Prevenção ainda é desafio para saúde bucal no Brasil
Apesar das diretrizes propostas pela Política Nacional de Saúde Bucal, população segue buscando dentistas no momento do aparecimento de problemas. Hábitos de higiene e alimentares fazem a diferença na dentição
Por Paulo Emanuel Lopes (Textos)Alguns minutos de espera no Centro Odontológico Dr. David Cruz, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza, são suficientes para esboçar um panorama dos procedimentos mais buscados nessa clínica de atendimento particular: uma paciente procurava a emergência porque uma obturação havia caído, outra chegou afirmando sentir dor em quatro dentes. A cirurgiã-dentista Cibele Gonçalves de Albuquerque (CE-CD-5317), responsável técnica pelo local, confirma a avaliação preliminar: as principais demandas do centro odontológico privado são relacionadas a atendimentos curativos, e não preventivos.
"Principalmente na urgência, a gente observa que as pessoas só costumam procurar atendimento quando há dor. O dente quebrou, a cárie apareceu faz um tempo, mas só procura atendimento quando há ocorrência de dor”, detalha a dentista. Mas nas demandas eletivas — aquelas programadas —, esse padrão também pode ser identificado. “A maioria dos pacientes já chega com algum tratamento para fazer. Dificilmente vem um paciente que a gente vai fazer só a profilaxia [limpeza], que é a prevenção. A maioria deles já vem com alguma cárie, com um dente para extrair.”
O mesmo padrão pode ser visto na rede pública. Até o início dos anos 2000, o acesso à saúde odontológica no País era difícil e limitado. Havia demora no atendimento, poucos serviços eram oferecidos, e o principal procedimento realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) era a extração dentária, perpetuando uma visão errônea de “odontologia mutiladora”. Quem faz essa análise é o próprio Ministério da Saúde, que aponta a implantação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) — programa Brasil Sorridente como um divisor de águas positivo. No mesmo período, o acesso da população a planos odontológicos privados também passou por transformação.
A partir do surgimento da PNSB, em 2003, o País implantou equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família, e qualificou a atenção secundária (atendimentos especializados) por meio da criação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPD). O objetivo era ampliar o acesso da população a tratamentos odontológicos gratuitos via SUS, e “ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros”, informa o portal do programa.
No Ceará
Quinze anos após implantação do Brasil Sorridente, ao se avaliar o estado do Ceará como cenário, os hábitos da população seguem na condição de se buscar um dentista apenas no surgimento de problemas. É o que constata o coordenador municipal de Saúde Bucal da Prefeitura de Fortaleza, José Carlos de Souza Filho, em relação ao seu cotidiano no serviço público da Capital.
"Extrações mais simples, limpeza, obturações, estes são os atendimentos que mais acontecem [na rede municipal de saúde bucal]. De uma forma geral, a pessoa só vai quando tem dor, e isso independe do nível social. Isso pode gerar uma série de consequências. [Ao ter uma] lesão mais simples, [o paciente] acha que é afta e, quando vai ver, pode ser uma lesão maligna. A própria cárie vai ficando maior e pode acabar num tratamento de canal.”
Souza defende que o poder público avance nas ações de conscientização da população quanto a hábitos bucais mais saudáveis. “Normalmente, o pessoal procura ações curativas, mas temos que focar no trabalho de prevenção, trabalhar com a base que é a criança.”
No interior do Estado
O cenário apontado pela cirurgiã-dentista Cibele e pelo coordenador de Saúde Bucal da Prefeitura também pode ser encontrado no interior do Estado. É o que nos conta o cirurgião-dentista Francisco Lopes de Souza (CE-CD-2713), que há 25 anos atende em consultório particular próprio em Camocim, município localizado a 340 quilômetros da Capital, mas que também já fez parte de programa público de prevenção em saúde bucal. “As principais demandas ainda são extrações, obturações e próteses, infelizmente”, conta.
“A realidade do consultório é que fazemos muito mais procedimento corretivo, mutilatório, do que preventivo. Ideal seria o paciente chegar para cuidar da aparência, e não deformá-la. A pessoa já chega com a cárie enorme, se ele não tomar cuidado futuramente esse dente pode dar problema. E se precisar arrancar, se perde uma ferramenta importante, se altera a mastigação, fonação”, relata o dentista.
A solução para boa parte desses problemas bucais encontra-se em procedimentos de alimentação e higiene simples, a exemplo de uma dieta pobre em açúcar, uso correto e rotineiro da escova de dente e ida ao dentista uma vez ao ano, pelo menos, para procedimentos preventivos.
E em termos de mais saúde bucal coletiva, o caminho seria mais investimento em educação social, defende Lopes. “Se faz necessário contar com uma política de educação preventiva em creches, escolas e outros estabelecimentos de ensino para conscientizar, desde cedo, as crianças da importância da escovação e dos hábitos alimentares saudáveis.”
Alguns avanços
Mas nem tudo está estacionado quando o assunto é saúde bucal. O Brasil atingiu nível de nações com baixa incidência de cárie na população. Foi o que revelou a última Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil) realizada no País em 2010. Segundo indicou o levantamento, o índice CPO (sigla para dentes cariados, perdidos e obturados) atingiu 2,1 – para um país ingressar nessa categoria, o padrão deve estar entre 1,2 e 2,6. Houve uma redução de 26% no número de cáries em crianças com 12 anos de idade (padrão mundial para avaliação de crianças), e aumentou a proporção de indivíduos que nunca apresentaram a doença bucal na vida.
A PNSB passou a oferecer serviços odontológicos no rol da atenção básica à população, exercendo importante papel nessa conquista. É o que defende o próprio Ministério da Saúde e Luiz Fernando Varrone, atual presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO). “Essa melhoria está muito mais relacionada à atenção primária de prevenção nas escolas e fluoretação da água [observadas no Brasil] nas últimas três décadas”, explica Varrone.
Outro fator que influenciou positivamente esses indicadores foi o aumento da participação dos planos privados odontológicos na vida do brasileiro. Durante o período de avaliação da SB Brasil (2003-2010), o número de usuários desse tipo de serviço multiplicou-se quase por quatro, o que representou um aumento de cobertura equivalente a dez milhões de pessoas.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog), Geraldo Almeida Lima, defende ainda que a popularização da saúde suplementar ofereceu mais oportunidades ao trabalhador. “Hoje, o benefício odontológico é um dos itens mais requisitados nas negociações trabalhistas. No cenário corporativo, o benefício pode contribuir para a retenção de talentos nas empresas, diminuir o índice de faltas e colaborar até para o aumento da produtividade.” De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cerca de 73% dos planos exclusivamente odontológicos comercializados hoje no Brasil são de coletivos empresariais.
Abaixo alguns cuidados que podem fazer diferença para a saúde bucal: