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Nova Saúde

Discussões sobre a saúde pública do Ceará

por O POVO em
EDITORIAL

Editorial

São dias difíceis. Foi em 11 de março de 2020 que a Organização Mundial de Saúde declarou pandemia do novo coronavírus, este que, sabemos, provoca a Covid-19. Desde então, nossas rotinas mudaram, em casa, no trabalho, na vida social, nas ruas, no supermercado. E o Sistema Único de Saúde tem sido protagonista em todo o País. Vale lembrar quão jovem ele é: foi criado em 1988, junto à Constituição Federal (CF-88), onde está grafado: “saúde é direito de todos e dever do Estado”.

Mesmo com caminhos necessários para um aprimoramento, é o sistema público que tem segurado a onda da pandemia, como disse o professor Moacir Tavares, que assina artigo em caderno do projeto Nova Saúde. É este mesmo sistema público que vem sendo trabalhado com diversas ações da atual gestão do Estado, pavimentando a trajetória que foi colocada à prova durante a pandemia.

Em meio à pandemia, o Governo do Ceará criou a Autoridade Reguladora da Qualidade dos Serviços de Saúde (ARQS), por meio da lei nº 17.195, de 27 de março de 2020. É uma forma de inovar, para regulamentar, monitorar e fiscalizar a qualidade da saúde no Estado. Contamos essa história também projeto Nova Saúde, que você, leitor, tem acesso aqui, neste especial, assim como tantas outras narrativas, análises, dados e informações, que têm como pano de fundo a Nova Saúde que emerge e é testada durante o momento doloroso que vivemos.

A urgência em comunicar ações, dialogar com população, médicos, especialistas e trabalhadores da área de saúde em geral fez nascer o projeto Nova Saúde. São quatro publicações impressas encartadas no O POVO ao longo dos meses de julho e agosto, além de podcasts, lives e programas de rádio.

Ceará afora, os profissionais que trabalham na área de saúde têm sido celebrados. Maqueiros, serviços gerais, motoristas de ambulância, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas... São tantas pessoas envolvidas na linha de frente do combate ao vírus que é impossível listar aqui apenas neste editorial. São estas pessoas que queremos homenagear no projeto Nova Saúde.

Os desafios do SUS na pandemia do novo coronavírus

Por

A pandemia do novo coronavírus tem mexido com as estruturas de sistemas de saúde em todo o mundo. Países de todos os continentes tiveram que se articular, e ainda estão se articulando, para evitar o colapso no sistema de saúde e garantir a ocorrência de menos mortes e amortecer impactos na sociedade. Em que situação o sistema público de saúde estava para receber a demanda no Ceará e no Mundo? Como tem reagido durante a pandemia? O que deve ser feito com os equipamentos adquiridos ao longo da pandemia?

Transparência, inovação, valorização de pessoas e equidade são alguns dos temas discutidos durante live do projeto Nova Saúde, com o doutor em Saúde Pública Moacir Tavares e a coordenadora do Observatório de Políticas Públicas de Saúde da UFC, Carmem Leitão. A apresentação é dos jornalistas Luiz Viana e Hamlet Oliveira. Confira:

Renovar para inovar: confira entrevista com Marcelo Alcantara, da ESP/CE

Por Hamlet Oliveira

Com quase 30 anos de trajetória, Escola de Saúde Pública (ESP) investe em projetos de inovação e com resposta rápida às necessidades da saúde no Ceará

Criada em 1993 e com foco na formação continuada de profissionais de diferentes ramos da saúde no estado do Ceará, a Escola de Saúde Pública Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP/CE) passa por novo momento. Além das tradicionais residências e dos editais, a instituição trabalha para ser reconhecida enquanto entidade disseminadora de inovação e novas tecnologias. Em 2020, a ESP recebeu mais de 1,4 mil alunos em 17 cursos.

Superintendente da ESP desde outubro de 2019, o médico Marcelo Alcantara chegou à instituição com o objetivo de trazer a inovação como um caráter principal para a Escola. Em entrevista, o gestor analisa o papel da ESP na perspectiva de equipamento para a rede de Saúde, os desafios no combate à Covid-19 e os passos futuros.

De que forma o senhor percebe o impacto da ESP na formação de profissionais da saúde no Ceará?

Importante destacar a ESP é uma autarquia vinculada à Sesa (Secretaria da Saúde do Estado do Ceará), que tem um papel estratégico no sistema de saúde como um todo. Ela trabalha em três vertentes. A primeira é na qualificação profissional da força de trabalho. Formação de novos especialistas, de residentes em medicina, fisioterapia, enfermagem, e educação permanente.

A segunda é na área de ciência, tecnologia e inovação. É uma área nova que a ESP vem fortalecendo a partir deste ano, incluindo o Programa de Pesquisa para o SUS, o PPSUS. Estamos formando a Escola para Inovação em Saúde. Entre eles (projetos) está o Elmo, um produto inovador que nasceu aqui na ESP e foi gerado um protótipo com parceiros públicos e privados. A
terceira é na inteligência em saúde. Ser capaz de analisar a área e gerar análises, relatórios, predições do futuro em relação a saúde. Isso vai subsidiar a tomada de decisões acerca de políticas públicas.

Um quarto ponto é a abertura da escola para sociedade em geral, para ajudar na formação da cidadania em saúde. Saber o que é o SUS, saber cuidar da sua saúde e da comunidade.

Como é estruturando o PPSUS?

É uma iniciativa federal, envolve o Ministério da Saúde, a parte da Ciência e Tecnologia. É gerenciado pela Funcap e a ESP no Ceará. Ele é um sistema que funciona por escuta dos pesquisadores, médicos, profissionais da saúde e outras áreas. Tudo isso é analisado, depois, é lançado um edital, normalmente em setembro, para chamar as pessoas para propostas de pesquisa que estudem as principais demandas de saúde do SUS no Ceará. Em torno de R$ 4 milhões são alocados nessa área. Estamos na fase de coleta de sugestões de linhas de pesquisa. E, depois dela, vamos trabalhar na confecção do edital, que sai neste ano.

As formações da ESP são responsáveis por darem mais eficiência ao sistema de saúde. Como a escola se modificou com o passar dos anos?

Ela vai se modificando à medida que a sociedade evolui e o SUS também. Ela, nesse momento, está passando por uma fase de reestruturação. Estamos debatendo e vamos sugerir uma nova estrutura administrativa para a ESP cumprir suas missões. Ela precisa ser mais ágil, moderna, precisa atrair talentos, melhores professores e pesquisadores na área em saúde. E no modelo atual dela tem muita dificuldade. Porque não tem incentivo financeiro para isso. Os valores
de gestão de cargos são muito baixos. Se comparar com outras instituições do próprio Governo do Estado, ela tem uma diferença grande.

No segundo semestre, vamos apresentar uma proposta de reestruturação da ESP, de atualização da lei atual que criou a Escola, dando a ela a possibilidade de ser um instituto de ciência e tecnologia.

Como se deu o início da operação da Central de Ventiladores Mecânicos? Quais os planos para ela após a pandemia?

É um dos capítulos mais bonitos no enfrentamento à pandemia. Foi iniciativa para consertar ventiladores que estavam sem uso nenhum. Conseguimos consertar mais de 103. Foi muito importante no momento em que os ventiladores da China ainda não haviam chegado. A continuidade desse trabalho tem que ser mudado o escopo. Não temos mais problema de provimento, mas falta de pessoal qualificado para dar suporte a esses equipamentos. Queremos transformar a Central em uma nova unidade que ficasse em cursos de engenharia química, de manutenção de equipamentos de Saúde e laboratório de inovação na área.

Como está o processo de desenvolvimento do Elmo, o capacete de respiração assistida?

Nós já estamos bem avançados nos testes, em laboratório e em voluntários. Estamos, agora, em teste com pacientes com Covid-19, de forma moderada a grave, no Hospital Leonardo da Vinci. Para depois desta fase, está sendo estudada a fabricação em larga escala do modelo de Elmo que vai permitir a produção de centenas de equipamentos, que vão ser priorizados para o Ceará. E também para outros problemas que levam a essa falha pulmonar. Nosso protótipo está funcionando muito bem, em todos os pacientes testados, até aqui, mostrou um resultado positivo.

Há novos cursos planejados para 2020?

Vamos lançar um edital para residência médica e residência multidisciplinar. Estamos confeccionando um aumento dos programas de residência, inclusive para o interior do Estado. Também vamos começar a fazer treinamentos baseados em simulação realística. Vamos começar pela área de obstetrícia, simular parto em gestante com problema grave, tudo isso em laboratório.

A promoção da saúde e o papel da atenção básica para a qualidade de vida

Por O POVO

Você conhece o termo "promoção da saúde?" Além de prevenir doenças, a expressão resume um conjunto de ações para que a população tenha uma boa qualidade de vida. E, para isto, é fundamental acompanhar questões comportamentais, como saber se a população tem acesso a uma infraestrutura adequada para a prática de exercícios, por exemplo. A ideia geral é que a rede básica de atenção à saúde tenha um monitoramento mais próximo do comportamento da população e garanta que as pessoas tenham uma boa qualidade de vida. Ainda que precise conviver com alguma doença crônica, por exemplo. Mas como isso deve ser feito? Qual a estratégia no Ceará?

É o que é discutido em conversa com a doutora em Saúde Coletiva, Gláucia Posso Lima, e o gestor da Escola de Saúde Pública do Ceará, Marcelo Alcantara. Quem conduz o papo são os jornalistas Luiz Viana e Catalina Leite.

Distritos de inovação e a pesquisa científica cearense no cenário pré e pós pandemia

Por O POVO

A infraestrutura de pesquisa no Ceará, o investimento do Ceará na produção de testes da Covid-19, o futuro da rede de pesquisa no Ceará e a valorização profissional. Esses são alguns dos elementos que a pandemia do novo coronavírus recolocou nos holofotes brasileiros, no momento em que estudiosos de todas as partes do mundo unem esforços para encontrar uma solução para a doença.

Tudo isto é discutido neste podcast, com a pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar (Labomar/UFC) Talita Tavares, e com o coordenador da Fiocruz no Ceará, Carlile Lavor. A apresentação é dos jornalistas Catalina Leite e Leonardo Maia.

Parcerias internacionais para soluções de saúde: entrevista com a pesquisadora Juliana de Paula

Por Catalina Leite

Doutora em Saúde Global, Juliana de Paula fala sobre a importância da relação internacional para encontrar soluções inovadoras aos sistemas de saúd

A relação entre países de compartilhar ideias e soluções, como para encontrar a cura da Covid-19, pode ser aplicada a qualquer aspecto a Saúde, inclusive, para inovar nos sistemas de atendimento. Em entrevista, a doutora em Saúde Global e Sustentabilidade, além de assessora do gabinete da Sesa, Juliana de Paula fala sobre as relações internacionais na Saúde.

A que tipos de ações a Saúde Global se refere?

Por anos, trabalhamos com o conceito de Saúde Internacional, muito focado na ideia do fortalecimento do Estado Nação. Era uma visão meio imperialista: um americano era mais forte, ia para os países africanos e colonizava, no sentido de transformar aquela relação muitas vezes de mercado, em uma relação de dominação. Mas, com a globalização, essa visão se fragiliza, porque o que é mais forte
hoje não são os Estados Nação, mas as grandes corporações. A partir desse momento de transversalidade, foi necessário pensar uma Saúde Global. O que acontece na França, acontece na Nova Guiné e na Argentina. Outra coisa que é global: epidemias como a Covid-19 e a Aids.

A Plataforma de Modernização da Saúde, do Governo do Ceará, tem projetos baseados em outros países. Como a inspiração em planos internacionais é benéfica para o Brasil?

Na Saúde Global, trabalhase com temas transversais no mundo, um deles é a qualidade. Fazemos parcerias internacionais porque a gente reconhece que, como os problemas são comuns, podemos aprender muito com os outros. Nós construímos uma relação de mão dupla, em que aprendemos e ensinamos junto. Caso, por exemplo, da parceria entre Ceará e Portugal. Eles têm dimensão da qualidade da Atenção Primária e conseguiram criar um sistema baseado nisso. Lá, todos os médicos são formados em Medicina e Comunidade. No Ceará, só temos 200 médicos formados em Medicina da Família e Comunidade. Os outros não são formados na categoria, mas exercem a função.

O espaço de articulação tanto nacional, quanto internacional, é muito rico. Culturas distintas podem achar uma série de respostas a problemas semelhantes, e a partir dessa interação fazer trocas: colaborar com as respostas que já encontramos e aprender com as respostas dos outros.

O que os gestores devem compreender para adaptar planos internacionais à realidade brasileira?

Primeiro é entender que o nosso desenho de sistema de saúde é interessante, mas frágil do ponto de vista de atender a todas as necessidades do usuário. Precisamos informatizar nosso sistema de saúde. Somos um País continental, sem informatização é quase inviável. Precisamos investir na formação dos profissionais de saúde, baseada nas necessidades de carreiras. Quem deveria definir qual o investimento na formação deveria ser a necessidade do território. Precisamos investir em qualificação urgente, temos profissionais formados inadequadamente.

Precisamos investir em telessaúde, interconsulta; e em trabalho de equipe que seja incentivado financeiramente. Precisamos criar uma carreira pública que faça com que ele se sinta motivado a ir pras áreas re motas, dando suporte, estrutura e possibilidade de crescimento. Hoje em dia temos uma crise dos sistemas universais de saúde, pela visão de mercado e a medicalização da vida. Estamos com uma conta difícil de pagar. Essa crise só pode ser resolvida com um pacto global de solidariedade, apoio, colaboração e boas práticas.

Quais aspectos do sistema de saúde brasileiro poderiam ser utilizados como inspiração  para outros países?

A governança participativa do SUS com as instâncias tripartite, o Federal tomando assento com o Estadual e Municipal e decidindo as políticas assim. A estratégia de Saúde Família tem uma contribuição histórica, por ser um trabalho de equipe do médico, enfermeira, dentistas... Somos um dos poucos países que a área odontológica é quase totalmente pública. Boa parte dos países com sistemas públicos, a odontologia é à parte.

O trabalho com o território, da promoção da saúde apartir das agentes de saúde: eles são um grande exército de promoção da saúde do País. O sistema de saúde do Brasil tem essas e outras inovações. A participação com os conselhos de saúde, também. Tem problemas, mas ainda são uma instância em que o usuário participa de alguma forma. O SUS ainda é usado exclusivamente por 70% da população brasileira.

A união de esforços para uma saúde global e regional

Por O POVO

O conceito da saúde global, por meio da interação de diferentes nações, e as singularidades cearenses fazem parte dos esforços necessários para construção de um sistema consolidado de saúde. A pandemia do novo coronavírus é um exemplo em que o mundo foi atingido quase integralmente, mas os países precisaram lidar com o mesmo problema de forma distinta.

A conversa deste podcast conta com a presença da doutora em Saúde Global e Sustentabilidade Juliana de Paula e do médico e economista pela UFC Marcelo Gurgel. A apresentação é das jornalistas Camila Holanda e Catalina Leite.

Colaboração transparente

Por Hamlet Oliveira

Espaço para publicização de dados da rede de saúde pública, plataforma IntegraSUS continua a se desenvolver, com o objetivo de aproximar pesquisadores independentes junto à Secretaria da Saúde

Uma das principais pautas de discussão durante o período de combate ao novo coronavírus, a transparência de dados públicos, na qual está inserida a área da saúde, ganhou espaço de discussão nos últimos meses. No Ceará, a plataforma IntegraSUS, lançada em 2019, reúne indicadores, dados e relatórios sobre diversas temas, com o objetivo de facilitar o acesso da sociedade às informações reunidas pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa).


No fim de julho último, uma nova área, chamada Analytics, foi integrada ao portal. No espaço, são disponibilizados conjuntos de dados e estudos realizados pela Sesa, com livre acesso para quem se interessar.. De acordo com Ramsés Oliveira, coordenador de Tecnologia da Informação e Comunicação da Secretaria, o foco é que profissionais ou estudantes que trabalhem com dados possam realizar suas próprias análises e chegar a eventuais novas conclusões.


“O objetivo é ter esse compartilhamento de conhecimento na plataforma. Temos um fórum de discussão com especialistas e pesquisadores que já enviaram pesquisas para nós”, comenta Ramsés. Na sessão Analytics, há quatro áreas de destaque: análise exploratória, análise preditiva, aprendizado de máquina e inteligência artificial.


O IntegraSUS funciona a partir da conexão da plataforma com outros sistemas inseridos dentro da rede de saúde. Nesse ponto reside uma das principais inovações da ferramenta, pois permite aos profissionais da área acesso mais ágil a dados sem a necessidade de buscar em vários sistemas diferentes. Após a seleção dos indicadores, ocorre a definição sobre qual será a taxa de atualização do dado, se em tempo real ou mensal, por exemplo, para, então, as informações serem disponibilizadas para o público.


Com o aumento da demanda por transparência após a chegada do novo coronavírus, o equipe responsável pelo IntegraSUS precisou desenvolver inovações para que o grande volume de dados gerado conseguisse ser transposto de forma adequada para a plataforma. “Quando falamos do conceito de transparência, falamos de alguns desafios, principalmente, da grande diversidade de sistemas. Em muitas bases de dados tivemos um trabalho árduo de encontrar aquela pessoa que aparecia em dois sistemas e unificar na base, além de qualificar a equipe”, reforça Ramsés. Na equipe da plataforma estão presentes profissionais da tecnologia da informação, estatísticos, cientistas de dados e epidemiologistas.


O coordenador encerra explicando que um dos objetivos futuros é trabalhar com modelos específicos de dados voltados para imagens, que também serão disponibilizados na plataforma.

Desafios de uma pandemia

Por Catalina Leite

Médico epidemiologista e pós-doutor pela Universidade de Harvard, Antônio Lima Neto fala sobre a importância da análise crítica dos dados epidemiológicos e das realidades sociais para decisões políticas durante pandemia de Covid-19

Em agosto de 2019, surgiu uma nova plataforma para a transparência de dados da saúde no Ceará. A proposta do IntegraSUS era disponibilizar os indicadores da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) e virou, a partir de abril de 2020, uma ferramenta essencial durante a pandemia. Por ela, os cidadãos têm acesso à taxa de mortalidade hospitalar, de ocupação de leitos, tempo médio de permanência dos pacientes e atualização em tempo real dos atendimentos de emergência nas unidades de saúde do Estado.


Ainda, acompanham-se esses e mais indicadores em relação à Covid-19, atualizados todos os dias. Quando o assunto é decisão política na pandemia, os dados também dependem de leitura socioeconômica. Em entrevista, o epidemiologista e integrante do Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus no Ceará, Antônio Lima Neto, discute a importância de ver além dos dados no momento de definir políticas públicas.


Como tem sido a experiência de se trabalhar com o IntegraSUS?


Essa é a oitava epidemia em que estou envolvido perifericamente ou na coordenação. Mas em nenhuma delas se teve uma importância tão grande de indicadores para tomar decisões - porque elas não estão circunscritas ao setor Saúde. São decisões que impactam a sociedade como um todo: que fecham escolas, comércios, que impedem o fluxo de pessoas. Ou o contrário, indicando possibilidade de abertura. Por essa razão foi tão importante que tivéssemos tanto a plataforma digital, quanto a capacidade de análise. Você tem o IntegraSUS, mas tem que ter uma capacidade analítica daqueles dados.


Ele precisa que você entenda que em certo momento você tinha que estimular as pessoas a procurarem rápido o serviço de saúde. Ao analisar os dados, percebemos que as pessoas estavam sendo internadas só a partir do sétimo dia de doença. Aconteceu no início, porque estávamos dando uma mensagem de que as pessoas só deveriam procurar uma unidade se tivesse falta de ar. Depois começamos a entender muito melhor a doença, de que ela se manifestava muito rápido, e que essas pessoas deveriam ir mais rápido. E o que é isso? Isso é análise. Não está ali no IntegraSUS. Isso precisa ser refinado, né. Tem momentos que essas decisões precisam ser tomadas não a partir do dado cru, que é o que você vê, mas a partir do dado analisado.


Por exemplo, muita gente criticou na época o retorno econômico. Mas eram seis indicadores e hoje estamos na 11ª semana de queda. As pessoas que criticaram na época às vezes acham que essas decisões são unilaterais, que elas não têm base em evidências. Mas todas usaram indicadores da Organização Mundial da Saúde (OMS). Inclusive, acrescentaram alguns. O IntegraSUS foi muito importante nisso.


O Ceará lidera ranking da Transparência Internacional com 100% de transparência de dados sobre a pandemia. Como é tomar decisões políticas baseadas em dados tão acessíveis?


A transparência é sempre boa, mas tem alguns aspectos que fogem um pouco e precisam ser sumarizados. O Estado lança boletim semanal que busca sumarizar aspectos, e a Secretaria Municipal de Saúde tem um boletim semanal que procura interpretar tendência. Por exemplo, o Jornal Nacional todo dia mostra a média móvel dada com base no dia de confirmação dos óbitos. Para a epidemiologia, não se analisa dessa forma, mas com a data de ocorrência do óbito.


Por exemplo, ao analisar os dados, percebemos que as pessoas eram internadas só a partir do sétimo dia de doença. Foi o que aconteceu no início, porque estávamos dando uma mensagem de que elas só deveriam procurar uma unidade se tivesse falta de ar. Logo depois começamos a entender muito melhor a doença, que ela se manifestava muito rápido, e que essas pessoas deveriam ir mais rápido. Isso é análise. Não está ali no IntegraSUS. Precisa ser refinado.


A minha mensagem é a seguinte: IntegraSUS e transparência são fundamentais, mas o dado também precisa de crítica e de análise. A imprensa passou a ter papel de protagonista, porque o Governo Federal era mais transparente e deixou de ser. Quando isso aconteceu, a imprensa trouxe para si uma boa parte dessa capacidade analítica e de informação adequada.


O Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus foi criado em março de 2020 e participou de decisões importantes, como o lockdown e a retomada econômica. Como o senhor avalia a atuação do Comitê do Ceará?


Eu acho que o Comitê demonstra muito interesse. Ter duas reuniões semanais? Pouquíssimos comitês de estado têm. Acho que o Comitê foi muito feliz em muitas coisas, sobretudo no timing de grandes medidas, como o lockdown. Foi uma decisão difícil, tomada a partir da observação feita por nós da epidemiologia e pelo grupo das simulações e modelagem da Universidade Federal do Ceará (UFC).


Por exemplo, a questão das escolas é um pouco o princípio da precaução. Não sabemos direito como a volta às aulas se comporta em alguns cenários. A gente foge um pouco da epidemiologia e entra no campo da incerteza. Isso tudo será definido mediante debate, porque tem o outro lado que é socioeconômico.


Uma das coisas que as pessoas se confundem muito é que interrupção de aulas para crianças vulneráveis, inclusive de um ponto de vista de segurança alimentar, é grave. Antes elas tinham cinco refeições e atualmente estão em casa recebendo uma cesta básica do Governo. Mas eu quero saber: e a partir de setembro? Como vai ser? Porque os meus filhos estão muito bem, obrigado. O ensino remoto das escolas privadas é muito bom. Mas e as públicas quando for setembro?


As últimas semanas têm registrado muita aglomeração nas praias de Fortaleza. O senhor acha que o cearense está subestimando a pandemia?


Não acho que as pessoas mais pobres se comportaram mal aqui. Ao contrário, acho que quem fez isolamento de 50% num bairro de altíssima vulnerabilidade, alta densidade de habitantes por domicílio, casas em péssimas condições, difícil de estar em casa… Isso é muito! É muito diferente de um lockdown europeu. É muito fácil às vezes, porque você está no Porto das Dunas curtindo com sua família, tem internet, tem casa, tem vários quartos. E fica a classe média e rico olhando pras pessoas e dizendo: “Olha aí! As pessoas se aglomerando!” Eu não gosto… Como é definitivamente inaceitável uma pessoa negar a importância do isolamento, por exemplo.


A simulação que fizemos naquela época [da decisão do lockdown] mostra que teríamos milhares de mortes! Dezenas de milhares só em Fortaleza, se não fossem tomadas aquelas decisões. Mas também tem que ver as nuances. Não voltar à escola para uma criança do ensino fundamental e infantil da rede pública municipal e estadual é muito grave. Para que você tome essa decisão, tem que ter elementos fundamentais. Por enquanto a gente tem esse elemento, o princípio da precaução.


Incomoda um pouco essa turma que fica meio confortável com a situação, que pode viver com essa situação. Evidentemente que todo mundo quer preservar vidas, mas você tem que entender que essa situação é muito pior para alguns que para outros. Isso é algo pouco dito.

A transparência de dados na pandemia

Por O POVO

O Ceará lidera o ranking de transparência de dados sobre a pandemia de acordo com levantamento feito pela organização Transparência Internacional Brasil no fim de julho. Um dos destaques durante a crise na saúde foi a existência do IntegraSUS, ferramenta que permitiu o acompanhamento de diferentes estatísticas epidemiológicas.

O tema discutido é debatido neste podcast. Para discutir o tema, é convidado o médico epidemiologista Antônio Lima - também conhecido como Tanta - pós-doutor pela Universidade de Harvard e integrante do Comitê Científico do Estado do Ceará. A apresentação é dos jornalistas Luiz Viana e Camila Holanda.

Ceará na vanguarda: confira entrevista com Dr. Cabeto, secretário da Saúde do Ceará

Por Rubens Rodrigues

Titular da Secretaria da Saúde do Estado, dr. Cabeto avalia os seis meses de enfrentamento ao novo coronavírus e projeta o porvir

A experiência da Saúde durante a pandemia levou o Ceará a adiantar processos já em andamento e a discutir possibilidades que ficarão como legado mesmo após a Covid-19. O secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o dr. Cabeto, fala sobre o incremento à rede assistencial, regionalização da rede de saúde, desafios e aprendizados de como o Estado protagonizou o enfrentamento à doença no País. Ele antecipa ainda o trabalho em parceria com a Fiocruz, que pode colocar o Estado na vanguarda da produção de insumos.

Na sua avaliação, quanto o Estado avançou no enfrentamento à pandemia?

No enfrentamento à pandemia, o Estado fez essas ações de ordem imediata e implantou coisas que já estavam em andamento. Cumprido essa parte, houve incremento na rede assistencial de quase 900 leitos em 45 dias. O que fica disso? Ficam as estruturas dos hospitais polos. Estou falando de 12 cidades que não tinham UTI e vão ser continuadas. Isso tem a ver com o plano de regionalização que o Estado já tava desenvolvendo, incluindo a região de Caucaia, Maracanaú, Itapipoca, Tianguá, Crateús, Tauá, Iguatu, Icó, Limoeiro, Brejo Santo e posteriormente Campo Sales. Estamos falando de uma rede nova, além da continuidade das atividades do Leonardo Da Vinci, que neste momento vai passar a usar metade dos leitos, em torno de 120 leitos, para a realização de cirurgias eletivas para que a gente possa tratar a fila de espera da rede hospitalar do Estado do Ceará, que vinha se preparando para a regionalização. A incorporação desses leitos em tempo muito rápido guarda um movimento que já existia, que foi transformado imediatamente e garante o futuro com expansão e regionalização do sistema de saúde da forma mais eficiente.

Muito se fala que o número de pessoas que teve a doença deve ser bem maior que o notificado, principalmente porque no início muita gente não foi testada. Como o senhor avalia essa subnotificação. Há uma projeção?

Há muitos cálculos referentes a essa subnotificação. Há sim subnotificação. Somos um País que predomina a população mais jovem, portanto houve diversos casos que nem sequer procurou o sistema de saúde. O Ceará se notabilizou por precocemente montar um centro de testagem com capacidade ampliada em parceria com a UFC, Unifor e Hemoce. Foi um dos estados que mais testou. Mas também teve um surto pandêmico extenso. Estima-se que muitos estados brasileiros tenham até 40% a mais do que foi documentado. No Estado, mesmo em regiões próximas a centros urbanos, houve subnotificação. E quanto mais distante dos centros urbanos, mais subnotificação houve. Muitos casos foram confirmados por meio de teste rápido que tem uma sensibilidade diagnóstica menor. Quando você não dispõe de RT-PCR para testagem em massa, corre o risco de subnotificar. O momento agora é diferente. A notificação cai diariamente, o número de óbitos também e a testagem resulta cada vez menos em diagnósticos positivos. Mas temos mais capacidade de testagem. Estamos ampliando a testagem nos drive thrus. Acertamos de fazer um novo inquérito com RT-PCR e sorologia, que deve começar na semana que vem e vai correr 10 dias. Isso vai dar uma ideia da nossa circulação viral, que no momento é baixa.

Recentemente, o litoral de Fortaleza teve alguns pontos com aglomeração, Jericoacoara também. Já é possível perceber algum resultado desse comportamento?

Esperávamos isso. Quando se flexibiliza, é natural que tenha aumento de notificações. Isso não aconteceu em Fortaleza. Isso suscita alguns questionamentos. Primeiro, é saber se atingimos a taxa de imunização adequada. O outro ponto é como você monitora essas aglomerações. O que nós estamos fazendo agora é aumentando a nossa capacidade de testagem RT-PCR porque o primeiro ponto é reconhecer o número de pessoas infectadas. A repercussão na rede é mais tarde. Se você lembrar que alguns vão ser infectados e somente 10% deles vão precisar de internação, é preciso ver o aumento da demanda das UPAs, saber se isso levou a um aumento do número de casos mais graves e, principalmente, se levou a aumento de óbitos. Aumentamos o drive thru do Hospital Geral de Fortaleza, RioMar Kennedy, colocamos em Maracanaú e outras unidades de saúde. Vamos fazer o inquérito agora, que é uma de maneira organizada estatisticamente para que se tenha ideia se a circulação viral vai aumentar nos bairros de menor ou maior IDH, na faixa etária mais baixa e daí por diante. Isso é mais precoce do que enxergar o atendimento porque essas aglomerações em geral são de populações mais jovens, que são assintomáticas. Pode levar mais de 14 dias para perceber impacto na rede. O Estado quer se antecipar.

Existe orientação para intensificar essa fiscalização?

Sim. Conversamos na reunião do Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus no Ceará que acontece toda quinta e sexta-feira, onde estão Ministérios Público, Estadual e Federal, Assembleia Legislativa e representação municipal, de nós nos organizarmos de instruir a população. Principalmente nas grandes aglomerações. Intensificar os protocolos na rede hoteleira. E aí tem que incluir o pessoal da Segurança e da Vigilância Sanitária. Estamos estudando estratégia. A gente entende que é normal as pessoas quererem mudar o padrão comportamental.

Quais foram os erros e acertos desses seis meses de enfrentamento à pandemia?

Acredito que o Ceará foi muito feliz na forma como se colocou perante a pandemia. É um dos estados mais atingidos e, convenhamos, com uma população com IDH baixo, nível de fragilidade muito maior do que os estados do Sudeste. O Ceará fez a estratégia adequada, o reconhecimento adequado e se guiou pela ciência. Soube dialogar com todos os setores da sociedade e jogou para ela os dados reais. O IntegraSUS é um pouco isso. Desde março acontecem reuniões semanais em que todos esses dados são expostos às lideranças sociais. Foi o Estado que mais precocemente pregou o isolamento e fez um dos isolamentos mais eficientes do País. E isso, é bom que se diga, fez com que houvesse grande redução no número de óbitos. Fez com que o Estado fosse capaz de dar atendimento às pessoas. Uma coisa é enfrentar o surto em julho. Outra coisa é ter o surto em abril, maio, como foi aqui. Porque existia uma competição internacional por aquisição de insumos, respiradores, infraestrutura. O desconhecimento sobre a doença era muito maior. O Ceará fez um papel importante, que foi reconhecer seu corpo de profissionais. E os profissionais de saúde se engajaram completamente no atendimento. A regionalização também foi um grande acerto. Os hospitais regionais e a presença dessas lideranças possibilitaram o acesso adequado, além da decisão de mudar o perfil dos hospitais e adquirir equipamentos.

O que ficou de aprendizado?

Que nem todas as pandemias são iguais, que o vírus pode ter comportamento diferente e que os conceitos tradicionais precisam ser analisados a luz da ciência naquele momento. Algumas imperfeições surgiram nisso, como as orientações iniciais. O mundo inteiro tinha medo de que as pessoas fossem ao hospital e se contaminassem. Essa é uma justificativa razoável porque vinha uma informação da China de que a contaminação no hospital era muito alta. Além de entender o papel da atenção primária e do atendimento à distancia. Acho que a gente tira como lição.

O Ceará está dialogando com algum laboratório sobre produção de vacina?

Estamos discutindo isso a nível de Fiocruz. Estamos discutindo a locação da expansão da Fiocruz. A planta de arquitetura e executiva para elaboração do centro de produção de insumos, que também serve para vacina no futuro, para que o próprio Estado possa produzir, está bem adiantada. É levar o Ceará pra vanguarda nesse aspecto.

Cuidado que fica: a atenção à mulher no SUS

Por Marília Freitas

Presidente da Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia e presidente do Comitê de Prevenção à Morte Materna, Fetal e Infantil do Estado do Ceará, a médica Liduína Rocha avalia o atendimento da mulher no sistema público de saúde e pontua as principais necessidades

No cenário brasileiro, a saúde da mulher cearense é um dos pontos influenciados pelas mais diversas particularidades econômicas e de gênero. Para adaptar os atendimentos à realidade destas pessoas, a rede de saúde pública vem passando por constantes reformulações, como o aperfeiçoamento dos profissionais, implementação do Estatuto do Parto Humanizado do Ceará e a expansão da rede. As medidas surgem em meio aos percalços que envolvem a quebra de estereótipos já enraizados, conforme conversa a ginecologista e obstetra defensora ferrenha do Sistema Único de Saúde (SUS), Liduína Rocha.

As atenções voltadas para a mulher na rede pública acontecem nos três níveis de saúde. Quais seriam as principais em cada setor?

No atendimento da atenção primária, que preferencialmente deve ser feito pela equipe multiprofissional de saúde da família, são os cuidados de promoção e de prevenção de saúde, da adolescência ao climatério. Havendo necessidade de um olhar especializado, temos a atenção na rede do Estado nas policlínicas. Diante de uma hipótese de doença, fazemos prevenção no setor secundário e terciário, este último para atendimentos que necessitam de internação hospitalar. O cuidado é feito em um lugar ambulatorial dentro de hospitais de alta complexidade. Existe isso no programa Nascer no Ceará, que se estatifica mulheres com risco no pré-natal e que podem ser acompanhadas próximo do seu território - aspecto importante da atenção à saúde -, mas há um nível de instabilidade tão grande que elas devem ser acompanhadas em hospitais de alta complexidade, com presença de UTI adulto.

Em 30 anos de existência do SUS, como você avalia a estrutura cearense de rede pública para a mulher?

O SUS é um patrimônio do povo brasileiro, independentemente do governo. É um sistema de saúde - e devemos entendê-la como algo muito mais amplo do que o tratamento e do que o diagnóstico de doenças, mas como uma promoção de bem estar. O SUS é a política do estado brasileiro que mais promove funções sociais no sentido de garantir acesso universal e uma busca de qualidade de atendimento. Todos usamos o Sistema quando discutimos vacina e transplante, por exemplo, mas, na vida de cuidados ordinários, procuramos a saúde suplementar, e isso acontece também na realidade da assistência das mulheres. Se olharmos o status de morte materna no Ceará, veremos que a maioria das mulheres que morreram eram usuárias exclusivas do SUS. Nosso grande desafio é fazer com que o Sistema, de fato, seja universal e promova a diminuição das desigualdades sociais.

Cada atenção é adaptada de acordo com a complexidade dos casos. Um delas é, inevitavelmente, o aborto. Quais mudanças estabelecidas ao longo do tempo modificaram o atendimento dessa mulher na rede pública?

Há dados nacionais que precisam ser ditos - temos cerca de 600 mil abortos por ano no Brasil. A política de saúde pública se trata de redução de danos. Sempre se pensa na mulher que aborta relacionada a uma vida sexual mais ativa, com mais parceiros e que se expõe mais a riscos. Mas a realidade não é isso: a maioria é casada, com filho e a grande questão é a realidade financeira. O aborto é a quarta causa de morte das mulheres brasileiras e estamos, novamente, diante de um cenário de invisibilidade da vulnerabilidade. Quem mais morre são as mulheres pobres, negras, moradoras de zonas periféricas ou rurais. Do ponto de vista de locais de assistência, aqui no Ceará temos avançado, com dois serviços bem estruturados na Maternidade Escola Assis Chateubriand (Meac) e no Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana. Mas já temos mais outros dois serviços se organizando no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC).

Como a humanização muda, em específico, o atendimento especializado à mulher no SUS?

Nós não podemos confundir humanização com o direito de escolha ou com a implementação das boas práticas. Quando falamos da humanização, especialmente em relação ao parto e aos processos, isso significa que devemos construir um ambiente capaz de responder ao direito de escolha das mulheres. E temos avançado nesse sentido: a presença das casas de parto, de atendimentos pré-parto, parto e pós-parto das maternidades, na interdisciplinaridade e a multiprofissionalidade, garantia da presença do acompanhante, o respeito à Hora de Ouro após o nascimento, a não realização de práticas que são culturalmente instituídas mas que na realidade significam violência obstétrica; voltando a história da mortalidade, não há violência obstétrica maior do que a morte materna evitável acontecendo. Temos que avançar nas práticas e mais ainda qualidade da assistência e na universalidade do acesso ao sistema público.

A queda da mortalidade de mães e bebês no Ceará é uma realidade. Como avançar ainda mais nessa situação no Estado?

É sim, se olharmos a curva histórica. Quando falamos de morte materna, a maioria delas acontece por conta de alguma demora: cultural das mulheres e das famílias em perceberem a gravidade de uma situação, a demora de acesso ou a demora da qualidade da assistência. Isso significa que a imensa maioria dessas mortes são evitáveis. A chance de uma mulher morrer no parto tem uma relação com a identificação da gravidade do acesso ao sistema de saúde e com assistência adequada. Conseguimos reduzir a nossa razão de mortalidade materna variando entre 60-68 mortes a cada 100 mil partos. Precisamos reduzir muito mais, então é necessário ter uma rede efetiva no acesso, na assistência e que seja acessível principalmente às mulheres em maior situação de vulnerabilidade. O grande desafio de projetos como o Nascer no Ceará é que são projetos de criação de redes e de um sistema de assistência. Então eles necessitam de um diálogo muito profundo e de um diálogo orgânico entre assistência, gestão e população. A Escola de Saúde Pública pensa em projetos de educação permanente, a Sesa dialoga com as gestões municipais e as mulheres são instigadas ao autocuidado. Esse é o filtro do programa nesse momento.

Janeiro de 2020 marcou um ano desde a implementação da Lei Nº 16.837, do Estatuto do Parto Humanizado no Ceará. O que mudou com esta novidade?

No SUS - pioneiro inclusive nessa instituição das boas práticas - nós temos avanços: percebemos a garantia da lei do acompanhante, garantia de privacidade, sigilo, dignidade humana. Precisamos agora olhar com mais profundidade para transformarmos a cultura da maternidade e dos profissionais.

Como o Estatuto possibilitou às gestantes de conhecerem mais sobre seu direito de escolha durante o nascimento do filho?

Com a garantia de vinculação das mulheres ao local do nascimento dos seus filhos ainda no pré-natal. Igualmente elas devem saber onde vão parir, devem conhecer esse local e devem ser conhecidas por esse local, garantindo que não fiquem peregrinando entre as maternidades.


Direito garantido, a humanização vai além de um bom atendimento: perpassa pela condição de escolha e pelo acesso à informação sobre os procedimentos de saúde.

A Lei Nº 16.837 sancionou o Estatuto do Parto Humanizado no Ceará em janeiro de 2019. Diretrizes como o incentivo ao plano de parto e reconhecimento de todos procedimentos de saúde disponíveis garantem melhor assistência a elas durante o período gravídico-puerpural.

Ouça o podcast sobre o assunto:

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A interiorização das emergências cearenses

Por Marília Freitas

A construção da referência terciária na Região Sobral vem possibilitando o acesso a setores emergenciais antes disponíveis apenas na Capital. Parte do planejamento da interiorização, projeto depende de investimentos e divulgação

O setor terciário da saúde pública vem sendo expandido com as Regiões de Saúde no Ceará. A divisão permite que estruturas de alta complexidade sejam instaladas nos interiores, evitando, assim, traslados dos pacientes até Fortaleza. O Hospital Regional Norte (HRN), por exemplo, trabalha com as especialidades de urgências e emergências pediátricas, clínicas e de cirurgia adulta. Desde 2013, cerca de 370 mil assistências foram realizadas na emergência do local - correspondendo a mais de 20% da população dos 55 municípios que contemplam a Região Sobral.

Antes da instalação, o tempo era fator supremo, pois as complicações precisavam ser transferidas até a Capital. “Na abertura, inclusive, já chegamos a receber pacientes de Fortaleza para desafogarmos o sistema da Capital. Aconteceu o inverso”, relembra a diretora de gestão e atendimento do HRN, Sabrina Becker.

O paciente passa por uma triagem e é estabilizado na própria Região, ficando no HRN ou em outra referência. Segundo Sabrina, a abertura de leitos de melhor estrutura e centros cirúrgicos influenciou, inclusive, na queda dos índices de mortalidade infantil de Sobral. Cerca de 30% dos atendimentos complexos no hospital são da pediatria.

A crença de um hospital terciário como o lugar possível de todos os atendimentos, contudo, corrobora para o congestionamento de um setor que deveria atender apenas às demandas complexas. Por isso a importância de bons acolhimentos na rede primária e secundária, explica Sabrina.

Por exemplo, casos graves da Covid-19 seguem atendidos no setor terciário e casos mais leves ficam a critério dos postos de saúde e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), impondo um maior controle da pandemia com o tempo.

Por ainda estar em execução, as interiorizações seguem dependendo de investimentos no setor de saúde, que viabilizam a expansão e a melhoria de atendimentos alternativos por telefone, como o TeleSaúde. “É importante que essas pessoas conheçam as opções, para saber onde devem recorrer quando precisam de ajuda”, cita.

Algumas das referências cearenses do setor terciário

Cariri
Hospital Regional do Cariri
Localizado em Juazeiro do Norte, o hospital foi o primeiro da rede estadual no interior do Ceará e atende a uma população de 1,5 milhão de habitantes. Dispõe de atendimentos 24h em urgência e emergência em traumato ortopedia, neurocirurgia, clínica geral, cirurgia geral, cirurgia vascular e buco-maxilo-facial.

Sobral
Hospital Regional Norte
O hospital é o maior do interior da Região Nordeste e dispõe de atendimento 24 horas em urgência e emergência de cirurgia geral, cirurgia vascular, cirurgia torácica, clínica médica, endoscopia alta e baixa, neurocirurgia, otorrinolaringologia, neonatologia, pediatria e obstetrícia.

Sertão Central
Hospital Regional do Sertão Central
A estrutura foi a terceira de alta complexidade construída no interior cearense e é referência nas especialidades de cirurgia geral, terapia intensiva adulto, terapia intensiva e semi intensiva neonatal, obstetrícia, Acidente Vascular Cerebral, clínica médica, traumatologia, unidade de cuidados especiais, clínica cirúrgica e neurocirurgia.

Litoral Leste/Jaguaribe
Hospital Regional do Vale do Jaguaribe
Ainda em construção, a unidade contará com unidades de emergência e urgência, além do ambulatório centro de imagem e diagnóstico, centro de parto, centro cirúrgico com seis salas, e enfermarias clínica, cirúrgica, traumatológica e pediátrica. A estimativa é que a estrutura seja equipada e entre em funcionamento até o fim deste ano.

Fortaleza
Hospital Geral de Fortaleza
De janeiro a agosto de 2020, o HGF prestou mais de 27 mil atendimentos na emergência da unidade. As especialidades funcionam 24h e consistem em medicina de emergência, cirurgia geral, cirurgia vascular, neurologia e obstetrícia - o último setor passou por alterações devido a pandemia, mas já está funcionando normalmente.

Fortaleza
Hospital São José de Doenças Infecciosas
Com 46 anos de história, o hospital é referência em atendimentos 24h de urgência e emergência a pacientes soropositivos com complicações, arboviroses, exposição para profilaxia antirrábica, acidentes perfurocortantes, tuberculose e meningite.

Fortaleza
Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes
A unidade terciária atende pacientes cearenses e das Regiões Norte e Nordeste do País. Conta com atendimento 24h de urgência e emergência nas especialidades cardíaca e pulmonar, sendo referência no transplante cardíaco de adultos e crianças.

Fortaleza
Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto
O hospital é referência no atendimento em psiquiatria do Ceará, dispondo de atendimentos 24h em urgência e emergência para atendimentos psiquiátricos. Conta ainda com atendimentos a psicóticos e dependentes químicos, unidade de desintoxicação e núcleo de atenção à infância e adolescência.

Emergência durante a pandemia e a experiência do Ceará

A experiência da emergência durante a pandemia no Ceará é o tema discutido neste episódio do podcast do projeto Nova Saúde. Com apresentação da jornalista Eduarda Talicy, e com a repórter convidada Ana Rute Ramires, o chefe do Departamento de Emergência do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Khalil Feitosa, fala sobre a importância de se adaptar nesses seis meses de pandemia.

 

 

A força institucional do SUS em tempos de Covid- 19

Por

Por Moacir Tavares, doutor em Saúde Pública pela USP e professor da UFC do curso de Odontologia

O tema bem que poderia parafrasear Gabriel Garcia Márquez, no eterno “Amor em tempos de cólera”. Seria clichê declarar “O amor ao SUS ( e o amor do SUS) em tempos de Covid- 19”. Não seria errado, seria verdadeiro. O Sistema Único de Saúde teve seu arcabouço jurídico institucional configurado na Constituição Federal de 1988. Fruto de um debate profícuo e celebrado como o novo modelo na Conferência Nacional de Saúde, cume das conferências municipais e estaduais, à época, estima-se, mobilizou 50 mil pessoas.

A estrutura organizacional do SUS ,seguindo conceitos internacionais consagrados pelos serviços e pelos pesquisadores, definiu níveis de atenção em: primária, secundária e terciária. A atenção terciária, responsabilidade de estados e União, foi a mais destacada nos meios de comunicação de massa no período da pandemia, fato que a insuficiência de leitos e de respiradores mecânicos nos hospitais era a provável diferença entre viver e morrer quando o caso se agravava.

A ampla maioria dos casos não se agravou, estima-se em mais de 80% esse número. Não se agravou, pela ação rápida e eficaz da atenção primária com suas unidades de saúde e suas equipes de saúde da família que atuaram identificando, isolando, visitando, medicando, informando e monitorando cada usuário do SUS. Essa ação foi muro de arrimo para todas as outras.

Destaca-se também a ação efetiva de clinicas e policlínicas onde exames especializados serviram de apoio ao diagnóstico e a eficaz ação da rede de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e o transporte efetivo e diuturno do Samu. Todas as ações integradas numa real, pública, gratuita, eficaz, efetiva, eficiente rede de ações e serviço. Isso é o SUS.

Vilipendiado no seu financiamento desde a criação, o Sistema funciona subfinanciado com um terço do previsto e sofrendo cortes, sobretudo, federais. Como diz minha filha adolescente: só não enxerga quem não quer. O SUS segurou a onda do povo. Sim, o SUS salvou milhares de vidas. Aos privatistas da saúde, minha contumaz resposta, citando Bertolt Brecht: a verdade é filha do tempo e não da autoridade

Arboviroses: os desafios das políticas de controle diante do isolamento

Por O Povo

Neste episódio do podcast Nova Saúde, as jornalistas Eduarda Talicy e Marília Freitas recebem os convidados são Carlos Henrique Morais de Alencar, doutor em Saúde Coletiva e professor do Departamento de Saúde Comunitária da UFC e Luiz Osvaldo Rodrigues da Silva, orientador da Célula de Vigilância Entomológica e Controle Vetorial da Sesa.



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Saúde mental e regionalização: dignidade e equidade

Por

Por Lisiane Cysne de Medeiros Vasconcelos e Rego, psiquiatra, PhD, ex-secretária executiva de saúde mental do Estado do Ceará

Carlos tinha 18 anos quando foi diagnosticado de esquizofrenia. Ouvia vozes ordenando que se matasse. Tinha muita dificuldade de manter o tratamento porque o hospital onde se tratava ficava em outra cidade. Cansou de pegar o ônibus onde tinha que ir quieto por mais de uma hora (embora as vozes não parassem de falar dentro da sua cabeça), para ser visto durante dez minutos pelo médico, pegar a fila para receber o remédio e depois percorrer todo o trajeto de volta à casa, onde tinha outra vez que estar quieto (embora as vozes se danassem dentro da sua cabeça). No último mês, Carlos uma vez mais abandonou a medicação e os familiares disseram que ele começou a ficar cada vez mais isolado. Na semana passada, Carlos se matou.

A OMS define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de doenças. E reafirma: não existe saúde, sem saúde mental!

Estudos realizados nos Estados Unidos em 2011 informaram que somente 17% da população adulta foi considerada com ótimo estado de saúde mental. Porém, de forma irônica, as legislações sobre a saúde mental mais têm se voltado para a exclusão das pessoas com transtorno mental do que propriamente para a promoção da saúde mental.

A assistência à saúde deve trabalhar ativamente para proporcionar uma vida mais digna em todas as suas dimensões, já que a saúde é um processo determinado por componentes históricos, socioeconômicos, culturais, biológicos e psicológicos, cuja preservação e melhoramento implicam uma dinâmica de construção social vinculada à dos direitos humanos e sociais de uma pessoa. Dessa forma, o acesso fácil a todos é a primeira e uma das principais características de um bom sistema de saúde universal, como o nosso SUS.

O processo de regionalização da rede de saúde mental não é só necessário. É urgente!

Com a regionalização se podem alcançar os rincões mais afastados do nosso estado, onde existem muitos Carlos, que aguardam pela chance de manter um atendimento digno, individualizado e ao qual se possa recorrer facilmente, respeitando o indivíduo dentro da sua região, dentro da sua comunidade e no seio familiar.

A regionalização da saúde mental traz dignidade e equidade à nossa população.

A história de Carlos, embora fictícia, é um exemplo do dia a dia da nossa população, que encontra na distância física e na distância relacional e socioeconômica um real impedimento para a obtenção de um bem básico, brindado pela Constituição: saúde para todos!

Pensando os impactos à saúde mental na pandemia

Por

Por Eveline Câmara, psicóloga, pedagoga, psicopedagoga, fundadora e gestora do Instituto de Especialidades Integradas, com mais de 15 anos de atuação em atendimento clínico 

Estamos vivenciando um momento atípico. A pandemia nos colocou diante da possibilidade da morte e, consequentemente, nos deslocou para um lugar de reflexão em relação à vida. Nesse espaço de angústia o qual nos lançaram, fomos convidados a um confronto com o nosso real. As escolhas que fizemos, as relações que tecemos, os lugares que ocupamos. Todos esses conteúdos sendo produzidos em um espaço de tempo cronológico reduzido, no qual não foi considerado o tempo lógico individual e o tempo subjetivo de ressignificação. Fomos atravessados por um real castrador que nos privou de uma existência que possuía lógicas próprias.

Qual foi a repercussão disso tudo em nossa saúde mental? E como fica o ser lançado nesse lugar de desconforto, até então não visitado? O lugar do “não”, do limite, do isolamento, da proibição, da solidão, do ter que lidar mais consigo e com suas questões, da polarização, do negacionismo... Tudo isso nos desorganizou. Essa desorganização produziu sintomas. Elevação da ansiedade, oscilações frequentes e abruptas de humor, distúrbios do sono, disfunções alimentares. Cada pessoa, a partir do seu funcionamento, teve que desenvolver seus mecanismos de proteção para conseguir sustentar esse mal-estar coletivo. Foi um movimento de olhar para si mesmo com uma sensação de desamparo, onde não haveria um grande outro que pudesse dar conta desse sofrimento. Esse lugar de autoanálise foi o espaço promotor de mudanças.

Esse movimento trouxe uma nova configuração do real. Uma rotina diferente, mudanças nas formas de contato, diferenças nas vivências de rituais de luto, novas concepções acerca de espaços e limites individuais. Essas construções continuam a se ressignificarem a partir da apresentação de algum elemento novo dessa realidade. Seja ele uma nova informação acerca das vacinas - que se apresentam como um objeto real de corte nesse sofrimento - seja o processo de reabertura que convida a nos apropriar dessa possibilidade de reparação diante de uma vida perdida.

Podcast

As jornalistas Eduarda Talicy e Gabriela Custódio recebem a psicóloga e psicopedagoga, fundadora e gestora do Instituto de Especialidades Integradas, Eveline Câmara; e a psiquiatra do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), médica formada pela UFC, especialista em Saúde da Família, Nayana Holanda. Desta vez, elas falam sobre saúde mental na pandemia, questão central em muitas famílias nessa época tão desafiadora que vivemos.

Assista a este conteúdo em vídeo:

Em defesa do Guia Alimentar para a População Brasileira

Por O Povo

Pabyle Flauzino, nutricionista, pós-graduada em Comportamento Alimentar e mestranda em Nutrição e Saúde.

Segundo a pesquisa de orçamentos familiares (POF), o consumo domiciliar do arroz e feijão, referência tradicional do prato dos Brasileiros apresentou queda de 37% e 52% respectivamente ao longo dos últimos 15 anos. A tradição dos alimentos que sofrem pouca ou nenhuma alteração após deixarem a natureza, chamados alimentos in natura e minimamente processados, saem da mesa para dar lugar aos alimentos ultraprocessados, que são formulações industriais, como refrigerante e macarrão instantâneo.

Os alimentos ultraprocessados têm modificado culturas alimentares, as formas de produção, o meio ambiente e a saúde das populações, pois estão fortemente associados à Doenças Crônicas não Transmissíveis. A classificação NOVA é a responsável por dividir os alimentos de acordo com o seu grau de processamento e é o marco diferencial do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014. Para o guia, a alimentação é mais que a ingestão de nutrientes, pois considera as dimensões  socioambientais, culturais e biológicas dos modos de comer, tornando-se diretriz norteadora para garantir a Segurança Alimentar e Nutricional da Nação.

Recentemente, através da nota técnica nº 42/2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) requisitou ao Ministério da Saúde a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira, contrariando inclusive a sua própria agenda. Dentre outras coisas, o documento solicita “a retirada das menções a classificação NOVA” e afirma que atualmente o guia alimentar para a população brasileira é “um dos piores”. O MAPA não menciona os riscos associados ao consumo de alimentos ultraprocessados e como a desigualdade social e segregação espacial Brasileira influenciam diretamente na disponibilidade destes alimentos.

A nota da MAPA não é suportada pela extensa literatura utilizando a classificação NOVA e contraria a Organização Mundial da Saúde, instituições e pesquisadores do mundo inteiro que indicam o Guia Alimentar para a População Brasileira como referência. Apesar do Ministério da Saúde negar o recebimento da nota, a sociedade civil respondeu em defesa do guia alimentar para a população brasileira. Autonomia, saúde, bem estar e pratos livres de injustiças para o solo e para quem come são centrais na mensagem do guia para a população.

Em um período tão conturbado para a saúde pública, é preciso que investidas com rigor científico garantam e promovam o Direito Humano à Alimentação e a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da população. Algo diferente disso, é um profundo retrocesso.



A jornada ininterrupta da doação

Por Marília Freitas

A Covid-19 centralizou as ações de saúde no combate ao novo coronavírus, enquanto outros setores seguiram funcionando. Foi o caso da assistência aos transplantados na rede pública de saúde, referência em atendimentos no Ceará

Entre janeiro e setembro deste ano, um total de 646 transplantes foram realizados no Ceará através do Sistema Único de Saúde (SUS) - o maior sistema público de transplantes do mundo. O número corresponde a cerca de 40% dos procedimentos realizados em todo o Estado no ano passado.

A diferença é justificável: o contexto do novo coronavírus reduziu os índices de transplante no Ceará, conduzido pela Central Estadual de Transplantes (CET). O setor reúne ações em prol dessas cirurgias em nível estadual e acompanha hospitais, especialistas e pacientes na esperança de um doador.

A cirurgia é a última alternativa para pessoas que perderam a funcionalidade de um órgão ou tecido. A CET abrange diversas ações para possibilitar a operação da forma mais humanizada o possível. Devido as particularidades da doação, alguns setores foram essenciais e sequer puderam paralisar suas atividades.

Foram os casos das distribuições dos imunossupressores no Hospital de Messejana. A unidade atende todo o Ceará e dispõe dos transplantes de coração, pulmão e válvulas cardíacas. Esses remédios devem ser consumidos pelo paciente durante toda a vida para evitar a rejeição do corpo ao novo órgão, sendo possível consegui-los gratuitamente pelo SUS.

Para viabilizar o processo, a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa) acompanha pacientes do interior cearense ao Hospital com transporte próprio e também realiza parcerias com instituições como a Associação dos Transplantados Cardíacos do Estado do Ceará (ATCC).

Secretária do grupo, Jéssica Viana acompanha os pacientes há três anos e percebeu diretamente os impactos da pandemia. “O próprio paciente não poderia vir ao hospital, por receio da contaminação. Isso afetou bastante o psicológico dos que dependem do SUS e da casa de apoio", conta referindo-se à residência mantida por apoiadores da associação.

Diante à baixa dos casos no Estado, as doações do hospital precedentes à pandemia estão retornando. “Já estão chamando aos poucos os pacientes. O atendimento é de referência devido à equipe, pois não é só o transplante: no Hospital, eles têm todo o suporte de atendimento por equipes multidisciplinares. Não é uma cura, mas é uma melhoria", informa.

Jéssica, inclusive, tem um transplantado na família. Seu pai precisou da doação de um coração e todo o procedimento foi realizado no Hospital de Messejana. Mesmo anos após a cirurgia, ele continua sendo acompanhado pela unidade. "É uma realidade que vivo e que acompanho até hoje", ressalta.

Também no HM, os trabalhos da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) não pararam. A área é uma das atuantes junto ao setor terciário e possibilita o processo de remoção dos órgãos e tecidos de pacientes que morreram. A conscientização dos familiares sobre a doação é uma das ações da comissão, pois, em muitos casos, apenas a família pode dar o aval da cirurgia.

A comissão acompanhou pacientes que foram vítimas da Covid-19 na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Mesmo a doação entre eles não sendo realizada - pois ainda não se sabe os potenciais riscos do vírus na doação -, a segurança do procedimento na rede pública foi fortalecida.

Coordenadora da CIHDOTT, no Hospital de Messejana, Graça Torres acompanhou familiares que lamentavam a não realização do procedimento. “As pessoas, de certa forma, já se conscientizaram sobre a doação", explica. "Alguns parentes de familiar falecido por Covid-19 lamentavam não realizar a cirurgia. Eles veem a participação das unidades”.

Para reverter a queda, cursos de capacitação oferecidos pela Sesa, portarias públicas do Ministério da Saúde e a adoção de novos protocolos diante da pandemia podem influenciar nos índices de transplantes nos próximos meses. “Quem trabalha com doação não tem hora. É um gesto nobre”, diz Graça. “As pessoas já sabem sobre a doação, mas o momento de sensibilizar é contínuo”.

Portaria

A Portaria 1262/06 regulamenta as ações técnicas relativas do CIHDOTT. Equipe deve otimizar a doação e a captação de órgãos e tecidos detectando possíveis doadores no hospital e articulando o trabalho com outros profissionais de saúde da unidade.

Entrevista com Eliana Régia Barbosa de Almeida

Por Rubens Rodrigues

Coordenadora da Central de Transplantes do Ceará, a médica traça panorama de transplantes de órgãos no Ceará, estabelece avanços e desafios e cita a necessidade de manter a humanidade diante de um cenário de crise

À frente da Central Estadual de Transplantes do Ceará (CET/CE) há exatas duas décadas, a coordenadora Eliana Régia Barbosa de Almeida faz um panorama do transplante de órgãos e córneas no Ceará – referência nacional. Em entrevista, a médica fala sobre a trajetória da política de saúde e avalia o protagonismo histórico do Ceará, além de pontuar os desafios ainda a serem superados pelo Estado.

Ela destaca: “Nesse processo de viver e morrer aprende-se a valorizar o que realmente tem significado na vida e que estamos aqui para servir ao próximo”.

Médica do Instituto Dr. José Frota, Régia Barbosa é formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com Máster Internacional em Donación y Trasplantes de Órganos, Tejidos e Células da Organização Nacional de Transplantes da Espanha. Foi membro da diretoria da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos e é parte da Câmara Técnica da Coordenação de Transplante do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde e Membro do Grupo de Assessoramento Estratégico da Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde desde 2010.

Qual o panorama do transplante de órgãos no Ceará?
O Ceará tem, hoje, o respeito da comunidade nacional pelo expressivo avanço na redução das desigualdades regionais. O programa de transplante no Ceará se destaca pelo crescimento da taxa de doadores e do número de transplantes realizados. Nossas Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTTs) e de Centros Transplantadores são referências em treinamentos (tutores) para outros Estados. O serviço do processo de doação e transplante no Ceará está organizado com as seguintes composições: uma Central Estadual de Transplante do Ceará, quatro Organizações de Procura de Órgãos (OPO), 20 CIHDOTTs, 27 Centros Transplantadores e 39 Equipes de Transplantes, três Bancos de Olhos, um Banco de Cordão Umbilical, dois Laboratórios de HLA e dois Laboratórios de Sorologias.

Como o Ceará está posicionado, hoje, nesse quesito quando comparamos com o restante do Brasil?
Terminamos o ano de 2019 com uma taxa de 28,6 doadores por milhão da população (pmp), bem acima da média brasileira que é de 18,1. Conforme o Registro Brasileiro de Transplante da Associação Brasileira de Transplantes de Órgão (ABTO) de 2019, somos o terceiro estado em doadores efetivos por milhão da população e o segundo em percentual de efetivação. Com relação aos transplantes no ranking nacional, somos o segundo em transplante de fígado com uma taxa de 25,2 transplantes por pmp, o terceiro em transplante de pulmão e córnea, o sétimo em transplantes de rim, pâncreas e medula óssea e quinto no transplante cardíaco.

Historicamente, o Ceará sempre se destacou nesse aspecto. Na sua avaliação, porque isso acontece?
São vários os fatores. O empenho do Governo Estadual, da Sesa, da equipe da central de transplante, das CIHDOTTs, das OPOs, dos Centros Transplantadores e equipes transplantadoras e outras estruturas especializadas que se desdobram, para que os transplantes sejam realizados em condições adequadas e com segurança, segundo princípios justos e éticos. Os demais profissionais de saúde, notadamente aqueles que realizam seu trabalho em hospitais de grande e médio portes, que colaboram na identificação e manutenção de potenciais doadores, evitando que a doação deixe de concretizar-se por uma manutenção inadequada. O dinamismo das associações de pacientes que muito tem contribuído nas campanhas de esclarecimento a população sobre doação de órgãos e tecidos. Outros agentes públicos e privados também colaborar para que o sistema cumpra seu papel social e para que os transplantes possam acontecer, formando um conjunto de suporte de forma muitas vezes gratuita. À imprensa da nossa terra, que, de maneira correta, responsável e positiva, contribuiu e vem contribuindo para o crescimento das doações de órgãos e tecidos. E a solidariedade da população cearense com o SIM à doação de órgãos e tecidos.

De forma prática, como funciona o procedimento que resulta em transplante? Explicando melhor: onde e como começa, passa por quais profissionais, como funciona a coleta e a recepção do órgão e quanto tempo dura esse processo?
O hospital, através da CIHDOTT ou OPO, notifica a CET sobre doador em morte encefálica ou com parada cardiorrespiratória e que a família autorizou a doação. A CET/CE, após receber todas as documentações, inicia a seleção dos receptores em lista de espera para cada órgão, através de um sistema informatizado e comunica aos centros transplantadores (equipes de transplantes dos receptores selecionados). As equipes de transplante, junto com a CET/CE, adotam as medidas necessárias para viabilizar a retirada dos órgãos (meio de transporte, cirurgiões, pessoal de apoio etc). A equipe de retirada se dirige ao hospital notificante, retirar os órgãos e a CET/CE envia os órgãos para os centros transplantadores e os transplantes são realizados. As córneas retiradas são inicialmente enviadas para o banco de olhos e após avaliação e processamento são liberadas para o transplante.

Como é o acompanhamento do pós-operatório?
Cada Centro Transplantador é responsável pelo acompanhamento contínuo de todos os pacientes transplantados. Os retornos ambulatoriais são pré-agendados de acordo com a necessidade de consultas e/ou exames e os pacientes recebem a medicação de forma gratuita pelo SUS.

O que pode ser feito para tornar esses procedimentos ainda melhores?
Um dos legados da pandemia Covid-19 é a telemedicina e, nessa área de transplante, pode agilizar e ser resolutivo nas consultas de rotina e em algumas intercorrências dos pacientes.

Quanto o Estado tem avançado nos últimos anos quando se fala em transplantes?
No programa de Educação Permanente em Transplante em parceria com a Escola de Saúde Pública, que é um dos pilares fundamentais de uma boa política de transplante, cuja formação dos profissionais da saúde é decisiva para o fortalecimento das ações de doação e transplante. Em parcerias públicas e privadas que potencializam e qualificam o processo de doação e transplante; Em inovação tecnologias: máquinas de perfusão renal, para um melhor aproveitamento dos órgãos; Medula óssea: haploidêntico, aumentando a chance de realização do procedimento.

Quais desafios ainda precisam ser enfrentados?
Esse expressivo aumento no número de transplantes registrados no Ceará, fato que muito nos alegra e reconforta, também impõe novos desafios a serem vencidos. Implantação de centro de transplante pediátrico de fígado e de medula óssea. Implantação de Banco de Multitecidos: pele, osso e válvulas cardíacas. Fortalecer e ampliar a rede de procura e transplante de órgãos. Uma maior integração dos diversos níveis de atenção em saúde, objetivando a prevenção da necessidade de ingresso na lista técnica única de transplante. Na humanização, no ambiente de saúde através de uma relação de ajuda baseada no respeito, autenticidade e empatia.

Como estão as filas para transplantes no Ceará?
Atualmente, 914 pacientes aguardam por um transplante no Estado do Ceará, sendo: 728, rim; 141, fígado; 25, córnea; 15, pâncreas/rim e cinco de coração. O ingresso em lista de espera ainda é considerado pequeno, sugerindo que a maioria dos pacientes que necessitam de transplantes não estão sendo direcionados a essa terapêutica.

Quantos pacientes podem ficar na fila e quanto tempo eles podem esperar para ser considerado "fila 0"?
Esse termo fila zero é aplicável na fila de espera para transplante de córnea. Consideramos um estado com lista zerada para transplantes de córneas, quando a média dos transplantes realizados nos últimos três meses do ano é igual ou superior à média da lista de espera de pacientes com status “ativo” nos últimos três meses (do ano). Desde dezembro de 2016, zeramos nossa fila para o transplante de córnea no nosso Estado.

Como a área de saúde lidou com as mudanças de protocolo devido ao coronavírus? O que mudou nesse processo?
O Governo do Estado e a Secretária da Saúde não mediram esforços no enfrentamento da pandemia de Covid -19 e os mesmos foram estendidos também para as atividades de doação e transplantes. O processo de doação de órgãos seguiu com uma ênfase redobrada na questão da segurança e validação de cada potencial doador de órgãos. O Ceará foi o primeiro estado da federação a realizar o teste molecular RT-PCR para todos os potencias doadores de órgãos e tecidos. Cada equipe de transplante avaliou o balanço entre o risco benefício da realização de transplante em sua instituição, tomando todas as medidas necessárias para segurança do receptor. E no que se refere aos cuidados dos profissionais da saúde envolvidos direta e indiretamente no processo de doação e transplante foram adotadas todas as medidas recomendadas em notas técnicas estaduais e federais para minimizar a possibilidade de transmissão da infecção causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2. O Ceará foi o primeiro Estado a ser autorizado pelo Sistema Nacional de Transplante (SNT/MS) a retomar a remoção e transplante eletivo de córnea, após solicitação com demonstração de relatório.

Na pandemia, quantos pacientes de protocolo fechado não se tornaram doadores devido à Covid-19? E quantos deles testaram positivo para a doença?
De 270 potenciais doadores, entre o período de março a outubro (até 09/10/2020), 35 testaram positivo para a Covid-19 (RT-PCR), correspondendo a 13%.

É possível mensurar a queda nos transplantes devido à pandemia?
O Ceará já realizou, neste ano, 670 transplantes de órgãos e tecidos. Desses, 148 foram realizados nos meses de março a junho, em que a situação epidemiológica apresentava dados elevados, mostrando que conseguimos manter o programa de transplante ativo, apesar da diminuição na taxa de doação e transplante no Estado. Nesse sentido é importante destacar o esforço de todas as equipes envolvidas direta e indiretamente no processo doação e transplante e a solidariedade do povo cearense. Desde os meses de julho e agosto já apreciamos uma recuperação progressiva. Em setembro, as taxas de notificação e doadores efetivos já foram superiores às de janeiro e fevereiro, meses antes da pandemia, com repercussão positiva nos números de transplantes.

Qual foi o aprendizado que a experiência na pandemia deixou nesse sentido?
A Importância do trabalho coletivo (coordenação, colaboração, resiliência, criatividade) e a certeza de que a pandemia não roubou a nossa humanidade.

Um gesto que salva vidas

Por Marília Freitas

O Ceará é referência na doação de sangue na rede pública brasileira e tem no Hemoce a sua principal força. Os reforços em campanhas e coletas externas foram as principais ações que mantiveram os bons níveis de sangue no estoque do hemocentro durante a pandemia

Diversas mudanças e políticas públicas permeiam o ato de doar sangue no Brasil. Na rede pública de saúde, o procedimento é realizado através da Rede Nacional de Serviços de Hematologia e Hemoterapia (Hemorrede), no Ceará representada pelo Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce).

A hemoterapia realizada na rede pública tem foco na universalização do serviço. Ou seja, a meta é disponibilizar a transfusão de sangue para atender a todas as demandas públicas de saúde no Estado. O hemocentro cearense foi o segundo do País a ser planejado para a capacitação do sangue: é possível realizar da doação até o tratamento de doenças sanguíneas, como a anemia falciforme - tudo de graça.

As cinco regiões de saúde do Ceará dispõem de atendimentos do hemocentro, onde as ações acontecem. Em hospitais públicos que têm mais de 60 transfusões por mês, uma unidade intra-hospitalar do Hemoce é destinada para atendimento exclusivo à unidade. As agências organizam o sangue e o preparam para auxiliar em casos de acidentes com alta perda sanguínea, por exemplo.

A rotina de doação está na vida de Flávio Pinheiro desde outubro de 1995. Em 2001, o professor chegou a ganhar o título de maior doador de sangue do Ceará pelo Ministério da Saúde. Atualmente, é cadastrado como doador de medula óssea e doador de plaquetas. Em 25 anos, Flávio doou cerca de 69 vezes - o equivalente a 27 litros de sangue.

Mesmo com a queda de 13,2% na doação de sangue devido à pandemia, o estoque se manteve: cerca de 67 mil doações foram coletadas por ora em 2020. Segundo Luciana Carlos, diretora geral do Hemoce, o Centro não passou por dificuldades de atendimento com o novo coronavírus. Até mesmo a distância entre doador e centro chegou a ser reduzida, com a criação de canais de atendimento como o Portal do Doador.

As adaptações à nova realidade, como o agendamento de doações e criação de postos de coleta externos, favorecem a manutenção do estoque. "Quando visualizamos que teremos um problema, começamos a ter ações de prevenção. Cerca de 30% do sangue do Hemoce é de coleta externa, no qual vamos até onde o doador está: na igreja, no shopping ou nas universidades", explica Luciana.

Com a expansão do serviço, mais pessoas doam. E para manter a segurança do protocolo, é necessário atualizá-los de acordo com a demanda. Foi o caso de uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em maio deste ano: critérios que impediam homens que tivessem relações sexuais com homens de doar sangue num período de doze meses antes da coleta foram extinguidos. O Hemoce foi o primeiro hemocentro do País a realizar a alteração no questionário.

A orientação sexual passa a não ser mais um critério para doar sangue. Toda a metodologia é baseada em evidências epidemiológicas e científicas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um outro exemplo vigente é o coronavírus: casos suspeitos ou confirmados da doença devem aguardar 30 dias após a ausência de sintomas para doar.

Diante das alterações, o principal desafio é manter a população atualizada com os requisitos. Luciana aponta a falta de entendimento entre o voluntariado e o anonimato como uma das principais principais dificuldades da doação de sangue no Ceará. Altruísta, a doação na rede pública de saúde não deve beneficiar uma pessoa em particular ou fornecer remunerações em dinheiro.

"A doação de sangue é um ato de amor que pode salvar vidas e, em muitos casos, a transfusão é a única esperança dos pacientes”, conta Flávio. O voluntário costuma levar parentes e amigos para conhecer o trabalho do Hemoce. “Quem sabe, a partir da curiosidade, não se tornem doadores como eu?", finaliza.

Duas perguntas norteiam a doação de sangue no Hemoce: “você quer doar?” e “você pode doar?”. Não remunerada, a ação é a principal forma de manter os níveis em alta. Uma bolsa doada tem cerca de 400ml e pode ficar por até 42 dias no estoque.

Mais informações sobre requisitos para doação, onde doar e como agendar o procedimento podem ser feitas pelo site https://doador.hemoce.ce.gov.br/ ou pelos telefones de cada Hemocentro das regiões Fortaleza, Sobral, Crato, Juazeiro do Norte, Quixadá e Iguatu.

Além da doação de sangue e de medula óssea, o Hemoce também oferece:
Exames laboratoriais e acompanhamento ambulatorial de pacientes hematológicos;
Suporte a pacientes internados com doenças autoimunes;
Coleta e preservação de cordão umbilical e placentário;

Medula óssea: você quer? Você pode?

Um total de 59 transplantes de medula óssea foram realizados no Ceará entre janeiro e setembro deste ano. A cirurgia só é possível por meio da doação de medula óssea: fundamental no desenvolvimento de células sanguíneas e afetadas por doenças como leucemias e linfomas. O procedimento na rede pública cearense também é realizado pelo Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce).

As doações podem ser realizadas tanto por doadores vivos ou por doadores que sofreram morte encefálica, quando autorizado pela família. Há dois tipos do procedimento, um deles é o autólogo, quando a medula vem do próprio paciente. Há ainda o alogênico, quando a medula vem de um doador externo. Desde 2012, já foram feitas 74 coletas de medula para transplantes no Ceará, sendo 33 internacionais.

O transplante alogênico só acontece em casos de alta compatibilidade do doador e do receptor, variando entre 100% e 90%. Para agilizar o procedimento, há o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). O cadastro é o terceiro maior do mundo e reúne informações como nome, resultados de exames e características genéticas de voluntários à doação de medula para pacientes que precisam do tecido.

As informações cruzadas entre doador e receptor são sigilosas e, quando verificada a compatibilidade, há a convocação do doador pelo hemocentro - sempre permeada das perguntas "você quer?" e "você pode?". Com o cadastro, o paciente de qualquer lugar do Brasil pode receber a medula óssea do doador também de qualquer lugar do País. Hospedagens e transporte são totalmente custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), importante para humanizar o atendimento e agilizar a cirurgia.

Em fevereiro deste ano, o Ceará alcançou a marca de 200 mil cadastros no Redome, compondo o maior índice do nordeste e totalizando cerca de 10% do cadastro nacional. "Hoje nós temos menos campanha de doações de medula porque esse cadastro já acha o doador", explica a diretora geral do Hemoce, Luciana Carlos.

Nas unidades pelo estado, há o trabalho de convocação para os doadores de medula e de sangue através de campanhas estaduais e pelo acompanhamento de pacientes com doenças sanguíneas. “Temos um trabalho de convocação para que realmente tenhamos pessoas motivadas da forma correta”, reforça a diretora.

Para ser doador de medula óssea na rede pública, basta procurar o hemocentro mais próximo. A convocação acontece em casos de compatibilidade entre paciente e doador, organizados no Redome.

Imunização na proteção da saúde

Por

Jocileide Sales Campos, pediatra e epidemiologista. Professora do curso de medicina da Unichristus

Aplicadas desde o nascimento, vacinas estimulam o organismo a produzir defesa contra agentes infecciosos, evitando doenças. Segundo a Organização Mundial de Saúde, (OMS) além de reduzir mortes, elas são responsáveis pela longevidade, ao promover saúde.

É indispensável o uso correto do número de doses, na idade certa para vacinar e atender à meta estabelecida, de 90 a 95%, pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), um dos melhores no mundo

As coberturas vacinais, que refletem as metas de vacinação a serem alcançadas para as crianças, têm declinado no Brasil, nos últimos anos, com agravamento, em 2020, pela pandemia Covid-19.

Até 2015, a cobertura vacinal estava em torno do ideal, 95%, exceto para a pneumocócica que se encontrava um pouco abaixo. Em 2018, a pneumocócica se manteve no índice de 92%, mas, para as demais, foi menor de 90%, poliomielite e tríviral (sarampo, caxumba e rubéola), inclusive.

Muitos creem que a vacinação do passado protegeu a todos. Protegeu aqueles que foram vacinados. As crianças não vacinadas estão formando um grupo de vulneráveis a contraírem as doenças evitadas pelas vacinas. Calculem 35% de crianças sem receber vacinas em cidades onde nascem, por ano, 20 mil crianças. A conta resulta em sete mil delas em risco. Em quatro anos, são 28 mil alvos das doenças imunopreveníveis em cada cidade.

Isso quer dizer que doenças controladas podem voltar a circular. Até a poliomielite, eliminada em quase todo o mundo, presente apenas no Paquistão e no Afeganistão, poderá estar entre nós, novamente.

As evidências fazem crer no papel protetor da vacina. Então, vamos vacinar para proteger.

Nosso SUS

Por Rubens Rodrigues

Regulamentado há 30 anos, o SUS tem se mostrado uma estrutura fundamental para superar a crise sanitária que se agravou em 2020. No Ceará, assistência foi fortalecida nos últimos anos

Um dos maiores e mais completos sistemas de saúde pública do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi regulamentado no dia 19 de setembro de 1990, a partir da assinatura da Lei nº 8080/1990. O texto garante o direito, a integralidade e a universalização da Saúde, atribuindo o dever ao Estado. O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes a contar com um sistema de saúde gratuito, com aproximadamente 75% da população dependendo exclusivamente do SUS.

Para entender essa estrutura, é preciso lembrar que a União trabalha com estados e municípios nessa gestão. O gestor nacional é o Ministério da Saúde (MS), que conta com o Conselho Nacional de Saúde para discutir, fiscalizar e monitorar as políticas públicas do setor. As secretarias são os braços estaduais e municipais. Para além do SUS que conhecemos, dos postos de saúde, UPAs, Samu e hospitais, há toda uma rede de vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental que ajudam o Estado a funcionar, inclusive economicamente.

O médico Rogério Giesta, coordenador do Núcleo de Educação Permanente do Samu Ceará e do Núcleo de Urgência e Emergência Pré-Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC), pontua que defender o SUS é lembrar de serviços de excelência que são referência ao redor do mundo. É do SUS um dos maiores serviço de transplante de órgãos do mundo, além do programa de vacinação de vanguarda no País e o próprio Samu. "Se eu sofrer um acidente com traumatismo craniano grave, vou querer ir para o Frotão ou IJF. Em caso de AVC, tem o HGF. O Hospital de Messejana é referência quando se fala em infarto. São os melhores nesses atendimentos".

"Se a gente não tivesse o SUS para respaldar na pandemia, principalmente entre abril e maio deste ano, mais mortes e problemas teriam acontecido", pondera. "Pandemia é extremamente raro. Ninguém no mundo inteiro estava preparado, mas vejo que o SUS conseguiu fazer um atendimento de qualidade. Expandiu o número de leitos, que foi um problema para o mundo inteiro". A descentralização de leitos é um dos pontos considerados altos pelo médico nessa gestão.

Lidar com as demandas de um Estado, no entanto, não é tarefa simples. Principalmente quando se faz necessário lutar pela manutenção de um sistema de saúde dessa proporção. Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), o cirurgião dentista Moacir resgata que, desde a fundação, o SUS nunca chegou a ter o financiamento que foi pensado originalmente. “O pensamento científico, tecnológico, político e social que consagrou o SUS na Constituição veio com um plano calculado, mas os itens que garantiam o financiamento pensado foram sendo vetados logo em seguida pelo presidente Itamar Franco (1930-2011).

“(Saúde) é uma fatia de mercado que interessa muito e se abocanhada pode gerar muita lucratividade. O pensamento liberal do ponto de vista econômico do ministro Paulo Guedes, por exemplo, pode reduzir o SUS a tal ponto que as pessoas que possuam algum tipo de condição financeira possam garantir atendimento pelo mercado”, sinaliza. “A atenção primária precisa ser fortalecida, formando ainda nas escolas de saúde pra essa atenção. A Cuba, por exemplo, não pode ofertar especialidades porque não consegue importar tecnologia. Então, os médicos de lá são preparados para montar a história familiar e acompanham cotidianamente as lógicas de saúde das famílias”.

Sus como patrimônio

Para médica de família e comunidade e sanitarista Rafaela Pacheco, o SUS é indubitavelmente a política de Estado mais arrojada e importante em curso no País nas últimas três décadas e classifica como "o maior patrimônio do povo brasileiro". Ela diz assistir com indignação "as movimentações de sabotagem e destruição das políticas públicas do Brasil executadas pelo atual Governo Federal".

Pacheco, que também é professora do curso de medicina do núcleo de ciências da vida do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco, destaca que as maiores ferramentas de proteção do SUS estão em seus marcos legais. A exemplo da Constituição Cidadã e das leis orgânicas da saúde, que abordam as condições para promover, proteger e recuperar a saúde, além da organização e o funcionamento dos serviços também relacionados à saúde.

"(Os marcos legais) definem a participação da população na gestão do SUS e as transferências de recursos da área de saúde entre os governos. O que precisamos daqui em diante é que a sociedade em geral conheça e defenda esses excelentes marcos legais, de modo que a lei se cumpra", indica. "Além disso, a presença das pessoas e da sociedade civil organizada nos espaços de participação e controle social do SUS são elementos decisivos para que consigamos proteger o nosso SUS".

Em muitos países, sistema público de saúde não é um direito como no Brasil. "Isso anuncia que por aqui temos um legado de luta de muitas gerações que ousaram e seguem ousando afirmar que as pessoas são mais importantes que as coisas e que o dinheiro", avalia a médica e sanitarista. "Que a melhor forma de investir num País é investindo em seu próprio povo, em sua saúde e sua educação. Essas são as maiores heranças que podemos deixar para as futuras gerações. Nós que fazemos e defendemos o SUS, a Reforma Sanitária e a Educação Pública Brasileira seguiremos denunciando abertamente todos esses absurdos".

Dentre os desafios, Rafaela Pacheco destaca a visibilidade e reconhecimento da atenção primária, por vezes tão silencioso. Ela conclui: “A Estratégia de Saúde da Família é reconhecida internacionalmente como modelo técnico assistencial que fortalece toda a Rede de Atenção a Saúde e por consequência todo o SUS. Essa Estratégia garante acesso, coordena o cuidado de forma integral, garante suporte multiprofissional e ações de vigilância fortalecendo também a prevenção e promoção da saúde”.

O SUS que não vemos

Farmácias
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fiscaliza, normatiza e controla os medicamentos que são vendidos na rede farmacêutica.

Vacinação
O SUS disponibiliza por meio do Programa Nacional de Imunização mais de 300 milhões de doses de vacinas todos os anos.

Água e alimentos
Outra responsabilidade da Anvisa é o controle sanitário de água e alimentos comercializados no dia a dia, incluindo padrão de higiene e segurança alimentar.

Samu
Gerido por União, estados e municípios, o Serviço Móvel de Urgência e Emergência funciona 24 horas por dia atendendo, dentre outras ocorrências, vítimas de acidente de trânsito.

Tabagismo
Para quem quer parar de fumar, o Hospital de Messejana pode ser uma opção de assistência e tratamento pelo Programa de Controle ao Tabagismo.

Camisinha
Todos os postos de saúde do Estado devem distribuir preservativos, em sua maioria masculinos, gratuitamente.

PrEP
Desde 2018, o SUS distribui a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). O medicamento previne a infecção do vírus HIV. Fortaleza foi uma das primeiras cidades contempladas no início da distribuição.

Fontes: Escola de Saúde Pública do Ceará e Ministério da Saúde

“A universalidade do SUS” também foi tema discutido em live do projeto Nova Saúde, no último dia 30 de outubro.
A transmissão teve apresentação da jornalista Eduarda Talicy e Gabriela Feitosa. Moacir Tavares, doutor em Saúde Pública pela USP; e Rafaela Pacheco, médica de família e comunidade discutiram o assunto:

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Entrevista com Elaine Pelaez

Por Rubens Rodrigues

Membro da mesa diretora do Conselho Nacional de Saúde, pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Especialista em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e em Avaliação e Saúde.

O POVO: Como é o trabalho do CNS com o SUS?

Elaine Pelaez: É importante a gente lembrar não apenas dos avanços para o controle social na saúde, que estão na lei orgânica, na Constituição de 88, mas como um processo que foi construído a partir da redemocratização e da 8ª Conferência Nacional da Saúde em 86 e de um protagonismo grande do movimento de reforma sanitária. O papel do CNS tem essas marcas do processo de discussões coletivas e histórico com disputa porque nossa história é marcada por disputas.

A gente tá falando de um processo de redemocratização que iria repensar as relações entre Estado e sociedade. O controle nacional na saúde tem seus meios mais formais, que seriam os conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde e as conferências.

Há formas de controle social e de participação que trazem avanços como as consultas públicas, comissões no âmbito das assembleias legislativas, ouvidorias, disque denúncias e as ações do controle externo do tribunal de contas. É importante ter essa visão mais ampla sobre o conselho social. O objetivo mais geral é de discutir, elaborar e fiscalizar a política de saúde em cada esfera de governo. O CNS é do âmbito federal, embora a gente estabeleça relações com os conselhos estaduais e municipais. Há o caráter permanente, que é um conselho que tem uma vida política constante, independente do momento que se vive. Ele não é suspenso na pandemia ou quando algum governo acha que tá incomodando. É criado por lei, tem dotação orçamentária, uma estrutura que contribui pra que a gente garanta a permanência. Outro elemento é o caráter deliberativo, que a partir das discussões decide sobre as questões da saúde. Não apenas é consultivo. Além da paridade, que é fundamental. Temos entidades que representam usuários (50%), profissionais (25%) e prestadores de serviço e gestores (25%). Ter 50% representando usuários, que é o sentido de existir do SUS, é uma forma de garantir que o conselho dê voz à população.

O POVO: Em setembro deste ano, a lei que regulamentou o SUS completou 30 anos. Qual é a importância da manutenção desse sistema de saúde?

Elaine: É central. Para nós é interessante que esses 30 anos coincidam com o momento grave que a gente vive de uma crise sanitária colocada pela pandemia. O País já vinha numa crise do capital, do sistema que ordena as relações sociais e econômicas, e a Covid-19 mostrou o quanto é importante um SUS que seja de responsabilidade do Estado, que seja um direito universal de todas e todos da sociedade. Nesse momento, ficou nítido que a saúde de um indivíduo, família ou grupo impacta na saúde da coletividade. A pandemia mostrou q a gente precisa de um sistema público fortalecido. Nós vimos as lutas em torno da testagem pra Covid-19, em torno do acesso aos leitos, quanto o caráter público é importante e o quanto a gente precisa lutar por esse sistema de saúde nesses marcos. Não é qualquer sistema. É uma saúde que é dever do Estado, é direito de todos e que tenha a participação da sociedade na formulação. Consideramos que a orientação de isolamento social, de cima, sem ouvir a população foi acertada e precisava ser mantida. Só que tem questões relacionadas de habitação, saneamento, condições concretas que a população precisa para estar em isolamento social. Não podia ser uma medida isolada.

O POVO: Hoje esse sistema é descentralizado, regionalizado e participativo. De que forma isso é importante para a proteção do SUS?

Elaine: Quando a gente fala de movimentos negro, indígena, ribeirinhas, quilombolas, cooperativas de rendeiras, de reciclagem de lixo e catadores, a gente vê que essas demandas se expressam de forma diferentes entre classes e etnia. A demanda da branquitude, que eu me incluo, é diferente da demanda da população negra, que é diferente da indígena. Também são diferentes as demandas da capital e do interior. A perspectiva de regionalização e descentralização é fundamental. Não queremos que o Sudeste seja a cara da política de saúde. A política de saúde deve ter a feição das suas necessidades. A saúde de uma população é resultante da forma como essa sociedade se organiza, como as relações de produção se organizam. Tem a ver com condições de alimentação, habitação, educação, lazer, saneamento básico, acesso ao trabalho, renda, posse da terra e moradias.

O POVO: Como você tem acompanhado as movimentações do Governo Federal sobre a privatização da saúde no Brasil?

Elaine: Acredito que é importante, que é o que o CNS sempre buscou fazer, mostrar o que é o SUS. Que é a saúde pública que se expressa na Constituição Federal, que é muito mais que o atendimento hospitalar ou assistência farmacêutica. Muitas pessoas que dizem não conhecer o SUS falam isso porque têm planos privados. Mas elas também acessam o SUS por meio da vigilância em saúde, por exemplo, quando essa vigilância é implementada com relação a restaurantes, shows. Esse SUS é enorme, importante e vem fazendo muito pela população. Saibam ou não que estão utilizando. Depois, reafirmar a universalidade, a defesa do dever do Estado, de que o setor público seja o financiador e executor das ações de saúde. Somos contrários a privatização e a qualquer forma de entrega de equipamentos do sistema de saúde ao setor privado. A mediação do lucro é o contrário do que a gente defende como saúde. A exemplo do que vimos nas empresas de planos de saúde tentando desobrigar as testagens de Covid-19, empresa tentando tirar o nexo entre a Covid-19 e o adoecimento de trabalhadores. É central que esses recursos públicos não sejam desviados para o setor privado. O último elemento é a defesa do controle social e participação social para que a gente possa ter espaços e esses espaços sejam mantidos.

Teve uma questão importante da negativa da ciência, a gente precisou defender a ciência fortemente e nós defendemos. Soltamos notas, recomendações em torno disso, de que as evidências científicas sejam consideradas por protocolo. Isso precisa ser baseado em evidência científica, mas a defesa da ciência não pode abrir mão da defesa da participação popular.

O POVO: O CNS está reivindicando manutenção de R$ 35 bilhões para a saúde em 2021. Que situação orçamentária é essa?

Elaine: Em virtude da emergência sanitária da Covid-19 foi alocado um montante de recursos que corremos o risco de perder no próximo ano. Não havendo a situação de emergência, o ajuste fiscal poderia ser livremente implementado como já estava sendo. Queremos chamar atenção para isso e dizer q o SUS merece mais em 2021. Um levantamento da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do CNS que aponta que a partir de 2018, com a Emenda Constitucional 95, houve perda de mais de R$ 22 bilhões da saúde. Temos aí uma pauta permanece pela revogação da EC 95. Precisamos fortalecer uma saúde com a cara da população brasileira, que não seja elitista, sudeste-centrada e não seja marcada pelo olhar da branquitude. Que dê conta das demanda de um País plural.

O POVO: Como você avalia a resposta do SUS à pandemia?

Elaine: Muito positivamente. A gente poderia responder muito melhor se o SUS não fosse adaptado e não tivesse seus recursos reduzidos pela EC 95, se o SUS não fosse alvo da contra reforma que vivemos no País. A população encontrou no SUS um caminho não só de atendimento, mas de enfrentamento à pandemia e a gente teria isso em ainda melhores condições com mais recursos. Esse SUS que prevê uma saúde complementar e suplementar privada, sendo o SUS o protagonista. Temos dado conta disso.

O Brasil tem um programa de imunização de vacinas e historicamente um programa muito aplaudido mundialmente de combate a DST e Aids. O SUS foi vanguarda em várias áreas, como as pesquisas em torno de vacinação e o sequenciamento genético na Covid-19. O que a gente precisa é fortalecer e alocar mais recursos pra esse setor público pra dar continuidade a esses avanços.

“A universalidade do SUS” também foi tema discutido em live do projeto Nova Saúde. Com apresentação da jornalista Eduarda Talicy e Gabriela Feitosa, os convidados Moacir Tavares, doutor em Saúde Pública pela USP; e Rafaela Pacheco, médica de família e comunidade, discutiram sobre o assunto:

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Outubro Rosa: o cuidado na rede pública

Por Marília Freitas

A persistência do diagnóstico precoce une-se ao atendimento às mulheres com câncer de mama na rede pública estadual de saúde. Estrutura deve garantir acesso pleno aos procedimentos no SUS e a suporte

Este mês tem um toque especial: a campanha do Outubro Rosa se concentra na identificação de alterações na mama com antecedência e mobiliza a população para a importância de tratar a patologia - recentemente o colo de útero também foi adicionado ao mote da campanha. Para isto, é necessário ter atenção com o corpo, autoconhecimento e um atendimento na saúde pública que garanta para as mulheres acesso aos cuidados e procedimentos.

Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam mais de 66 mil casos de brasileiras que desenvolverão câncer de mama em 2020. A patologia é a mais comum entre elas no País e é causada pela multiplicação desordenada de células mamárias. Raro antes do 35 anos, tem entre sintomas alterações na cor do mamilo e a assimetria da mama.

Os indícios foram percebidos por Meire Ferreira, acometida pelo câncer enquanto voluntariava pela causa. "Foi uma surpresa para mim", relembra. Ela fez todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e passou pela mastectomia. Atualmente curada, segue como presidente da Associação Cearense das Mulheres Mastectomizadas Toque de Vida e também organiza mobilizações realizadas ao Outubro Rosa, presentes no estado desde 2009. “Não é fácil, mas a cura vem se o tratamento for feito de forma correta”, reafirma.

A campanha reforça a importância da descoberta precoce: em seu estágio mais simples, a doença chega a ter índices de 95% de cura. Para viabilizar os procedimentos, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) segue as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil. Toda mulher brasileira, ainda sem sintomas, tem direito a realizar uma mamografia anual partir dos 40 anos no Sistema Único de Saúde.

A mamografia é a principal aliada no combate ao câncer de mama e deve ser um exame de rotina, gratuitamente solicitado no setor primário: em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Quando detectado mudanças no exame, seu atendimento deve garantido em até 60 dias após o diagnóstico na rede pública.

Na rede estadual, uma das unidades que realiza o procedimento é o Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC). De janeiro a dezembro de 2019, foram 1.968 mamografias realizadas gratuitamente no hospital e 3.463 consultas ambulatoriais. Equipes especializadas realizam o atendimento e mostram a estrutura de tratamentos disponíveis, de acordo com o grau da patologia.

Ainda conhecido como um tratamento invasivo, a realidade pode ser outra. As terapias disponíveis são diversas como hormonioterapia, quimioterapia, radioterapia, cirurgia e reconstrução mamária, procedimentos garantidos na rede pública de saúde pelo Estado e pelo Município. Policlínicas regionais no interior cearense, inclusive, facilitam o acesso das mulheres ao exame sem precisar de deslocamento para a Capital ou outras regiões mais distantes.

Mesmo com a gama disponível, o mastologista e diretor do HGCC Antônio de Pádua pontua a importância para o autodescobrimento dos nódulos, palpáveis ou não. “Os tratamentos avançaram. Mas queremos é que não precisemos utilizar toda essa gama. Queremos retirá-lo em uma cirurgia pequena e manter a estética da mulher”, afirma.

Para o especialista, o atendimento na rede pública é efetivo, mas a falta de comunicação entre postos de saúde e hospitais, por exemplo, ainda dificulta o acesso aos procedimentos e corrobora para a baixa cobertura mamográfica. “Temos que desburocratizar o acesso da paciente. A ideia é aproveitarmos qualquer motivo que leve a mulher ao posto e motivarmos a fazer a mamografia. Se ela for pegar um remédio, marcar uma consulta, é importante questionar se ela já realizou o exame. É uma grande medida de saúde”, comenta.

O cuidado não precisa ser solitário

Na rotina dos exames de mamografia, foi em 2017 que Marlene Alves percebeu algo diferente. Quando médicos e uma psicóloga vieram para conversar sobre o diagnóstico, naquele dia, foi quando veio à tona a descoberta do câncer de mama. Apesar do desafio em sua vida, viu no SUS a possibilidade de cura. Junto ao tratamento na rede pública, enxergou ainda um novo horizonte com a Associação Cearense das Mastectomizadas Toque de Vida.

Em meio aos fios no chão e o uso de máscaras, muito passou pela sua cabeça - inclusive, a morte. Mas o apoio compartilhado a ajudou a superar o momento. “Eu já conhecia o trabalho, mas eu achei que nunca fosse precisar da associação”, conta a agora voluntária. “Faço de tudo para dar aquele apoio que recebi no momento e passar para elas o que recebi: palavras de carinho, conforto e fé”.

A presidente da instituição, Meire Ferreira, destaca a magnitude de compartilhar experiências entre elas. “Quando a mulher está fazendo o tratamento no hospital, ela está só com pessoas doentes. Na instituição, é formada uma rede de amizade”, ressalta.

A titular também realizou todo o seu tratamento pela rede pública cearense e alerta para o porém do medo: de realizar o exame, de receber o diagnóstico e de iniciar o tratamento. “É aí onde nós chegamos e a convencemos de que ela tem que ir”, conta.

Após o tratamento pelo SUS, Marlene criou um olhar de carinho para o sistema público. A voluntária segue sendo acompanhada por mastologistas e oncologistas devido ao tratamento por hormonioterapia. "Fui muito bem assistida. Já fiz meus exames e, por enquanto, está tudo bem. Sigo linda e maravilhosa", conta aos risos.

A terapia hormonal dura de cinco a dez anos, sendo um dos avanços no tratamento e disponível gratuitamente. A retirada das mamas, conhecida como mastectomia, também é realizada na rede pública. Meire é mastectomizada, passou por oito sessões de quimioterapia e 28 radioterapias, tudo na rede pública.

Mesmo após anos do diagnóstico e da cura, uma coisa persiste: a amizade e a força de determinação delas para elas. “O câncer de mama não tem idade e nem dia. É muito importante quando descoberto a tempo. E para isso temos que ter a conscientização de que queremos o melhor para nós”, conta Marlene.

Os principais sintomas do câncer de mama são:

alteração na cor do mamilo;
vermelhidão na região; desvio ou inversão do mamilo;
alteração na assimetria da mama;
secreção transparente, rosada ou avermelhada.

“A prevenção do Câncer de Mama e a importância do autocuidado” foi tema discutido no projeto Nova Saúde no dia 13 de outubro. Com apresentação da jornalista Eduarda Talicy e participação da repórter Laís Oliveira, os convidados Luiz Porto, mastologista e coordenador do Comitê de Controle do Câncer no Ceará; e Fernanda Oliveira, psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia do Hospital Haroldo Juaçaba, comentaram sobre os cuidados:

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Entrevista com Carlile Lavor

Por Marília Freitas

O ex-secretário de Saúde e diretor da unidade cearense da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o médico Carlile Lavor avalia o panorama dos trinta anos do sistema universal e público de saúde brasileiro sob um olhar democrático e diante a pandemia do novo coronavírus

O mês de setembro marcou os 30 anos da Lei nº 8080/1990 que regulamentou em todo o País o Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema defende a universalidade do acesso à saúde de forma gratuita e abrange desde a rotulação de alimentos ao transplante de órgãos. A trajetória da rede pública de saúde do SUS é marcada pelo desfinanciamento, mas também por referência mundial em estrutura e atendimentos e pela consolidação de um sistema único: desencadeando em sua permanente defesa por parte dos brasileiros, conforme avalia dr. Carlile Lavor.

O POVO: O que define o SUS e quais seus principais gargalos?

Carlile Lavor: O SUS é um grande avanço para a sociedade brasileira: as pessoas têm direito à saúde, onde o Estado passa a ter uma responsabilidade com a população como um todo. A constituição de 1988 passou a ter um capítulo sobre saúde, porque antes havia a preocupação com a educação e, a partir da nova Constituição, a saúde também passou a ser uma preocupação do Estado. E ele define que esse sistema seja único para o Brasil inteiro.

O primeiro gargalo é que deveria ser feita uma lei regulamentando para dizer como que funcionaria o que a Constituição colocou. Isso foi feito de forma muito falha, pois um consenso feito pela Constituição foi se perdendo e começou a ter muitas descrenças dentro do Congresso Nacional. E a regulamentação da lei do SUS já se perdeu, foi feita apenas em parte. Uma das coisas importantes que não se definiu foi a fonte de recursos e como seria a aplicação deles. Então, falava-se que as populações mais pobres deveriam ter uma atenção maior, mas isso não foi regulamentado. Outra coisa que ficou falha foi o papel do Estado, dos Municípios e da União. Isso não ficou claro e foram feitas portarias. Muita coisa veio por portarias e não por leis, dificultando muita coisa, porque portaria muda.

O POVO: Quais as principais mudanças em relação ao Sistema Único nesses 30 anos?

Carlile: O principal ponto positivo foi a própria construção do SUS. Você partir de uma coisa que não existia, ou existia muito fragmentada. Havia a Previdência Social e o o Ministério da Saúde, dois ministérios diferentes. Um cuidava do tratamento e assistência ao doente, para aquelas famílias que tinham um contrato de trabalho oficial. E o Ministério da Previdência Social cuidava dessas famílias. Era um número pequeno de brasileiros quando comparado com a grande população, embora nos estados mais desenvolvidos como São Paulo, Rio de Janeiro, já uma parcela grande da população, tinha sua carteira assinada ou era funcionário público. Então, você juntar esses dois ministérios em uma coisa só, que foi o Ministério da Saúde que assumiu o SUS, foi um avanço muito importante. E depois os estados e municípios passaram a desenvolver mais seus sistemas de saúde.

Ainda precisamos melhorar muito. Precisamos ter mais qualidade no atendimento, é uma coisa importantíssima. As Unidades Básicas de Saúde e postos de saúde têm, hoje, 40 mil equipes de saúde da família: médicos, enfermeiras, dentistas e outros. Mas apenas 2 mil destes profissionais têm especialização para o atendimento. A grande maioria dos médicos que está nos postos de saúde não teve a formação completa, não fez a residência. A medicina especializada conta com bons profissionais, você tem hospitais nos mais altos níveis no Brasil. Mas os centros de saúde, que atendem à grande massa da população, tem uma deficiência grande na qualificação dos profissionais. Isso é um dos pontos que vejo centrais, como uma coisa que devemos atuar de maneira mais rápida.

O POVO: Qual a justificativa para o SUS ter um déficit histórico em seus orçamentos públicos?

Carlile: O SUS foi criado em 1988 e houve essa regulamentação em 1990. Essa regulamentação não há fonte de recursos, nem de onde viria esse dinheiro, nem quem aplicaria - se Município, Estado ou União - e depois veio a lei que dizia que os estados devem aplicar 12%, municípios 15%... mas não disse como distribuir. Uma coisa é o município rico, que aplica 15% de seu orçamento na saúde. Outra coisa é um município pobre, que 15% significa quase nada, dependendo do apoio do Estado e da União. Isso não ficou definido e você tem hoje uma desigualdade muito grande: municípios com um bom sistema de saúde e outros municípios com sistemas muito pobres de saúde. É uma fragilidade muito grande. E aí fica bem inferior do que os municípios mais ricos.

O POVO: O setor primário é a forma mais viável na rede pública de atender grande parte das necessidades da população brasileira. Qual o cenário atual deste setor no país?

Carlile: De 400 mil médicos no Brasil, 360 mil estão na medicina especializada e o restante está na atenção primária, que são os médicos de família. Os da medicina especializada são bem formados: fazem a especialização, fazem a preparação adequada. Os 40 mil que estão na atenção primária ganham pouco, o salário é pequeno e não há tanto estímulo. Começam recém-formados, que não estão devidamente preparados e não passaram pela especialização para fazerem seu trabalho. Então, você tem um serviço de baixa qualidade, não atendem às necessidades, não fazem as prevenções que deveriam ser feitas. A grande maioria dos casos de hipertensão podem ser tratados nos centros de saúde, mas não recebem o tratamento devido. São problemas que se agravam e que vão tornar mais caro o atendimento no hospital especializado que poderia ter sido tratado de maneira mais simples e mais barata no sistema primário.

O POVO: Qual é o SUS que não conhecemos?

Carlile: Um ponto específico do SUS é que tudo está na base da vigilância. E isso já avançou no Brasil, a exemplo do coronavírus. Você sabe, por dia, quantos doentes foram acometidos em cada município, a idade... a vigilância foi uma coisa que cresceu bastante no Brasil, referindo-se à vigilância epidemiológica. Já a vigilância sanitária, você sabe hoje informações sobre os alimentos que estão rotulados. Quando se compra alguma coisa no supermercado, sabe-se quanto tem de sal, de gordura, uma preocupação da vigilância sanitária.

Mas tem algumas coisas que não caminharam, como o abastecimento de água. Você ainda tem pessoas na área rural onde parte da população não tem água tratada, de qualidade. E se tratarmos de esgoto, ainda vemos as nossas coleções de água ainda muito contaminadas, com os esgotos correndo sem tratamento. Tivemos, agora, a lei que obrigada em determinado prazo todos os municípios a ter esse sistema de cuidado com o lixo e esgoto. Mas isso é muito recente.

O POVO: Como você avalia a resposta do sistema público de saúde no Brasil à pandemia do novo coronavírus?

Carlile: Muitos especialistas avaliam que, se não fosse o SUS, seria um desastre. Realmente, o fato de existir um sistema onde você tem União, estados e municípios, é um avanço muito importante. Você ter hospitais públicos, UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo), ter todo um sistema de vigilância epidemiológica que identificou quantos doentes existem em cada lugar, como está essa mortalidade. É uma coisa importante de saber. Isso foi um grande avanço. Se não tivéssemos tido, você imagina como é que a gente iria ter tido conhecimento da evolução da doença, de saber a gravidade e de como ela estaria se disseminando. Hoje existe uma estrutura de atendimento a saúde. Claro que os hospitais não foram suficientes, teve a necessidade de criar hospitais de campanha, mas já havia uma rede hospitalar. O que houve foi um aumento, mas uma coisa é você aumentar e outra coisa é você criar uma rede nova. Outra coisa é o sistema de tratamento intensivo, as UTIs. Também já existia, mas teve que fazer a ampliação. Do mesmo modo: é mais fácil ampliar do que criar, se não existisse o SUS. É uma diferença grande.

O POVO: Como garantir a sustentabilidade do SUS de forma democrática?

carlile: É uma discussão que temos que manter permanentemente. A sociedade é muito desigual, a democracia ainda não avançou tanto, a escolaridade da população ainda falta muito. Isso dificulta a escolha dos eleitos e políticos que serão eleitos. A desigualdade da renda também é um fator, então, o Sul e o Sudeste brasileiro têm diferenças muito grandes em relação a Norte e Nordeste. As pessoas terminam votando sem cuidado, e isso é essencial para a democracia em um nível de educação das pessoas.

O Brasil valoriza muito pouco o que se discute no legislativo, que é quem faz as leis. O que tá acontecendo no Congresso Nacional ou nas câmaras de vereadores? São deputados, senadores e vereadores que fazem as leis que precisam regulamentar o SUS. É uma luta permanente, aproveitar cada eleição para discutir o que é o sistema, como ele deve ser e o que o vereador tem a ver. Discute-se muito pouco: quantos candidatos estão discutindo o SUS, como deve ser esse recurso e esse sistema? Como deve ser o funcionamento das redes básicas de saúde?

Prevenção do Câncer de Mama: uma convocação ao autocuidado

Por O Povo

Heloisa Magalhães, médica mastologista e doutora em oncologia.

Iniciamos o mês de outubro, neste ano tão atípico, com uma campanha do Outubro Rosa ainda mais relevante. Iniciado na década de 1990 nos Estados Unidos, e rapidamente adotado globalmente, o movimento Outubro Rosa tem como objetivo conscientizar a população sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama, com sua cor rosa sendo símbolo e homenagem às mulheres vítimas da doença. O câncer de mama é a neoplasia que mais acomete mulheres no Brasil e no mundo, excetuando-se os tumores de pele não-melanoma. Representa ainda a principal causa de óbito por câncer no sexo feminino globalmente.

No Brasil, O INCA estimou que 66.280 novos diagnósticos de câncer de mama sejam firmados em 2020. Além do desafiador número crescente de casos, há o relevante impacto da redução do rastreamento no decorrente ano por conta da pandemia de Covid-19. Conforme dados do Ministério da Saúde, houve uma queda de 44% na realização de mamografias de janeiro a agosto de 2020, comparando-se com igual período de 2019. Sendo assim, o Outubro Rosa traz este ano o desafio adicional de resgatar mulheres que se encontram com seus exames atrasados, para que o diagnóstico mais tardio, quando o tumor já é palpável, seja evitado.

A campanha atual da Sociedade Brasileira de Mastologia reforça a celebração da vida, afinal, uma vez diagnosticado precocemente, o câncer de mama é majoritariamente curável. Convocamos, portanto, as mulheres para o autocuidado, aqui representado pela realização da mamografia anual a partir dos 40 anos, e atitudes de prevenção, como alimentação saudável e atividade física. Além disso, incentivamos o autoconhecimento e, ao se notar alguma anormalidade nas mamas, como nódulos palpáveis, retração de pele, aréola ou mamilo, ou ainda secreções espontâneas pelo mamilo, que a mulher prontamente procure um especialista.

O tratamento do câncer de mama tem se atualizado em velocidade impressionante. As técnicas cirúrgicas estão progressivamente menos mutiladoras, através, por exemplo, das adenomastectomias (retirada da mama com preservação da pele, aréola e mamilo); reconstrução mamária imediata (no mesmo ato da retirada da lesão) e restrição maior das indicações da linfadenectomia axilar radical.

No campo da oncologia clínica, os maiores avanços foram na terapia-alvo e na imunoterapia, com novas possibilidades terapêuticas impactando a expectativa de vida das pacientes. Grande avanço foi ainda observado na oncogenética, diagnosticando-se síndromes hereditárias associadas ao câncer de mama de forma mais acessível, o que nos permite prevenir de forma eficaz, nesta população específica, o surgimento de novos tumores. No campo da radioterapia, incorporamos de forma sistemática o hipofracionamento, que reduz o número de sessões sem perdermos a segurança oncológica. Enfim, há muita vida após o diagnóstico de câncer de mama, e, como bem fala o lema da campanha do Outubro Rosa: “Quanto antes, melhor!”