Feiras Livres

Feiras reencantam o comércio

O movimento tem valorizado marcas autorais e gerado oportunidades para produtores iniciantes, com pouco capital e sem lojas físicas

Por Lucas Mota

Feiras itinerantes movimentam comércio autoral em Fortaleza apostando em nova experiência de compra (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Do berço da Idade Média, o conceito de feira evoluiu e ganhou um alavanco com os princípios da economia criativa, sustentada por relações comerciais direcionadas pelo uso da criatividade. Em Fortaleza, as feiras itinerantes percorrem a cidade e ocupam espaços, propondo uma nova experiência de compra e fortalecendo o mercado de varejo local. O movimento tem valorizado marcas autorais e gerado oportunidades para produtores iniciantes, com pouco capital e sem lojas físicas.

Diante da situação econômica de estagnação e incertezas do Brasil, abrir uma loja física virou uma tarefa difícil para o pequeno empreendedor. Na Capital cearense, as feiras itinerantes têm se tornado uma força positiva para quem quer investir no autoral da moda cearense. Reunindo em média 30 a 45 marcas com segmentos variados por edição, os eventos dão notoriedade aos produtores e trazem uma rotatividade de público, imerso em uma estrutura que valoriza a originalidade.

As feiras itinerantes se distanciam do formato de bazar, voltado apenas para a promoção, e de eventos mais tradicionais para criar uma identidade própria. No novo ambiente, o cliente não fica restrito só a compra de uma peça de roupa, mas pode ir para encontrar amigos nesses espaços, tomar uma cerveja gelada e apreciar exposições de arte. A preocupação vai além do cunho comercial. O legal aqui é a experiência de compra, sem deixar de lado os laços de fomento a cultura.

É o Babado!
Sem espaços adequados para vender os produtos de sua marca - moda jovem alternativa -, o administrador Hadji Aires, 28 anos, e seus outros dois sócios da Ahazando, Gabriela Leônidas e Zé Filho, se viam na mesma situação de outros pequenos empreendedores que queriam um momento para sair do virtual e apresentar de perto a produção. Em 2013, Hadji promoveu a primeira edição do Babado Coletivo, hoje, referência no conceito de feira itinerante, no Estado.

Hadji Aires, criador do Babado Coletivo (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Desde então, o Babado passou por ambientes fechados, em bares e restaurantes, e ganhou força nos espaços públicos, como a Praça das Flores, a Praça Dom Helder, os jardins do Theatro José de Alencar e o Mercado dos Pinhões. Em maio deste ano, a feirinha desfilou seu trabalho na passarela do Dragão Fashion Brasil. Apresentou uma coleção completamente colaborativa, dando notoriedade aos produtores locais da feira. O conceito de movimentar a economia local junto a ações criativas se tornou a identidade do evento, sempre aliado a atividades sociais, culturais e artísticas.

"As feiras já existem há muito tempo. Mas criamos um evento mais voltado para o lado cultural. Isso é muito legal, além de promover a cultura, vende muito. Tem feira em que vendemos mais de 10, 20 mil reais. Pra pequenas marcas, esse valor é muito significativo", contou Hadji. No maior evento do Babado Coletivo, a edição Babado das Flores, segundo o administrador, movimentou quase R$ 400 mil com cerca de 200 marcas expondo.

"É um evento relativamente barato para quem participa porque não tem o custo de uma loja física e gera resultados de venda. O preço é mais acessível, bom para o expositor e bom para o cliente. Comprar bem, não é comprar barato. É ser algo legal, ter um conceito bacana a um preço justo", explicou.

A experiência de compra é uma tendência das feiras itinerantes atuais. Para Hadji, é um espaço para todos os públicos sem, necessariamente, estar restrito a compra. "É um local ao ar livre para encontrar os amigos, nem é festa, nem é shopping. É um espaço inovador e super criativo. As marcas capricham na decoração para criar essa atmosfera. É muito divertido, tem exposição, DJ, bebida, diversidade de produtos. É legal ter essa liberdade para sair na rua", finaliza.

Antes não significava nada dizer que era uma marca local. As pessoas sempre queriam o que vinha de fora

Fernanda Beviléqua

Reconhecimento do autoral
Criada há dois anos pela estudante de engenharia ambiental Fernanda Beviláqua, a Feira La Grue tem cinco edições e levou sua itinerância por bares e casas de show/pubs de Fortaleza. Para Fernanda, as feiras promoveram uma mudança no comportamento dos compradores e deu reconhecimento aos expositores.

"Os expositores das marcas daqui têm ganhado fôlego. O pessoal é reconhecido agora. Antes não significava nada dizer que era uma marca local. As pessoas sempre queriam o que vinha de fora. É quase como um motivo de orgulho usar a peça daqui. São feitas unidades com muita exclusividade. É diferente do que se encontra em outras marcas", comentou Beviláqua.

A estudante acredita que as feiras têm sido uma saída positiva em tempos de crise no mercado varejo. A maioria dos expositores das feiras itinerantes investe no negócio virtual e os eventos acabam se tornando o momento de proximidade com o cliente. "As marcas que participam da feira ganham uma visibilidade muito grande para o mercado. Elas entram no mercado quando participam da feira, já que elas ficam muito dispersas. 99% (das marcas que participam das feiras) são virtuais”.

Alternativa aos shoppings
Abraçada ao conceito de liberdade, a produtora de eventos Ana Mourão, 41 anos, criou a feira Kombinado em junho deste ano para levar a itinerância criativa do seu projeto para as praças. Mourão viu a necessidade de movimentar as praças revitalizadas, servir como uma alternativa a experiência dos shoppings e trazer as famílias para esse universo.

Pets são bem-vindos nas feiras. A estudante de engenharia ambiental, Yorrana Coutinho, aproveita para levar seu cão aos eventos (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

"Vejo que essa crise tirou muita gente de dentro dos shoppings. Ou vão comer ou vão ao cinema, porque comprar mesmo, as lojas estão vazias. A grande sacada foi buscar onde as pessoas estão indo e os lugares de baixo custo, onde vão gastar pouco, correr, movimentar-se. Vamos onde essas pessoas estão", disse Mourão.

Diante das dificuldades das marcas autorais, Ana tenta conectar os produtores à movimentação dos lugares públicos, de passagem. "Os expositores são, na maioria, autorais. Muitas vezes não têm dinheiro para estar dentro de uma loja e vêm pra cá para vender produtos que fabricam. E percebi essa necessidade: ‘não posso pagar uma loja, mas posso sair itinerando’. Então, levo eles para onde as pessoas estão”.

Taxa
Para participar de uma feira itinerante, a marca passa por uma curadoria, na qual são levados em consideração pontos como a originalidade, a criatividade, a identidade e o preço. O expositor escolhido paga uma taxa para o organizador da feirinha, valor este que rentabiliza o fornecimento da estrutura de stands, geradores de energia, equipes de limpeza e segurança, entre outros itens. A taxa média fica entre R$ 150 a R$ 300, mas pode chegar até R$ 900 dependendo da edição. O valor acaba se tornando mais um atrativo ao pequeno empreendedor em comparação com os custos de uma loja física e a possibilidade de venda na feira, em um curto período de tempo.

Do empreendedorismo às feiras: vantagens para as marcas autorais

Microempreendedores encontraram nos espaços de itineráncia criativa vantagens significativas para dar os primeiros passos da caminhada empreendedora

Foto: GABRIEL BESSA/DIVULGAÇÃO
Feira La Grue reúne expositores a cada três meses (Foto: Gabriel Bessa/Divulgação)

Por trás dos stands montados nas feiras itinerantes, as histórias dos expositores se cruzam pela semelhança no objetivo e no sonho de empreender e se tornar o próprio patrão. Eles encontraram nos espaços de itinerância criativa vantagens significativas para dar os primeiros passos da caminhada empreendedora.

Engenheiro de produção, Luan Góes decidiu largar o emprego que gostava para se dedicar apenas a marca que havia criado há quatro meses. O sonho de empreender falou mais alto e a Parko (surf wear) tornou-se sua prioridade. Ainda no início do negócio - a marca tem pouco mais de um ano -, Luan viu nas feiras um ambiente adequado para vender suas peças.

"A vantagem é que você tem um giro grande de estoque. O ciclo operacional da confecção é muito alta. Às vezes, invisto um dinheiro que só vou ver daqui a três meses. A feira é uma oportunidade de vender num curto espaço de tempo. É muito maior a nossa venda em feira", garante ele.

Do mesmo sonho de Luan, partiu a motivação da estudante de Ciências Contábeis, Julianne Rodrigues, de se aventurar no mercado da moda. Ela abriu a marca Flor Praiana no ano passado e a procura pelas peças nos primeiros meses fez com que a designer aumentasse o estoque para trabalhar com pronta entrega.

Pra quem começa uma marca, o melhor canal de venda é a feira

Meiriane Nascimento

Ainda dividindo o tempo entre os horários da faculdade, do trabalho na área de contabilidade e da criação de peças e dedicação a marca, Julianne encontrou nas feiras o momento propício para a venda. "É aí que a feira me ajuda. Trabalho a semana toda, estudo também, e tenho tempo para fazer isso (estar nas feiras itinerantes) no fim de semana. As feiras têm um ambiente super divertido que dá para levar a família, amigos, e as pessoas estão tentando evitar os shoppings. As vendas aumentam. Tem cliente que já deixa encomendado para pegar na feira e traz a amiga, que acaba comprando também".

Vantagens
Na rota de venda das feirinhas, os pequenos empreendedores têm a oportunidade de ultrapassar a relação apenas comercial de saída de produtos, mas de captar divulgação, novas parcerias, potencializar os perfis nas redes sociais e fidelizar clientes no corpo a corpo. Luan Góes percebe nas feiras itinerantes um caminho para crescer no processo do “além da venda”, que ele divide em três frentes.

"É possível fazer laços com quem não comprou, mas que futuramente vai se tornar cliente. É notória a presença deles (clientes) nas lojas onde revendemos. Consegue fazer parcerias com outras marcas, além de empresários de outros segmentos. As feiras também são uma oportunidade para aumentar os contatos", define o engenheiro de produção empreendedor, que admite um salto de seguidores no perfil da Parko no Instagram, no pós-feira.

Para a designer de acessórios Meiriane Nascimento, 29 anos, da Menah, as feiras se tornaram o melhor canal de divulgação para as marcas autorais que estão começando. Ela já está com a marca há três anos e o capital do negócio vem, de forma majoritária, das feiras itinerantes.

"Pra quem começa uma marca, o melhor canal de venda é a feira. Quando a gente vem para a feira consegue o contato direto com o cliente, não precisa ter loja para vender diretamente. Sai um custo bem menor para vender as peças. Além disso, a gente se diverte, conhece outros empreendedores. É legal porque a gente começa a se tornar conhecida devido à divulgação, não só do meu público, mas (do público) de outras marcas que vem pra cá e conhece também", ressalta Meiriane.

Foto: Gabriel Bessa/Divulgação
Carol Fabrício (esq.) ao lado da sócia Leticia Camboim. Elas são donas da marca Tribe (Foto: Gabriel Bessa/Divulgação)

Até um dia de pouca venda pode ter seu lado positivo, segundo a designer da Flor Praiana. "Por mais que você não venda, o lado que levo mais em consideração é a questão da divulgação. Eu moro de um lado da cidade e participo de feiras itinerantes do outro lado. E essas pessoas (que passam pelas feiras) estão nos conhecendo. A gente entrega cartão de visita, fala sobre a marca. Pra mim, isso é a parte mais importante da feira", afirma Julianne.

A designer da Tribe Acessórios, Carol Fabrício, ganhou motivação nas feiras itinerantes pela identificação com a situação dos expositores. "Desde o começo, as feiras foram estímulos. Vemos jovens que nem a gente, que largam tudo, emprego, para dar a ‘cara a tapa’ a um negócio sozinho, sem suporte. A feira passa uma segurança porque você vê várias pessoas que nem você, com o mesmo conceito que o seu", diz ela.

Segundo Carol, as feiras vieram para fortalecer de vez as marcas autorais. "Principalmente os comércios pequenos, coisas mais autorais. Para uma loja pequena, que cria tudo desde o começo, é muito importante ter uma feira para divulgar o trabalho e ter reconhecimento imediato", completa.

Feiras livres por expositores e frequentadores

Café com sabor itinerante

De Belém, Sílvio Lopes veio morar em Fortaleza por conta do antigo trabalho. Depois de ser demitido, a vontade de empreender falou mais alto. Foi quando o Coffee Break Bike (CBB) começou a entrar em movimento

Sílvio Lopes, o barbudo por três do Coffee Break Bike (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Alto, barbudo e coque de samurai. Sílvio Lopes, 38 anos, já chama a atenção pelo visual. Junte ao estilo dele um visual retrô que combina camisa social branca, um colete preto, um suspensório, uma bermuda jeans, meia cano alto e um tênis. Agora imagine-o por trás de uma bicicleta toda estilizada e preparada para vender café. Pronto, o Coffee Break Bike (CBB) está completo.

O Sílvio é mais uma figura constante das feiras itinerantes ao lado de sua bike, onde vende café, cappuccino, bolo, pães caseiros, tortas e quiches. E o dono do CBB praticamente não para em dia de feirinha.

Natural de Belém, no Pará, Sílvio veio morar em Fortaleza com a esposa Flávia, 39, e a filha do casal, Sofia, 8, após os dois serem transferidos para a Capital cearense por causa de seus respectivos empregos, no início de 2015. Em fevereiro deste ano, Lopes foi demitido da empresa na qual trabalhava, onde realizava vendas de tratores agrícolas. A partir disso, a ideia do CBB começou a ganhar forma. O processo de o projeto sair do papel até ganhar as vias alencarinas durou cinco meses. A saída do mercado de trabalho formal acabou abrindo as portas para o empreendedorismo na área gastronômica.

A rotatividade de pessoas é alta. E a gente começa a ser reconhecido, já perguntam: Vai pra tal feira?

Sílvio Lopes

"Sou apaixonado por gastronomia, tenho alguns cursos, e coloquei em prática de novo. Já tinha experiência com alimentação de forma geral, mas aqui a gente formatou a ideia e resgatou um pouco da história de Fortaleza. Fiz uma pesquisa e vi que tinha vários cafés. É uma tradição muito grande na Praça do Ferreira. A gente quis resgatar um pouco dessa história e colocar uma cafeteria sobre rodas, servindo o café coado, que é o tradicional que todo cearense gosta", conta o proprietário do Coffee Break Bike.

A cafeteria sobre rodas do paraense tem origem 100% cearense. A bike estilizada já percorre a cidade há dois meses. Neste período, Sílvio conheceu um novo espaço para vender e entrou no circuito das feirinhas itinerantes, que já possui um calendário movimentado em Fortaleza.

"Vimos um nicho para trabalhar, a galera que se une para fazer eventos bem legais, e trouxemos a nossa cafeteria para disponibilizar para o pessoal. As feiras em si conseguem trazer várias marcas, produtos, trazendo público com isso. O conjunto consegue trazer força maior para o evento. A gente sempre tem um retorno muito bom em eventos assim. Sozinho, é como a gente diz naquele ditado, 'uma andorinha só não faz verão'”.

Vai um café na feira?
O projeto itinerante de Sílvio casou perfeitamente com a itinerância das feirinhas em Fortaleza. Simpático e atento a cada cliente, o paraense vai aumentando a clientela e o faturamento de edição em edição. Para o "cafeteiro", uma das principais vantagens das feiras itinerantes é a visibilidade.

"É muita gente que vem, a rotatividade de pessoas é alta. E a gente começa a ser reconhecido, já perguntam: "Vai pra tal feira?". E isso faz com que as vendas aumentem. Trabalhando no dia a dia, o faturamento é x. Nas feiras, a gente praticamente dobra. E acabam aparecendo novos eventos, convidam a gente para participar", conta.

Há oito meses longe do mercado formal, Sílvio só tem planos para a sua bicicleta. "Se tivesse proposta de emprego, eu não iria. A gente vê a satisfação do nosso cliente consumindo o nosso produto. A bike dá um retorno legal. E ainda tem muita coisa para fazer, estamos só começando. É o primeiro passo para dessa bicicleta surgirem outras bikes, outras ideias. O próximo passo sou eu não estar na empresa, mas a empresa estar comigo", finaliza.

Lingeries da Vovó

Dona Mirtes com equipe da Vovó Quem Fez (Foto: Julio Caesar/O POVO)

É numa ruazinha do bairro Ellery que as peças começam a ganhar forma, sob o som que chega da vizinhança, trilhas que vão do forró ao sertanejo. E a beleza de cada ponto da costura passa pelas mãos experientes da dona Mirtes Magalhães. Ou melhor, a vovó. Que já não é somente vó da Amanda, mas sim da vasta clientela da marca autoral cearense de lingerie Vovó Quem Fez.

A marca foi criada em 2014 pela designer de moda Amanda Magalhães, 25, neta de dona Mirtes. Muito antes de pensar em trabalhar com lingerie, a jovem já passava para a vó, que sempre trabalhou com costura, modelos para a matriarca da família costurar e a neta usar em baladas, na faculdade ou em outras saídas. Cada roupa fazia sucesso na roda de amigas de Amanda. Quando perguntada sobre quem fazia a peça, ela sempre respondia: "vovó quem fez".

Depois de estagiar em praticamente "tudo", a ainda estudante de Moda aprendeu uma lição. "A principal coisa que aprendi estagiando era que queria trabalhar pra mim (risos). Queria me formar tendo o meu negócio", diz a designer. E foi aí que Amanda se interessou pelo modelo de sutiã sem bojo. Segundo ela, era difícil de achar e, quando achava, era caro. No último estágio dela, uma colega a ensinou a modelar a peça íntima deste tipo.

"Fiz o primeiro, mas nunca fui boa de costura. A vovó costurou a vida inteira. 'Olha vó que legal, vamos fazer para vender', mostrei pra ela. 'Mas menina, eu não sei fazer lingerie' (respondeu a vó). 'Mas se eu fiz um, você consegue, já costura, e eu nem costuro'", contou Amanda sobre quando lançou a ideia para a vó Mirtes.

O primeiro teste da marca, quando ainda era toda feita em dupla, ocorreu em fevereiro de 2014. As duas iam apresentar 20 tops no evento de carnaval da marca de acessórios ACR - empresa na qual Amanda é sócia juntamente com outras duas colegas: Isadora Frutuoso, 27, e Karol Guedes, 25, que mais na frente se tornariam sócias na Vovó Quem Fez. O resultado foi o melhor possível. Todas as peças foram vendidas.

"Foi maravilhoso. Vendeu tudo. Só tinha um tamanho. Minhas amigas com peitão se socando dentro dos tops. A gente falou: 'eita, vai dar certo'", lembrou Amanda.

Início
Dado o primeiro passo da marca, Amanda encontrou uma dificuldade para aumentar a produção. Nenhuma facção queria pegar as peças. "A vovó fazia tudo. As peças são coloridas cheias de detalhes. A gente não trabalha com bojo. Eu cortava e a vovó costurava. Nossa produção era 30 peças por mês. Pra encontrar mão de obra foi um problema. Quando chegava em uma facção, a mulher fazia mil tops pretos com bojo. Para pegar os meus, que eram 20 coloridos, um de cada cor, não queriam de jeito nenhum. Quem ainda pegava fazia errado. A vovó morria de se estressar", recorda Amanda.

Amanda (centro) e as sócias Isadora e Karol (Foto: Julio Caesar/O POVO)

A saída foi encontrada numa velha conhecida da jovem designer. Uma ex-doméstica da casa da família de Amanda havia deixado o trabalho para seguir o sonho de costurar. "Encontrei com ela, que estava trabalhando em uma fábrica de lingerie. Não acreditei! Comprei duas máquinas e coloquei na casa dela, assim, ela ficou fazendo as peças com a vovó. Daí, encontramos mais três pessoas, todas que já conhecíamos. Foi uma feliz coincidência. E hoje, todas as pessoas que fazem as peças da Vovó Quem Fez só costuram pra gente".


Para movimentar as vendas, as feiras itinerantes surgiram como uma ótima opção. Depender apenas do meio online para vender lingerie, segundo Amanda, é mais difícil do que outros nichos da moda. "Um sutiã para vender no online é complicado, ainda mais sem bojo, quando todo mundo é acostumado com bojo. Precisava do contato físico para apresentar o produto e vender nossa história, nossa ideia para as pessoas", revela Amanda sobre a entrada no universo das feiras.

E até hoje a Vovó Quem Fez segue investindo nas feiras. Amanda afirma que a marca já participou de praticamente todas as feiras de Fortaleza. "É vantajoso para ter o ponto de venda, um dia para estar lá. É uma forma de agregar também, porque todo mundo ali (os vendedores) é criador, trabalha com moda autoral. É legal estar no meio. Todo mundo junto tem mais força do que estar sozinho", garante.

Crescimento
Dois anos se passaram: a marca cresceu, ganhou mais integrantes, se organizou e conquistou espaço no mercado autoral e até fora dele. A Vovó Quem Fez já participou de desfile no Dragão Fashion Brasil junto com outras marcas do Babado Coletivo, possui peças em algumas lojas colaborativas, segue investindo no meio virtual e não abre mão das feiras itinerantes.

A principal coisa que aprendi estagiando era que queria trabalhar pra mim

Amanda Magalhães

Quando começou, a marca autoral tinha apenas duas pessoas: a vovó e a neta. Atualmente, a Vovó Quem Fez conta com dez integrantes. Além da dupla, o processo criativo passa pelas mãos de quatro costureiras; de uma tia de Amanda, a Gláucia, que fica responsável pelo corte; da prima Lorena, que trabalha no cadastro; das sócias Karol e Isadora, a primeira controla o financeiro e a segunda manda ver na parte comercial e na alimentação do site.

A vovó Mirtes comanda a pilotagem, a organização da produção e o controle de qualidade. Cada peça feita pelas costureiras da marca passa por uma revista da matriarca. Já a neta responde pela criação dos modelos, montagem e pelo marketing. Apesar de Amanda criar a maior parte das lingeries, algumas coleções ganham forma por outras designers, como a própria sócia Isadora e amigas que são convidadas.

Se antes eram 30 peças por mês, agora a marca trabalha com 60 peças por modelo em uma coleção, no mesmo período. Em média, cada coleção apresenta seis modelos. O processo criativo de uma nova coleção dura cerca de 45 dias. São 15 para a pesquisa e criação e 30 para a produção, que incluem a parte de marketing, como as fotos e o lançamento nas redes sociais e no site.

Sem revelar os custos, Amanda garante que o negócio está indo bem. O planejamento é de juntar dinheiro para abrir uma loja física grande, cheia de detalhes para dar a "cara" da Vovó Quem Fez. Nas feiras itinerantes, as lingeries costuradas por dona Mirtes estão entre os produtos que mais saem nestes eventos, segundo os próprios organizadores. Os preços da marca variam entre R$ 14 a R$ 139,90.

Dica valiosa
"Perseverança acima de tudo. Problema no começo tem para dar e vender. Tem que fazer o seu melhor possível. Não olhar para o lado, se dedicar nas suas coisas, ter realmente ideias originais. Você erra muito no caminho, mas quando acerta é muito gratificante", aconselha Amanda.

Origem das feiras: tradição e resistência no comércio

Uma tradição de séculos. Da era Medieval para o Nordeste brasileiro, as feiras são fontes de resistência no comércio e aliadas ao pequeno produtor. Das tradicionais feiras livres ao novo formato baseado na economia criativa, as feirinhas criam espaços de socialização e geram oportunidades de negócios.

A reportagem especial ouviu o historiador Gleudson Passos e o economista Alex Araújo. Os profissionais fizeram um esboço da origem das feiras, de como surgiram e permaneceram até hoje, movimentando o comércio das cidades.

 

Giro fotográfico pelas feiras