Por que ser um volutário?

Vocação em todas as partes do mundo

Com atividades em todos os continentes e com diferentes naturezas e objetivos, o voluntariado pode ser praticado por todos com o desejo de ajudar. No Brasil, crescem iniciativas de facilitar a ponte entre voluntário e beneficiário

Por Hamlet Oliveira

Ação voltada para ajudar o próximo, o ato de se tornar um voluntário passa desde a decisão de colocar a prática como uma prioridade do cotidiano, até se por à disposição em diferentes situações. Dentro dessa perspectiva, o voluntariado é um movimento com participação global, na qual entidades de todos os tamanhos, financiamentos e objetivos participam. Sejam as voltadas para prática esportiva, que auxiliam na alimentação de pessoas carentes, ou para quem perdeu a casa durante um desastre natural, a participação do voluntariado chega para complementar as ações do poder público e privado.

Atuando em uma escala global, o programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV, na sigla em inglês) trabalha, todos os anos, com milhares de voluntários em todos os países com presença da organização. De acordo com a coordenadora do UNV no Brasil, Renata Farias, é difícil quantificar a quantidade de voluntários pelo mundo, por conta da presença de diferentes culturas e costumes entre os países. A estimativa, contudo, é de que um bilhão de pessoas esteja envolvida em atividades voluntárias. Em 2018, 7203 pessoas participaram do UNV.

"Em alguns países onde foi feita alguma medição, o foco tem sido principalmente no voluntariado formal em organizações da sociedade, em outros [países] há também dados sobre voluntariado realizado de forma espontânea e direta entre as pessoas. Muitas partes interessadas ainda não reconhecem a importância de medir o voluntariado, especialmente o voluntariado informal, principalmente devido ao custo e às dificuldades de obter uma amostra representativa", relata. Renata também conta que, de acordo com o relatório Estado do Voluntariado do Mundo, publicado em 2018, 70% das ações voluntárias ocorrem diretamente, de pessoa a pessoa, enquanto 30% ocorre através de organizações como intermediárias.

Ação nacional
Projeto voltado para a facilitação de quem precisa de voluntários e aqueles com desejo de ajudar, o movimento Transforma existe desde 2014, quando foi lançado em Recife. O objetivo, de acordo com o fundador Fábio Silva, é fazer com que o número de voluntários no Brasil, atualmente em 4,4% da população, cresça nos próximos anos. Lançado em 2018, o Transforma Brasil é a expansão do projeto para outras cidades brasileiras. Hoje, o modelo está presente em sete cidades, com planos para chegar a outras 25 em 2019.

Além de incentivar o voluntariado, o modelo do Transforma funciona elencando as vagas para voluntários nas instituições parceiras de cada cidade em um único portal, explicando as atividades a serem desempenhadas pelos candidatos. Dessa forma, os interessados podem se inscrever de forma mais acessível, de acordo com o interesse de cada um nas atividades em que consideram que irão contribuir da melhor forma.

"Ainda é uma pauta nova [do voluntariado], jovem, mas diante da crise econômica, ela fica ainda mais necessária. Porque a gente sabe que não é nenhum demérito entender que gestões públicas não conseguem cobrir todas as necessidades do território. Mas isso é em qualquer cidade do Brasil, em qualquer país do mundo", comenta Fábio. O fundador do movimento Transforma ainda reforça que muito do baixo engajamento do brasileiro em voluntariado se deve ao fato da população não ter acesso a um serviço intuitivo para buscar as vagas.

Atual CEO do Transforma Brasil, Návila Alencastro dá alguns números do projeto: mais de 200 mil pessoas realizando trabalhos voluntários, 400 organizações solicitando a demanda e um milhão de horas de trabalho contabilizadas. "O Transforma Brasil leva solução social para o território. A gente percebeu que as pessoas querem ser protagonistas e querem mudar a sua localidade, sua realidade, seu território", diz.

Plataforma local
Em parceria com o Transforma Brasil, Fortaleza é uma das novas cidades, junto a Águas Claras (DF) e Petrolina (PE), que irão integrar o projeto, a partir do lançamento do Fortaleza Solidária, programa da Prefeitura de Fortaleza. Apesar da nomenclatura diferente, a ação local faz parte da plataforma nacional. Lançado no último dia 29 de abril, o projeto também visa aproximar as entidades responsáveis pelo auxílio a quem necessita de quem busca iniciar os trabalhos como voluntário.

De acordo com Lílian Fontele, coordenadora do Fortaleza Solidária, o projeto foi concebido há um ano. Além da facilidade de acesso online às vagas, a gestora explica que será feito, ao longo do ano, ações de engajamento presenciais para que a população se conscientize da importância de realizar trabalho voluntário. Antes do lançamento, algumas ONGs receberam visitas para conhecerem de que forma o projeto seria realizado e como poderiam cadastrar as vagas.

"Não só é difícil encontrar mão de obra qualificada voluntária, mas é difícil que as pessoas entrem nesse movimento. Muitas vezes, o público tem boa vontade, mas não sabem como, não sabem onde [buscar oportunidades]. Com a plataforma, torna-se mais palpável", explica Lílian. A expectativa para 2019 é de 50 mil voluntários e 250 entidades se inscrevam no Fortaleza Solidária.  

Histórias de voluntariado

Para ser um voluntário

Vontade de ajudar e compromisso são características importantes para voluntários. Além disso, eles também têm direitos e deveres, assim como as organizações em que se realizam o serviço. Lei regulamenta atividade no País

Por Gabriela Custódio

Contação de histórias, mutirão de limpeza, "palhaçoterapia", aulas de dança e de música, atendimento psicológico, tradução de documentos e organização de arquivos. Estas são algumas das diferentes formas de ajudar instituições por meio de trabalho voluntário. No Brasil, 7,2 milhões de pessoas realizaram trabalho voluntário em 2018, correspondendo a 4,3% da população com 14 anos ou mais de idade, segundo o módulo "Outras formas de trabalho" da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018 (PNAD Contínua). Em 2017, o índice era de 4,4%.

Para Moema Freire, coordenadora da unidade de Paz e Governança do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do projeto de apoio ao Programa Nacional de Voluntariado, o Viva Voluntário, disposição para ajudar é a principal característica para ser voluntário. Além disso, destaca a importância de honrar com o compromisso estabelecido com a instituição em que trabalha. "Uma vez inscrito naquela vaga de voluntariado, a organização passa a contar com a presença dele."

Quem quer realizar serviços voluntários pode buscar atividades vinculadas ou não à própria formação profissional. "Uma pessoa formada em Contabilidade pode buscar uma organização social que esteja iniciando para apoiá-la com ações de fortalecimento da sua área contábil, financeira", exemplifica. As ações podem ser pontuais ou de longa duração.

Antes de começar, porém, é indicado fazer uma pesquisa sobre a organização e a vaga de trabalho. "Precisamos olhar se a natureza daquela atividade de fato voluntária, de ajuda, qual o benefício que aquela atuação vai oferecer para uma população ou para uma organização", pondera. Conhecer o perfil da instituição também é importante para a preparação do voluntário, pois casos em que voluntários vão para localidades remotas, por exemplo, precisam de formação específica.

Questões legais
O voluntariado, no País, é regulamentado pela Lei Nº 9.608, de 1998. Entre outros pontos, o texto o caracteriza como a atividade prestada por uma pessoa física a uma entidade pública ou instituição privada de fins não lucrativos com objetivos "cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa". Além disso, o texto aponta que ele não gera vínculo empregatício, assim como obrigação trabalhista, previdenciária ou afim.

Para Flavia Regina Oliveira, sócia do escritório paulista Mattos Filho Advogados e especialista em organizações sem fins lucrativos, a norma cria garantias para todas as partes envolvidas. Treinamentos e capacitações, por exemplo, podem variar de acordo com a instituição que receberá o voluntário e do trabalho a ser executado, mas a lei exige, por exemplo, que o serviço seja formalizado em um termo de adesão entre voluntário e entidade. É o documento que oficializa o tipo de trabalho e as condições em que ele será exercido. "Para mim, é o que mais dá garantia tanto para o voluntário quanto para a organização dos limites dessa relação", afirma Flavia Regina. "Acho que a lei só trouxe avanços e trouxe garantias para o terceiro setor, que só cresce no Brasil desde então", acrescenta.

Segundo o advogado Helder Nascimento, sócio da Helder Nascimento Advogados e especialista em terceiro setor em Fortaleza, a Lei 9.608 é importante para conferir segurança às relações jurídicas, para que "não ocorram incertezas nem desvios quanto à configuração do trabalho". "O voluntariado é uma atividade nobre e altruísta. Ser voluntário engrandece moralmente o indivíduo e contribui para a sociedade. É um dispor de si para outrem. É preciso considerar, contudo, que paralelamente há uma legislação protetiva do trabalhador, para que este tenha seus direitos respeitados", aponta.

Direitos e deveres
Além de boa vontade para ajudar o próximo, um voluntário também conta com direitos e deveres, assim como a instituição para quem ele irá prestar serviço. "O voluntário não trabalha quando quer e porque quer, ele trabalha sim de maneira voluntária porque quer, mas dentro de um regulamento que é pré-combinado e pré-estabelecido entre ele e a instituição", pontua Flavia Regina.

"O prestador de serviços voluntários é obrigado a dar cumprimento aos compromissos que assumir em termo de adesão escrito com a instituição, os quais são definidos sempre no caso concreto", acrescenta Nascimento. Segundo a "lei do voluntariado", o voluntário tem direito a ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente tiver em decorrência da atividade — como transporte, combustível e alimentação —, desde que autorizadas pela entidade à qual o serviço é prestado.

Quem já é voluntário
Desde agosto de 2009, o advogado Márcio Vandré faz parte da Risonhos, ONG que realiza trabalho voluntário em hospitais e instituições de longa permanência. Em trajes lúdicos de palhaços, os voluntários atendem crianças, jovens e adultos com atividades recreativas, educativas e artísticas. Durante a semana, o advogado dedica-se à profissão ou a eventuais reuniões da Risonhos, mas é aos fins de semana que ele faz as visitas às instituições. Para ele, que hoje é presidente da ONG, o trabalho voluntário virou um objetivo de vida. "Acho que é uma coisa que realmente preenche a minha vida. Não consigo mais viver sem."

A professora aposentada da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Elisabeth Fiúza Aragão (ver vídeo do especial), 67, realiza trabalho voluntário no Instituto Beatriz e Lauro Fiúza (IBLF) há cerca de dois anos. No início, conta que fazia "de tudo um pouco" na instituição, que trabalha com crianças e adolescentes que moram em áreas de alta vulnerabilidade de Fortaleza. "Eu chegava na hora dos lanches das crianças, ajudava a servir; [quando] tinha um leilão de roupas, eu ajudava. Voluntária mesmo. Até que um dia, uma pessoa ligada à biblioteca queria fazer uma contação de história. Eu fiz e daí foram surgindo outros trabalhos."

Desde então, Elisabeth começou a trabalhar com planejamento de aulas de diferentes áreas, como Geografia, História e História da Música. "A função do Instituto é focar em jovens para que eles possam, por meio da musica, ter outra visão de mundo, abrir outras possibilidades. [Para isso], é feito todo um trabalho em paralelo de suporte a essas crianças, que normalmente são um público de pessoas vulneráveis", explica. Para ela, formada em Sociologia, a experiência tem sido "riquíssima". "Acho que acabamos mais ganhando do que dando."

Uma produção