Um ano após morte de Teori Zavascki, Lava Jato ganha novos rumos

Desastre aéreo que vitimou o relator da maior operação contra a corrupção no Brasil deu um banho de água fria nos brasileiros em meio ao fervor das investigações

Por Igor Cavalcante

Zavascki era uma dos principais personagens do enredo das investigações da Lava Jato (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
 

Há exatamente um ano, um acidente aéreo mexeu com o Brasil. Dentro da aeronave modelo Hawker Beechcraft King Air C90, de prefixo PR-SOM, que caiu naquele início de tarde em Paraty, no Rio de Janeiro, estava o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, 68, relator e um dos principais personagens das investigações da Lava Jato na Suprema Corte do Brasil. A morte do magistrado despertou sentimento de incredulidade na população e trouxe incertezas sobre o destino do maior processo de combate à corrupção que tramita ou já tramitou no Judiciário brasileiro.

No início de 2017, o círculo se fechava cada vez mais rápido contra os responsáveis pelos esquemas entre o Governo e as empresas. O País vivia momentos de fervor. E os olhos da população estavam voltados para Teori, já que cabia a ele homologar as delações de executivos da Odebrecht, apelidadas à época de "delações do fim do mundo", dado o impacto político que elas poderiam causar. Em outro front, empresários da Andrade Gutierrez haviam fechado acordo de cooperação e a tratativa dependia da validação da Justiça. A efervescência das apurações criou no País a esperança de que responsáveis pelos crimes contra o dinheiro público seriam finalmente punidos.

Era Zavascki quem ditava o ritmo do processo. E, para atender à ânsia da população e dar celeridade à enxurrada de processos que chegavam do caso, ele planejava encurtar as férias para se debruçar sobre documentos e delações dos investigados. Contudo, a queda do avião, a quatro quilômetros da pista do aeroporto da cidade carioca, pôs em xeque o roteiro previsto a partir dali para o Brasil e atiçou o surgimento de teorias conspiratórias sobre o que poderia ter acontecido à aeronave.

Perfil do acidente
Data: quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
Aeronave: prefixo PR-SOM, modelo Hawker Beechcraft King Air C90
Mortos:
Osmar Rodrigues, piloto
Teori Zavascki, ministro relator da Operação Lava Jato no STF
Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, empresário, amigo de Teori e proprietário do avião
Maira Lidiane Panas, massoterapeuta
Maria Ilda Panas, mãe da massoterapeuta
Horário da decolagem: 13h1min.
Horário da queda: 13h45min
Local de partida: Campo de Marte, em São Paulo
Destino: Paraty, no Rio de Janeiro

O acidente que mexeu com o Brasil

Destroços da aeronave (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Foram 44 minutos de voo até a queda. Parte desse tempo foi usada pelo piloto Osmar Rodrigues para tentar driblar a forte chuva que banhava Paraty. Ele chegou a iniciar o procedimento de pouso duas vezes, mas arremeteu devido às condições adversas da pista. O aeroporto da cidade não é dos maiores e mais modernos do País. Não há torre de comando ou carta de navegação. Ali, o condutor da aeronave precisa pousar “no olho”.

À época, a partir de relato de testemunhas, aviadores apontaram que o tempo fechado confundiu o experiente piloto, que já havia decidido pousar somente quando a visibilidade melhorasse. Pouco antes da queda, ele voava a 60 metros do solo, uma altitude incomum, principalmente para um piloto que ministrava cursos sobre como enfrentar situações no ar. Ainda conforme os relatos, a asa do avião tocou o espelho d’água e Rodrigues não conseguiu recuperar altitude.

Além de Zavascki e do piloto, estavam voando a massoterapeuta Maira Lidiane Panas e a mãe dela, Maria Ilda Panas. Com o grupo viajava também o empresário e amigo do ministro, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, proprietário do avião. Todo faleceram no local.

Um ano depois, sabotagem foi descartada

A morte do ministro relator do processo da Lava Jato, no período em que ele iria analisar delações fundamentais para as investigações, criou o clima ideal para o surgimento de teorias conspiratórias afirmando que ele era vítima de uma sabotagem. As hipóteses se somaram à declaração de Francisco Prehn Zavascki, filho de Teori, em maio de 2016, contando sobre ameaças sofridas pelo pai.

(Foto: Reprodução)

Contudo, a hipótese de assassinato foi uma das primeiras descartadas pelos investigadores. A Polícia Federal (PF) não encontrou vestígios de uso de explosivos ou produtos químicos no avião. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também analisou a documentação e concluiu que a vistoria da aeronave estava dentro do prazo de validade.

Para o delegado Rubens Maleiner, responsável pelo caso, a principal tese é de que houve falha humana em meio às condições adversas do tempo na região. Na próxima segunda-feira, 22, mais um relatório técnico da Força Aérea Brasileira será divulgado. A intenção não será apontar culpados, mas levantar perfil do piloto, da aeronave, da rota de voo e do tempo na região para prevenir novos acidentes do tipo.

Desafios para o novo ministro

Fachin assumiu a posição de relator dos processos da Lava Jato (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
 

Em meio ao luto pela morte do ministro, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, agiu rápido para evitar atrasos nas investigações. Ela assumiu o processo até que fosse escolhido novo relator e tomou decisões mais emergenciais, como a homologação das delações da Odebrecht. Contudo, diferentemente do que se temia à época, o Judiciário rapidamente se rearranjou para dar continuidade às analises dos processos. Os percalços enfretados pela Lava Jato vieram por outros meios, que marcaram o ano passado como o período em que as apurações sobre o maior escândalo de corrupção no Brasil perderam fôlego e começaram a ser sufocadas.

As incógnitas sobre  Fachin

Em 2 de fevereiro de 2017, menos de um mês após a queda do avião, o ministro Edson Fachin foi sorteado e escolhido como substituto do colega para ser relator do caso. Magistrado mais novo no STF,  era considerado o ministro com perfil mais próximo ao de Zavascki nas decisões. No entanto, a forma como ele iria dar seguimento às análises era cercada de incertezas, apesar do caráter técnico e atuação discreta da Corte.

Ministro viu a Lava Jato ser atacada em várias esferas (Foto: Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil)
 

À frente do processo, Fachin viu, ao longo do ano passado, a Lava Jato enfrentar um dos períodos mais difíceis, com uma série de decisões no Legislativo, no Executivo e até no Judiciário que diminuíram o ritmo em que as investigações estavam. Ele também acompanhou o aumento da carga de processos da Lava Jato. E foi questionado por tomar constantes decisões referendando pedidos de Rodrigo Janot, à época, chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Conforme levantamento divulgado no fim do ano passado, foram 800 processos instaurados, 3,5 mil decisões e despachos proferidos e 4 mil petições ajuizadas pela defesa e pelo Ministério Público ao longo das investigações da Lava Jato. Fachin recebeu 125 inquéritos desde que assumiu a relatoria do caso, 67 dos quais tramitam em seu gabinete. Já foram apresentadas 13 denúncias, proferidas 169 decisões monocráticas e 691 despachos e recebidas 1.620 petições do Ministério Público e defesa.

Percalços de todos os lados

Em 2017, o próprio STF determinou que prisões preventivas de deputados ou senadores deveriam ser analisadas pelos parlamentares e votadas nas casas legislativas. A Suprema Corte brasileira também proibiu conduções coercitivas, uma das principais medidas usadas pela Operação Lava Jato.

Já no Legislativo, um projeto controverso avançou e chegou a ser aprovado no Senado. Em tramitação na Câmara, proposta prevê penas mais duras contra abusos de autoridades. Para magistrados, legislação dá brecha para retaliação contra atores do Judiciário.

O Congresso também barrou o prosseguimento de denúncias contra o presidente Michel Temer (PMDB) em suposto esquema revelado por executivos da JBS. Fachin ainda assistiu a trocas de comandos em cargos estratégicos para o andamento das investigações.

Primeiramente, Raquel Dodge foi escolhida por Temer para o cargo de chefe da PGR, contrariando a ordem da lista tríplice votada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), que colocou Nicolao Dino em primeiro lugar com o maior número de votos. Ela aparecia na segunda posição. Dino era considerado aliado de Rodrigo Janot, ex-procurador-geral e responsável pelas duas denúncias contra o presidente. Na Polícia Federal, Temer colocou Fernando Segovia na diretoria-geral da instituição, nomeação interpretada como uma forma de colocar freio nos investigadores.

Tragédias nos ares que abalaram a política

O caso de Fachin não é único no Brasil. Sempre envolto em mistérios, desastres aéreos já abalaram a política nacional, mexeram com o País e incentivaram teorias conspiracionistas

Chegada do corpo de Eduardo Campos (Fernando Frazão/Agência Brasil)
 

Eduardo Campos

Em plena campanha eleitoral, o avião com o candidato à Presidência da República caiu no meio de uma área residencial do bairro Boqueirão, em Santos, São Paulo, em 13 de agosto de 2014. O político morreu na hora. Até hoje, o caso é cercado de mistérios. A principal linha de investigação aponta para falha mecânica na aeronave. O certo é que o falecimento do candidato redefiniu as eleições daquele ano. A vice de chapa, Marina Silva (Rede), chegou a ultrapassar o tucano Aécio Neves, ficando em segundo lugar nas pesquisas. Mas não conseguiu chegar ao segundo turno.

Resgate dos corpos no acidente com o presidente Castelo Branco (Foto: Manuel Cunha)

Castelo Branco

Em 18 de julho de 1967, um avião com o ex-presidente foi atingido durante voo por um jato da Força Aérea Brasileira. O acidente dividiu o País entre os que acreditam me conspiração e os que defendem que foi fatalidade. Conforme
O POVO
mostrou no Especial Castelo Branco: 50 anos sem respostas, vários fatores e imprevistos ocorridos, como atrasos de passageiros e alterações no horário da viagem, tornam improvável que o choque tenha sido intencional. Porém, a falta de transparência na condução das investigações e perguntas até hoje sem respostas alimentam especulações de crime com motivação política.

Ulysses Guimarães

Um dos principais personagens da redemocratização e do impeachment do ex-presidente da República Fernando Collor, Guimarães morreu durante viagem partindo de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, com destino a São Paulo, em 12 de outubro de 1992. Como a aeronave atravessava tempestade, a principal linha de investigação é de que houve uma sequência de falhas técnicas e humanas.

(Foto: Banco de Dados/O POVO)
 

Salgado Filho

Morreu em acidente aéreo durante o período de campanha para governar o Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1950.

Marcos Freire

À época ministro da Reforma Agrária, morreu em 8 de setembro de 1987, no Pará.

Clériston Andrade

Vítima de acidente de helicóptero, morreu durante campanha para governo de Salvador, em 1º de outubro de 1982.

Filinto Muller

Morreu em Paris, na França, quando avião tentava pouso de emergência. Ele foi chefe da polícia política durante o governo de Getúlio Vargas.

Nereu Ramos

Presidente do Brasil por pouco mais de dois meses, durante momento de instabilidade políticia. Faleceu em 16 de julho de 1958, em São José dos Pinhais, no Paraná, quando avião em que estava não conseguiu pousar.

Lauro de Freitas

Morreu durante campanha ao governo da Bahia, em 11 de setembro de 1950.