ciclovias e 261 por estacionar sobre as estruturas. 

Recursos

Recursos oriundos da Zona Azul Digital são destinados pela Prefeitura de Fortaleza à manutenção e expansão da rede cicloviária na Capital. Já os recursos arrecadados com os impostos pagos por motoristas de aplicativos de transporte individual privado devem ser destinados à promoção de políticas para pedestres, incluindo correções de calçadas. 

Expansão da malha cicloviária em Fortaleza

2012: 68,2 km

2019: 260,9 km

Meta para 2020: 400 km

Conscientização. Respeito e infraestrutura como pilares da segurança

Por Luana Severo

Quando determina que, “em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já deixa claro para sociedade civil e governantes o que deve ser prioridade para a mobilidade urbana no País.

Luiz Alberto Sabóia, secretário-executivo da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) de Fortaleza, considera a legislação nacional progressista e bem resolvida, mas admite que ela, somente, não consegue fazer com que o Brasil avance numa cultura de respeito aos modais ativos. “Isso envolve um trabalho de conscientização que é contínuo, progressivo, sistemático e que demanda certo tempo para se consolidar. Mas, a construção desse respeito contempla o poder público colocar, de fato, esses modais como prioridade”, compreende o gestor. 

Clarisse Linke, diretora executiva do escritório do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) no Brasil, afirma que “esse entendimento (da legislação nacional) precisa estar bem refletido nas políticas, revisão das regulamentações locais e no investimento” em estratégias de mobilidade urbana. No entanto, pontua que é preciso o CTB “acalmar as velocidades nas cidades”, considerando que as máximas atualmente permitidas possibilitam, ainda, muitas colisões e, consequentemente, mortes e lesões no trânsito. 

Na prática, ocorre que a priorização do modal ativo requer adequar velocidades, construir espaços seguros e atrativos para ciclistas e pedestres (foco em idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida), angariar recursos para investimento permanente em infraestrutura para estes usuários no trânsito, fiscalizar infrações e assumir campanhas sérias de conscientização. “Temos longo caminho pela frente, visto que as cidades brasileiras foram pensadas, nos últimos 60 anos, priorizando os automóveis em detrimento dos demais”, ressalta Dante Rosado, coordenador, na Capital, da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global. 

Sendo assim, mesmo que Fortaleza tenha progredido rapidamente em expansão da malha cicloviária, redução da velocidade máxima permitida em trechos estratégicos e experimentação de projetos-piloto como Cidade da Gente, Caminhos da Escola, Área de Trânsito Calmo e Esquina Segura, por exemplo, ainda é preciso redistribuir melhor os espaços, manter e melhorar a segurança das ciclofaixas e ciclovias, difundir para regiões afastadas dos centros urbanos os projetos de priorização dos modais ativos, fiscalizar mais e cobrar correções de calçadas. 

Além disso, Clarisse lembra da necessidade de pensar a qualidade do ambiente urbano. Ao passo que edificações com comércios e serviços no térreo chamam a atenção das pessoas e as fazem interagir com o ambiente, muros altos e grades, segundo ela, têm efeito contrário. Outra ponta é o espaço público. “Temos árvores, sombra? É confortável andar? Qual a qualidade da calçada? Temos pontos de descanso? Que equipamentos a gente oferece pensando em diferentes usuários? Idosos precisam caminhar para continuarem conectados ao ambiente urbano. Crianças precisam da interação com o ambiente como parte do desenvolvimento cognitivo. O quão prazeroso é estar na rua e interagir com o outro?”. 

Pontuando a resistência de alguns, inclusive, do Governo Federal, no sentido de estimular  a mobilidade ativa, Clarisse, por fim, reflete: “Cidade é espaço fundamental para a construção da cidadania e a gente está fazendo com que esse espaço seja cada vez mais inóspito”. 

Segurança de ciclistas

Segundo Clarisse Linke, a infraestrutura de segurança viária para ciclistas deve ser definida a partir do volume de tráfego de todos os usuários da via, da velocidade e dos principais eixos de deslocamentos (onde estão as principais origens e destinos da população). O tipo (ciclovia, ciclofaixa, ciclorrota etc.) depende essencialmente de velocidade. “Naturalmente, numa via arterial de alta velocidade, onde passam caminhões, precisa segregar completamente a infraestrutura. Ruas de bairro, internas, podem ter compartilhamento”, ensina a especialista. 

Como construir calçadas acessíveis?

A Prefeitura de Fortaleza disponibiliza, online, no site da Seuma, o Plano Municipal de Caminhabilidade, o Caderno Técnico e a Cartilha de Boas Práticas para Calçadas da Capital. Os documentos norteiam iniciativa privada, sociedade civil e obras públicas sobre conceitos de caminhabilidade e parâmetros como dimensões, grau de inclinação, paisagismo, acessibilidade e materiais adequados para a construção das calçadas. 

Recomendação da ONU

A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu esta década como a de Ação pela Segurança no Trânsito. O intuito é estimular que as cidades diminuam a quantidade de mortes e lesões decorrentes de colisões e se tornem mais habitáveis, eficientes e produtivas. 

Mover Suave

O que se designa como mobilidade ativa, também chamada de mobilidade suave (como prefiro me referir, pela imediata percepção do seu propósito), se trata de todas as formas não motorizadas para transporte ou locomoção das pessoas. São todas as formas de se locomover que fazem uso unicamente de meios físicos das pessoas.

De todas as formas de mobilidade suave, o caminhar é a mais abrangente e democrática. É a nossa forma primária e natural de se locomover, a mais saudável e barata. O andar a pé produz inúmeros benefícios para a vida citadina, incluindo a saúde pública e de qualidade do ambiente que vivemos. O ato de caminhar é também um ato político, capaz de promover a mudança cultural de uma sociedade acomodada às deslocações em veículos privados. Mas, para o surgimento de uma comunidade adaptada aos deslocamentos a pé, a estrutura da cidade precisa estar preparada para prover trajetos seguros, acessíveis e agradáveis.

Por isso, acredito que promover a caminhabilidade deveria ser a prioridade máxima de toda e qualquer política pública de mobilidade. O desenho urbano tem que prover espaços públicos apropriados, seguros, sem barreiras, permitindo com facilidade e comodidade a convivência das pessoas nas ruas. Importante também reforçar que existe uma corresponsabilidade da sociedade na forma de desenhar a cidade, uma vez que nossas calçadas e fachadas são elementos determinantes para a caminhabilidade nas ruas. 

É um grande desafio instituir a mobilidade suave nas cidades uma vez que todo projeto de intervenção deve ser “coringa” para dar conta de tantas realidades distintas. Ele tem que abarcar as diferentes especificidades dos bairros e também de municípios pequenos, médios e grandes. O aspecto legislativo precisa evoluir também, pois, apesar de ser contemplado nos planos diretores, ainda são precisos projetos de lei como a Rua Completa, recém aprovada em São Paulo.

Projetos como esse têm a capacidade de delinear melhor a atuação pública na mobilidade suave, uma vez que o desenho geral já está traçado nos planos, mas o recheio das ruas, cada localidade deve determinar conforme suas características culturais, ambientais e, principalmente, as necessidades locais.

O desafio de instituir a mobilidade ativa é coletivo, diz respeito a gestão e nossa cultura urbana. Ele também engrandece as discussões sobre como desejamos viver e nos relacionar com as cidades. Os projetos de lei não serão a solução de todos os problemas, mas é uma etapa da construção coletiva importante entre as gestões e a sociedade. Até porque não existe uma solução única para promover a mobilidade ativa ou suave, existem soluções diversas. E para todas é fundamental uma boa gestão – a vontade política, a disposição de mudar e mobilizar as pessoas e os recursos necessários para que essa mudança aconteça.  

LAURA RIOS

Arquiteta e urbanista, coidealizadora do Estar Urbano, professora de pós-graduação em Arquitetura e Projetos sustentáveis na Unifor e Coordenadora de Políticas Intersetoriais da secretaria de Saúde do Estado do Ceará. 

Movimento Urbano #01

A mobilidade é um assunto que interessa a todos, independente do meio que se use para se locomover.

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