MEMÓRIAS EM VINIL

No Dia Nacional do Vinil, celebrado em homenagem ao cantor Ataulfo Alves, morto nesta data, o Vida&Arte mostra o espaço dos LPs no mercado e na afetividade dos colecionadores

Por Camila Holanda

Foto: Henrique Dídimo, colecionador (Foto: Camila de Almeida/ O POVO)
Henrique Dídimo, colecionador (Foto: Camila de Almeida/ O POVO)
 

As sensações táteis, visuais, olfativas e sonoras que os discos de vinil provocam são incontestáveis entre os colecionadores. Mesmo diante das milhões de opções ofertadas pelos serviços de streaming, como Deezer e Spotify, tem quem não abra mão de todo o ritual que transcende tirar um long play da capa e colocar uma agulha nos sulcos do disco. É uma relação fetichista. Com a fase que o mercado de vinis vive há pelo menos cinco anos, os interessados pipocam a todo instante.

Mas ser colecionador vai além de acumular discos em estantes e caixas no canto da sala. “Há uma teoria que fala sobre bancos de dados e narrativas. Para mim, a questão não é só juntar muitos discos. Na verdade, tenho todo um critério para os discos que adquiro”, explica o pesquisador e colecionador Henrique Dídimo, que contabiliza em seu acervo 4 mil LPs, 500 compactos
e 1,5 mil CDs.

Busco os discos que podem acrescentar na pesquisa, não só para ter uma boa audição, mas pra poder descobrir boas histórias

Henrique DídimoPesquisador e Colecionador

 

Para Henrique, a pesquisa é o fio condutor de todo o seu acervo, distribuído por três estantes de sua casa. Ele, que estuda música cearense, música brasileira dos anos 1970 e sambas de raiz, ressalta que não compra qualquer material que remeta a estes segmentos. “Busco os discos que podem acrescentar na pesquisa, não só para ter uma boa audição, mas pra poder descobrir boas histórias”. Cascavilhando sites como eBay, Mercado Livre, Discogs, CD&LP, além de grupos no Facebook e no Whatsapp, Henrique vai encontrando discos que narram momentos e personagens da música brasileira que, por diversas razões, ficaram esquecidos ou ocultos.

O DJ Marquinhos Ribeiro compartilha da mesma postura de Henrique: dono de um acervo rotativo - hoje com 500 unidades, entre LPs e compactos -, ele filtrou os discos mais raros e de maior importância afetiva e manteve em sua coleção. Estes não saem da mão nunca. “Tenho dois discos com essa carga afetiva muito forte. Um deles é o primeiro dos Secos e Molhados - minha primeira memória musical. Esse disco tá assinado pelo meu pai até. Era dele. O outro, e que também era do meu pai, é o Tim Maia Racional”, conta.

Vinil é profissão

Foto:  Alan Morais, Dj e colecionador de vinil para o Vida & Arte. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)
Alan Morais, Dj e colecionador de vinil para o Vida & Arte. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)

Também colecionador, o DJ Alan Morais é conhecido pelos bares de Fortaleza por ter um acervo generoso - hoje com 4 mil discos. Há cerca de três anos, ele resolveu deixar de lado a carreira como advogado e se profissionalizar no que ele já fazia de forma amadora: comprar, vender discos e discotecar na noite da Capital. Alan também é responsável por ter estabelecido a cultura das feiras de vinil em Fortaleza. A primeira aconteceu dois anos atrás na cafeteria do Kukukaya, mas foi transferida para a Culinária da Van, onde é realizada atualmente. O Centro Cultural Dragão do Mar e o Mercado dos Pinhões também são palco destes eventos, que movimentam cada vez mais gente. Se nas primeiras edições, as feiras reuniam quatro, cinco expositores, Alan ressalta que, dois anos depois, há cerca de 15 participando ativamente. “Eu me sinto honrado de ter começado esse processo por aqui e essas feiras só tendem a crescer”.

A sobrevida do vinil

Depois de amargar décadas de ostracismo e ser taxado de objeto de museu, os LPs voltam às lojas e já superam as vendas de CDs

Por Marcos Sampaio

Camila de Almeida/ O POVO

Protagonista em vendas de música ao longo de décadas, o vinil amargou um terrível ostracismo com a chegada dos CDs. Os disquinhos prateados chegaram por volta dos anos 90 e tomaram conta das prateleiras, jogando os velhos bolachões de escanteio. Curiosamente, o reinado dos discos digitais durou pouco e, com a explosão da música virtual nas mais diversas plataformas, os CDs entraram em declínio e os LPs voltaram a chamara a atenção dos consumidores que gostam de segurar aquilo que estão ouvindo.

Esse retorno veio numa ascendente tão forte que, em 2015, 17 milhões de Lps foram vendidos nos Estados Unidos, atingindo uma marca semelhante aos áureos anos 80. Os principais contribuintes para essa marca foram a cantora britânica Adele, que vendeu 116 mil cópias do seu álbum 25, e Taylor Swift, que vendeu 74 mil cópias do recente 1989. Empatados em terceiro lugar, com 50 mil cópias vendidas, estão os clássicos Dark Side Of The Moon, do Pink Floyd, e Abbey Road, dos Beatles.

No Brasil, a empolgação em torno do vinil também é crescente. Tanto que a Polysom está perto de perder seu posto de única fábrica de LPs da América Latina. Está programada ainda para este semestre a abertura de mais uma fábrica na Barra Funda, São Paulo. Usando equipamentos e parte do pessoal da extinta gravadora Continental, a Vinil Brasil quer quadruplicar a produção nacional com uma capacidade média de 140 mil discos por mês. Claro, essa notícia tem sido bem, recebida por trazer concorrência a uma hegemonia que ainda pertence à Polysom.

Para a Polysom, o cenário é sempre uma estrada colorida. De 2014 para 2015, a fábrica teve um aumento de mais de 30% em sua produção, chegando a produzir 102.236 LPs no ano passado. Comparando com 2009, quando a fábrica reabriu, o cenário é outro. “Durante três anos depois da reativação vendeu-se bem pouco”, lembra João Augusto, consultor da Polysom acrescentando que recebe dezenas de consulta por dia pelo site, das quais uma média de 20 se confirma por mês. A maior parte dessas encomendas vêm de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, respectivamente.

Para quem compra e para quem vende, a principal crítica aos LPs ainda é o preço. Com a abertura da Vinil Brasil, a concorrência deve modificar esse quadro. Um título nacional novo custa em média R$ 100 a R$ 130 se for uma edição simples – álbuns duplos podem chegar R$ 250. Já para os títulos internacionais, o valor a ser desembolsado é ainda mais azedo. A Head Full of Dreams, novo trabalho do Coldplay, vendido em LP duplo, custa pesados R$ 429,90 no mercado nacional. E se o assunto for as edições comemorativas, box especiais e edições de luxo, o céu é o limite.

Márcio Alves, proprietário da Planet CDs, uma das poucas lojas de discos que resiste em Fortaleza, descreve o mercado de LPs local como “parado, mas com perspectivas de melhora dentro do nicho que é. Jamais será o que foi”. Segundo ele, o público que procura os velhos é bolachões tem em média 30 anos, classe média alta e tem interesse em rock e cantoras internacionais. Entre o público jovem, a procura vem caindo. Mesmo quando o assunto são os boxes especiais que trazem, além dos LPs, livros, fotos, botons e outros mimos, a procura ainda é restrita, uma vez que os preços tornam-se ainda mais salgados.

Vídeo

Em 2014, a TV O POVO exibiu reportagem sobre fortalezenses apaixonados pelo objeto

Dicas para guardar e manter

(Deivyson Teixeira, em 04/05/2010)
 

1 Lavar LPs e compactos com água e sabão neutro. Evitar abrasivos e esfoliantes. Cuidado com o rótulo. Se molhar, não passe a mão e deixe secar ao ar livre.


2 Para secar, usar um pano de algodão, como uma camisa velha. Evitar o algodão em si, flanela e almofadinhas de limpar discos;

3 Há algumas formas de restauro dos discos. Passar um pano úmido nas capas que são plastificadas e nos plásticos que guardam os discos. Comprar plástico novo também é uma dica para manter o disco com a melhor aparência possível.

Feiras e lojas que vendem vinis em Fortaleza

- Culinária da Van (feira) Rua Waldery Uchôa, 230 -Benfica;
- Mercado dos Pinhões (feira). Praça Visconde de Pelotas, 41 - Centro;
- Centro Cultural Dragão do Mar (feira). Rua Dragão do Mar, 81 -Praia de Iracema;
- Livraria Cultura (loja) Av. Dom Luís, 1010 - Aldeota;
- Livraria Saraiva (loja) Shopping Iguatemi. Av. Washington Soares, 85 Edson Queiroz;
- Desafinado (loja): Av. Dom Luís, 655 – Aldeota

Acervo que também é pesquisa

Por Henrique Dídimo

 

"A função de se ter uma coleção dessas não é apenas para "juntar discos", mas para possibilitar pesquisas. Um bom exemplo disso é a relação da música com o cinema. Tenho em minha coleção vários discos que foram úteis para realizações audiovisuais. Por exemplo, nesse filme que lancei na terça-feira, 19, o "Suaçuamussará", sobre os povos indígenas do Ceará, usei como pesquisa um compacto da Funarte (foto), lançado nos anos 70, que tem importantes registros da música indígena cearense, com gravações raras de cantos do Torém. Outros desses compactos da Funarte usei como referência no meu documentário "Cocos de Beira-Mar", lançado em 2012. E, no caso desses compactos, além das músicas, há textos excelentes e bastante esclarecedores que foram fundamentais nas pesquisas desses filmes. Outro caso foi um videocenário que realizei para um show que a cantora Jord Guedes fez em homenagem ao Pessoal do Ceará: no vídeos, usamos fragmentos de capas e desenhos das artes dos discos. Ou seja, além das músicas, a arte das capas e encartes, os textos e informações, tudo isso, que está presente nos LPs, tem sido útil em meus trabalhos audiovisuais. Uma coleção de discos não tem serventia se ficar guardada, só vale a pena se tiver sendo ouvida e servir de fonte para novas criações e pesquisas."

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