A mobilidade urbana é um dos maiores desafios na atualidade, para Fortaleza, o Brasil e para países do mundo todo. Mobilidade urbana significa a capacidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano para a realização das atividades cotidianas em tempo considerado ideal, de modo confortável e seguro, potencializando a troca de bens, serviços, cultura e conhecimento. Pensar a mobilidade é ampliar as possibilidades de desenvolvimento econômico das cidades, podendo atrair ou afastar pessoas, investidores, indústrias e empregos.
No primeiro caderno da série sobre mobilidade olhamos para a rua. O que se vê pelas ruas de Fortaleza e de que maneira a Cidade se desenvolve em torno das necessidades de deslocamento da população.
A busca pelo encurtamento das distâncias, o melhor aproveitamento do tempo e%u0301 uma das questões centrais. Iniciativas pelo mundo criam termos novos, como o de ruas completas para reclassificar os modelos, ampliar as possibilidades, tornar as cidades um lugar melhor pra se viver e para percorrer.
A tecnologia vem como forte e necessária aliada ao fluxo moderno que se estabelece e minimiza degradações ambientais e amplia os modelos de vida cotidiana.
Ainda nesta edição, a doutora em Psicologia e pesquisadora de mobilidade humana, Gislene Macêdo, lança um olhar poético sobre a rua e reflete: que viagem é ficar parado.
Boa leitura!
Nos últimos anos, Fortaleza tem investido em aspectos da mobilidade urbana, como a formação de binários e o estabelecimento de faixas exclusivas para o transporte público. Com o constante crescimento da população, a melhora nessa área se torna sinônimo de qualidade de vida. É o que explica o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Azevedo. O desenvolvimento da mobilidade garante maior acessibilidade das pessoas a oportunidades de trabalho, estudo, saúde e lazer.
“O ideal seria que as atividades ocorressem em locais próximos, possibilitando o acesso a pé ou usando bicicletas. Em uma cidade do tamanho de Fortaleza, isso fica difícil. Assim, a administração municipal precisa organizar, da melhor maneira possível, os deslocamentos das pessoas”, explica Mário.
O ganho de tempo na vida das pessoas, resultado de corredores exclusivos para ônibus e infraestrutura cicloviária, por exemplo, também promove a melhora na qualidade de vida. De acordo com o diretor de projetos da ONG Instituto da Cidade, Eduardo Arraes, o grande número de carros nas ruas, além de prejudicar o meio ambiente, devido à emissão de gases poluidores, dificulta o tráfego de pessoas. “Quantas pessoas não devem sofrer nas ambulâncias por- que não conseguem chegar ao hospital, por exemplo? Ou nos casos de incêndio, em que os carros de bombeiros não conseguem chegar?”, alerta.
A personal trainer Gabrielle Solimara, 27, confirma que o uso da bicicleta como meio de transporte e as ciclofaixas e ciclovias permitem que ela chegue mais cedo aos compromissos, facilitando a rotina. Além da economia de dinheiro e a rapidez que a bike proporciona, a profissional destaca a contribuição do exercício físico para a saúde como um ponto positivo.
Já o assistente jurídico Renato Matias, 44, relata que, apesar de utilizar a bicicleta como meio de transporte todos os dias, ainda enfrenta problemas. “Eu deixo o carro em casa e economizo dinheiro e tempo, por causa do congestionamento nas ruas e dos sinais. Infelizmente, ainda é um pouco decepcionante porque algumas ciclofaixas e ciclovias acumulam lixo ou têm a proteção quebrada, além de, comumente, motoqueiros e motoristas não respeitarem. Mas, mesmo com os perigos, a ciclofaixa e a ciclovia ainda agilizam minha vida”, relata.
O mestre e consultor em engenharia de transportes José Iran Lopes aponta que a integração entre meios de transporte vem crescendo na cidade, como a implantação de pontos de bicicletas compartilhadas próximos a terminais de ônibus, por exemplo, permitindo que o cidadão tenha mais de uma opção de locomoção. Outra ideia seria a construção de estacionamentos perto de estações de metrô, nos quais o motorista poderia guardar o carro com segurança e escolher terminar o per- curso por meio de outro modal.
É o caso do professor de música e de alemão Stefan Kachele, 60. Ele conta que sempre se locomove até suas aulas por meio do ônibus ou da bicicleta, por acreditar que facilita o trajeto. Apesar da escolha, admite que o ideal seria ter mais opção na malha de metrô da cidade e mais acessibilidade para bicicletas nas ruas.
Os caminhos para democratizar os espaços
Reduzir distâncias e garantir a harmonia do convívio entre carros, ônibus, bicicletas e pedestres é uma das maneiras da saudável ocupação de territórios
Apesar da realidade de Fortaleza carecer de mais medidas relacionadas à mobilidade urbana, como a expansão da malha de metrô, por exemplo, é necessário que tudo seja feito com planejamento e discussões democráticas. É o que destaca José Iran Lopes. “Para a nossa realidade, tudo é para ontem, mas tem que ser uma consonância de medidas e tudo acaba sendo necessário. Não adianta eu renovar minha frota se eu não a priorizo com maiores velocidades nos corredores, por exemplo”, indica.
Para Eduardo Arraes e Mário Azevedo, o principal desafio é a democratização dos espaços e um melhor acesso à terra, de modo que as pessoas possam habitar próximas aos locais de trabalho, estudo e lazer. “Precisa planejar a ocupação do território, para que os problemas de acessibilidade não fiquem todos a serem resolvi- dos pelo sistema de transportes”, aponta Mário.
Um importante ponto nesse cenário é a necessidade do entendimento por parte das pessoas e do caráter público de uma rua. É o que aponta José Iran Lopes. “Uma via é tão pública para o automóvel quanto para o ônibus, o pedestre e a bicicleta. Os automóveis ficam achando que estão sendo estrangulados pelas faixas de bicicleta mas o cidadão da ciclofaixa está gostando porque ele sempre quis se deslocar mas não tinha infraestrutura e isso não deixa de ser um ganho para o usuário”, explica.
Ciclista desde 2007, a autônoma Valéria Assunção, 46, relata ser comum o desrespeito por parte de motoqueiros e motoristas às ciclofaixas. Dessa forma, a implantação de barreiras de segurança nesses locais se mostra essencial. No entanto, ao avistar um ciclista andando fora da área indicada, Valéria faz questão de destacar: “O ciclista tem que res- peitar os carros também”.
O embate entre carros e pedestres também é comum. Por causa disso, a Prefeitura de Fortaleza e o hospital São Carlos inauguraram, em 2015, a rua Rua Otoní Façanha de Sá, no Bairro Dionísio Torres, como a primeira compartilhada da cidade. Com bancos, uma mini biblioteca e bem arborizada, a passagem é restrita a pedestres e ciclistas.
O taxista Antônio Cléber Ximenes, 38, garante que a mudança da via foi para melhor. Com um ponto de táxi próximo ao local há 14 anos, o profissional explica que os transtornos eram constantes. “Ficou bom porque era uma rua que era trânsito dos dois lados, indo e voltando, e os carros paravam de um lado e do outro, então ficava só a parte do meio. Como o fluxo de pedestre era grande, o pedestre achava ruim porque o carro vinha e não tinha condições da pessoa transitar normalmente”, relata.
Antônio acredita que mais iniciativas como essa deveriam ser implantadas pela cidade, já que, segundo ele, existe um número excessivo de auto- móveis nas ruas. “A prioridade é pedestre, carro já tem demais no meio da rua. Poderia ter mais rua assim no caso de vias que não suportam mais carro, dando chance para o pedestre. Está sufoca- do já. É necessário incentivar o povo a pegar transporte coletivo”, indica.
No entanto, o mestre e consultor em engenharia de transportes José Iran Lopes alerta, ainda, que a transição do transporte individual para o coletivo ou compartilhado depende, também, dos investimentos na mobilidade urbana. “A gente fala que a solução é tirar os automóveis da rua mas isso não é uma coisa abrupta, você precisa dar opção para o usuário e que seja de qualidade. Acho que o desafio daqui para frente é você poder integrar melhor os meios de transporte. Já está acontecendo aos poucos, mas precisa evoluir mais”, relata.
As Ruas Completas resultam em uma divisão democrática da mobilidade, reduz os custos com o transporte público e privado, diminui os danos ambientais ocasionados por veículos motorizados e movimenta a economia do entorno. Como consequência, oferece mais segurança, torna a cidade um lugar agradável de se viver e atrativa para turistas e moradores.
O conceito de ruas completas surgiu a partir de uma iniciativa do órgão America Bikes para iniciar a inclusão de bicicletas nos projetos de infraestrutura viária dos Estados Unidos (EUA), em 2003. A partir daí alguns grupos se uniram para pensar esse conceito para além das bicicletas. Então foi criado em 2005 o National Complete Street Coalition com profissionais da área de mobilidade e tráfego para desenvolver políticas e implementar nos EUA as complete streets, as ruas completas. O projeto foi pensado para comportar com segurança pedestres, ciclistas, usuários de transporte coletivo e todos os motoristas. Paula Santos, gerente de mobilidade ativa do WRI Brasil, explica que o conceito tem como perspectiva reavaliar a prioridade de cada rua e a redemocratização do espaço viário pensando na vulnerabilidade do pedestre e dos ciclistas, que são as pessoas que sofrem mais com acidentes fatais por conta desse modelo.
A gerente de mobilidade comenta que além da segurança vi- ária existem uma série de dados, principalmente nos EUA, que provam que as ruas completas oferecem benefícios para a economia local. “Pessoas que andam a pé ou de bicicleta são as que mais compram e utilizam o comércio local por conseguirem parar nos estabelecimentos com maior facilidade. Já outros indicam que a utilização com maior frequência de bicicletas causa benefícios no ar do entorno. Assim como o aumento da melhoria de atividades físicas a curta distância.”
O código de trânsito brasileiro faz a classificação das ruas baseado na velocidade dos veículos e do fluxo dos carros. As cidades podem possuir vias arteriais, locais, coletoras e de trânsito rápido. Segundo Paula Santos, o Código, ainda, não classifica as vias em relação a facilidade de acesso aos pedestres.
“Com relação ao código de trânsito ainda temos uma jornada com muitas dificuldades, um processo de adaptação. A boa notícia é que isso pode ser feito a nível local, não são necessárias grandes mudanças no código nacional para iniciar a implementação de ruas completas”, afirma Paula Santos.
As estradas, ruas e rodovias são caracterizadas em quatro tipos: locais, coletoras, arteriais e de trânsito rápido. “As cidades podem ter esses quatros tipos de vias, mas podem, também, ter uma coletora residencial, uma comercial e uma de baixo fluxo de carros. Para tornar mais amigável e segura para as pessoas, as cidades podem fazer essa reclassificação ”, defende a gerente.
O projeto Ruas Completas é desenvolvido em 17 cidades e Fortaleza é uma delas. Paula Santos conta que em São Paulo uma pequena intervenção na Rua Joel Carlos Borges foi aprova- da por 92% das pessoas que passam ali diariamente. “Foram retirados os estacionamentos em alguns trechos e as calçadas tiveram que ser alarga- das, pois as pessoas que passam por lá precisavam de mais espaço para caminhar. Os comércios locais ganham e a médio prazo os da redondeza também porque as pessoas conseguem acessar com mais facilidade.”
Possuir diversos elementos não significa que a rua esteja completa para todos os usuários, na verdade, o conceito se refere às necessidades específicas daquele espaço, independentemente do tipo ou uso. Beatriz Rodrigues, coordenadora de desenho urbanista da iniciativa Bloomberg de Segurança Viária, em Fortaleza, explica que o projeto possui objetivos de respeito aos usos das vias, prioriza o deslocamento coletivo, respeita as edificações, torna a rua um lugar de permanência e envolve a população nesse processo.
“Um exemplo, aqui em Fortaleza, é a área de trânsito calmo próxima ao Albert Sabin. Como existe o hospital, foi necessário a ampliação das calçadas para comportar o grande fluxo de pessoas no entorno. Também foi colocado mobiliários para acomodar os pedestres, feita uma arborização para proporcionar sombras e nas vias onde o transporte público passa, foi instalado calçadas ampliadas, dando mais espaço para a parada de ônibus”, comenta Beatriz Rodrigues.
Cada rua tem características e necessidades diferentes e é isso que o conceito traz, pensar um olhar para cada espaço e desenhá-la de forma que o uso aconteça democraticamente. A coordenadora de desenho afirma que a Capital cearense trilha um bom caminho a longo prazo. “Fortaleza mudou bastante, mas é recente esse movimento para a população. Precisamos de alguns anos para consolidar uma cidade inteira com esse conceito. O importante é que, inicialmente, as pessoas comecem a sentir o que é que pode ser uma cidade com ruas completas.”
RUAS COMPLETAS EM FORTALEZA
Praia de Iracema
Lago Jacarey
Binário Dom Luís e Santos Dumont
Dragão do mar
Rua da Esperança - trecho da Rua Alberto Montezuma.
PROJETOS EM ANDAMENTO
Cidade 2000 em obra Calçada Viva no Centro
PRINCIPAIS OBJETIVOS DOS PROJETOS DE RUAS COMPLETAS
Respeitar e responder os usos existentes de cada região, assim como usos planejados para o futuro;
Priorizar os deslocamentos realizados por transporte coletivo, a pé e de bicicleta;
Respeitar a escala das construções e recuos;
Apoiar a diversidade de usos do solo, mesclando residências, comércio e serviços;
Tornar a rua um lugar de permanência das pessoas e não somente de passagem;
Envolver residentes e grupos da comunidade para entender o bairro e suas prioridades.
“O futuro da mobilidade é elétrico”. Essa é a aposta do arquiteto urbanista e ambientalista Geraldo Magela. Sócio em um escritório de arquitetura que trabalha, há 20 anos, com meio ambiente e eficiência energética, o profissional revela que a chave dessa tecnologia é o grande potencial do Ceará para energia solar.
O professor do mestrado em física aplicada da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e especialista em energias renováveis, Lutero Carmo, explica que a alta incidência de luz do sol e os ventos responsáveis por refrescarem as placas do calor tornam o Ceará um dos melhores lugares do mundo para se instalar a energia fotovoltaica.
“A energia solar pode ser usada para carros e bicicletas elétricos, diminuindo a poluição ambiental e a sonora. Ela está ficando cada vez mais barata, depois de quatro anos que você instala um sistema fotovoltaico, você já recupera todo seu investimento.
O impacto dela é muito importante, muita gente está entrando nessa área. O Brasil tem um grande potencial, especialmente o Ceará”, destaca Lutero.
O futuro da mobilidade urbana de Fortaleza, para o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Azevedo, deve envolver investimento nas calçadas, favorecendo o trânsito de pedestres. Ele acredita, também, que alguns aspectos ainda sinalizam para o maior uso de carros. De acordo com estatísticas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), entre maio de 2018 e maio de 2019, a frota de automóveis em Fortaleza aumentou em 13.962 veículos.
“Quanto mais gente estiver caminhando pelas calçadas, mais seguras elas ficarão. A segurança é um problema? Sim. Mas não podemos ficar para- dos por conta disto. E precisamos fazer alguma coisa para que as pessoas tenham possibilidade de satisfazer suas necessidades nas cidades do interior. Se todos tiverem que vir para a capital para tentar um emprego ou um tratamento adequado de saúde, vai ficar difícil solucionar problemas cada vez maiores e de solução mais cara”, aponta o professor.
Em relação ao presente, Mário aponta que a tecnologia já se encontra em diversas etapas que envolvem a mobilidade urbana de Fortaleza. O sistema de Controle de Tráfego em Área de Fortaleza (Ctafor), que monitora a circulação dos veículos e gerencia a rede semafórica da cidade, o sistema de bilhetagem eletrônica e de rastreamento da frota de transporte coletivo, os sistemas de fiscalização de trânsito e os aplicativos que informam sobre as linhas de ônibus e permitem solicitar um táxi ou outro veículo de aluguel são alguns dos exemplos citados pelo acadêmico. Além disso, tecnologias que permitem realizar serviços online, como atividades bancárias e compras, diminuindo a necessidade de deslocamento, também são destaque.
“É importante que a tecnologia facilite e torne atrativo o uso do sistema de transporte coletivo. Sistemas que orientam os usuários, como o aplicativo Meu ônibus e o Google maps, são essenciais, pois facilitam o entendimento e o melhor uso do transporte público”, sugere Mário. EM PRÁTICA
PROJEC
A Projec, Projetos e consultoria em Engenharia, Arquitetura e%u2028Meio Ambiente, trabalha no ramo há 15 anos e foca em soluções tecnológicas e sustentáveis. Um dos sócios do escritório, o arquiteto urbanista e ambientalista Geraldo Magela, relata que a empresa já comercializa soluções a partir de energia solar. Além de trabalharem com a implantação de bicicletas elétricas, o novo protótipo da Projec constitui uma parada de ônibus inteligente, a partir da%u2028qual os ônibus seriam elétricos e os usuários poderiam carregar o celular na estação, a partir da energia solar. A empresa já está em contato com outras cidades e países interessados nas iniciativas sustentáveis. Em Fortaleza, Geraldo comenta que a possibilidade de aplicação enfrenta barreiras de interesses políticos e econômicos.
UECE
Em 2017, a Uece ganhou uma árvore diferente. Movida a energia solar, a ferramenta é utilizada para carregar 10 bicicletas elétricas. O investimento, financiado pela Fundação Cearense de Apoio%u2028ao Desenvolvimento Tecnológico (Funcap), foi de R$ 350 mil. As empresas Eco e Project foram responsáveis pela iniciativa, que contou com a atuação de alunos e do professor Lutero Carmo, responsável científico do projeto, para o desenvolvimento da árvore. Atualmente, a ferramenta está em fase de avaliação e aprimoramento para baixar o preço e poder ser popularizada.
BLOOMBERG PHILANTHROPIES
A Bloomberg Philanthropies, por meio da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global, atua em Fortaleza, desde 2015, junto à Prefeitura. A partir do suporte às ações públicas de gerenciamento de dados, infraestrutura, fiscalização, educação e comunicação, a Bloomberg vem favorecendo a diminuição%u2028de acidentes de trânsitos. De acordo com a empresa, a taxa de óbitos por acidentes de trânsito na Capital em 2018 foi 40% menor do que o registrado em 2014. “Na medida em que o risco de sofrer um acidente de trânsito seja cada vez menor nas ruas de Fortaleza, mais encorajados ficam os usuários a utilizar as ruas e avenidas. Assim, melhor orientado estará o sistema viário da cidade”, explica o porta-voz da Bloomberg, Omar Jacob.
VAMO
O projeto dos Veículos Alternativos para Mobilidade em Fortaleza (VAMO Fortaleza) é coordenado pela Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) e está presente na cidade desde 2016, sendo uma alternativa de transporte compartilhado e sustentável. Os carros elétricos não emitem gases poluentes e não contribuem para a poluição sonora. São 20 carros 100% elétricos, espalhados pela cidade em 12 estações com seis vagas cada. O VAMO já registrou 6001 viagens, sendo cerca de 8 utilizações do sistema por dia. Comparando o período entre abril e junho dos anos de 2017 e 2019, o número de viagens aumentou 78%
Mobilidade humana: por uma poética da presença
Passava das 13h30 quando atravessei a Rogaciano Leite Albuquerque rumo à Cidade dos Funcionários. Marquei uma sessão de massagem ayurvédica como parte dos cuida- dos com a saúde e restauro da vida cotidiana. Escutava Ludovico Enaudi, ‘Seven Days Walking (Day 4)’. Abrigada do calor, escutando a música bonita, dirigindo suavemente, olhei pessoas indo e vindo, pelas calçadas, atravessando a rua, à espera de ônibus, tudo em constante movimento. A música hora melancólica, hora suave, acolhia a minha observação do que se passava no trajeto. Senti profunda conexão com o que acontecia no entorno, conexão comigo mesma. Algumas lágrimas escorreram pela minha face. Sim, estou viva e nessa condição escolhi também exercitar o estado de presença e me deixar tocar pelos movimentos em meio ao mundo. Ainda que cultive uma certa quietude e seja afetada constantemente pelo que ocorre ao redor, estar atenta a isso tudo, alimenta o que há de humano em mim.
É de humanidade que quero falar. E vejo como indissociável de todo e qualquer movimento que fazemos. Teimosamente insistimos em nos dissociar de qualidades que nos conectam uns aos outros, que nos vinculam e afetam. Isso se expressa claramente nos modos de uso e ocupação dos espaços de transitar e de conviver. O que, por vezes, nos distancia e fortalece justamente aquilo que empobrece a vida interligada às outras vidas: o autocentramento. Quanto mais olhamos apenas as nossas supostas necessidades, me- nos sensíveis ao outro nos tornamos. Assim, o ato de nos deslocar, de nos mover pelo mundo pela centralidade de nossa existência, está fadado também a tornar o outro menos importante no espaço compartilhado. Essa cisão, espelhada na configuração de ruas, avenidas, estradas, veículos, calçadas e todo mobiliário supostamente disponível para todos, torna, na verdade, a mobilidade desumana. No Brasil, as desigualdades de toda sorte se evidenciam no uso e ocupação dos espaços de desloca- mento. É só olhar alguns pontos de ônibus nas cidades ou estradas, sem proteção adequada à espera, em calçadas estreitas, um cenário que desencoraja qualquer pessoa. E ain- da assim, elas estão lá, enfrentando diariamente deslocamentos que in- formam a elas que aquele é o lugar que podem ocupar, o que merecem, a que se destinam. Não raro, o desejo mesmo é o de sair fora o quanto antes! Uma moto, um carro, quem sabe... “Isso não é vida”, dirão. E não é.
Então, mobilidade é humana mesmo. Somos os seres que atribuímos sentido à vida em movimento. Somos nós quem criamos e refinamos um modo de vida que nos coloca nas maiores ciladas sociais e políticas. Somos criadores do modelo centrado no automóvel, no transporte individual. Somos nós quem desumanizamos nossas ações. E se assim fizemos, podemos fazer outra coisa, tomar o caminho de volta para o que nos torna semelhantes, o que nos humaniza. Retornar à casa interna, à conexão consigo, não mais autocentrada, mas aberta e cuidadosa com as demais pessoas que coabitam os espaços que atravessamos. Nesse sentido, mobilidade urbana é um meio hábil de atender a tais premissas de convívio e não uma moeda de troca onde empresários do ramo trazem a prerrogativa de definir como as pessoas precisam se adaptar aos modais oferecidos, sustentados pelas instâncias públicas governamentais, que transformam a mobilidade também num negócio.
Quando me aproximo da experiência do sensível me aproximo das experiências vividas por outros seres. O estar de passagem pode ser também uma experiência do sensível quando me vejo no fluxo do movimento, atenta, presente e ainda assim, quieta, disponível. Talvez por isso, o haikai de Alice Ruiz sempre me comova.
GISLENE MACÊDO
Doutora em Psicologia, pesquisadora em Mobilidade Humana, professora aposentada da UFC, Campus Sobral.