Da utopia à plenitude da irreverência

Banda Mamonas Assassinas foi símbolo de libertação, alegria, extravagâncias e, infelizmente, sinônimo da primeira dor de uma geração que ainda não estava acostumada com o adeus

Por Rubens Rodrigues

Utopia. Foi assim que eles se apresentaram pela primeira vez. Na época, ainda faziam covers de sucessos do rock nacional. Cinco anos depois adotaram o nome Mamonas Assassinas e, com o lançamento do disco autointitulado, em junho de 1995, o grupo se tornou um fenômeno da cultura pop. O álbum vendeu mais de 3 milhões de cópias - 25 mil só nas primeiras 12 horas após a estreia nas rádios.

A banda liderada pelo vocalista Alecsander Alves, o Dinho, virou um ícone para jovens e crianças, que se encantaram com o visual fantasioso e musicalidade cheia de referências aos estilos genuinamente brasileiros. O álbum mistura o brega com forró e até hard rock, parodiando canções dos Beatles, The Clash, The Cure e sátiras a nomes nacionais como Belchior e Jô Soares. A geração que cresceu durante os anos 1990 acompanhou a ascensão meteórica e o fim repentino do grupo.

No próximo dia 2 de março completa 20 anos do acidente que matou todos os integrantes do grupo. O POVO lembra a data com o especial transmídia que celebra os nove meses de atividade da banda, lembrando os fatos que marcaram o período.

"Meu docinho de coco! Music is very porreta! (Oxente Paraguai!)"

Pelados em SantosCompositor: Dinho

Para os estudiosos da música, a maior contribuição dos Mamonas foi desconstruir os “limites” estabelecidos na música brasileira, principalmente depois da Bossa Nova, como lembrou o musicólogo e sociólogo Mário Tadeu Siqueira Barros. “Eles começaram a brincar com as referências e ver o brega como algo sério e o sério como algo brega”, aponta.

Professor de História da Música Contemporânea e Música no Séc. XX, na Universidade Estadual do Ceará (Uece), Siqueira Barros, explica que os Mamonas se lançaram num mercado em que tudo era mais permitido. “Nos anos 60 os roqueiros sofriam uma série de consequências, como os próprios Mutantes, alvos de muito patrulhamento e moralismo. Os Mamonas são uma expressão de um ambiente novo para a época, mais liberto e livre dessas referências. Os compositores gozaram de uma liberdade que ainda não existia nas décadas anteriores”.

Para a jornalista Luciana Gifoni, mestre em música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), a performance e as letras, moldadas pela “comicidade escrachada”, foi um dos fatores primordiais para a conquista do público. “Lembro que na época, quase ninguém da escola tinha ouvido falar ainda nos Mamonas, até que um amigo chegou com as músicas e nós decoramos todas as letras em menos de uma semana. Eles conquistaram as crianças e os adolescentes com o humor, e o público mais adulto com as referências musicais mais antigas, como Belchior. A proposta era diferente de tudo”.

"Abra sua mente Gay também é gente Baiano fala "oxente" E come vatapá"

Robocop GayDinho e Júlio

Tadeu Siqueira explana ainda que a linguagem usada pela banda compreende perfeitamente a cultura de massa. “Eles batiam na consciência de todas as classes e faixas etárias, como Raul Seixas fez, o que é um fenômeno raro no Brasil. Brincavam com temas consagrados, eram muito fortes em subverter a musicalidade estabelecida”. Para o sociólogo, os aspectos trabalhados, como imagem, postura de palco e musicalidade, não podem ser vistos separadamente. “É uma coisa só. É um fenômeno único nesse aspecto”.

O dia em que o Castelão tremeu com uma certa Brasília Amarela

Cerca de seis mil pessoas viram o grupo no Castelão - número pequeno para o estádio, porém não menos agitado e elétrico do que dia de clássico-rei

Em apenas nove meses de turnê, os Mamonas Assassinas visitaram quase todos os estados brasileiros. Em dezembro de 1995 foi a vez dos fortalezenses. Cerca de seis mil pessoas viram o grupo no Castelão - número pequeno para o estádio.

 

O analista de sistemas Luiz Edivam Carvalho, de 40 anos, foi ao show com os primos e os tios - todos fantasiados. “Eu fui fantasiado de He-Man. Lembro que a gente ficou esperando no portão com muita ansiedade. Foi uma loucura quando os portões abriram, a gente conseguiu ficar bem na frente. Foi alucinante. Eles tinham uma força que era transmitida para todos que estavam ali. Foi um dos melhores shows da minha vida”.

Luiz, que tinha 20 anos na época, diz que o que mais marcou foi, logo no começo do show, o vocalista subiu ao palco com fogos de artifícios que saíam de um aparelho acoplado nas costas. “Eu era alucinado pelos Mamonas, como todo mundo na época. Eu me fantasiava com meus primos como eles. Nós fizemos um cover do grupo na noite de Natal, na casa da minha tia”.

A publicitária Arenusa Goulart, 29, viu os Mamonas ainda na infância, aos 9 anos de idade. “Eu era muito fã e quando fiquei sabendo do show pedi logo à minha mãe. A gente ficou um pouco longe, mas lembro bem das pessoas descendo das arquibancadas para ficar mais perto do palco”, relembra. “A gente cantava junto porque eles eram muito animados, tinham carisma e também pelas cores. Lembro que fiquei muito exposta a isso, mas longe de ver o duplo sentido que as músicas tinham”, continua.

A PRIMEIRA DOR DE UMA GERAÇÃO

Arenusa conta que o domingo que seguiu a morte dos rapazes ficou marcado pela notícia. “Eu fiquei chocada. A lembrança mais forte é da minha mãe chegando em casa, do supermercado, e a preocupação dela era saber se eu estava chorando, se eu estava bem depois da notícia”.

O acidente aconteceu às 23h56min de sábado, 2 de março de 1996, depois de um show no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. O avião colidiu com a Serra da Cantareira, Zona Norte de São Paulo. No domingo, mães e pais receberam a missão de contar aos filhos sobre a morte dos jovens - todos entre 22 e 28 anos. O fato ressoou na mídia nos dias que seguiram. Cerca de 100 mil pessoas acompanharam o velório dos Mamonas.

Discografia Mamonas Assassinas

 

A banda, inicialmente conhecida como Utopia, foi formada em 1990. Sua trajetória foi marcada por dois álbuns:

A Fórmula da Fenômeno
O disco independente foi gravado entre 1991 e 1992, enquanto o grupo ainda se chamava Utopia. O lançamento ocorreu em 1992. O álbum possui 13 faixas.

"Funk White"
"Em Algum Lugar"
"Joelho"
"Outro Lado Da Vida"
"Horizonte Infinito"
"Vento Frio"
"Utopia II"
"Venha Comigo"
"Loucas Idéias"
"Qual A Distância"
"Inconsciência"
"Mina (Minha Pitchulinha)"

"Funk White (As Idéias)"

Mamonas Assassinas
Único álbum oficial de estúdio lançado pela banda. O álbum, com lançamento em 1995, vendeu mais de três milhões de cópias. Ele recebeu a certificação de Disco de Diamante, de acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD). O álbum possui 14 faixas.

1. "1406"
2. "Vira-Vira"
3. "Pelados em Santos"
4. "Chopis Centis"
5. "Jumento Celestino"
6. "Sabão Crá Crá"
7. "Uma Arlinda Mulher"
8. "Cabeça de Bagre II"
9. "Mundo Animal"
10. "Robocop Gay"
11. "Bois Don't Cry"
12. "Débil Metal"
13. "Sábado de Sol"
14. "Lá Vem o Alemão"

A partir de 1998, foram lançadas algumas coletâneas e cd’s ao vivo:

Coletâneas:
Atenção, Creuzebek: a Baixaria Continua! - 1998
Série Retratos: Mamonas Assassinas - 2004
One: 16 Hits - 2009
Pelados em Santos - 2011

Ao Vivo:
Mamonas Ao Vivo - 2006

Podcasts

3:20

Adriano Uchoa e Alexandre Lima - Os Alfazemas - falam sobre os Mamonas Michel Victor Queiroz Jornalista do O POVO

3:20

Sabe cantar o Vira Vira? Ouça versão instrumental da música e solte sua voz! Mamonas Assassinas Vira Vira

O último voo

O precoce adeus aos Mamonas...

Por Luana Bastos
Foi em uma noite de sábado, dia 2 de março de 1996. A banda brasileira mais irreverente dos anos 1990 deixou uma legião de fãs. Um acidente aéreo na Serra da Cantareira, em São Paulo, fez com que o Brasil desse adeus à banda Mamonas Assassinas.

A aeronave Learjet modelo 25D, prefixo PT-LSD, levava os integrantes da banda: Dinho, que faria 25 anos dali a três dias, os irmãos Samuel (que faria 23 anos no dia 11 de março) e Sérgio, Júlio e Bento. Além do piloto, o co-piloto e dois assistentes dos artistas, Isaque Souto, primo de Dinho, e Sérgio Saturnino Porto, segurança do grupo. Eles seguiam de Brasília para Guarulhos.

Eles estavam no auge. Naquele ano, o grupo alcançou a fama e conquistou o certificado de disco de diamante, com mais de 3 milhões de cópias vendidas com o álbum Mamonas Assassinas, lançado um ano antes.

Foram nove meses de muitos shows pelo Brasil até que o acidente colocou fim ao sonho dos meninos paulistas.

Mistura pop + brega, a cada apresentação eles apresentavam algo diferente

20 anos depois as memórias seguem presentes

Valéria Zoppello, namorada de Dinho na época do acidente, falou da relação com o vocalista

Em uma entrevista cedida a revista “Veja”, Valéria Zoppello, namorada de Dinho na época do acidente, falou da relação com o vocalista: como se conheceram, como mudou toda a sua rotina para acompanhar o grupo e como reagiu ao saber do acidente.

Valéria, hoje com 42 anos, é fotógrafa e proprietária de uma agência de produção de elenco em São Paulo. Ela vive na mesma serra onde Dinho e seus amigos morreram.

Ela conheceu Dinho em um bar, na Serra da Cantareira quando tinha 21 anos e ele 24. Na época namorava outro rapaz e não tinha olhos para aquele que, no bar, ocupou o espaço do DJ e começou a cantar, conquistando aplausos e gritos da plateia. Mas Dinho não desistiu. “Ele me acompanhou até em casa e não queria ir embora até que eu o beijasse.”

Quando se viu apaixonada modificou toda a sua vida: largou a faculdade de veterinária, mudou a rotina da sua carreira de modelo e sempre estava com a banda nas turnês. Ela o acompanhava em todas as ocasiões: shows e entrevistas.

“Eles estavam vivendo o melhor momento da vida deles”, afirmou Valéria.

Em 2 de março de 1996, dia do acidente, Dinho ligou para Valéria. De dentro do avião, ele afirmou que chegaria em uma hora e quarenta minutos.

No dia seguinte, tinham planos de viajar para Portugal para divulgar o disco e depois entrariam de férias.

Na ligação, aproveitou para pedir que a namorada arrumasse as malas e, como sempre, o acompanhasse na turnê, além de buscá-lo no aeroporto. Ela foi com os pais do cantor.

“O avião estava atrasado, eu comecei a ficar agitada, o pai do Dinho também”, disse. “Foi confuso, não tenho certeza do que aconteceu a partir daí.”

Preocupada, Valéria foi até a torre de controle para pegar informações sobre um avião pequeno que acabava de pousar no aeroporto, queria confirmar se era o utilizado pela banda. Os funcionários negaram.

“Eu me lembro de ver ele [um funcionário] anotando um endereço na Serra da Cantareira.” Ela então ligou para os bombeiros, que disseram que havia uma explosão no local. “A gente concluiu que o avião tinha caído, foi um desespero.”

O namoro durou cerca de oito meses, mas o vínculo com a família do músico se mantém. "É família, né, vai ser pra sempre”, afirmou.

Até hoje, a paulistana guarda as cartas que recebeu depois da morte de Dinho. Algumas ainda estão seladas. Às vezes, abre uma e lê.

Bg Mamonas