Esse especial é uma contagem regressiva iniciada três meses atrás e que nos rendeu dias de muitas emoções. Revisitar a história do Vida&Arte, que publicou sua primeira edição há exatos 30 anos, em 24 de janeiro de 1989, nos possibilitou uma imersão não apenas nas transformações do próprio caderno ao longo desse tempo, mas nas tantas mudanças que aconteceram no cenário cultural e na sociedade e que ficaram registradas em nossas páginas. A atual equipe do V&A, boa parte dela bem mais jovem que o próprio aniversariante para o qual escrevem, teve acesso, além desse vasto conteúdo, aos modelos de cobertura jornalística e como eles foram se atualizando, chegando ao formato que atualmente se espalha para além do impresso e se multiplica em outras plataformas, ocupa a Cidade. Teve surpresa, encanto, olhares de descoberta e críticas. Mas o melhor de tudo foi constatar a evolução, em forma e conteúdo, de uma proposta que já nasceu com o espírito de vanguarda e se mantém como referência para quem faz e consome arte. Num País tão rico culturalmente e que se vê em constante ameaça da sua memória, o Vida&Arte mostra que cumpre importante papel na construção e na guarda de um registro histórico que precisa ser preservado. Essa missão segue em andamento e vislumbra muito mais. Nas próximas páginas reunimos parte da nossa história, que é também sua, caro leitor. A gênese do caderno, suas inovações gráficas, os grandes nomes e fatos que por aqui foram retratados, o olhar sempre à frente para pensar fora da caixa. É uma espécie de viagem, por cenários variados e com múltiplos personagens. Junte-se a nós. Esse aniversário é nosso.
Traços de vanguarda
Arrojadas, modernas, versáteis. São muitos os adjetivos usados para definir as páginas do Vida&Arte. Projeto, que sempre esteve à frente de seu tempo, nunca deixou de se atualizar com experimentações e novos recursos
Por Isabel Costa
Feito por muitas mãos, pensado por muitas cabeças. O Vida&Arte é um produto tão plural quanto coletivo. E, para que o caderno seja como é e comunique da forma como comunica, há um trabalho feito em consonância com a apuração das matérias e a redação dos textos. O aporte gráfico do V&A foi pensado, estudado e executado por muitos designers e diagramadores ao longo dos últimos 30 anos. Trabalhando em sintonia com repórteres e editores, eles conseguiram imprimir ares de vanguarda e arrojo nas páginas que chegam aos leitores.
Foram muitas as marcas e as fases nessa evolução gráfica. Da logo em preto e branco, avançou para o laranja e o azul que lhe foram tão característicos por um tempo. Depois, extrapolou as cores e, agora, tem uma marca cursiva e mutável. "O Vida&Arte é o que é e tem a força que ele tem porque quando alguém pensa que pegou ele com a mão, ele já voou", acredita Gil Dicelli, editor-executivo do Núcleo de Design do O POVO e responsável pelos projetos de reformulação do caderno nos últimos anos. No V&A, ele explica, além de existir a apresentação de artistas, equipamentos e agendas locais, há o nosso olhar - "o olhar nordestino" - sobre temas do Brasil e do Mundo.
Reconhecido pela excelência e arrojo estético, foi na última reformulação - feita em janeiro de 2018, quando O POVO completou 90 anos - que o V&A partiu para um novo patamar na apresentação gráfica. Gil explica que a tipografia manuscrita marca um profundo momento de humanização. "Vem desse reforço de que a gente está fazendo um caderno de artistas para artistas, de pessoas para pessoas, de pensadores para pensandores", pontua Gil.
O artista visual Thyagão, integrante do Baião Studio, explica que o Vida&Arte se diferencia de outros produtos jornalísticos ao conseguir ter linhas claras para todos os setores que precisa abordar: a agenda, o colunismo social, as reportagens, a crônica. Apesar de manter uma unidade visual coesa, explica Thyagão, o caderno consegue se ajustar ao tema de cada dia, apresentando uma surpresa a cada edição. "Todos os públicos estão graficamente lá, do gamer e da pessoa que gosta de séries de televisão até quem gosta de teatro e da agenda da Cidade". A presença de artistas cearenses em destaque gráfico do caderno, diz Thyagão, é uma das marcas do V&A. Eles participam fazendo tirinhas, sendo temas de capas, colaborando com ilustrações e fotografias. "Não é uma nota encostada no canto. Quem pega o Vida&Arte encontra o Ceará graficamente", comemora.
Porta de entrada
Espaço de liberdade gráfica e de experimentação, as capas do Vida&Arte se tornaram marca forte do caderno e importante vitrine para a cultura local
Por Isabel Costa
Daniel Peixoto saiu da casa de uma amiga em uma manhã e olhou na direção da banca de revistas. Sua foto estava estampada em um exemplar do O POVO. Pegou o jornal quase sem acreditar e encontrou o Vida&Arte. O cantor, com carreira que ainda despontava, estava na capa do caderno de cultura ensinando "como ser um popstar". Uma cena parecida aconteceu com Dhanny Marinho, artista e professora, que foi até a redação do O POVO para divulgar seu trabalho, sem imaginar que ganharia tanto destaque. Tal dia, ela viu seu nome pipocar nas redes sociais e nos links do O POVO Online. Já à noite, quando teve tempo de comprar a edição impressa em um mercantil, Dhanny ficou emocionada ao se ver retratada na capa.
A primeira página do caderno é um espaço nobre, criativo, disputado e cheio de ousadia. É para lá, ao longo das três décadas, que vão as apostas de sucesso dos seus jornalistas - de livros e filmes até espetáculos e discos, e principalmente, de novos artistas. Gil Dicelli, editor-executivo do Núcleo de Design do O POVO, explica que a capa do Vida&Arte é um local privilegiado dentro do jornal e foi concebida para comportar "liberdade gráfica e de experimentação também". "É algo que estimula a gente enquanto criadores, estimula a equipe que gosta de criar. Trabalhamos juntos, não apenas o conjunto do Núcleo de Design, mas com editores e repórteres. É um processo coletivo e o leitor sente isso no cotidiano: ver um Vida&Arte novo a cada dia", diz.
A alegria dos artistas ao se verem retratados na capa do caderno é justificada. A visibilidade e o reconhecimento do trabalho, eles dizem, colabora para que novos voos sejam alçados. "Eu tive o privilégio de ter duas capas e alguns destaques. Para mim foi de suma importância. Quando saiu, centenas de pessoas me procuraram, queriam saber como era o espetáculo e onde seria apresentado. Nós conseguimos lotar o Theatro José de Alencar, em uma quarta-feira durante a noite, após estar na capa do Vida&Arte", reforça a atriz Mazé Figueiredo, que tem 80 anos.
Mas a capa do Vida&Arte também é um ambiente de dissonâncias. Semanalmente, durante as reuniões de produção, a equipe que faz o caderno trava conversas - por vezes acirradas e demoradas - sobre quais temas merecem figurar em destaque. E, claro, ao longo das três décadas, a primeira página foi alvo de críticas em diversos momentos. Como local de experimentação e criatividade, os textos e a diagramação nem sempre são bem aceitos.
"Quando há uma visibilidade para artista que se propõe a fazer arte na periferia, causa impacto entre todos os artistas que defendem essa bandeira, pois todos eles se sentem visibilizados", explica Dhany Marinho, que guarda com carinho o exemplar com matéria assinada por Renato Abê. No mercantil, quando pegou a última edição disponível e abriu até encontrar o Vida&Arte, ela foi surpreendida por uma senhora que, espantada, perguntou se aquela "moça na foto" era realmente ela. "Aquele momento, para mim, não foi só da Dhanny Marinho que faz esse trabalho, mas para os artistas que resistem nas periferias de Fortaleza e abraçam a bandeira de que a arte precisa estar em todos os lugares cumprindo seu papel de transformação social", explica Dhanny, que também é professora de artes.
Ao olhar para o conjunto de capas feitas ao longo desses 30 anos, diz Gil Dicelli, é possível enxergar muito da história e da cultura do Ceará. Como um mosaico que reúne fatos importantes, debates e produtos artísticos - e no qual muitas vezes ela própria se converte em obra de arte.
Primeiro editor do Vida&Arte, o jornalista Ivonilo Praciano relembra o processo de criação do caderno e seu espírito vanguardista
Foram meses passados em uma sala, na sede do O POVO, na avenida Aguanambi, criando novas possibilidades e caminhos para o então Segundo Caderno. Apesar do suplemento dedicado aos assuntos culturais já ser considerado um destaque no O POVO, leitores começavam a solicitar uma mudança. E ela ia acontecer. Repórteres, designers e editores se dedicaram a uma rotina de estudos a partir de referências de publicações locais, nacionais e internacionais. Participante do processo, o jornalista Ivonilo Praciano lembra com orgulho do esforço feito para a concepção do produto e da equipe envolvida. Naquela sala, ele diz, nasceram as ideias e os rascunhos daquele que se tornaria o Vida&Arte, sendo ele seu primeiro editor. Trinta anos depois daquele janeiro de 1989, Ivonilo continua atuante nas páginas do caderno. Assina a coluna Muito Prazer na edição dedicada à gastronomia, e é presença constante na editoria de cultura. A seguir, ele fala sobre mudanças, jornalismo cultural e referências.
Vida&Arte - Como você avalia as mudanças na forma de fazer jornalismo cultural da época da criação do Vida&Arte e o jornalismo cultural feito agora?
Ivonilo Praciano - Acho que as mudanças são adequadas aos tempos. Na realidade vivemos novos tempos e o movimento cultural parte também em busca de justificar sua existência, criando e desenvolvendo caminhos e linguagens. Embora a cultura tradicional ocupe com destaque o seu espaço porque ela é e sempre será pura referência histórica e cultural.
V&A - Quais referências - de revistas internacionais, projetos e outros cadernos - foram utilizadas para a concepção do Vida&Arte 30 anos atrás? Como foi o processo de criação?
Ivonilo - Conquistamos à época um espaço físico no jornal e criamos um verdadeiro núcleo de criatividade. Dentro desse grupo de estudo, nós líamos e debatíamos veículos de comunicação locais, nacionais e internacionais. Tínhamos como motivo principal mudar o Segundo Caderno. Procurávamos novos roteiros, estilos e formas, sem esquecer do conteúdo. O Segundo Caderno era muito forte e conceituado. Mas O POVO começava a ter uma nova visão estrutural e conceitual de jornalismo impresso através de Mário Garcia (cubano referência em design de jornais), um gênio ousado e corajoso. O leitor cobrava então uma mudança no caderno de cultura e entretenimento dele que era o Segundo Caderno.
V&A - A marca Vida&Arte é uma das mais reconhecidas entre público, artistas e estudiosos no cenário local. Como você avalia o percurso do caderno?
Ivonilo - A marca Vida&Arte consolidou-se através de todos os excelentes editores que dela cuidaram e vêm cuidando. Cada um recebeu da empresa e dos diretores da Redação liberdade de continuar um projeto ousado e corajoso que tratasse arte, cultura e entretenimento com cuidado significativo. Não somente mostrando, apresentando, mas debatendo com seriedade e sem distanciamento, primeiramente o conteúdo e, em segunda instância, as imagens de representatividade. Assim, o Vida&Arte sedimentou-se como ponto de leitura das artes e do movimento cultural da Cidade, do Estado e do País.
V&A - O Vida&Arte sempre partiu da premissa de ser inovador?
Ivonilo - Partimos para uma profunda pesquisa e corajosamente lançamos o primeiro exemplar já mostrando para o que veio. Uma imensa fita de capa aberta, ousada e absolutamente informativa visualmente. Marcamos ponto. Recebemos retorno com excelentes considerações sobre o projeto e o conteúdo. Vibramos!
"todo dia eu ficava impressionado com as artes"
Leia texto de Thyagão, integrante do Baião Studio e quadrinista do Vida&Arte
Existe muita gente que compra o livro pela capa. Com jornal não é diferente. Muita gente compra o jornal pela notícia que tem na capa, lê a matéria por causa da diagramação que chamou a atenção. Quando falamos de um caderno como o Vida&Arte, o desafio é ainda maior, pois o público desse caderno, por ter perfis diversos, aceita intervenções gráficas das mais variadas. Minha ligação com o caderno é dividida em três momentos: Primeiramente, as capas do Vida&Arte me chamaram a atenção ainda quando eu era estudante de design. Sem entrar em termos técnicos, sempre era possível perceber a evolução e os cuidados com as capas. Mesmo com o ritmo frenético de um jornal diário, todo dia eu ficava impressionado com as artes. Não devia ser fácil, e me pegava imaginando como seria esse processo.
Depois, quando eu organizava um evento de ilustração chamado Baião Ilustrado, fomos capa duas vezes do caderno. Uma delas com a participação do ilustrador Benício, uns dos mais importantes do Brasil. Quando ele viu a capa, ficou encantado e me pediu mais exemplares. Ano passado, finalmente, tive a oportunidade de desenvolver duas capas para o caderno. A primeira para uma matéria sobre arte urbana e a segunda para uns dos maiores eventos de cultura do Brasil, o Festival Vida&Arte. Finalmente, vivi a adrenalina de desenvolver uma capa para o Vida&Arte. O frio na barriga começa quando chega o e-mail com a solicitação e você pensa no desafio. Depois, o corpo congela todo quando você percebe a exiguidade do prazo. No final, tudo termina bem, pois contamos com todo o apoio da editoria e do time Vida&Arte.
O eco de antigas palavras
A dinâmica do tempo é curiosa. O ontem pode parecer um passado distante, enquanto fatos que aconteceram há vários anos podem nos remeter a um sentimento presente em que quase é possível reviver aquele exato momento. Vasculhar um acervo que conta 30 anos nos fez transportar por essa linha de memórias, alcançando fatos que mesmo que não tenham sido acompanhados em "tempo real", ultrapassaram gerações, viraram efemérides, entraram, de alguma forma, para a história da cultura, ou para o repertório particular de cada um.
Em cerca de 10 mil edições, publicadas em três décadas, o Vida&Arte se dedicou a registrar as narrativas que mais mobilizaram o campo da cultura nesse período e nos ajudam a conhecer e reviver essas memórias. Logo na primeira edição do caderno um fato que entraria para a história estampou nossa capa: a morte do surrealista Salvador Dalí. E tantas foram as mortes narradas... Falamos da partida do humorista Mussum, em 1994, que desolou o país, e da morte precoce da cantora Amy Winehouse, e, 2011, vítima da tríade "sexo, drogas e rock'n'roll".
O V&A acompanhou como as produções internacionais desembarcaram em Fortaleza nos últimos 30 anos. Nas portas das salas de cinema, repórteres conversaram com jovens bruxos ávidos para assistir os lançamentos da saga Harry Potter. Registramos ainda o sucesso do pirateado Tropa de Elite até o moderno Avatar.
"Atentos ao que acontece não apenas na cena local, mas também em âmbito nacional e internacional, temos guardados em nossas páginas eventos relevantes. Grandes shows que passaram pela Cidade, lançamentos de livros, espetáculos teatrais, polêmicas, apostas em novos nomes, espaços que estiveram no auge em algum momento na história de Fortaleza. Vasculhando nosso acervo revivemos também as transformações da sociedade", explica Cinthia Medeiros, atual editora-chefe do caderno.
Nos arquivos investigados pela equipe de produção deste caderno está narrada uma linha do tempo complexa. Nem sempre os eventos seguem um encadeamento lógico e nem sempre os artistas caminham em um tracejado linear. Assim - com surpresa! - narramos o nascimento da MTV Brasil, o anúncio do show de Paul McCartney em Fortaleza, o sucesso do filme cearense Cine Holliúdy. Em outros momentos, apostamos que sonhos poderiam virar fatos. Assim foi quando os fãs do sexteto britânico Iron Maiden agitaram campanha por um show em Fortaleza - gerando muitas capas do caderno e uma histórica apresentação na Arena Castelão no dia 24 de março de 2016. São narrativas que mudaram os rumos das linguagens artísticas e que, até hoje, podem causar ecos nas cenas culturais e reverberar na criação de novos espaços, novos fatos e novos produtos.
Do forrobodó aos riffs, as reinvenções do forró
Por Teresa Monteiro
Do forrobodó do pernambucano Luiz Gonzaga aos dias atuais, o gênero musical passou por diversas mudanças e contextos. A sala de reboco, "pra dançar com meu benzim", atualmente ostenta camarotes, frontstages e pulseirinhas de identificação que garantem plateia para nomes locais e nacionais amparados não mais pela 'Santíssima Trindade' - sanfona, zabumba e triângulo - mas também, e sobretudo, por guitarras, baixos, teclados, corpo de baile e o que mais o palco puder comportar.
Desde que foi classificado como "forró eletrônico" esse arrasta-pé diferenciado esteve na pauta do Vida&Arte a partir de alguns ângulos. Em meados de 1995, por exemplo, auge de uma tal onda batizada de "Oxente Music", o caderno evidenciou a crescente indústria do forró que se apresentava à época, tendo à frente empresários como Emanuel Gurgel (SomZoom) e Francisco Sousa Possidônio, e bandas como Mastruz com Leite, Mel com Terra, Forró Maior, Cavalo de Pau, dentre outras.
Leia texto do jornalista Marcos Sampaio, editor-adjunto do Núcleo de Cultura e Entretenimento do O POVO
Da queda do mercado de LPs ao crescimento das plataformas de streaming. O reaquecimento da indústria cinematográfica nacional. Os choques de comportamento e pensamento gerados no meio das artes plásticas. A evolução do mercado de jogos eletrônicos. Os grandes festivais, as mais impactantes obras, o que gerou escândalo, o que mexeu com a cabeça do povo, o que apontou caminhos. Nos últimos 30 anos, o Vida&Arte tornou-se um termômetro do muito que se produziu em termos de arte no Ceará, no Brasil e no mundo.
Apesar dos pés fincados no Nordeste, é uma das missões deste caderno conectar seus leitores com o que está sendo produzido no planeta em termos de pensamento. É por isso que o V&A já estreou homenageando o grande símbolo do surrealismo, Salvador Dali, falecido em 23 de janeiro daquele 1989. Assim como o pintor catalão, muitas personalidades e suas obras mais célebres foram discutidas por aqui. O fenômeno Tropa de Elite, que levou aos cinemas as práticas da polícia carioca, assim como os 40 anos do festival de Woodstock, marco da contracultura, foram tema de reportagem. As conexões de Elis Regina com o Ceará também foram exploradas em 2012, quando se completaram 30 anos de morte da maior cantora do Brasil.
Entre as reportagens mais recentes, é inesquecível a que marcou os 70 anos de Belchior. O projeto transmídia costurou depoimentos de músicos, familiares, pesquisadores e amigos em busca de entender o bardo cearense. Mal emergimos desse mergulho e fomos tomados pelo susto da morte do compositor. Foram mais de 24 horas de trabalho para compreender o que tinha havido na madrugada de 30 de abril, quando o coração do artista parou. Na época, ele ainda vivia um mal explicado autoexílio artístico, embora seu paradeiro já não fosse mais tão secreto. Compreender os detalhes e as razões para o que norteou os últimos anos de vida de Belchior foi uma aula de jornalismo que envolveu o marcou o Vida&Arte para sempre.
Entre o céu e a terra: obras espiritualistas na cultura ao longo de três décadas
Por João Gabriel Tréz
Em 1994, com a exibição da refilmagem da novela A Viagem, o Vida&Arte avisava: "Embora revestido de fantasia, o espiritismo também chega aos meios de comunicação de massa, que estão investindo tudo neste novo filão". Veiculada no horário das 19 horas, a obra de Ivani Ribeiro chamou a atenção do público numa trama com elementos sobrenaturais, drama e romance, chegando a somar "56 pontos ao horário somente na primeira semana de exibição", como registrou o caderno. De lá para cá, a "onda" espírita ou espiritualista em produtos culturais seguiu consistente nas telenovelas, na literatura e alcançou o cinema - no qual o marco inicial de popularização foi o cearense Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito, que completou 10 anos em 2018.
Conforme lembra Luciano Klein, historiador e vice-presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará, o espiritismo surgiu com um livro - O Livro dos Espíritos. "Apesar da queda geral da leitura, o grande carro-chefe na divulgação do espiritismo continua sendo o trabalho da lavra mediúnica de Chico Xavier", aponta Luciano, que é também autor de diversas publicações espíritas.
Mesmo com a crise do mercado literário, o presidente da FEEC destaca obras de autores como Zíbia Gasparetto, Divaldo Franco e Léon Denis, além de outros escritos de Chico Xavier. "Além das obras básicas (da doutrina), temos romances, livros de mensagens e também livros de experimentação, já que a doutrina espírita tem esse caráter eminentemente científico. Mas o livro mais lido, da codificação (obras fundamentais da Doutrina Espírita trazidas à tona por Allan Kardec), continua sendo O Evangelho Segundo o Espiritismo", aponta Luciano. A Federação possui em sua sede, na rua Princesa Isabel, 255, a livraria Sinal Verde, voltada a títulos do tipo.
A primeira aparição do sambista Martinho da Vila nas páginas do Vida&Arte se deu em 9 de fevereiro de 1990, numa nota sobre um show que ele faria na Capital. Depois da estreia sutil, a primeira matéria sobre o artista foi publicada há 27 anos, em 31 de outubro de 1991. Escrita pelo repórter Ricardo Jorge, ela dava conta do lançamento do disco Vai Meu Samba, Vai e falava sobre misturas musicais, variedades do samba e dificuldades de tocá-lo nas rádios. Quase três décadas depois, na 15ª matéria sobre Martinho no Vida&Arte, as pautas da época alcançam os dias atuais com o lançamento de Bandeira da Fé, álbum que marca os 80 anos do sambista
O V&A mantém em sua pauta a dinâmica da Cidade, e segue como importante interlocutor para as questões voltadas ao direito à cultura
Ano após ano, década após década, o Vida&Arte contou a história dos artistas, dos equipamentos públicos e de outros espaços importantes da Capital. Da reforma do Theatro José de Alencar à sensação de insegurança no entorno do Dragão do Mar; da inauguração da Livraria Cultura à pulsação dos saraus de periferia; do descaso com o patrimônio histórico até a abertura de novas galerias de arte na Cidade. O caderno levantou polêmicas, emplacou discussões e tem acumulado um registro importante da história da cena cultural ao longo dos últimos 30 anos.
"O V&A tem o DNA do O POVO, logo, mantém historicamente com a Cidade uma relação especial. Como observador zeloso, acompanha - e cobra - as políticas públicas dedicadas aos espaços culturais e aos artistas da Capital, bem como celebra os novos palcos, as novas possibilidades de uma Fortaleza criativa e pulsante", elucida Cinthia Medeiros, editora-chefe de Cultura e Entretenimento. Nas páginas do Vida&Arte - para além da agenda cultural e das programações datadas - há espaço consolidado para o debate sobre os equipamentos e as implicações de seus funcionamentos (ou ausência deles) em Fortaleza.
Para Cinthia, a partir do momento em que o caderno se propôs a registrar e também analisar os fatos pertinentes ao campo da cultura - "seja no que diz respeito aos espaços onde eles acontecem, aos personagens dessas ações e ainda aos impactos das mesmas na sociedade" - o V&A se tornou um depositório da História e de histórias que marcaram de alguma forma a vida das pessoas. E exemplos não faltam. Nas tantas vezes em que o Salão de Abril atrasou, o V&A se prontificou a questionar. Quando a obra da Biblioteca Pública Menezes Pimentel foi adiada mais uma vez, o V&A buscou os responsáveis. Quando a Vila das Artes ameaçou reduzir seu funcionamento, o V&A detalhou os problemas. Aqui, você encontrará alguns exemplos de momentos nos quais o caderno foi palco e a Cidade, protagonista.
Acervo Imaginário e outras histórias de espaços de Fortaleza engolidos pelo tempo
Por Bruna Forte
Vânia Vieira, bancária e comerciante de imóveis. Napoleão Caldas, dentista e músico nas raras horas vagas entre turnos no consultório. Nas mãos, ao longo de seis anos, eles tinham a gestão de um consagrado espaço de música alternativa e independente em Fortaleza: o Acervo Imaginário Bar Cultural. Fechada desde 2014, a casa de show completaria dez anos de funcionamento neste mês de novembro e sua história retrata a complexa relação do público da Capital não só com o consumo de arte, mas também com a construção da memória de uma localidade.
O Acervo Imaginário começou a funcionar em 8 de novembro de 2008 depois de Napoleão "perturbar, perturbar" a vizinha Vânia para abrir um bar. "Até que um dia eu disse: tá bom, vai atrás de um lugar que a gente abre esse bar!", ri-se Vânia ao lembrar. Foi assim que o Acervo Imaginário nasceu, na fronteira entre Centro e Praia de Iracema, ao número 226 da rua José Avelino.
Leia texto de Magela Lima - professor universitário e editor do Vida&Arte entre 2009 e 2012
Oficialmente, minha história com o Vida&Arte começa dia 1º de junho de 2009 e termina em 31 de dezembro de 2012. Digo, oficialmente, porque, na verdade, começa bem antes e, na prática, nunca terminou. Eu me formei jornalista tendo o caderno como referência. Minha meta era ser um Luciano Almeida Filho, uma Eleuda de Carvalho, uma Ethel de Paula. Com o Vida&Arte, aprendi um jornalismo cultural possível e potente bem perto de casa e aprendi também a reconhecer a cultura cotidiana para além das artes.
Sem prejuízo nenhum aos artistas e seus públicos cativos, o Vida&Arte sempre se pautou pela dinâmica da Cidade. Nesse sentido, espraiou seu raio de interesses, consolidando uma vasta gama de interlocutores e também de preocupações. Tratou de arquitetura, tratou de economia, tratou de política. Ao se dedicar a esses temas, muitas vezes tidos como exclusividades do chamado hard news, o jornalismo cultural se reinventa e põe suas audiências em contato com leituras tão sensíveis quanto profundas.
Livre da agenda das artes, o Vida&Arte pode enfrentar a vida como ela é. Ao fazer essa opção, precisou não só de um repertório outro e todo um conjunto de novas fontes, como também redefiniu seu lugar na redação do O POVO. Ao abraçar a Cidade e seus personagens tão diversos, o jornalismo de declaração e denúncia se revelou insuficiente. O diálogo com a Cidade e as pessoas da Cidade, dos anônimos às figuras públicas, exige respeito e confiança. Se o Vida&Arte viu o tempo correr, é porque, em parte, soube fazer Fortaleza se ver e se reconhecer em suas páginas.
Reencontrar a história e (re)viver o SÃO LUIZ
Por Isabel Costa
Não há pessoa que não tenha uma história para contar sobre o Cineteatro São Luiz. O primeiro beijo, a primeira ida ao cinema sozinho, o tradicional passeio de família. Muitas narrativas passam pelo equipamento cultural que, em 2018, completou 60 anos de existência. Houve um hiato nessa trajetória, entretanto - entre julho de 2010 e outubro de 2011. Construído pelo Grupo Severiano Ribeiro, atual Kinoplex - que iniciou a obra em 1939 e só finalizou em 1958 - o São Luiz sofreu perdas com a chegada e a expansão das salas de cinema nos shoppings. Esvaziado de público, o local, que antes só comportava a entrada da elite trajando paletó, viu sua plateia minguar.
Coração Materno, Cais Bar, Domínio Público, Noise 3D: outros espaços, mesmos desafios
Além do Acervo Imaginário, diversas outras casas de show reuniram farta e múltipla programação em Fortaleza na década de 1990 e nos primórdios dos anos 2000: espaços como Coração Materno, gerido por Ana Picanço e Nonato Freire; Cais Bar, do proprietário Joaquim Ernesto; e Amici's, criado por Célio Paiva - todos na da Praia de Iracema. Um ponto fora da curva, no sentido geográfico, foi o famoso The Wall Bar, localizado na Aerolândia. "Era objetivo de todo artista tocar no The Wall, era uma grande vitrine pra quem produzia música e cultura", lembra o musicista Jolson Ximenes.
Entre 1996 e 2000, foi a vez do Domínio Público lotar as pistas. Sob coordenação de Dilson Pinheiro e Marcus Dias, o espaço oferecia do samba carnavalesco ao hard rock. "Antes da construção do Dragão, existiam dois bares que fecharam por causa das obras do equipamento: o Besame Mucho e o Coração Materno. A ideia da gente era pegar esse público. Depois de um ano, por aí, veio a ideia de começar o Batikum, uma festa pra moçada. Durou uns dois anos e tanto, e a festa acontecia todo sábado", rememora Marcus Dias. Apesar do sucesso, o Domínio Público fechou por problemas semelhantes aos do Acervo: lotação das ruas com comércio informal e dispersão dos frequentadores.
Já entre 2004 e 2007, o Noise 3D fervia em Fortaleza. Idealizado pelo DJ e produtor cultural Dado Pinheiro, o espaço reunia "o must" da cena autoral. "Posso dizer que o Noise foi ótimo do começo ao fim. A minha visão hoje é que nós tínhamos as festas mais legais da Cidade, a esquina com o Hey Ho Rock Bar era a mais rock'n'roll da época. O Noise foi a casa onde surgiu muita gente que hoje em dia tem seus projetos como DJ ou com bandas", pontua Dado.
Para celebrar 12 anos de atividades, uma vasta programação vai ocupar os espaços do Centro Cultural Grande Bom Jardim
Por Teresa Monteiro
Local de formação, criação e difusão de conhecimento artístico, o Centro Cultural Grande Bom Jardim (CCBJ) é, acima de tudo, um celeiro de potências. "Aqui é lugar de produzir e expressar subjetividades, de promoção de processos facilitadores para a construção de projetos de vida, potencialização de processos de pesquisa e criação artística, especialmente com o público jovem, que é quem mais acessa o CCBJ", resume Trícia Matias, gestora do equipamento há quase dois anos.
Dos anos 90 até hoje, o que leva os fortalezenses aos brechós
Por Isabel Costa
Eles eram tratados como alternativa à crise financeira que preocupava consumidores no início dos anos 1990. Bazares e brechós foram considerados a "mania de Fortaleza" entre pessoas que buscavam peças estilosas, variedade de artigos, acessórios de décadas passadas, preços baixos e roupas para qualquer ocasião. Quase 30 anos depois, esses estabelecimentos continuam visados na Cidade e encantando consumidores. Mas, agora, as motivações se multiplicaram. De locais onde se podiam conseguir roupas com custos menores, eles passaram a ser aposta para quem deseja uma vida mais sustentável e para quem busca peças estilosas - fugindo das araras pasteurizadas das lojas de departamento.
Fechada desde 2014 para reforma, Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel chega aos 152 anos com o desafio de se reconectar à Cidade
Da infindável, mítica e até metafísica Biblioteca de Babel - fruto fantástico dos escritos do ensaísta argentino Jorge Luis Borges no livro Ficciones (1944) - à Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió - espaço organizado pelo poeta e produtor cultural cearense Talles Azigon na sala de sua casa -, as bibliotecas despertaram fascínio, curiosidade e estranhamento ao longo da história. Com 152 anos de existência e gerida atualmente pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult), a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (BPGMP) é o equipamento cultural mais antigo do Ceará e guarda, em suas sólidas paredes, narrativas daqui e do além-mar. Ao longo de seus quase 30 anos, o Vida&Arte acompanha e documenta os períodos de glória e declínio do prédio público.
Transitando entre a história, o jornalismo, a literatura e a memória, a crnica ocupou lugar cativo nas páginas do Vida&Arte durante as últimas três décadas. E assim será no futuro
"A palavra vem do grego, chrónos, que significa tempo. O cronista é justamente aquele que testemunha o seu tempo, narrando acontecimentos do dia-a-dia, às vezes recorrendo a lembranças pessoais, fazendo a ponte entre passado e presente". A reflexão é de Moreira Campos, escritor, em matéria publicada pelo Vida&Arte em 21 de março de 1992, quando foi anunciado que o cearense passaria a integrar o time de cronistas do caderno. O recorte do tempo, a brincadeira de menino malino com as palavras e a construção de textos que ecoam pela cidade são características das crônicas publicadas pelo Vida&Arte em três décadas.
Apesar do gênero crônica ter perdido espaço na imprensa de modo geral ao longo dos anos - explica o jornalista Ronaldo Salgado, em um movimento que atinge não apenas o Ceará, mas grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - o Vida&Arte conseguiu manter espaços cativos para esse tipo de produção - com cronistas como Audifax Rio, Tarcísio Matos, Henrique Araújo, Flávio Paiva, Pedro Salgueiro e Socorro Acioli. "É bom a gente ressaltar que esses espaços foram rareando em outros jornais e mantiveram uma posição, senão significativa, mas pelo menos cativa no Vida&Arte", aponta Ronaldo, professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde lecionou a disciplina de jornalismo opinativo.
A redução dos espaços dedicados para a publicação de crônicas, na opinião do professor, acontece por uma mobilização bastante complexa - que passa não apenas pelo cotidiano da imprensa em si, mas também pelas transformações que o jornalismo vive como processo cultural e como atividade empresarial. "Essas transformações tecnológicas que afetam não só o fazer jornalístico em si, mas sobretudo a própria estrutura empresarial do jornalismo, possam acarretar consequências que restringirão o espaço do gênero e o espaço do ensino sobre crônica nos currículos de jornalismo", aponta o professor. Nadando contra essa correnteza, o escritor Bruno Paulino é exemplo de quem compra o jornal impresso apenas para ler as crônicas. Seus preferidos são Pedro Salgueiro e Raymundo Netto ("ambos muito criativos"). De tantas leituras e encantos, resolveu ele também ele se dedicar à produção do gênero.
A crônica, ensina Ronaldo, é um território ambíguo por onde passam a história, o jornalismo, a literatura, a memória. Ao longo dos últimos 30 anos, o Vida&Arte foi a "casa" de cronistas que se destacaram não apenas pela criatividade - mas, também, pela capacidade de levar as situações mais insanas e várias gentes para o jornal. Além de Moreira Campos, há outros nomes facilmente associados ao caderno: Guilherme Neto, Ricardo Alcântara, Ana Miranda, Ronaldo Correia de Brito, Demitri Túlio e, claro, Airton Monte e seus textos na página 2.
Eles versaram sobre temas dos mais complexos - como a violência -, passando por percepções únicas - como a caracterização de uma fruta como um milagre -, até as questões simples do cotidiano - como um encontro de conhecidos. "Pois é esse o lugar que vejo que a crônica ocupa: a varanda, a mesa do café, aquele lugarzinho que acolhe e humaniza os leitores em meio à turbulência e às notícias quase que instantâneas do cotidiano. Enquanto as matérias do jornal tocam a mente, a crônica tange a alma", acredita o cronista Raymundo Netto.
Sob o olhar do cronista
Airton Monte viveu a vida como quem deleita um fim de tarde. Descobriu-se um escritor da Cidade, conhecedor das coisas miúdas, da vida boêmia. Na escrita despretensiosa, transborda saudade de uma Fortaleza que poucos conheceram. "Uma ideia, um fato, uma imagem, um estalo de juízo e pronto", eis a fórmula com a qual o escritor brincava com as palavras.
As melhores lembranças que guardo da minha amada Praia de Iracema se estendem pelo tempo ganho ou perdido, entre os Anos 1970 e o apagar das luzes dos Anos 80. Aos fins de semana, pra não dizer todos os dias, percorríamos nós, os boêmios da época, o festivo calvário dos bares, cuja via sacra começava no Opção do Haroldão, passava pelo Trattoria, estacionava no Cais Bar e inevitavelmente findava, manhã chegando, no velho Estoril. Tudo era tão simples naquele tempo, tudo tão poético, tão lírico, talvez porque fôssemos jovens demais, ingênuos demais.
Recordo que no Opção havia um vira-lata de raça indefinível, que nos seguia a toda parte que fôssemos. Resultado, viciamos o bicho em tudo quanto era tipo de bebida. Mal chegávamos no bar, lá se vinha ele, todo feliz, abanando o rabo e ficava nos olhando com um olhar pidão, até que enchêssemos um prato de cerveja pro cachorro matar o verme. Durou pouco o coitado, desapareceu. Depois soubemos que morreu de cirrose.
No Cais Bar a alegria ancorava seu barco. Antes de fazerem o calçadão era tudo areia e as pedras gigantes do quebra-mar. Nos dias em que a maré enchia a nossa turma nunca parava o carro perto das pedras e ficávamos só olhando os desavisados turistas da noite estacionando os semoventes bem ali, parece que estou vendo, colados às pedras. Quando a maré enchia, as ondas gigantescas davam um senhor banho nos automóveis e a gente ficava rindo sadicamente da nossa pequena maldade.
Também costumávamos caminhar pelo calçadão aos fins de tarde, até a Ponte Metálica para ver e "fumar" o pôr-do-sol. Ao descermos, inevitavelmente pintavam alguns meganhas para cheirar as mãos da rapaziada em busca da "maresia" que restava de supostos baseados. Aí é que vinha a alencarina e salvadora molecagem. O pessoal da "esquadrilha da fumaça", antes de descer da Ponte, passava os dedos no fiofó, por dentro das calças e os meganhas se davam mal, pois ao invés da incriminadora maresia, iam passar o resto da noite com catinga de merda no nariz.
Uma noite, estávamos Rogaciano Leite Filho, Paulo Mamede e eu no Pontal de Iracema, vizinho ao Cais Bar, tomando todas, ouvindo piano e curtindo o mulherio. Eis que, de repente, adentra o recinto uma verdadeira deusa da beleza, que olimpicamente não deu bola pra ninguém, a não ser, é claro, pro Paulinho, que ficou aos amassos com a deusa, matando a mim e ao Roguinha de inveja. Tanto que craneamos uma tremenda sacanagem com nosso dileto amigo. Lá pelas tantas, o Paulinho cometeu a besteira de ir ao banheiro. O Roga se apresentou como primo do Paulinho e a mim como psiquiatra do mesmo e alertamos a moça para o fato de que o Paulo Mamede era doente mental, desses dados a crises de violência e selvagem furor e, o que era pior, estava misturando contra nossa vontade remédio pra nervo com birita. A deusa se mandou assustada. Quando o Paulinho voltou, era o lugar mais limpo e, claro, ele não entendeu nada. Mais tarde, no Estoril, contamos tudo e quase morremos de rir, os três de soberba molecagem.
Assim era a Praia de Iracema da minha juventude e parece que foi ontem que tudo aconteceu. O resto é isso que se vê agora, essa pustulenta ferida aberta num dos mais tradicionais e belos cartões postais de Fortaleza. Que pena, que merda, que triste. E ninguém faz nada, nem nós mesmos.
Crônica de Airton Monte, em dezembro de 2004, no Vida&Arte
Uma luneta para mirar os detalhes
Leia texto da escritora cearense Socorro Acioli
A experiência de escrever uma crônica semanal por quase quatro anos tem me ensinado muito a respeito da literatura e das pessoas. Apesar de ter abraçado a carreira literária como profissão, sou jornalista. Daquelas que tem orgulho e que ainda considera o jornal um espaço nobre, com múltiplas camadas e funções. A minha função como cronista, por exemplo, é fazer bom uso da absoluta liberdade que tenho a cada semana e ser honesta. Em primeiro lugar, honesta com o meu tempo, lidando com as belezas e as dores do momento que vivemos. Em segundo lugar, honesta com meus leitores. Muitos têm virado amigos, inclusive. Entro na casa das pessoas pedindo licença e prometendo o melhor da minha lida com as palavras, sábado após sábado. Em terceiro lugar, sou honesta comigo. Escrevo sobre o que vejo, leio, penso e sinto. É isso que se espera de um cronista: a entrega da sua maneira de enxergar o mundo. Nutro absoluto respeito pelo precioso espaço que me cabe no O POVO e vejo na crônica a função de janela aberta para a Literatura, essa dádiva que transforma a vida em uma experiência superior. Este é meu compromisso: fazer do meu precioso pedaço de página no Vida&Arte uma luneta que aponta para os detalhes importantes do caminho.
Contar novas histórias
Atento aos personagens da cena artística local, não foram poucas as vezes em que o Vida&Arte enxergou em nomes ainda desconhecidos do grande público um algo mais. Hoje, nossas apostas nos enchem de orgulho
Por Isabel Costa
Como em um cassino de hotel - mas com uma probabilidade bem maior de ganhar os prêmios principais! - o Vida&Arte também faz suas apostas. Está na rotina de repórteres e editores observar atentamente a cena cultural, identificando potencialidades, talentos e indicando, ao começo de cada ano, uma figura que desponta nas artes cearenses como promessa para o porvir. Foi assim que, em 2017, o caderno estampou uma matéria com Mailson Furtado Viana, escritor que viria a se tornar vencedor do Prêmio Jabuti em 2018. Também em 2017, a bailarina cearense Bianca Riedmiller ilustrou a capa do primeiro Vida&Arte do ano com seus passos leves que a levariam à Nova York.
"Significa dizer que dentro de uma Cidade com tanta gente talentosa, trabalhando e batalhando para fazer suas coisas, é um privilégio e uma oportunidade muito boa. É cativar um jornal e fazer ele acreditar no meu trabalho. E saber que existe um peso muito grande em estar em uma capa que fala sobre arte em uma Cidade tão grande", contextualiza o cantor Getúlio Abelha, que figurou nas páginas do Vida&Arte em abril de 2017. Curiosamente, a mesma edição trazia matéria sobre o livro à cidade, de Mailson Furtado Viana, muito antes da fama do Jabuti. "Lembro que na época algumas pessoas compartilharam a matéria, com muitas até tomando conhecimento do livro através dela. O Vida&Arte é um espaço fundamental para a arte cearense, um espaço não apenas de apresentação, mas de discussão artística", enfatiza o escritor.
Estar no Vida&Arte - seja na versão impressa ou em seus desdobramentos em outras plataformas, como o rádio e as redes sociais - é uma posição, inclusive, que pode assustar artistas que estão iniciando seus trabalhos. "Me senti pressionado por mim mesmo", lembra o cineasta Leonardo Mouramateus, aposta do caderno em janeiro de 2011. A visibilidade, entretanto, também fez o jovem cearense ter estímulo para trabalhar em outros projetos. "Não sentia que tinha alcançado na totalidade o que me propus nos meus primeiros trabalhos. Talvez seja por isso que continuo a fazer filmes. Porque quando um problema parece resolvido por um filme, dois novos problemas nascem", brinca Leonardo, que lembra ter aproveitado "algumas horas de vaidade e a seguir algumas horas de euforia", para fazer mais filmes. "E claro, fracassar. Fracassar de novo, fracassar melhor. No fundo o que me deixou mesmo contente foi poder dar alguma alegria aos meus pais e meus amigos. Até hoje mamãe e papai colecionam as matérias que saem", pontua.
Com suas histórias contadas nas páginas do Vida&Arte, esses artistas partiram para fazer novos filmes, lançar novos livros, trabalhar em novas músicas e colocar os pés em novos destinos. Bianca Riedmiller, à época da matéria, fez um financiamento coletivo para custear uma viagem para Nova York, onde tinha uma bolsa de estudos garantida em uma escola de dança. "Me senti muito lisonjeada, pois faço ballet clássico desde que tinha três anos de idade, e ser reconhecida e apoiada por empresas do meu estado, me ajudando na realização de um sonho, faz toda a dedicação de anos nessa arte valer a pena", celebra a bailarina.
As idas e vindas dos cearenses que foram levar cultura para o Brasil e para o mundo, sem perder os laços com a terra
Por João Gabriel Tréz
Por muito tempo, a noção de "êxodo" povoou o imaginário que se tinha não apenas do cearense, mas do nordestino. Essa noção teve lugar, inclusive, na arte e seus movimentos. Há exatos 25 anos, o repórter Adriano de Lavôr apontava nas páginas do Vida&Arte; que grande parte dos artistas cearenses da época tinha "o palco mais confortável, o público mais acolhedor e as propostas mais tentadoras (...) no caminho que parte do aeroporto Pinto Martins". A pauta da ocasião, no entanto, se debruçava sobre aqueles artistas que, "por opção, decidiram instalar seu talento sob o calor do sol cearense, e sob os olhos dos conterrâneos". Eram o dramaturgo Eduardo Campos (1923-2007), o cronista Moreira Campos (1914-1994), o estilista Lino Villaventura - paraense de nascença, mas adotado pelo Ceará -, o ator e diretor Ricardo Guilherme e os fundadores da Comédia Cearense Haroldo e Hiramisa Serra. Eram então chamados pelo repórter de "navegadores" que "remavam contra a maré". Agora, o Vida&Arte; atualiza a discussão com alguns deles e ainda com novos agentes da cultura cearense, para mostrar como ir, ficar, ir e vir e voltar compõem diferentes possibilidades de navegar.
(...)
A repercussão dos cearenses, no final das contas, se revela uma repercussão do próprio Ceará. "A gente permaneceu aqui com muita consciência. Alguns grupos que gostariam de ter nome nacional achavam que tinham que estar fora para repercutir. A Comédia Cearense foi criada com a pretensão, inclusive, de divulgar o autor cearense", contrapõe Haroldo Serra. Tal trabalho era feito através da Revista da Comédia, que trazia em cada exemplar um trabalho de um autor local. "De repente, um texto de um cearense passava a ser conhecido nacionalmente, com vários grupos pedindo permissão para encená-los. A gente permitia, porque, na realidade, o que a gente queria era divulgar o cearense", enaltece o diretor.
Redes sociais transformam fronteiras e abrem caminhos e possibilidades de permanência ou movimento
Vinte e cinco anos se passaram e as facilidades de ir e vir são uma realidade, as redes sociais são ferramentas potentes nessa transposição de fronteiras e abriram-se novos caminhos e possibilidades. Desta feita, não é possível apontar, nesses tempos, somente uma tendência, seja ela de permanência ou movimento, dos artistas cearenses.
O dramaturgo Ricardo Guilherme, que optou por fincar vida e obra no Ceará desde antes daquele 1993, destaca o papel da tecnologia nesse processo. "No tempo em que vigora a internet, há possibilidade de inserção mais evidente no que se refere à visibilidade das produções oriundas de núcleos que estão fora, por exemplo, do habitual eixo Rio-São Paulo", avalia. Em diálogo, o realizador audiovisual Leonardo Mouramateus complementa: "O ir e vir constante é uma opção viável para quem tem uma farta conta bancária, mas hoje tudo é muito mais perto, e nada que a criatividade, a insistência e chamadas por Skype não resolvam", afirma. A cantora Mona Gadelha faz coro. "Embora eu esteja vendo uma disposição de pessoas saírem da Cidade para ter uma visibilidade maior, com a tecnologia você está em todo lugar ao mesmo tempo, transmite o ensaio ao vivo", avalia.
Há uma unidade básica no ofício jornalístico: a pergunta. É ela que descortina histórias, encontra narrativas do passado, faz o olhar ser jogado para o futuro, descobre fatos inesperados. Ao longo dos últimos trinta anos, repórteres e editores do Vida&Arte se dedicaram à tarefa de entrevistar. Artistas de diversas linguagens e de diferentes projeções responderam a perguntas feitas pelos nossos jornalistas. Às vezes maliciosas, outras ingênuas, às vezes constrangedoras, outras divertidas. Essas perguntas ajudam a contar a história do caderno - e do próprio jornalismo cultural. Pelas páginas passaram nomes cearenses de abrangência nacional - como Angela Gutiérrez e Karim Aïnouz -, nomes internacionais - com Mercedes Sosa e Valter Hugo Mãe -, e nomes das artes nacionais que estiveram em Fortaleza - como Ana Botafogo. Cada entrevista é o desenho de um tempo e o fragmento de um criador. Assim, questões levantadas em 1992, 2012 ou 2018 se provam atemporais. Mergulhamos no acervo do Vida&Arte para reler e reencontrar cada um desses personagens. Topamos com um Jorge Benjor que se afirma poeta popular e com uma Dercy Gonçalves alertando que o casamento é um contrato como outro qualquer. Aqui, você, leitor, vai encontrar recortes de cada uma dessas rodadas de perguntas e respostas. Essa é apenas uma parte do gigantesco material que o Vida&Arte acumulou ao longo dessas três décadas. Como se estivessem guardadas em uma posta-restante, essas respostas se mostram extremamente atuais. Boa leitura!
JOSÉ WILKER - Entrevista no dia 12 de novembro de 1994
OP - Você disse que não sabe imitar. Isso faz você preferir interpretar personagens de ficção?
JW - Não é uma coisa de preferência. É uma coisa de técnica e abordar uma personagem. Há atores que fazem um minucioso trabalho de se parecer, um tipo de investigação que resulta numa forma final, boa ou má, não importa. Há outros que não. Eu não consigo fazer isso. Eu leio tudo. Eu não sei fazer a ponte diretamente para a personagem. As vezes eu faço. As vezes eu ouço uma sugestão. Quando eu estava fazendo Renascer a Mônica, me falou para lembrar do meu pai, da minha família, das minhas origens. Mas eu não sei como é a passagem de uma coisa para a outra. Agora, personagem é personagem. Não importa de onde ele vem.
MERCEDES SOSA - Entrevista no dia 5 de maio de 1994
OP - Apesar de suas músicas terem um conteúdo político muito forte, você não gosta de tocar no assunto e prefere não ser chamada de "cantora política". Porquê?
MS - Porque não ganhamos nada com isso. Não vai ser cantando que vamos mudar alguma coisa. O canto é só um acompanhamento do despertar da consciência das pessoas. A mensagem das músicas somente serve para este despertar. As letras das músicas deveriam servir para mudar as coisas, mas como todos podem ver elas não estão mudando. Aliás, estão mudando para trás. Cada vez mais os problemas pioram.
VALTER HUGO MÃE - Entrevista no dia 30 de abril de 2012
OP - a máquina de fazer espanhóis não dá chance ao ideal de uma velhice resguardada dos conflitos existenciais, o que inspira a leitura de uma alegoria do crescente pessimismo dos portugueses com seu próprio país. Por outro lado, O filho de mil homens aponta para a possibilidade da felicidade. Existe aí uma mensagem destinada ao próprio povo português?
VHM - Sempre. Estamos outra vez entregues a governantes de merda. Somos uma merda a escolher quem nos deve representar. Fico azul de raiva por sermos uma Europa fascista outra vez. A França, por exemplo, com aquela Marie Le Pen, é uma derrota de tudo quanto se pensou ter conquistado em prol do humanismo. Aquela mulher devia ser enviada pra Marte sentada num vulcão ativo. Eu quero ver Portugal acordar do seu sono melancólico. Quero que seja lírico e romântico, capaz de poesia e muito sensível, mas não quero que seja burro. Precisamos fugir deste regresso aos ideais fascistas. Não posso crer que a minha geração possa estar a arriscar tanto voltar ao cárcere de ideias de outrora. À perseguição ideológica, à punição das pessoas que são ou vivem de modo diferente.
ANGELA GUTIÉRREZ - Entrevista no dia 25 de agosto de 1990
OP - Por que os cearenses não são lidos em sua própria terra?
AG - Por vários motivos congeminados: primeiro, porque o público leitor no Ceará é muito restrito; segundo, porque o sistema de divulgação e distribuição de livro aqui produzido assim como nosso mercado livreiro são ainda muito precários; terceiro, porque o livro é um objeto caro e o poder aquisitivo de nosso povo é pequeno, aliás, a cada dia que passa, menor. Tudo isso torna o círculo de leitores de literatura cearense muito reduzido, apesar do valor de muitos autores cearenses e da qualidade respeitável, do ponto de vista técnico-editorial, de alguns livros produzidos em Fortaleza, como é o caso, por exemplo, daqueles editados pela Imprensa da UFC.
ANA BOTAFOGO - Entrevista no dia 10 de agosto de 1991
OP - Há muitas que querem ser professoras de dança, e até se atrevem, mas sem ter uma base de ballet clássico. Isso seria fundamental?
AB - A base do ballet clássico é muito importante para qualquer tipo de dança. O ballet clássico prepara a musculatura de uma bailarina, seja ela de que modalidade for. Quem faz aula de ballet clássico está preparada para qualquer tipo de dança. É primordial que mesmo uma bailarina de jazz faça aula de clássico de vez em quando pelo menos, para preparar sua musculatura. A aula de ballet clássico é a mais completa e que prepara para fazer proezas técnicas no jazz ou moderno. A bailarina clássica também deve aprender outras modalidades de dança, mesmo que nunca vá dançar outra modalidade, mas para que ela trabalhe sua musculatura no total.
JORGE BENJOR - Entrevista no dia 18 de julho de 1992
OP - Você se considera um poeta?
JB - Eu sou um poeta popular. É assim que me sinto: um poeta urbano e suburbano. Faço muita música em cima de fatos que vejo nos jornais, na TV.
KARIM AINOUZ - Entrevista no dia 23 de setembro de 1993
OP - Você é um cineasta experimental?
KA - Acredito que não, mas sou muito interessado em narrativa e particularmente na narrativa experimental. Para mim é complicado. A predominância hoje é de cinema narrativo, porque dá prazer. Acho que esta é a função primordial do cinema. Existe milhões de maneiras de contar uma história. Estudo estas milhões de formas delas serem contadas. Existem elementos dentro da narrativa tradicional que podem ser retrabalhados. Neste sentido, sou pelo experimental, pelo reinvento. Não quero usar os elementos tradicinais, sejam eles de cinema de arte europeu ou do cinema holywoodiano.
DERCY GONÇALVES - Entrevista no dia 5 de janeiro de 1994
OP - Você esteve casada durante 20 anos. O que ficou dessa experiência?
DG - Casamento é um contrato como outro qualquer, e que pode ou não dar certo. Fui feliz durante muitos anos. Mas é claro que, como meu marido era bem mais novo do que eu 10 anos, sempre soube que aquilo não poderia durar até o fim. Ele foi viver a vide dele e eu a minha.
CRIOLO - Entrevista no dia 17 de agosto de 2012
OP - Você foi arte-educador durante muitos anos. O que pensa sobre arte e educação?
C - Veja você, o professor é um anjo na terra, não dá nem pra falar que é trabalho. É outra relação, é aquele homem ou aquela mulher que passa mais tempo com o seu filho do que você passa. Eu fico me questionando como ele pode ser tão desvalorizado. Recentemente, aqui mesmo em Fortaleza, vocês acompanharam como os professores foram tratados. Eu vi pela televisão, minha mãe enchia olho de d'água, minha irmã é professora, meu irmão. É importante a gente ressaltar que o professor vai além do profissional, ele dá carinho, dá atenção pro teu filho. Como é que você não dá valor pra isso?
MARISA MONTE - Entrevista no dia 12 de novembro de 2012
OP - Em uma entrevista recente para a (revista) Bravo, você fala que "doente, não estarei feliz e não conseguirei levar felicidade para ninguém". É assim que você vê o seu trabalho, levar felicidade aos outros?
MM - Eu acho que as pessoas vão ver um show para ser felizes. Não é só felicidade. É emoção, é tradição cultural, resgatar sabedorias de outros artistas. É divulgar a beleza da criação artística brasileira, então é importante você estar bem para fazer isso. Eu procuro me cuidar muito para isso, como inclusive disse nessa entrevista para a Bravo. Não é bom fazer um show (estando) gripada e me sentindo mal com isso. É importante estar sempre relaxada na hora de subir ao palco.
Para além das palavras
A partir dos anos 2000, a marca Vida&Arte transbordou as páginas do caderno e passou a assinar vários eventos, que ocupam a Cidade espalhando arte e diversão
Por Isabel Costa
O Vida&Arte vai muito além das páginas escritas, editadas, diagramadas e ilustradas que chegam aos leitores diariamente. Num processo natural - que não poderia ter sido diferente - o caderno sai de sua casa, na avenida Aguanambi, para encontrar o público em eventos realizados desde o início dos anos 2000. O Festival Vida&Arte, o Palco Vida&Arte, o Vida&Arte Convida e o Vida&Arte Encontros são programações que ocuparam diferentes espaços de Fortaleza, fortalecendo a produção artística local e conectando também com o cenário nacional.
"Ao longo dos anos, fomos combinando a cobertura jornalística das nossas páginas com a promoção real do acesso a cultura, através de eventos como o Palco Vida&Arte e o Festival Vida&Arte. Bebemos da fonte da cultura produzida na Cidade para o nosso fazer diário, e oferecemos cultura com iniciativas que levam o nosso nome para os espaços da Cidade", explica Cinthia Medeiros, atual editora-chefe do caderno. Os eventos - que vão de pequenos encontros para debater linguagens artísticas até grandes festivais - são momentos para o Vida&Arte saltar das páginas e ter contato com os artistas que estão nas edições diárias, com os leitores que acompanham a produção e com novos públicos.
Diretor de Marketing do O POVO, Cliff Villar explica que o caderno fez um movimento de transbordar em seu conceito. "Ele nasceu como os famosos segundos cadernos, mas creio que avança - por já ser criado tratando de cultura com entretenimento, de lazer com comportamento", pontua. Para ele, o V&A vai além de um caderno de cultura e consegue cumprir a promessa que carrega em seu nome: ser vida e ser arte em Fortaleza. "O Vida&Arte tem sua própria personalidade que se agrega ao O POVO. Ele é O POVO, mas vai além e leva todos os atributos da marca mãe, mas mantendo sua própria história, seu próprio DNA, seu próprio jeito de fazer. E transbordando em todos os sentidos", amplia Cliff.
Pelos eventos promovidos com o nome do caderno já passaram artistas como Elza Soares, Milton Nascimento, Jards Macalé, Otto, Alcione, Zeca Pagodinho, Alice Caymmi, Maria Bethânia e Marcelo D2. A pluralidade de artistas, ritmos e atividades reflete uma movimentação que já acontece diariamente nas páginas do caderno. O Vida&Arte é reconhecido por abraçar - e falar sobre! - diferentes expressões culturais, territórios da Cidade e categorias de artistas. Essa variedade, tão presente nas páginas, na edição virtual e nas redes sociais, se estende aos eventos.
Para o futuro, prevê Cliff, o único destino possível para o caderno é "ir para a rua" cada vez mais - promovendo encontros de leitores com artistas, temas e espaços. "O Vida&Arte é presente, atuante, militante. Vejo um produto jornalístico na estrada, no palco, na praça, nos equipamentos culturais. O que a gente quer é isso: que ele ultrapasse a mera comunicação e possa estar presente na plataforma física, no tato, no abraço, no cheiro, na presença", aponta.
Do que (ainda) iremos contar
Leia texto de Ana Naddaf, diretora-executiva de Redação do O POVO
Por Ana Naddaf
O fito sempre foi o de contar histórias. Nestas três décadas, o Vida&Arte narrou muitas delas. Recontou tantas outras. E, neste intuito de construir ou resgatar narrativas, passa a fazer este papel através de múltiplos suportes, com a potencialidade de novas mídias. Construindo assim relações singulares com a audiência.
Ao arquitetar um novo olhar sobre o romance de José de Alencar, o especial Iracema 150 anos fez investimentos na convergência de diversas plataformas e formatos que permitiram a aproximação com o leitor, transbordando o impresso.
A interpretação do dramaturgo Ricardo Guilherme e leitores anônimos narrando trechos do livro, em cenários que faziam referências à obra de Alencar, convidavam a audiência a percorrer os caminhos da personagem do romance através de cenas de um webdoc. Caminhos estes que também poderiam ser seguidos em um mapa interativo no especial digital, onde uma Iracema se metamorfoseava a cada capítulo através de animações.
A narrativa transmídia finalizava com a cantora Mona Gadelha e as professoras Angela Gutiérrez e Cícera Holanda invitando os leitores a experienciar a obra do romancista por outros olhares e falas em um debate. Como em uma conversa íntima.
E assim o V&A seguiu a contar outras histórias. Belchior, Renato Aragão, Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo estiveram nestas conversas. Em "encontros" onde uma mídia completa a outra, ampliando o alcance em mensagens múltiplas. Até chegar na proximidade máxima entre quem narra e quem recebe a história. Como em uma intérmina possibilidade do contar.
Mergulhos de jornalismo
Extrapolando a edição diária, o V&A investe cada vez mais em apurações de fôlego que se desdobram em produtos especiais nas diversas plataformas
Na essência do Vida&Arte há a produção efusiva de conteúdos. Publicado diariamente há exatos 30 anos, o caderno tem produção dinâmica e que resulta em grandes reportagens dedicadas a temas relevantes da cultura. Foi assim em 2016, quando Belchior estava no autoexílio, e foi homenageado com um caderno comemorativo pelos seu aniversário de 70 anos. Foi assim também em 2010, quando o Theatro José de Alencar celebrava o seu centenário e teve sua história destrinchada em 16 páginas de vasto conteúdo. O Vida&Arte é a agilidade do cotidiano, mas também é o mergulho profundo na apuração e na escrita.
Cada um desses projetos ou grandes coberturas ganha ecos nas diferentes plataformas utilizadas pelo O POVO. São programas de rádio, lives nas redes sociais, especiais virtuais, produções audiovisuais e outras tantas possibilidades de comunicação. "Trabalhar com múltiplas plataformas é trazer a possibilidade de oferecer ao leitor diferentes narrativas, mas também de atrair um novo público e inserir ou posicionar a marca Vida&Arte em um novo formato. Cria-se assim um cenário de várias oportunidades de engajamento e de relacionamento com distintos consumidores da informação", explica Ana Naddaf, diretora-executiva da Redação.
A mobilização para produzir grandes coberturas é uma marca das últimas três décadas. Mas nos últimos cinco anos, acompanhando as evoluções do jornalismo, a equipe do caderno tem se debruçado (mais ainda) sobre essas produções. Edições rotineiras foram convertidas em edições especiais, para falar sobre eventos como Maloca Dragão, Cine Ceará e Bienal Internacional do Livro. E, a cada ano, mais produtos especiais são entregues ao leitor. Renato Aragão, Antônio Bandeira e Sérvulo Esmeraldo são apenas alguns dos cearenses que tiveram suas vidas narradas em cadernos especiais. E, diferente de tempos anteriores, quando a inexistência dos exemplares nas bancas impedia o acesso, agora, é possível acessar gratuitamente o conteúdo completo e ampliado desses materiais de forma digital (especiais.opovo.com.br).