Educar para prevenir

Nem sempre se conversa sobre sexualidade como se deveria. Para especialistas, mais explicações podem ajudar a tomar decisões conscientes e identificar violências. Outros grupos defendem a discussão só na seara familiar

Por Gabriela Custódio

O grande número de alunas grávidas em 2018 alertou a equipe da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Lions Jangada, no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza, para a necessidade de falar sobre sexualidade com os estudantes. Foi assim que o professor de Educação Física Marcos Aurélio resolveu propor a disciplina eletiva de Educação Sexual, implementada em 2019.

As 30 vagas disponibilizadas — cinco a mais do que normalmente é ofertado — não foram suficientes para suprir a demanda e há lista de espera. "O que eu vi com esse grupo de pessoas é que tem muita informação, mas faltam explicações", afirma o professor. Com a falta de conversa sobre o tema inclusive com os pais, segundo ele, os jovens acabam aprendendo "da maneira mais difícil", por meio da experiência.

Entre os conteúdos abordados em sala, o professor aponta Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e prevenções. "Ninguém está fazendo apologia a sexo aqui, muito menos incentivando esse pessoal à prática", defende. Adriana Amaro, coordenadora da Lions Jangada, explica que há reunião no início do ano em que o leque de disciplinas eletivas é apresentado aos pais e responsáveis. Antes da eletiva, o assunto era tratado no Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS).

Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de gravidez na adolescência, no Brasil, é de 68,4 nascimentos para cada mil meninas de 15 a 19 anos. A taxa mundial é estimada em 46 e em países como os Estados Unidos, o índice é de 22,3. Analisando o período de 2010 a 2015, o documento aponta a falta de educação sexual como um fator determinante para a gravidez em adolescentes na América Latina e no Caribe.

Outro índice de destaque no país, no que tange à sexualidade, é o aumento da detecção do HIV entre jovens. Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2018, do Ministério da Saúde (MS), o número de notificações de casos de HIV aumentou aproximadamente 700% entre pessoas entre 15 e 24 anos, de 2007 a 2017.

Sexualidade, porém, ainda é um assunto repleto de tabus e há controvérsias sobre como ele deve ser tratado com os jovens. Pesquisa do Instituto Datafolha publicada em janeiro deste ano aponta que 54% das 2.077 pessoas ouvidas em todo o país se diz favorável à educação sexual nas escolas.

Por outro lado, apoiadores do programa Escola Sem Partido opõem-se, por exemplo, à discussão sobre gênero. Contrário à "doutrinação política e ideológica nas escolas", o PL 246/2019 traz seis deveres do professor que deverão ser expostos em cartazes nas instituições, além de outros pontos.

Iniciativas semelhantes ao Escola Sem Partido e avessas à "ideologia de gênero" estão presentes em outros países na América Latina. O Con Mis Hijos No Te Metas ("não se meta com meus filhos", em português) surgiu no Peru, em 2016, e organizações com o mesmo nome estão presentes em países como Chile, Argentina, Paraguai e Equador, por exemplo.

Para a pedagoga e doutora em Educação Vera Marques, coordenadora do Laboratório Educação e Sexualidade (Labedusex) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), há uma "confusão" sobre o significado de sexualidade, o que leva à redução dela — e por consequência da educação sexual — ao ato sexual. De acordo com a pedagoga, o trabalho de educação sexual "é amplo, envolve sentimentos, valores, ciência" e a sexualidade contempla aspectos cotidianos que vão além do sexo.

Tema transversal, ela é vivenciada desde o primeiro choro, ao nascer. "A nosso ver, no Laboratório, esse é o grande dilema da humanidade: não entender que, sendo a sexualidade uma dimensão humana, ela diz respeito a tudo que nós somos e fazemos o tempo todo. Inclusive ao ato sexual, que, no entanto, pressupõe uma idade adequada, pressupõe outras orientações", afirma a pedagoga.

Em meio a discussões sobre a sexualidade ser assunto tratado apenas pelas famílias, Vera Marques argumenta que elas têm dificuldade de tratar sobre o tema, independentemente do acesso ao conhecimento. "A escola e a universidade contribuem no alargamento dessas percepções que vêm desse primeiro grupo social que é a família por meio do conhecimento científico." Porém, a pedagoga defende que a instituição convide pais e responsáveis para o debate.

Homero Henrique de Souza, assessor pedagógico da Equipe de Educação, Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (EDHGS) da Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), concorda sobre a parceria. "Nem essa formação do indivíduo pode ficar só a cargo da família — impossível, ainda mais agora com as escolas de tempo integral, em que os estudantes passam a maior parte do tempo no cotidiano da escola — e nem pode ficar só a cargo da escola", afirma.

Espaço para discussão
O tema também é discutido no Colégio Batista, que anualmente realiza a Jornada da Educação Sexual durante a semana cultural. Alunos entre o 8º ano do Ensino Fundamental e a 1ª série do Ensino Médio participam de debates e têm acesso a informações sobre temas como anatomia e fisiologia, ISTs, violência sexual, assédio e gravidez precoce. Também são trabalhados aspectos como respeito e responsabilidade com o corpo e com as decisões tomadas em relação à vida sexual.

"Entendemos que sexualidade faz parte da vida, então não tem como a escola se omitir ou não trazer essa discussão para dentro e discutir isso com os alunos", afirma Shirley Oliveira, assessora pedagógica do colégio. A recepção dos pais à iniciativa é sempre positiva. "Nunca tivemos problema, até porque respeitamos muito a orientação da família. A escola dá uma orientação voltada para essas questões biológica, sociológica e psicológica, mas a orientação sexual que a família vai dar para o filho é prioritária."

Importância do tema
Por a sexualidade ser um aspecto presente durante toda a vida e ser um tema transversal, Vera Marques afirma que o processo educativo pode acontecer em aspectos cotidianos, a partir de perguntas das crianças ou de atividades como leitura de contos infantis. A pedagoga explica que ela envolve sentimentos e valores e pressupõe ética e respeito consigo e com o outro. "Essas questões têm que ser trabalhadas junto com o conhecimento científico que é produzido acerca da sexualidade."

Vera Marques defende a educação sexual como forma de as pessoas fazerem escolhas com consciência e responsabilidade, além de apontar seu caráter preventivo. "Quando uma criança, desde muito pequena, é alertada por meio da literatura infantojuvenil, de uma conversa franca da escola, dos pais, isso é uma forma também de prevenir por exemplo a violência sexual."

De acordo com dados do Ministério da Saúde de junho de 2018, entre 2011 e 2017, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 184.524 casos de violência sexual, sendo 31,5% (58.037) deles contra crianças e 45% (83.068) contra adolescentes. Dentre os casos, 69,2% (40.154) ocorreram em casa e 4,6% (2.656), na escola.

Segundo Homero Henrique de Souza, ignorar esses assuntos tem impacto tanto na formação de estudantes quanto no acolhimento a vítimas, que muitas vezes abandonam a escola. "O foco principal da Secretaria é garantir essa escola com mais espaço de inclusão, de reconhecimento e valorização da diversidade. Acreditamos que isso só é possível se desconstruirmos as situações que alimentam o preconceito, a discriminação, o bullying."

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para turmas de 5ª a 8ª série, indicam "problemáticas sociais atuais e urgentes" a serem abordadas transversalmente às áreas do conhecimento. Uma delas é a orientação sexual — termo apontado como sinônimo de educação sexual —, além de ética, meio ambiente, saúde e trabalho, pluralidade cultural e consumo. Os parâmetros são um apoio para técnicos, professores e equipes pedagógicas, além de pais e responsáveis.

Trabalhando há cerca de 20 anos com o tema, porém, a coordenadora do Labedusex considera que tratá-lo de forma transversal não tem surtido efeito. "Na maioria dos casos, o que é tomado como transversal pressupõe-se que é responsabilidade de todos. E historicamente temos acompanhado que aquilo que é de todos acaba não sendo de ninguém", afirma. Tanto em faculdades quanto nas escolas, ela defende que haja espaço específico para debate.

O acesso a serviços e informações sobre saúde sexual também está previsto entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), declaração produzida em 2015 a partir da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável para orientar políticas nacionais e atividades de cooperação internacional. Segundo o item 3.7 do documento, até 2030 deve ser assegurado "o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais".

PARA TESTAR CONHECIMENTOS
Para levar informações a alunos da rede pública de forma dinâmica, alunos de Medicina da UFC participantes da Liga de Estudos em Ginecologia e Obstetrícia (Lego) desenvolveram o projeto "Lego nas escolas quebrando o tabu da educação sexual". Sob orientação da professora e ginecologista Raquel Autran Coelho, os alunos desenvolvem uma atividade com alunos do ensino médio de escolas da rede pública, de 14 a 18 anos. A partir das principais demandas, os participantes da Lego desenvolveram um quiz para testar conhecimentos e tirar dúvidas sobre ISTs, prevenção e outros assuntos. Confira:

QUIZ

Compromisso de todos

Para que as crianças e adolescentes coloquem em prática as instruções dadas pela educação sexual, a participação dos pais e da comunidade é essencial. Mas como vencer as barreiras da vergonha?

Por Catalina Leite
Apesar de a educação sexual ser comumente pautada no âmbito de currículo escolar, ela é dever de toda a comunidade e dos responsáveis legais. A aproximação desses atores garante que crianças e adolescentes encontrem suporte estrutural e emocional para conversar sobre o tópico. Entretanto, o medo, a vergonha e a falta de conhecimento afastam os adultos da discussão sobre sexualidade, impedindo que os jovens coloquem o aprendizado em prática. 

Andréa Castro e Silva, 48, cresceu aprendendo sobre sexualidade por conversas com as amigas. Hoje, ela é mãe de duas meninas de 11 e 13 anos, e enfrenta dificuldades em discutir o tema, principalmente quando as dúvidas beiram questões sobre as quais Andréa é mais conservadora. Já Evelyn Queiroz, 39, é mãe há 22 anos e lutou diariamente contra a timidez e a vergonha para garantir que os questionamentos da filha Jéssica fossem respondidos.

A doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e gestora da Unidade de Saúde Benedito Artur De Carvalho, Keylla Márcia Souza, percebe a resistência dos responsáveis legais em discutir o tópico com os filhos justamente porque foram privados do acesso à informação quando jovens. Para lidar com essa situação, ela explica que apenas a orientação dos professores e dos enfermeiros é insuficiente, e recomenda também o envolvimento de psicólogos. "Tem momentos que com o adolescente a gente precisa [do psicólogo] e com os pais, mais ainda. Porque, se a gente não consegue trabalhar a cabeça dos pais, como é que eles vão trabalhar a cabeça dos filhos?"

Mas alcançá-los é mais desafiador do que parece. Keylla desenvolve projetos de pesquisa-ação pelo Centro Universitário Christus (Unichristus) com acadêmicos de Medicina na escola próxima da Unidade Benedito Artur De Carvalho. O projeto está inserido no Programa Saúde na Escola (PSE) do Ministério da Saúde (MS), que trabalha 12 eixos temáticos relacionados à saúde, dentre eles a educação sexual. Ela conta que os parentes são costumeiramente convocados para reuniões que orientam sobre as oficinas. Entretanto, dos dois mil alunos matriculados na escola, "apenas 15 dos pais comparecem".

"O que a gente observa hoje é que os pais veem a escola como um local para deixar o filho, e não como uma parceira", constata. Ainda assim, a gestora acredita que a insistência nas reuniões é a maneira mais eficaz de atingir os parentes. "Eu digo que a gente tem que ser incansável e bater na mesma tecla, mesmo com os 15. Esses 15 podem ser multiplicadores para os outros."

Uma das sugestões da médica é promover grupos de conversa entre os pais, mediados por profissionais de saúde e educação. O grupo serviria como um espaço de capacitação dos responsáveis, no qual eles poderiam compartilhar dúvidas e encontrar soluções para elas conjuntamente. Ela também recomenda iniciativas do tipo para os adolescentes, a fim de transformá-los em porta-vozes aptos para discutir sexualidade.

Para a ginecologista e professora doutora da UFC, Silvia Bomfim Hyppólito, os pais deveriam dar acesso às "informações iniciais" sobre sexualidade, enquanto o papel da escola seria "debater no nível de informação mais técnica". Essa conversa, de acordo com a médica, não precisa ser "didática". Os pais não precisam detalhar as explicações para além das dúvidas apresentadas. "Mais adiante, com a compreensão e a observação, ela [a filha] pode voltar com outro questionamento."

A pedagoga e doutora em Educação Vera Marques, coordenadora do Laboratório Educação e Sexualidade (Labedusex) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), acrescenta que, ao responder às perguntas, deve-se evitar mentiras. "Nós complicamos muito aquilo que é simples." Nem sempre esse diálogo é simples. A própria Silvia, especialista em Medicina Reprodutiva, relata ter sentido dificuldade na forma de orientar os filhos, preferindo levá-los às palestras ministradas por ela.

Por outro lado, os responsáveis também precisam investir ativamente na própria educação sexual. A especialista em Educação Sexual pelo Centro de Sexologia de Brasília (Cesex-Brasília) e autora do livro Pipo e Fifi: prevenção de abuso sexual infantil, Caroline Arcari, explica que o adulto precisa se reeducar. "A geração que está orientando os jovens hoje passou pela ditadura do silêncio. Nós mesmos temos problemas para conversar sobre sexualidade. O primeiro passo é os próprios adultos se informarem, naturalizarem o falar sobre o corpo e lerem mais sobre sexualidade", indica.

Há 15 anos trabalhando na área, Caroline alerta sobre a ineficiência da educação sexual reativa. Essa abordagem foca em responder apenas o quê e quando a criança pergunta, o que tira oportunidades de ampliar discussões e reforça a fuga dos parentes sobre o tema. 

Ela compara o comportamento furtivo com a educação no trânsito. Nela, a criança é constantemente alertada sobre os perigos do tráfego e os procedimentos de segurança, independente de a dúvida ter surgido ou não. Da mesma maneira, a educação sexual alerta sobre consentimento e previne ocorrências de abuso sexual infantil. Por esse motivo, deve ser um assunto presente no cotidiano. "A gente não sabe se a criança deixa de perguntar porque tem vergonha, ou se um dia ela chegou a perguntar para outro adulto e recebeu uma resposta negativa", aponta Caroline.

PARA ORIENTAR
Conversar sobre assuntos relacionados à educação sexual nem sempre é fácil, principalmente se o responsável legal foi privado do acesso à informação quando jovem. Por isso, as especialistas Caroline Arcari e Keylla Márcia Souza deram algumas dicas de como responder algumas das perguntas mais comuns das crianças e adolescentes.

Sexualidade sem tabus

Especialista destaca quatro pontos da educação sexual que não são discutidos como deveriam

O pouco entendimento sobre certos assuntos gera tabus muitas vezes complicados de desmentir. Assim, temáticas como a educação sexual deixam de ser discutidas nos âmbitos familiar e escolar. A sexóloga Renata Mota fala sobre quatro tabus comuns sobre sexualidade e educação sexual. Confira:

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Atuações no Estado e no Município

Projetos realizados por entidades públicas levam informações para professores, alunos e pais sobre saúde, sexualidade e direitos humanos

Por Catalina Leite Por Gabriela Custódio
Criada em 2015, a Equipe de Educação, Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade da Seduc tem como foco o trabalho de formação de professores e gestores sobre essas temáticas. Porém, em 2016, no contexto das ocupações das escolas do Estado por estudantes, a Secretaria percebeu a necessidade de tratar o tema com os alunos. "Muitas lideranças daqueles estudantes eram justamente meninas e meninos LGBT e foi uma reivindicação que eles trouxeram para a Secretaria de Educação", afirma Homero Henrique de Souza, assessor pedagógico da EDHGS.

O grupo realiza palestras, rodas de conversa e aulões para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) relacionados a gênero e sexualidade e os temas trabalhados nos encontros variam de acordo com a necessidade de cada instituição. As palestras, segundo Souza, contemplam um tema específico, enquanto nas aulas a temática é discutida com base em questões do Enem nos últimos dez anos. Já nas rodas de conversa, os estudantes fazem perguntas a partir de dinâmicas.

"As dúvidas deles e delas costumam ser ou questões ligadas ao corpo e a práticas sexuais — tipo ciclo sexual, masturbação —, ou questões mais comportamentais — dúvidas em relação à situação de assédio, violência doméstica, diversidade sexual, transsexualidade e por aí vai", aponta. As ações, segundo Souza, estão ligadas aos projetos "Escola: Espaço de Reflexão" e "Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais", da Seduc.

O assessor pedagógico explica que a equipe não trabalha com perspectivas biológica e religiosa. "Nossa abordagem é sempre a questão do Direito Humano que as pessoas têm de serem reconhecidas, de viverem da forma como são, nas suas mais variadas identidades e diferenças."

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação (SME) afirmou à reportagem que a educação sexual nas unidades escolares da Rede Municipal cumpre os requisitos determinados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de "promover a difusão das informações relativas à sexualidade, acompanhada de questionamentos e discussões sobre o tema".

Abordada de forma transversal aos componentes curriculares, mais especificamente no conteúdo de ciências, a educação sexual também é tema de palestras ou de trabalhos em eventos como feiras de ciências em algumas escolas. “Essas ações são frutos da parceria entre a SME, a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) e a Secretaria de Saúde (SMS)", informa.

A nota cita o Programa Viva seu Tempo, lançado em fevereiro deste ano, como exemplo de ação da qual a entidade participa. Iniciativa do Comitê Interinstitucional de Prevenção à Gravidez na Adolescência — que envolve as Secretarias Municipais da Educação e Saúde, o Ministério Público do Ceará (MPCE), a Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), a Universidade Federal do Ceará (UFC), o Instituto Primeira Infância (Iprede) e as secretarias da Educação e da Saúde do Estado —, o programa tem a missão de oferecer meio para adolescentes cumprirem todas as etapas da vida evitando a gravidez precoce, que causa abandono dos estudos ou responsabilidades impróprias para a idade.

"Além disso, a SME, em parceria com a SMS, fortalece as ações do Programa Saúde na Escola (PSE), com a realização de rodas de conversas nas escolas sobre os direitos sexuais e reprodutivos, formação de professores e alunos multiplicadores de ações de prevenção à gravidez na adolescência", finaliza o comunicado.

Iniciativas existentes
O Programa Saúde na Escola (PSE), do Ministério da Saúde (MS), é constituído por 12 eixos temáticos, que vão desde o combate às arboviroses e a melhora da saúde bucal até a educação sexual. O assessor técnico do PSE, Paulo Barbosa, explica que o programa é trabalhado tanto nos postos de saúde quanto nas escolas, formando parceria saúde-educação por meio de oficinas e palestras para os estudantes.

Entretanto, quando o assunto é educação sexual, o PSE também promove palestras para os responsáveis, a fim de esclarecer o que é a sexualidade e ressaltar a importância da educação sexual. O assessor técnico lembra que, na época da campanha de vacinação contra o Papiloma vírus humana (HPV), muitos responsáveis não permitiram que as filhas fossem vacinadas, por acreditarem que os postos de saúde estariam "estimulando a relação sexual". O HPV é o vírus causador do câncer de colo de útero, garganta ou ânus. É geralmente transmissível por contato pele com pele, mas também pode ser contraído por ato sexual.

"Quando a palestra termina, é impressionante ver o número de pais que têm dúvidas, que nunca foram orientados quanto a isso [sexualidade]. Para se ter uma ideia, todo mundo sabe que tem preservativo feminino. Mas as mulheres não sabem nem como usar o preservativo feminino, e as que usam, usam de uma maneira errada. Então são essas dúvidas que nós também trabalhamos com os pais. E nisso, pedimos para que eles acreditem que a saúde, a sexualidade, é o melhor para os filhos", destaca o assessor técnico.

Já em Fortaleza, o projeto Fique Sabendo Jovem (FSJ) objetiva alcançar jovens de 15 a 24 anos em estado de vulnerabilidade de todas as orientações sexuais, mas com foco em homossexuais, para fazer testes rápidos gratuitamente, além de discutir sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Atuante desde 2015, o FSJ surge a partir de proposta do Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas (Unicef) direcionada à Área Técnica de IST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS).

O coordenador da Área Técnica de IST/AIDS, Marcos Paiva, explica que o diferencial do FSJ é, além de realizar o teste rápido para identificação de ISTs, orientar os jovens sobre as infecções e aconselhá-los após o exame. "Nos casos de resultado reagente [quando há presença de IST], nós temos o cuidado de garantir que as pessoas já saiam com a consulta pré-agendada, principalmente no caso do HIV", completa.

Marcos ainda revela que o Fique Sabendo Jovem está trabalhando, em conjunto com a Secretaria de Municipal de Educação (SME), em um projeto piloto que levará orientações para seis escolas da Regional VI. As séries beneficiadas serão os oitavos e nonos anos, a partir de 2019. "A ideia é trabalhar os adolescentes de forma que eles mesmos possam passar informações para colegas de mesma faixa etária. Os professores serão orientados para dar suporte a esses alunos. É fundamental que os profissionais de educação estejam envolvidos e se apoderem do projeto", afirma o coordenador. A partir da avaliação dos resultados desse projeto piloto, a parceria planejará a expansão da metodologia para outras Regionais.

Visão de parlamentares
Em 2016, o Plano Estadual de Educação (PEE) foi tema de embates na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). O texto foi aprovado com 121 emendas. "Infelizmente, o termo educação sexual saiu do plano, a partir de emendas supressivas de outros deputados e deputadas", explica o deputado estadual Renato Roseno (Psol). Para o parlamentar, o tema é importante para os cuidados e proteção com o corpo de crianças e adolescentes. "É direito e uma necessidade imprescindível para a saúde pública: violências, gravidez na adolescência, ISTs e AIDS somente podem ter redução com prevenção."

Segundo Homero Henrique de Souza, da EDHGS, o texto também não contempla os termos gênero, sexualidade e orientação sexual, mas não impede a discussão nas escolas. "Do ponto de vista político, embora o Plano Estadual de Educação, assim como o Nacional, tenha retirado os termos de gênero, sexualidade, orientação sexual, isso não significa que eles inviabilizaram as discussões, porque trazem metas estratégicas que falam que é papel do Estado desenvolver políticas públicas para se combater toda e qualquer forma de discriminação."

À frente do Projeto de Lei (PL) que institui o Programa Escola Sem Partido no Ceará, a deputada estadual Dra. Silvana Oliveira (PR) afirma que o projeto vem em um momento que as escolas estavam sendo "atacadas" pela "ideologia de gênero" e que a educação sexual era "o grande pretexto". "Eles utilizavam a aula de biologia, por exemplo, para inserir um contexto que não tem nada a ver com educação sexual. Essa orientação sexual tem que partir da família. E o projeto não agride a Constituição, não agride a liberdade de o professor lecionar, ensinar biologia, nada disso."

A deputada defende a abordagem na escola de temas como prevenção de gravidez, uso de preservativo e doenças sexualmente transmissíveis. "Isso aí é outro assunto, é biologia, é matéria mesmo. Mas o que estava sendo exercitado aqui no nosso país era literalmente a tentativa de impor ideologia de gênero."

Afirma também ser favorável ao debate contra a homofobia, mas se incomodou com "a tentativa de impor um modelo de família que contraria o que papai e mamãe ensinam em casa". "O que é família? Duas mulheres e uma criancinha, dois homens, três homens e uma criancinha. Isso aí, pra mim, é imoral. Dizer isso para uma criança é imoral. Eu não concordo."

Mesmo que o PL não seja aprovado — e Dra. Silvana acredita que não será, por perceber resistência na Assembleia —, a parlamentar considera que o projeto "já fez muito bem à sociedade". "Até porque ele não é um projeto impositivo, é um projeto informativo. Nós temos direito constitucional de educarmos as nossas crianças sexualmente para o rumo que moralmente a família entende que é o correto."

A deputada destaca que o Escola Sem Partido tem como base os artigos 226, 227 e 229 da Constituição Federal e no artigo 1.634 do Código Civil. "Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], discorrendo acerca do processo educacional brasileiro, determina que devem ser respeitados os valores próprios do contexto social da criança e do adolescente", complementa.

Impactos da pornografia

Em bate papo sobre o consumo de conteúdos adultos, especialistas discutem a influência na vida de jovens

Smartphones e tablets facilitaram o acesso de crianças à internet, o que simplificou a busca por conteúdos sem tratamento adequado para algumas faixas etárias. O PornHub, site de conteúdo adulto canadense, apresentou em relatório anual que indica o Brasil como um dos 20 países responsáveis por 80% da movimentação do site, vindo majoritariamente de celulares (72%). A ginecologista e sexóloga Débora Britto e a psicanalista Juçara Mapurunga discutem como o consumo de pornografia pode afetar o desenvolvimento social e sexual de meninos e meninas.

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