Editorial - Nós sonhamos

 

A Cidade que queremos viver é diferente. Fortaleza pode ter ganho mais espaços públicos de convivência nestes 290 anos — em meio a perdas —, mas ainda queremos uma casa melhor. Reconhecemos os avanços, mas temos um lindo sonho coletivo em construção. Desejamos ter mais direito à vida em comunidade, à rua, à praça, ao verde, à calçada. Queremos conhecer e enxergar a nossa história nos prédios, nos monumentos, nas fachadas. Somos felizes na Cidade, mas esperamos sempre mais.

E o que estamos fazendo para viver uma Fortaleza diferente? Melhor: para ser uma Fortaleza diferente? Todos temos 290 anos de responsabilidade com a Cidade que nos acolheu — no nascimento ou no desembarque. Ela é a nossa casa. O coletivo não é do outro, mas meu e seu. Todos somos Cidade e por ela precisamos ser cuidado e responsabilidade.

Nesta edição — a última do especial Fortaleza 290 anos, do Grupo de Comunicação O POVO —, convidamos cinco moradores da Capital para olhar o futuro. Em dez anos, a Cidade chega aos três séculos. O que precisamos fazer para festejar uma metrópole melhor em 2026? Qual é o projeto de cidade mais agradável e cidadã que compartilhamos? O que faremos para nos mover, conviver, nos abraçar melhor daqui a dez anos? E, fundamentalmente, o que você está fazendo hoje para essa mudança?

 

WebDoc sonhar

 

 

Fortaleza 290 Anos - DOC Matéria da TV O POVO

 

Juventude

Quando minha Fortaleza fizer 300 anos...

Por Lara Magalhães


Quando minha Fortaleza fizer 300 anos, ela vai continuar com essa sua beleza única, com esses lugares maravilhosos, que encantam os visitantes, apesar dessas coisinhas que muitas vezes nós fazemos e que acabam deixando ela bem poluída e com uma aparência não tão boa.

Eu creio que os jovens de hoje, ou boa parte deles, se preocupam com nossa Cidade, com a história, a cultura e toda a arte de Fortaleza. Sim, nós sabemos que Fortaleza está bastante violenta, poluída, que alguns bairros não têm saneamento básico e que ainda existem muitas crianças analfabetas, que ainda não frequentam a escola, mas é justamente isso que esses jovens querem e irão mudar. Precisamos acreditar nos jovens.

Lara Magalhães é estudante da escola de ensino fundamental e médio Paróquia da Paz e correspondente O POVO 2016. FOTO CAMILA DE ALMEIDA

Nós, crianças, jovens, adultos, e até mesmo os idosos, precisamos desenvolver projetos de melhoria para a nossa Cidade. Um deles pode ser para a escola. Os professores poderiam fazer aulas mais dinâmicas, que despertassem o interesse das crianças, fazendo brincadeiras nos jardins, ensinando-as a cuidar das plantas e explicando a elas por que a natureza é importante. Assim, desde criança, ela já vai saber o porquê de preservarmos a natureza. O que quero dizer é que, além da teoria — que é o que normalmente nós fazemos — é preciso fazer a prática, ter atitude, tentar mudar o futuro com mudanças no dia a dia, como essa.

Fortaleza tem grande número de jovens envolvidos com o mundo da criminalidade porque nós ainda não encontramos formas de trazer os olhares deles para uma nova realidade. Uma ideia bem legal, em que poderíamos começar a trabalhar, é ver o que determinado jovem gosta de desenhar, por exemplo, e criarmos concursos, eventos sobre o assunto... Dessa forma, conseguiríamos chamar a atenção deles.

Fortaleza é uma das cidades mais belas, com boas histórias, com gente guerreira e batalhadora, que luta fielmente para conseguir o que quer. Nós não podemos deixar que estes 290 anos se percam — temos que fazer a Cidade crescer cada vez mais. Claro, sozinhos nada é possível, precisamos uns dos outros para JUNTOS mudarmos e fazermos crescer essa nossa linda Cidade, que já fez, faz e ainda vai fazer muitas pessoas felizes, com todas as maravilhas que ela possui. Não, nós não podemos e não vamos deixar todos estes anos de batalhas e conquistas se perderem.

Inventividade

Cidade viva: é no público que ela acontece

Por Celina Hissa

O convite para falar sobre a Fortaleza que desejamos para o futuro é um exercício que nunca pode ser feito olhando apenas para frente. Só há futuro para aquilo que pensamos existir hoje. O que queremos para o dia de amanhã pede a reflexão sobre o que há de bom hoje. Só assim teremos desejos que vão além da utopia, desejos possíveis.

Por isso, essa pergunta começa com outras perguntas (que direciono e compartilho com vocês): O que gostamos em Fortaleza? Que iniciativas nos últimos anos valem a pena ser lembradas e incentivadas? Quais praças vivemos? Quais os novos criadores, produtores, designers locais que a gente gostou e apoiou? Quais os movimentos culturais, artistas e bandas de Fortaleza partilharam da nossa atenção? Que exposições visitamos, que palestras frequentamos? O futuro da Fortaleza inventiva, cultural, empreendedora está conectado com a vontade e a percepção de cada um que vive a Cidade.

Vejo, no decorrer dos últimos anos, várias iniciativas lindas, movimentos que adoro, lugares que abriram. Alguns resistem ainda hoje, outros fecharam. Pessoas que saíram, pessoas que voltam. Desejos de atuação de artistas, empreendedores e designers.

Celina Hissa é designer e diretora criativa da Catarina Mina. FOTO: HAROLDO SABÓIA/ DIVULGAÇÃO

Tal percepção me chama a atenção: não se trata de uma Fortaleza com falta de ideias ou iniciativas, mas um poder de ser público que precisa ser melhor compreendido pelos que aqui vivem (juntos). É o publico que dá possibilidade de vida a cidade. E isso me convida a falar sobre gente, sobre o papel de cada um de nós na construção da cidade. Uma cidade não se faz com edifícios, mas cidadãos conscientes das suas possibilidades de atuação.

A Fortaleza que desejo para os próximos dez anos envolve, principalmente, uma Fortaleza que viva junto e dialogue entre si. Uma Fortaleza com mais vida nas calçadas e ocupação dos espaços. Uma Cidade que perceba que a violência não acontece quando estamos nas ruas, mas sim, quando saímos dela. Uma Fortaleza que entenda as ruas não como lugar de passagem, mas de encontros. Uma Fortaleza que compreenda a palavra público não como um lugar passivo, mas como espaço de produção coletiva. Uma Fortaleza que conceba a legislação não apenas como proteção a propriedade privada, mas, principalmente, garantia dos direitos humanos. Uma Fortaleza que olhe no olho do outro e perceba esse outro não como desconhecido, mas como interessante.

E, em tudo que falo, quando cito Fortaleza, me refiro a gente, me refiro a nós. Essa Fortaleza que no texto aparece em terceira pessoa, para ser possível, precisa ser entendida sempre na primeira pessoa do plural.

Urbanização

A Fortaleza do nosso futuro

Por Fausto Nilo

Um dia Fortaleza poderá assegurar a habitabilidade de todos seus cidadãos, de qualquer padrão de renda, faixa etária ou estilo de vida. Aqui, cerca de três milhões e meio de pessoas residirão de forma digna, em vizinhanças seguras, conectadas ao resto da Cidade e baseadas em habitações de custos acessíveis. Teremos fácil acesso ao Centro Urbano Reabilitado, onde sua herança cultural edificada será preservada e vivificada. Os lugares de natureza estarão convenientemente protegidos, as orlas limpas, as lagoas acessíveis e as demais centralidades serão reconhecidas como lugares de todos. Nesse futuro, os idosos serão em maior número e a Cidade se antecipará para dar-lhes o conforto merecido.

Fausto Nilo é arquiteto e urbanista. FOTO: FCO FONTENELE

A 25 anos daqui, Fortaleza já haverá conhecido as formas preferíveis de produzir estruturas compartilháveis para habitação, comércio, indústria, serviços, instituições, lugares de entretenimento e esportes. Viajaremos muito menos, a Cidade terá reduzido sua motorização e os projetos de tráfego serão viáveis e sincronizados com a produção de novos estoques habitacionais. Um plano abrangente terá sido implementado de maneira gradativa e monitorado pela própria população. As áreas de estação do transporte público serão identificáveis como clusters de empregos e focos de vizinhanças, com todas as facilidades típicas e acessíveis por uma caminhada máxima de cinco minutos. A essas melhorias deverão ser acrescidos os projetos de adaptação de assentamentos precários existentes, a eliminação gradativa das situações de riscos e das irregularidades fundiárias.

Fortaleza entenderá que as viabilidades econômicas e as parcerias construtivas entre setores públicos e privados serão eficientes, mas deverão ter seus propósitos e resultados compartilhados, de forma transparente, rigorosamente eficiente, justa, legal e legível a todos.

Na construção da Cidade Compacta e Sustentável, as parcerias para reurbanização serão prioritariamente dedicadas a construir habitações e usos mistos em Corredores de Urbanização Orientados pelo Transporte Público. Este padrão típico é coordenado com projetos de usos do solo e também demanda intervenções urbanas que envolverão propriedades locais situadas nas quadras adjacentes a cada corredor. Assim, a reurbanização produzirá alterações de valores cujos resultados serão compartilhados entre o poder público, os proprietários e os empreendedores do incremento. A essa altura, a Cidade já terá observado a prática vencedora em cerca de 160 cidades do mundo e terá conquistado o clima de confiança indispensável ao êxito dessa mudança.

O sonho é viável e resume propostas que consideraram a história urbana, a atualidade e as tendências urbanas de Fortaleza, pautadas a partir de um inédito e abrangente trabalho de audiências públicas realizadas pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor). Os dados disponíveis, os textos existentes sobre o assunto, as teses acadêmicas, os relatórios urbanísticos já elaborados sobre a Cidade e todas as consequências dos planos urbanos que Fortaleza já elaborou foram determinantes na qualidade do resultado.

A elaboração do Plano Urbanístico e de Mobilidade Fortaleza 2040 é um processo aberto e participativo. Por decisão do prefeito, o plano tem sido conduzido com independência crítica e assumindo o caráter de um plano de Estado, muito mais que um plano imediato de gestão. Dependente de nós mesmos, em 2040 estaremos todos juntos nessa Cidade possível.

Planejamento

Fortaleza hoje e no futuro

Por Roberto Cláudio

Ao longo de sua história, Fortaleza cresceu sem um grande plano urbanístico que pudesse pensar a Cidade com visão de futuro que contribuisse para um crescimento econômico, social e urbano sustentável. Algumas propostas de plano sugiram em 290 anos, mas, na maioria, planos estruturados de forma imediatista, captando apenas mudanças circunstanciais, como a chegada do automóvel.

Além disso, os planos eram traçados pelo poder público com forte influência do governo em curso e não como política de Estado, com pouca ou nenhuma interação com a sociedade. Razão pela qual não prosperaram como o esperado, nem conseguiram apresentar soluções concretas para as desigualdades da nossa Cidade.

Roberto Cláudio, prefeito de Fortaleza. FOTO TATIANA FORTES

Criar pontes para unir as duas Fortalezas que coexistem em nossa Cidade tem sido nosso maior desafio. Ao longo dos últimos três anos, passamos a trabalhar em duas frentes para tentar mudar essa realidade. A primeira delas foi a ampliação das políticas públicas de Educação, Saúde, Mobilidade, Habitação, Cultura e Lazer, por exemplo.

Nesse período, entregamos à Fortaleza 17 Escolas de Tempo Integral e 75 novas creches, a maioria em bairros com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Além disso, construímos 11 novos Postos de Saúde e três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em bairros que não contavam com nenhum equipamento público de Saúde. Também já inauguramos cinco Areninhas que estão mudando a realidade de milhares de jovens, inclusive contribuindo para a redução da violência. Outras 16 Areninhas serão entregues até o final de 2016. Foram reformadas ou construídas mais de 100 praças em todos os bairros de Fortaleza. Estamos entregando mais de 10 mil unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida, por meio de sorteio inédito. Além disso, túneis, viadutos, binários, ciclofaixas, ciclovias, bicicletas compartilhadas e Bilhete Único são ações voltadas para uma Cidade mais sustentável.

Mesmo assim, tenho a convicção de que todo esse esforço ainda não forma a base suficiente para a Fortaleza que desejamos daqui a 10 anos. Uma Fortaleza mais acolhedora, mais igualitária e com mais oportunidades.

Mas essa base está sendo construída por meio de uma segunda grande tarefa: o Programa Fortaleza 2040, um ousado planejamento estratégico de desenvolvimento para a Cidade, que vai pensar e elaborar as estratégias e metas de curto, médio e longo prazos, contemplando um Plano Mestre Urbanístico, Plano de Mobilidade e Plano de Desenvolvimento Econômico e Social.


O Fortaleza 2040 é plano de Estado e não de governo e vem reunindo arquitetos, urbanistas, engenheiros, ambientalistas, professores universitários, estudantes e, o principal, representantes dos 119 bairros de Fortaleza para, juntos, elaborarem as metas que vão orientar as ações públicas e privadas para transformar Fortaleza em uma cidade com mais qualidade de vida e oportunidades. Será estabelecido ainda um sistema de controle social para monitoramento dos resultados e atualização do plano.

Estou certo de que o Fortaleza 2040 contribuirá de forma consistente para que Fortaleza se transforme, não somente nos próximos dez anos, mas numa visão ainda mais larga no espectro temporal. Foi assim que aconteceu em cidades latino-americanas que também seguiram o caminho do planejamento, como Medellín, que é um exemplo de grande sucesso. É assim que pensamos e queremos Fortaleza hoje e para o futuro.

 

Cultura

A cidade utopia

Por Vanéssia Gomes


Do lugar que falo enquanto mulher, artista, mãe, trabalhadora da cultura, moradora da cidade de Fortaleza. Minha profissão sempre me impulsionou a olhar esta Cidade de diversas formas. Podendo ser pelo que meus olhos alcançam, pelo que as pessoas me falam, pelas lentes da TV, pelos escritos dos jornais, pelos livros. Num olhar aproximado ou distanciado, vendo as diversas contradições do dia a dia, observando os indivíduos ou a população. Fazendo parte dos embates por árvores, moradias, mais praças, menos violências, mais cultura. Observar as contradições também faz parte de minha profissão enquanto atriz de teatro de rua nesta Cidade. Observar, e porque não dizer, vivê-las. Estar nas praças, nas ruas ou nos espaços públicos de arte e cultura revela muitas questões.

Do lugar que olho de dentro de uma roda de teatro de rua vejo os que param para ver um espetáculo. Desde os transeuntes que já estão habituados com os procedimentos de uma cena teatral, aos que se surpreendem pela primeira vez com a arte de estar na rua.

Vanéssia Gomes é socióloga, atriz dse teatro de rua e cinema, membro do Movimento Todo Teatro é Político e do Fórum Cearense de Teatro. FOTO CAMILA DE ALMEIDA

O que é isso? É arte pública! A arte que nos pega de rompante. Essa que se faz necessária. Sem precisar ser paga no início, mas quem sabe no final da função. Que contribuímos como plateia se acharmos que merece, se tivermos na passagem do chapéu como darmos a nossa parte. Mas de onde vem essa arte? De onde vêm esses artistas? Desde quando fazem isso? Mas por que fazem isso? As políticas públicas para a arte e cultura deveriam responder a todas estas perguntas.

Nossas praças José de Alencar e do Ferreira, no Centro, são bons representantes dos espaços das artes públicas de rua que nos retroalimentam diariamente com seus espetáculos: os palhaços Colorau e Neurlândio, o Quebra-coco, o Júnior das mágicas, assim como os diversos dançarinos que brotam nas rodas que se formam para assistir aos espetáculos.

Temos aqui um recorte do que é a Cidade a partir da arte pública. E isso nos faz pensar sobre como as políticas públicas alicerçam as diversas atividades artísticas de nossa cidade de Fortaleza. Ao longo do tempo, nós artistas e a sociedade civil lutamos e tivemos muitas conquistas. Uma delas é nosso Conselho Municipal de Política Cultural. A reunião do poder público e da sociedade civil que impulsionam muitas resoluções para o campo da cultura em nossa Cidade. Em 2015, nós artistas conquistamos um edital que agora é uma lei municipal. A Cidade agora terá um fomento garantido.

É suficiente? É certo, precisamos de mais conquista. Vivemos a precariedade da arte e da cultura. Uma clara desatenção à garantia dos direitos culturais dos cidadãos de Fortaleza.


Mas aqui estamos em 2016. E daqui a 10 anos? E quando Fortaleza tiver 300 anos? Quais serão nossas conquistas? Para onde teremos avançado? O que nos espera? O que iremos construir? Desejaria uma pasta da Cultura mais atuante, mais estrutura de trabalho para os artistas e para os servidores públicos da Cultura, mais espaços públicos para fruição, mais formações.

Mais, mais, mais... acesso da população em toda a Cidade à arte e à cultura. Fortaleza Cidade Utopia. Fortaleza enquanto utopia. Os caminhos possíveis para uma Cidade que esteja em nosso sonho comum. O desejo por uma Cidade que garanta a possibilidade do encontro com a arte, das trocas culturais, que alcance a população como um todo, que crie diálogos, aproximações e misturas entre todos os lugares e pessoas.

Sonhar

Especial Sonhar

5º caderno em comemoração ao aniversário de 290 anos de Fortaleza