Mais do que apenas uma gelada

Chegar em casa após uma semana cansativa e abrir uma boa cerveja é uma sensação única para muitos amantes dessa bebida. Imagina se for uma cerveja feita por você, do jeito e com o sabor que você mais gosta a cada gole?

Por Lua Santos (Textos)

Em busca de qualidade e personalização, amantes de cerveja estão optando mais e mais por marcas artesanais ou mesmo por produzir a própria bebida em casa. Segundo relatório da Mintel Brasil – agência de inteligência de mercado internacional –, o consumo das chamadas cervejas especiais no Brasil cresceu 36% em 2015. Ou seja, o brasileiro está lidando com uma nova forma de consumir o produto: bebendo em menor quantidade e investido na qualidade daquilo que consome.

Mas será que cerveja especial é a mesma coisa que cerveja artesanal? Cerveja artesanal é só cerveja feita em casa? Todas aquelas cervejas importadas das prateleiras dos supermercados são cervejas especiais? São muitas as perguntas. Vamos agora desvendar cada ponto de tema.

Comercial, especial ou artesanal?
Para começar, é importante definir o que é cerveja artesanal, cerveja comercial e cerveja especial. Podemos começar dizendo que cervejas comerciais são aquelas fabricadas em grandes quantidades, por grandes empresas cervejeiras, vendidas a um preço mais acessível. Já as cervejas especiais são os rótulos premium dessas cervejas tradicionais, por assim dizer. E as cervejas artesanais são aquelas feitas de forma mais caseira – mas não necessariamente em casa. “A grande diferença está no propósito para o qual é feita aquela cerveja, [passando pelos] ingredientes, escolha da receita, público a ser atendido... É diferente de uma cervejaria de massa cujo objetivo principal é o lucro da empresa”, explica Wellington Alves, sócio da microcervejaria 5Elementos, primeira microcervejaria artesanal de Fortaleza, inaugurada em outubro, no bairro Luciano Cavalcante.

Erick Mesquita, gerente do Hey Ho Beer – um bar e loja especializada em cervejas artesanais que inaugurou em setembro, em Fortaleza–, explica ainda sobre a atenção dos cervejeiros artesanais durante a fabricação da cerveja. “Tem um cuidado todo especial com os insumos que vão entrar na receita do produto, o cuidado de você acompanhar a fermentação da cerveja para ela não sair com defeitos... [Porque] existem defeitos que acontecem na parte de fermentação e quem está na microcervejaria, que está fazendo essas cervejas diferentes, tem esse cuidado todo. O artesanal vem disso, é uma produção menor e você faz não só pensando em vender, não só em lucro, mas em oferecer um produto de qualidade para a galera que conhece e [que sabe] dizer que um produto é bom e tal."

Toda cerveja artesanal é caseira?
Não necessariamente. É verdade que é cada vez mais comum ver as pessoas fabricando em casa suas próprias cervejas. Essas cervejas caseiras, quando feitas por pessoas experientes, têm a mesma qualidade de uma fabricada por uma microcervejaria. A diferença é que “a cerveja caseira não tem o registro da vigilância sanitária que permite a sua comercialização. Ela é feita somente para consumo próprio”, explica Carol Zilles, beer sommeliére e sócia da /Bru/ Cervejaria, bar e café inaugurado no início de outubro, na avenida Júlio Abreu, na Varjota.

Ou seja, toda cerveja caseira é artesanal, mas nem toda cerveja artesanal é caseira, uma vez que as cervejas artesanais que encontramos à venda não são feitas em casa. “O processo da fabricação da cerveja é muito semelhante, seja em uma cervejaria de massa, artesanal ou caseira. A diferença é que, na cervejaria caseira, você está usando equipamentos que foram adaptados para usar em casa. E a maioria desses equipamentos não segue uma normatização que poderia permitir uma possível regulamentação para que, posteriormente, a cerveja pudesse ser vendida como artesanal”, finaliza Wellington.

Ah, mas elas são muito caras...
O valor de uma garrafa de cerveja artesanal traz em si muito mais do que apenas o preço dos ingredientes utilizados na fabricação. Há o cuidado desde o planejamento da receita até o sistema de envase. E como tudo o que é acompanhado passo a passo manualmente, há um valor a mais embutido. Em troca, o sabor e a experiência de provar este tipo de cerveja. “Eu sempre digo que existem duas coisas: o beber e o apreciar. Se você está em um churrasco com seus amigos, está em um casamento, em uma festa, você não vai ligar muito em pegar, cheirar a cerveja, apreciar... Você quer se divertir. Isso é beber. Quando você vem pra degustação, isso muda um pouco... As pessoas que gostam das boas cervejas têm essa ideia de que, primeiro, são cervejas caras. E como são cervejas mais caras - e tem um motivo para isso - não dá para passar a noite toda bebendo”, explica João Filho, especialista em cervejas e beer sommelier.

“Beba menos, beba melhor”
Essa frase já foi usada até como slogan por uma famosa cervejaria comercial brasileira. Mas a verdade é que essa frase surgiu na chamada revolução cervejeira dos EUA nos anos 1990, “Drink less and better”. “Acho muito saudável o ‘beba menos, beba melhor’. A revolução americana começou disso: o cervejeiro que não aceitava isso que estava no mercado. E, então, o pessoal começou a produzir a sua própria cerveja”, conta João Filho.

Outro motivo que leva o consumidor de cervejas artesanais a acabar bebendo menos é o fato delas saciarem mais facilmente. “É o conceito de cerveja como alimento”, destaca Carol Zilles. E João Filho complementa: “São cervejas que, em alguns casos, têm mais corpo. Elas acabam nos saciando. Por exemplo, peguemos uma cerveja de trigo. Você fica mais satisfeito [ao bebê-la] do que uma cerveja pilsen brasileira. Como essas são mais leves, você não toma apenas uma... Já as cervejas especiais, você não bebe tanto assim porque elam te saciam com mais rapidez e você fica mais satisfeito.”

Mas cerveja boa não é a importada?
“O Hey Ho, hoje em dia, tem cerca de 100 rótulos [artesanais] e aproximadamente 95% da nossa carta é nacional”, revela Erick Mesquita. A máxima entre os amantes e fabricantes de cervejas artesanais é a de que a melhor cerveja é aquela que você bebe vendo a fumaça da chaminé. Ou seja, quanto mais perto da fábrica, melhor, uma vez que a bebida não vai sofrer alterações devido a fatores como transporte, temperatura e, mesmo, envelhecimento dentro da garrafa. “Uma IPA, que é uma cerveja mais amarga, tem que ser bebida logo. Porque o lúpulo, no caso dessa cerveja, é muito volátil, por assim dizer. Com o passar do tempo, ele [o lúpulo] vai perdendo o aroma”, destaca João Filho.

O que ainda se vê são muitas pessoas tendendo a valorizar apenas o que vem de fora. “Esse é o estereótipo que se criou, até porque aqui no Brasil não se tem essa cultura de cerveja como em outros países. Nos EUA, tem o suporte ao local brewer [ver glossário], toda cidade tem uma cervejaria”, ressalta João Filho.

Já Vicente Monteiro da Silva Filho, sócio da Vândala – loja especializada em insumos para fabricação de cerveja em casa, localizada no bairro Benfica e aberta há pouco mais de um ano – afirma que “o que faz uma cerveja boa em ordem de importância são: os ingredientes e a pessoa que a fábrica”. A discussão também faz com que Monteiro lance a pergunta: “Boa para quem?”. De fato, definir uma cerveja como boa ou ruim é algo singular, vai do gosto de cada pessoa.

Cerveja feita em casa

Tipo de cervejas

Para não cometer nenhum erro ao dizer coisas tipo "não gosto de lager, prefiro pilsen" ou mesmo para ter uma ideia do que você está bebendo, que tal conhecer, ainda que de forma resumida, os principais estilos de cervejas existentes?

Lager

Família de cervejas de baixa fermentação. Geralmente são mais claras e leves. São lagers:

Pilsen - Douradas e brilhantes, apresentam leve amargor e são bem conhecidas no Brasil;

Schwarzbier - Cervejas escuras feitas a partir de malte torrado. Seus aromas lembram caramelos, cacau e café;

Bock - Em geral, são avermelhadas, mas também possuem versões claras (heller bock) ou escuras (dunkler bock). São maltadas e têm teor alcoólico mais alto, em torno de 6,8%.

 

Ale

Família de cervejas de alta fermentação, sabor frutado e com maior corpo. Existem vários estilos - como a Indian Pale Ale (IPA), queridinha dos cearenses e com amargor marcante. Outros estilos são:

Weizenbier ou Weissbier - São as famosas cervejas de trigo típicas. Geralmente não são filtradas, mas existem versões filtradas e, até mesmo, bock.

Stout - Existem vários estilos de stout (dry stout, foreign extra stout, oatmeal stout, american stout, russian imperial stout), o que faz com que ela possa ter corpos mais baixos ou altos. De sabor intenso, ela traz em si os aromas da torrefação;

Dubbel - Clássica cerveja de estilo belga, cor amarronzada e aromas frutados.

 

Lambic

Originárias da Bélgica, mas precisamente da região de Leembek, elas têm fermentação espontânea e seu sabor lembra muito um vinho do tipo espumante.

Faro - Cerveja da família lambic com adição de açúcar;

Geuze - Trata-se, na verdade, de um blend de cervejas lambic;

Kriek - Cerveja da família lambic na qual cerejas são adicionadas durante o período de maturação.

 

Híbridas

São cervejas que trazem em si diferentes marcas. Isso porque dentro de cada uma dessas famílias existem uma infinidade de estilos, tipos e marcas de cervejas artesanais. São aproximadamente 150 tipos de cervejas catalogadas até hoje.

 

Glossário cervejeiro

ABV

Sigla de alcohol by volume, "álcool por volume" em inglês. É definido como o volume em ml de etanol puro em 100 ml de uma solução a 20°C. Ou seja, uma cerveja com 10% de ABV contém 10 ml de etanol puro a cada 100 ml de cerveja.

Adjunto

No contexto de produção de cervejas, considera-se adjunto qualquer ingrediente que não seja água, malte, lúpulo ou levedura. Quase tudo pode ser um adjunto: grãos não maltados, açúcares, frutas, flores, ervas, especiarias etc.

Carbonatação

Teor de gás carbônico (dióxido de carbono - CO2) presente na cerveja.

Cervejaria cigana

Cervejaria que não tem fábrica própria, ou seja, terceiriza sua produção na fábrica de outra cervejaria.

Fermentação

Processo no qual a levedura consome os açúcares fermentáveis do mosto, transformando-os em álcool etílico e gás carbônico (dióxido de carbono - CO2).

Growler

Garrafão para transporte de cerveja. Geralmente feito de cerâmica, vidro ou aço inox. Existem growlers de diferentes capacidades, sendo o mais comum entre um e três litros.

Homebrewing

Prática de produção caseira de cervejas. Quem pratica este hobby é denominado homebrewer ou cervejeiro de panela.

IBU

Sigla de International Bitterness Unit. É uma escala para medir o amargor nas cervejas, sendo que 1 IBU = 1 mg de alfa ácido (α-ácido) isomerizado por litro de cerveja.

Local brewer

"Cervejeiro local", ou seja, fabricantes de cerveja da mesma cidade na qual ela é vendida.

Maturação

Processo após a fermentação no qual a cerveja é mantida em torno 0°C por algumas semanas para sedimentar todas as partículas sólidas e “arredondar” os sabores. Muitas vezes adjuntos como frutas, ervas e especiarias são adicionados nessa etapa, assim como o dry-hopping (técnica que potencializa os aromas do lúpulo antes da fervura).

Sommelier ou sommelière

Profissional especialista sobre a história, características sensoriais, harmonizações e serviço dos diferentes estilos de cerveja. Existem também sommeliers (homens) e sommelières (mulheres) de outras bebidas como vinho e chá.

Fonte: Mestre Cervejeiro

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