Preocupação de todos

Por Adailma Mendes

Ver educação como base para o desenvolvimento de uma sociedade melhor é ponto de consenso. No Brasil, vários momentos foram decisivos para se chegar aos moldes educacionais de hoje. Dentro do universo da educação básica, as adaptações seguem acontecendo, algumas para melhor acesso de todos a conhecimento e outras controversas frente a avanços já alcançados no país. No campo de apoio para a melhoria da educação entram instituições públicas e privadas. Muitas empresas já entenderam a importância de contribuírem, também de forma direta, para a oferta de mais formação intelectual e profissional à população. Conheça neste especial alguns exemplos de sucesso.


Educação em sua amplitude

Desenvolver uma sociedade requer mais que o conhecimento adquirido de maneira formal. A educação abre caminho para a consciência acerca da ética e dos demais códigos de conduta que proporcionam bem-estar coletivo

Por Paulo Emanuel Lopes

Incorre em erro quem supõe que o termo educação restringe-se ao ambiente escolar formal. É o que aponta, por exemplo, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, que a define como “conjunto de normas pedagógicas tendentes ao desenvolvimento geral do corpo e do espírito”. Esse benefício pode contribuir inclusive com a construção de uma sociedade melhor. É o que defende a professora Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca, diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced/UFC).

 

Doutora em Educação, a docente explica que o ato de educar não pode ficar limitado à formação escolar e envolve questões mais amplas, como oferecer bons exemplos aos filhos. “No momento em que toda a sociedade compreende sua importância, valoriza a educação que o filho está recebendo e o profissional responsável, a sociedade

vai se modificando e criando um convívio mais harmonioso, que gera desenvolvimento.” Esta análise, no entanto, não implica em subvalorização da escola, complementa, já que “as pessoas que têm acesso a uma educação de qualidade têm melhores condições de atingir seus objetivos, seus sonhos, suas expectativas”.

 

Essa possibilidade de mudança de vida via escolaridade pode ser observada por histórias de alunos que são os primeiros na família a frequentar uma faculdade. “São pessoas que tiveram suas vidas melhoradas. Tiveram um professor ou alguém da família que as estimulou e elas foram mais longe”, explica.

 

Todos pela educação

Uma das consequências práticas resultantes do investimento educacional está na construção de uma sociedade mais segura, aponta Maria Isabel. Para a professora universitária, muitos jovens estão envolvidos com a violência por estarem fora do sistema de educação formal. “Eles perderam a perspectiva de estudo dentro da escola, e acreditaram que, nesse caminho, teriam uma ascensão mais rápida ao dinheiro.”

 

Entre as razões para essa perda de perspectiva está o processo de alfabetização e acompanhamento escolar, que vem deixando a desejar no Brasil, argumenta a docente. "A criança que vai passando de ano sem ter aprendido a ler vai

começando a perder o interesse pela escola. Vai haver um momento em que ela vai abandonar a escola. Agora, se a escola é estimulante, se promove uma mudança de vida, uma perspectiva positiva, se há uma socialização sadia, essa criança não vai deixá-la. Há perspectiva de quando sair conseguir um emprego, fazer uma faculdade, ou seja, outra visão da vida."

 

Essa mudança de paradigma, momento no qual a educação alcançará o destaque necessário, ainda é uma realidade distante em nossa sociedade, acredita Maria Isabel. “Em sociedades mais desenvolvidas, você percebe que toda a população se compromete com a educação. Compromete-se a garantir tanto o acesso como a sequência educacional, estimular a criança em casa a fazer tarefas, oferecer situações de aprendizagem... É necessária ainda toda uma mudança de pensamento até atingirmos um patamar ideal”, analisa.

 

Experiência humana

A educação é um processo inerente à experiência humana. Embora o acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade seja um direito, a educação está para além dessa dimensão. É por meio da educação de qualidade que as pessoas constroem seus valores, códigos morais e ética, sendo por isso tão valorizada em termos coletivos, explica o pesquisador Gleidson Vieira, mestre e doutorando em Antropologia pelo Departamento

de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

“Eu gostaria de chamar a atenção para duas dimensões dessa longa experiência, aspectos

os quais, essencialmente, distinguem o homem de outros animais. A primeira consiste na

capacidade de manejar objetos, o que resvalou na capacidade de criação, possibilitando ao

homem o desenvolvimento do seu aparato biológico, e contribuindo para o desenvolvimento

do pensamento cognitivo. Como segunda, além da criação, o homem desenvolveu a capacidade de retenção e repasse do que foi criado. Portanto, do ponto de vista antropológico, a experiência humana é cumulativa, está calcada e só se efetiva por meio da educação”, explica Vieira.

 

O antropólogo defende que, em relação à construção de uma sociedade melhor, e a partir da compreensão de que o homem é um animal sociocultural, a importância da educação atinge seu ápice nos processos de aprendizagem mais básicos. “Diante desse entendimento, compreendo ser a educação primordial, sobretudo para as classes sociais menos favorecidas. Posto que tais segmentos sociais não dispõem de outras estratégias de mobilização dos saberes historicamente construídos, tais como museus, teatros, bibliotecas particulares, mestres personalizados”, complementa.

 

A educação e o poder público

Segundo a Constituição Federal de 1988, educação está elencada no rol de direitos e garantias fundamentais que devem ser perseguidos pelo Brasil (artigo 6º). Ainda de acordo com a Carta Magna (artigo 211º, § 2º), municípios devem atuar “prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar”, e os Estados e Distrito Federal, “no ensino fundamental

e médio” (§ 3º). Diante dessa responsabilidade constitucional, a coordenadora de Gestão

Pedagógica da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc), Iane Nobre, valoriza

os investimentos realizados pelo governo estadual nos últimos anos, em especial o direcionado ao ensino integral e profissional.

 

“As escolas cearenses de ensino médio têm investido na formação integral do estudante, em suas diversas dimensões: cognitiva, estética, física, social e afetiva. Além disso, a integração do ensino médio à educação profissional tem como princípio o desenvolvimento

de jovens conectados com a conjuntura econômica e social do mundo globalizado”, avalia Iane. A rede de educação pública estadual conta hoje com 724 escolas, reunindo cerca de 450 mil alunos, e contou com orçamento de R$ 2,8 bilhões em 2018

 

Em termos federais, segundo o Censo da Educação Superior de 2017 – último disponível e produzido pela Diretoria de Estatísticas Educacionais (DEED), órgão ligado ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – o Brasil possui

2.448 instituições de Educação Superior em atividade no Brasil - 87,9% dessas na esfera

privada. Em relação ao número de estudantes matriculados, o sexo feminino predomina

em ambas as modalidades de ensino. A rede privada recebeu 92,4% do total de 8,3 milhões de matrículas na educação superior registradas em 2017.

 

Educação para transformar o mundo

Com o desejo de contribuir positivamente com o futuro de crianças e adolescentes de baixa renda, empresas privadas dedicam-se a projetos voltados para educação. Conheça ações realizadas no Ceará

Por Joyce Oliveira

A educação é base fundamental para o desenvolvimento do ser humano, e ter acesso a um ensino de qualidade é direito de todos. O estímulo ao conhecimento contribui, ainda, para a evolução social. Para muitas crianças e adolescentes brasileiros, que moram em regiões de vulnerabilidade social, a oportunidade de estudar e ter auxílio escolar adequado veio graças a iniciativas de empresas privadas, seja pela criação de instituições de ensino ou

pela contribuição financeira para ONGs que realizam essas ações.

 

Aplicação de atividades extracurriculares e reforço escolar são algumas ações que, em geral, empresas brasileiras que decidem investir em educação oferecem. A semente da educação, plantada dia após dia, contribui de forma positiva na vida de centenas de crianças e adolescentes de baixa renda. Além disso, o envolvimento em atividades como dança, música e teatro faz com que pequenos e pequenas consigam desenvolver talentos para diversas áreas. 

 

A Fundação Bradesco, criada há 62 anos com o intuito de promover inclusão e desenvolvimento social por meio da educação, é um exemplo de frente empresarial de apoio ao ensino. Após lançar sua primeira escola em Osasco, São Paulo, em 1956, hoje o grupo já reúne 40 escolas próprias, distribuídas em 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Uma das empresas pioneiras em investimentos social e privado no Brasil, a instituição conta com programas educacionais voltados à educação formal nos níveis básicos e profissionalizantes. 

 

No Nordeste, 28 mil alunos distribuídos em 13 escolas fazem parte da fundação. No Ceará, a instituição possui uma escola em Caucaia, a 18 quilômetros de Fortaleza. Além das tradicionais salas de aulas e biblioteca, as escolas da Fundação contam com laboratórios de informática e ciência, aulas de arte e cultura, saúde escolar, áreas esportivas, áreas de recreação, alimentação e momentos de atividades práticas que incentivam a sustentabilidade. 

 

Os alunos de educação básica recebem de forma gratuita material escolar, uniforme, alimentação e assistência médica e odontológica. Projetos educacionais também fazem parte da vida dos estudantes, como atividades voluntárias educativas. 

As escolas são instaladas prioritariamente em regiões de vulnerabilidade socioeconômica. Por ter o objetivo de promover a inclusão social por meio da educação, nove em cada dez alunos são das comunidades nas quais a fundação atua. Os alunos restantes são filhos dos funcionários da Organização Bradesco. 


Educação gratuita e de qualidade 

A escola de Aplicação Yolanda Queiroz, criada em 1982, é “casa” para muitas crianças. As aulas da instituição começam na série infantil cinco e seguem até o 5° ano do Ensino Fundamental. De acordo com o professor Randal Pompeu, vice-reitor de extensão e comunidade universitária da Universidade de Fortaleza (Unifor), a escola foi criada com o objetivo de promover a educação de crianças oriundas da comunidade do Dendê, circunvizinha ao campus da Universidade. “A escola atende até 500 crianças de 5 a 12 anos. Metade dos alunos é formada por filhos de moradores das comunidades circunvizinhas ao campus da Unifor e a outra metade é formada por filhos de funcionários da Universidade de Fortaleza”, pontua. 

 

Mais de dez mil crianças já passaram pela escola, conta Pompeu, que destaca que a Fundação Edson Queiroz é a mantenedora desse projeto por enxergar a ação como um papel relevante para a comunidade. A matriz curricular da escola, além de atender os componentes curriculares básicos, com disciplinas de português, matemática, ciências, história e geografia, promove aula de informática educativa, literatura infantil, educação física, inglês, musicalização, filosofia e arte.

 

Mobilização no sertão nordestino

A falta de recursos para uma vida digna no sertão nordestino fez com que um grupo de amigos, liderados por Alcione Albanesi, mobilizasse-se para ajudar pessoas que moravam em regiões que sofriam com a miséria, em 1993. Com o passar do tempo, o grupo adotou o nome Amigos do Bem. Para levar educação, alimento e serviços de saúde para as famílias, a iniciativa passou a ir à busca de recursos financeiros. Hoje, conta com doações de empresas privadas e pessoas físicas para sustentar os inúmeros projetos. Ao todo, mais de 100 mil pessoas são beneficiadas – por mês, são atendidas 60 mil. 

 

A instituição não governamental e sem fins lucrativos possui quatro Cidades do Bem, localizadas em Alagoas, Ceará e Pernambuco (com duas unidades). Na área da educação, o grupo realiza ações que incentivam mais de dez mil crianças e jovens a terem acesso à educação. Para ajudar nesse processo, há um ônibus, disponibilizado pelo grupo, que leva pequenos e pequenas de 118 povoados para os centros de transformação das quatro Cidades do Bem, onde têm acesso a aulas de reforço escolar e atividades extracurriculares, como aulas de dança, inglês, teatro e esportes. 

 

Com o apoio de nove mil voluntários, os centros contam com 25 salas de aulas, bibliotecas, quadras poliesportivas, parque infantil e refeições gratuitas. Embora os avanços sejam grandes, desde o início da instituição, os organizadores do projeto ainda se preocupam com a falta de recursos. Contudo, o desejo de modificar o caminho da população é maior que as dificuldades diárias. “Entendemos que o caminho para a transformação é investir na educação e em projetos de geração de trabalho e renda. Só assim iremos mudar a realidade de miséria e abandono no sertão nordestino”, pontua Alceu Caldeira, diretor institucional dos Amigos do Bem. Além das doações, a instituição possui projetos próprios que são geradores de emprego e renda, como plantação de caju. A safra é vendida para supermercados e o dinheiro adquiro retorna para os projetos.

 

Nunca é tarde para começar

Entenda como a Educação de Jovens e Adultos pode resgatar direitos e fortalecer a cidadania. Ação desenvolvida pela Aço Cearense vem mudando vidas de colaboradores

Por Sara Cordeiro

No Brasil, o abandono escolar ainda é uma realidade. No âmbito atual, o desafio não é apenas ter os alunos na escola, mas garantir que eles permaneçam nas salas de aulas. Segundo levantamento do Governo Federal, entre os anos de 2014 e 2015, 12,7% dos alunos matriculados no 1º ano do ensino médio e 12,1% dos alunos matriculados no 2º ano abandonaram a escola. 

 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números da evasão chegam a 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos, sendo que 52% deles não concluíram sequer o ensino fundamental. A taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais atingiu 7%, em 2017. Entre os jovens mais pobres, a taxa é três vezes a da média nacional.

 

No país, o número de jovens que deixam a escola sem concluir os estudos ainda é grande se comparado a outros países da América Latina, como Uruguai, um dos que possui menores taxas de analfabetismo no mundo, com 98,5% da população alfabetizada. Em 2016, a economia do nosso vizinho sul-americano registrou um aumento de 1,5% no seu Produto Interno Bruto (PIB), chegando ao 14º ano consecutivo de crescimento.

 

Para a socióloga e professora adjunta do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Célia Brito, vários são os motivos que levam os jovens a desistirem da escola como gravidez na adolescência, troca dos estudos por trabalhos precários e desigualdade social. “Apenas 2% das meninas que engravidam voltam a estudar e, em zonas rurais do Brasil, a precariedade do local faz com que o deslocamento seja difícil, além de algumas crianças não terem o que comer. Muitos preferem procurar emprego para ajudar os pais”, pontua.

 

Célia, que também é professora de Educação de Jovens e Adultos (EJA), fala como esses aspectos impactam diretamente em uma geração que entrará no mercado de trabalho com o grau básico de educação comprometido. “Pessoas com maior instrução possuem mais chances no mercado de trabalho. Uma sociedade com baixa escolaridade pode ser afetada diretamente no âmbito econômico”, afirma.

 

A docente cita a importância do trabalho do EJA, focado em jovens e adultos que não concluíram os estudos na idade correta para o desenvolvimento do país. O modelo de ensino desenvolvido pelo pedagogo pernambucano Paulo Freire em 1963, no Rio Grande do Norte, reformulou a modalidade de ensino quando conseguiu alfabetizar 300 pessoas em idade adulta em um período de 45 dias. “Dar a essas pessoas uma nova oportunidade é devolver a elas algo fundamental e constitucional, que é a educação.” Célia observa, ainda, a devolução da cidadania a brasileiros que, por força maior, precisaram abandonar a escola.

 

A professora explica que qualquer pessoa que tenha abandonado a escola e deseje retornar os estudos pode ingressar no EJA, sendo necessários dois anos para a conclusão do ensino fundamental e 18 meses para a conclusão do Ensino Médio. “Antes, ele se sentia fora por não ter um certificado, pois vivemos em uma sociedade onde é primordial fazer uso da leitura e escrita”, aponta. Célia argumenta que educar é empoderar o sujeito, fortalecer seu protagonismo social e força importante para com as ações que levam ao resgate desse direito.

 

No ensino fundamental, são oferecidas as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Inglês, Artes e Educação Física. Já no ensino médio, as matérias que o aluno estudará são Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Química, Física, Sociologia, Filosofia, Inglês, Artes e Educação Física.

No Ceará, a empresa metalúrgica Aço Cearense tem como ação social o projeto EducaAço. Com aulas em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) e Serviço Social do Comércio (Sesc), o projeto é voltado para seus colaboradores que não concluíram os ensinos fundamental e médio.

 

Raquel Sales, analista de Recursos Humanos (RH) da Aço Cearense, conta que a ação surgiu em 2013 com a necessidade de reduzir o déficit de mão de obra e qualificar os funcionários para se alinhar com a expectativa do mercado. “Com novas tecnologias surgindo, passaram a aparecer novas demandas e precisávamos aumentar a escolaridade dos colaboradores para que eles pudessem contribuir com o crescimento da empresa”, aponta.

 

Segundo a analista, um dos primeiros passos foi segmentar o perfil desses funcionários. “Alguns abandonaram os estudos no ensino médio, outros ainda nem eram alfabetizados. Quando mapeamos cada um de acordo com a sua carência, foi possível organizar as turmas.” A analista dá ênfase ao trabalho e às campanhas de divulgação do programa. “Dentro da fábrica, usamos comunicação de várias maneiras. Só assim é possível abrir novas matrículas e, dependendo da demanda, conseguimos fechar as turmas”, relata.

 

Raquel informa que, até o primeiro semestre de 2018, 312 funcionários terminaram a educação básica e, até o final do ano, mais 106 concluirão os estudos, totalizando assim 418 colaboradores. “Fazemos também uma observação pelo lado social. É nítido o aumento da autoestima. Eles relatam que são pais mais presentes e como o estudo ajudou na vida pessoal. Além deles passarem a ser protagonistas das próprias histórias”, pontua.

 

A analista destaca que, a partir dessa possibilidade, os colaboradores estão aptos a participar de seleções internas. “Dependendo da formação que ele possui, existe a possibilidade de crescer dentro da empresa, o que antes não podia por causa da baixa escolaridade. O EJA é o resgate de um algo que foi negado. Na nossa sociedade, a educação é vista como inteligência. Se uma pessoa não concluiu o curso, ela não é considerada inteligente”, diz. Para Raquel, os funcionários passam então a serem donos de um status cultural que pode inseri-lo na sociedade. “O fortalecimento da cidadania se dá pelo resgate do direito do cidadão.”

 

Conquistas sentidas na pele

Felipe Teixeira, 30, é funcionário da Aço Cearense e finalizou a educação básica por meio do EducaAço, em 2014. Em janeiro de 2015, começou a cursar Administração e graduou-se no segundo semestre de 2018. Participou de seleções internas e, atualmente, é supervisor de produção da empresa. Ele conta que abandonou os estudos porque começou a trabalhar cedo e por problemas familiares. “Na época, algumas adversidades causaram bastante empecilho. Eu precisava escolher entre trabalhar ou ajudar minha família”, relata.

 

Felipe diz que entrou na Aço Cearense em janeiro de 2008 como auxiliar de produção. Conheceu o projeto EducaAço por meio da divulgação de gestores. Quando soube das aulas, resolveu matricular-se e passou a trabalhar das 22 horas às 6 horas da manhã, ficando direto para as aulas. “Ninguém pode me tirar o conhecimento. Desde então, minha carreira começou a mudar. Passei de auxiliar de produção para operador de máquinas e, hoje, sou supervisor de produção da empresa e possuo curso superior”, relata Felipe. “Agradeço bastante, pois isso me abriu portas. O estudo nos leva a voos maiores. Conheço pessoas que entraram analfabetas e já possuem o ensino médio. Isso muda uma vida”, finaliza.

 

Nunca é tarde para começar

Entenda como a Educação de Jovens e Adultos pode resgatar direitos e fortalecer a cidadania. Ação desenvolvida pela Aço Cearense vem mudando vidas de colaboradores

Por Sara Cordeiro

No Brasil, o abandono escolar ainda é uma realidade. No âmbito atual, o desafio não é apenas ter os alunos na escola, mas garantir que eles permaneçam nas salas de aulas. Segundo levantamento do Governo Federal, entre os anos de 2014 e 2015, 12,7% dos alunos matriculados no 1º ano do ensino médio e 12,1% dos alunos matriculados no 2º ano abandonaram a escola. 

 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números da evasão chegam a 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos, sendo que 52% deles não concluíram sequer o ensino fundamental. A taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais atingiu 7%, em 2017. Entre os jovens mais pobres, a taxa é três vezes a da média nacional.

 

No país, o número de jovens que deixam a escola sem concluir os estudos ainda é grande se comparado a outros países da América Latina, como Uruguai, um dos que possui menores taxas de analfabetismo no mundo, com 98,5% da população alfabetizada. Em 2016, a economia do nosso vizinho sul-americano registrou um aumento de 1,5% no seu Produto Interno Bruto (PIB), chegando ao 14º ano consecutivo de crescimento.

 

Para a socióloga e professora adjunta do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Célia Brito, vários são os motivos que levam os jovens a desistirem da escola como gravidez na adolescência, troca dos estudos por trabalhos precários e desigualdade social. “Apenas 2% das meninas que engravidam voltam a estudar e, em zonas rurais do Brasil, a precariedade do local faz com que o deslocamento seja difícil, além de algumas crianças não terem o que comer. Muitos preferem procurar emprego para ajudar os pais”, pontua.

 

Célia, que também é professora de Educação de Jovens e Adultos (EJA), fala como esses aspectos impactam diretamente em uma geração que entrará no mercado de trabalho com o grau básico de educação comprometido. “Pessoas com maior instrução possuem mais chances no mercado de trabalho. Uma sociedade com baixa escolaridade pode ser afetada diretamente no âmbito econômico”, afirma.

 

A docente cita a importância do trabalho do EJA, focado em jovens e adultos que não concluíram os estudos na idade correta para o desenvolvimento do país. O modelo de ensino desenvolvido pelo pedagogo pernambucano Paulo Freire em 1963, no Rio Grande do Norte, reformulou a modalidade de ensino quando conseguiu alfabetizar 300 pessoas em idade adulta em um período de 45 dias. “Dar a essas pessoas uma nova oportunidade é devolver a elas algo fundamental e constitucional, que é a educação.” Célia observa, ainda, a devolução da cidadania a brasileiros que, por força maior, precisaram abandonar a escola.

 

A professora explica que qualquer pessoa que tenha abandonado a escola e deseje retornar os estudos pode ingressar no EJA, sendo necessários dois anos para a conclusão do ensino fundamental e 18 meses para a conclusão do Ensino Médio. “Antes, ele se sentia fora por não ter um certificado, pois vivemos em uma sociedade onde é primordial fazer uso da leitura e escrita”, aponta. Célia argumenta que educar é empoderar o sujeito, fortalecer seu protagonismo social e força importante para com as ações que levam ao resgate desse direito.

 

No ensino fundamental, são oferecidas as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Inglês, Artes e Educação Física. Já no ensino médio, as matérias que o aluno estudará são Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Química, Física, Sociologia, Filosofia, Inglês, Artes e Educação Física.

No Ceará, a empresa metalúrgica Aço Cearense tem como ação social o projeto EducaAço. Com aulas em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) e Serviço Social do Comércio (Sesc), o projeto é voltado para seus colaboradores que não concluíram os ensinos fundamental e médio.

 

Raquel Sales, analista de Recursos Humanos (RH) da Aço Cearense, conta que a ação surgiu em 2013 com a necessidade de reduzir o déficit de mão de obra e qualificar os funcionários para se alinhar com a expectativa do mercado. “Com novas tecnologias surgindo, passaram a aparecer novas demandas e precisávamos aumentar a escolaridade dos colaboradores para que eles pudessem contribuir com o crescimento da empresa”, aponta.

 

Segundo a analista, um dos primeiros passos foi segmentar o perfil desses funcionários. “Alguns abandonaram os estudos no ensino médio, outros ainda nem eram alfabetizados. Quando mapeamos cada um de acordo com a sua carência, foi possível organizar as turmas.” A analista dá ênfase ao trabalho e às campanhas de divulgação do programa. “Dentro da fábrica, usamos comunicação de várias maneiras. Só assim é possível abrir novas matrículas e, dependendo da demanda, conseguimos fechar as turmas”, relata.

 

Raquel informa que, até o primeiro semestre de 2018, 312 funcionários terminaram a educação básica e, até o final do ano, mais 106 concluirão os estudos, totalizando assim 418 colaboradores. “Fazemos também uma observação pelo lado social. É nítido o aumento da autoestima. Eles relatam que são pais mais presentes e como o estudo ajudou na vida pessoal. Além deles passarem a ser protagonistas das próprias histórias”, pontua.

 

A analista destaca que, a partir dessa possibilidade, os colaboradores estão aptos a participar de seleções internas. “Dependendo da formação que ele possui, existe a possibilidade de crescer dentro da empresa, o que antes não podia por causa da baixa escolaridade. O EJA é o resgate de um algo que foi negado. Na nossa sociedade, a educação é vista como inteligência. Se uma pessoa não concluiu o curso, ela não é considerada inteligente”, diz. Para Raquel, os funcionários passam então a serem donos de um status cultural que pode inseri-lo na sociedade. “O fortalecimento da cidadania se dá pelo resgate do direito do cidadão.”

 

Conquistas sentidas na pele

Felipe Teixeira, 30, é funcionário da Aço Cearense e finalizou a educação básica por meio do EducaAço, em 2014. Em janeiro de 2015, começou a cursar Administração e graduou-se no segundo semestre de 2018. Participou de seleções internas e, atualmente, é supervisor de produção da empresa. Ele conta que abandonou os estudos porque começou a trabalhar cedo e por problemas familiares. “Na época, algumas adversidades causaram bastante empecilho. Eu precisava escolher entre trabalhar ou ajudar minha família”, relata.

 

Felipe diz que entrou na Aço Cearense em janeiro de 2008 como auxiliar de produção. Conheceu o projeto EducaAço por meio da divulgação de gestores. Quando soube das aulas, resolveu matricular-se e passou a trabalhar das 22 horas às 6 horas da manhã, ficando direto para as aulas. “Ninguém pode me tirar o conhecimento. Desde então, minha carreira começou a mudar. Passei de auxiliar de produção para operador de máquinas e, hoje, sou supervisor de produção da empresa e possuo curso superior”, relata Felipe. “Agradeço bastante, pois isso me abriu portas. O estudo nos leva a voos maiores. Conheço pessoas que entraram analfabetas e já possuem o ensino médio. Isso muda uma vida”, finaliza.

 

Trabalho voluntário: instrumento para educação para educação

Instituições realizam ações que contribuem na educação de milhares de crianças e adolescentes. No Estado, ações de organização local e com sede em São Paulo mostram que vale a pena investir na educação básica

Por Joyce Oliveira

Ensinar e educar sem esperar nada em troca. Para muitos, essa frase faz todo sentido. Em instituições que não recebem apoio financeiro de setores públicos nem privados para ações voltadas à educação, o desejo de ajudar o próximo é a fonte de energia. Para desempenhar as ações, o trabalho voluntário, que ao longo dos anos vem crescendo, faz a diferença. Segundo último dado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ação teve um aumento de 13% com relação ao ano anterior. No Brasil, há instituições que se dedicam de forma integral a projetos educacionais. O Ceará é um dos estados beneficiados por essas ações. Conheça algumas.

 

O projeto Casa do Saber faz parte do movimento Emaús, que surgiu em 1940, na França. A instituição homônima, que funciona sem fins lucrativos, chegou ao Brasil em 1986 com o intuito de desenvolver projetos sociais e levar atividades socioeducativas para a população. Na seara educacional, o projeto Casa do Saber foi criado para incentivar a educação na periferia de Fortaleza. Hoje, a iniciativa atua de forma ativa no bairro Pirambu.

 

Para realizar as ações, a instituição conta com voluntários de diferentes segmentos. “Temos psicóloga, assistentes sociais, advogado para a comunidade, psicopedagoga, professores de inglês, português, matemática e conhecimentos gerais”, pontua a coordenadora e administradora da instituição, Ana Lúcia.

 

A Casa do Saber atende um público entre 5 e 16 anos e tem o objetivo de retirar os momentos ociosos de crianças e adolescentes. Cerca de 140 crianças participam do projeto. “Quem estuda de manhã vem à tarde e quem estuda à tarde vem pela manhã."

 

As aulas são diferentes para cada faixa etária. "Para as crianças de até dez anos nós temos o reforço escolar. Para o público de 10 a 14, temos aulas com matérias mais específicas.” Além das aulas com conteúdos escolares, a instituição oferece atividades alternativas. “Temos duas horas de atividades extras, onde acontecem aulas de informática, ballet, música, capoeira, entre outras”, conta Ana. Para os adolescentes, acontecem aulas preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio e demais exames para o ingresso no ensino superior.

 

“Oferecemos também cursinhos pré-vestibulares. Tem professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) que vêm dar aula de segunda a sexta.” Cerca de 60 jovens participam. “Trabalhamos em prol da cidadania e da inclusão para eles se tornarem cidadãos. Quando se fala em Pirambu [por conta da violência], já há repulso. Tentamos mostrar que eles não são assim. Ensinamos cidadania”, conta, ressaltando que há jovens que passaram pela Casa do Saber que hoje estão na universidade e em mestrados fora do país.

 

Indo fundo na educação básica 

O desejo de ajudar pessoas e tornar o Brasil um país mais justo, avançado e inclusivo a partir da educação fez a Fundação Lemann surgir. Criada em 2002, a iniciativa é uma organização não governamental e sem fins lucrativos, que funciona de forma independente e apartidária.

 

“Acreditamos que para o Brasil se tornar um país justo e avançado é preciso investir em seu principal recurso: as pessoas. Por isso, apoiamos iniciativas focadas na melhoria da educação pública e no desenvolvimento de lideranças comprometidas com a transformação do país”, conta Guilherme Antunes, gerente do programa Formar, da Fundação Lemann.

 

Segundo Antunes, a Fundação possui diversas ações voltadas para a educação básica. Uma delas é a contribuição para a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em construção entre 2015 e 2016. A norma define os conhecimentos que os alunos precisam desenvolver ao longo das modalidades da educação básica. “Agora, a BNCC se encontra em um momento decisivo: o de implementação. Junto com o Movimento Pela Base, que reúne diversas organizações e especialistas em educação, estamos trabalhando desde o início desse processo para garantir a qualidade do documento e a chegada dele às redes públicas e às escolas.”

 

Outra iniciativa da Fundação é o programa Formar. No Ceará, a ação existe nas cidades de Juazeiro do Norte e Aquiraz. “É uma parceria com redes públicas de ensino, estaduais e municipais, que visa a apoiar a melhoria da gestão das secretarias e das escolas, sempre com foco nos processos pedagógicos que levam a resultados de aprendizagem dos alunos.” Atualmente, o programa, segundo Antunes, está em 20 redes municipais e quatro estaduais espalhadas pelo Brasil. “Somamos mais de 2.800 escolas e 840 mil alunos impactados.”

 

O gerente da Fundação destaca que, ao longo dos 16 anos de história, a instituição já fez parte da vida de dez milhões de alunos, por meio de diferentes iniciativas. Para ele, o Brasil vive uma grande crise de aprendizagem, onde as crianças e jovens estão na escola, mas não estão aprendendo. “Na Fundação Lemann, vemos a educação como a base fundamental para que a nossa população possa desenvolver seu máximo potencial e, assim, esteja preparada para fazer escolhas e causar impacto social positivo ao país.”