Pesquisa fotográfica do biólogo Fábio Nunes e da ecóloga Ileyne Tenório Lopes, da Aquasis, lança luz sobre a necessidade de preservação das aves da serra de Baturité, no Ceará. Em especial sobre 12 espécies que estão ameaçadas de extinção
Os nomes (populares) são de pássaros que, se não cuidarmos, virarão memória nos olhos de quem teve a sorte de encontrá-los na floresta. As doze raridades estão marcadas com um selo de “ameaçadas” de extinção no Guia Fotográfico: Aves da Serra de Baturité. Uma publicação de campo, lançada recentemente pela ONG Aquasis e assinada pelo biólogo Fábio de Paiva Nunes e pela ecóloga Ileyne Tenório Lopes. O livro é também um convite para discutir a preservação da biodiversidade no Maciço de Baturité e o que a avifauna dali tem a ver com a vida da gente.
Além das doze aves que estão por um triz, mais 139 pássaros diferentes são retratados no guia de bolso. Imagens e verbetes que revelam a multiplicidade de animais, seus hábitos e o que alguns enfrentam para continuar a existindo.
A floresta preservada ficou menos, por exemplo, para o uru (Odontophorus capueira plumbeicollis). Um galináceo pequeno e topetudo que, com a urbanização das serras, passou a ser presa do gato doméstico e das armadilhas de caçadores. No Ceará, conta Fábio Nunes, o uru só ocorre na Serra de Baturité.
A população de jacucaca ou jacu-verdadeiro (Penelope jacucaca) também vem sofrendo com a redução dos bandos, por causa da caça ilegal e do desmatamento predatório. Tanto que seu estado atual de conservação é considerado “vulnerável” pelo Ministério do Meio Ambiente. O agravante é que a jacucaca é uma ave endêmica do Brasil. Na Terra, só ocorre aqui.
Frugívera, caso desaparecesse, deixaria de espalhar sementes e de reflorestar a Caatinga, o Cerrado e as matas secas das serras. O fruto do juazeiro por fazer parte da dieta da ave.
Cores Azul escuro, vermelho, azul metálico, verde, preto, amarelo, cinza... Uma palheta de tons veste o “fraque”, a cabeça, as asas, as pernas, o bico e a cauda da saíra-militar (Tangara cyanocephala cearensis). O bicho exuberante, embora não se adapte à gaiola, ainda é perseguido por traficantes. É um pássaro “totalmente dependente” da floresta. E, “além de Baturité, ocorre na Aratanha e Maranguape”, explica Fábio Nunes no Guia.
A história do periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus), apesar de ainda fazer parte da lista de ameaçados, tomou um rumo diferente em relação aos que correm o risco de desaparecer. Foi depois que a Aquasis, apoiada por outras instituições, como a Fundação Boticário, começou a reverter a situação.
Fábio Nunes conta que a espécie desceu, em 2015, da condição de “perigo crítico de extinção (CR)” para “em perigo (EN)”. Classificação utilizada pelo Ministério do Meio Ambiente. Para a International Union for Conservation of Nature (IUCN), no entanto, a existência do pássaro permanece crítica.
“Houve grandes avanços”, afirma Nunes. “A população de periquitos-cara-suja, na serra de Baturité, experimentou um aumento significativo nos últimos anos”. Segundo o biólogo, somente nas caixas-ninho (feitas de madeira) nasceram e voaram mais de 300 indivíduos. “Isso é mais do que a estimativa oficial de todos os periquitos-cara-suja na natureza quando começamos a trabalhar com a espécie”.
Porém, segundo critérios da IUCN, “falta a repovoação da espécie em áreas históricas para diminuir a perda de habitat enfrentada nos últimos 30 anos (mais de 85%)”. De acordo com Fábio Nunes, a espécie já foi registrada em outros tempos em pelo menos 15 áreas no Ceará. Hoje só ocorrem em três biomas. Um deles, a Serra Azul, espaço onde se descobriu a existência de alguns indivíduos em 2014. “Só restam quatro exemplares e estamos trabalhando para tentar não perdê-los”, projeta o biólogo e fotógrafo.
Aves ameaçadas de Baturité
Pesquisa fotográfica lança luz sobre a necessidade de preservação das aves da serra de Baturité, no Ceará. Em especial 12 espécies que estão ameaçadas de extinção
Uru (Odontophoruscapueiraplumbeicollis) Segundo a Aqausis, no Ceará, a espécie só ocorre na serra de Baturité. Tem o canto forte e vocaliza “urú-urú”. Vive em florestas preservadas . Uma das espécies mais raras e ameaçadas da região.
Jacucaca ou jacu-verdadeiro (Penelope jacucaca) Muito rara, é perseguida pelos caçadores. Vive em grupos e quando se sentem ameaçadas emitem sons altos de alerta.
Periquito-cara-suja (Pyrrhuragriseipectus) A espécie ocorria em boa parte do Nordeste brasileiro. Atualmente, só pode ser encontrado na serra de Baturité, Quixadá e Ibaretama. O tráfico e a destruição do habitat o colocaram na condição de criticamente ameaçado de extinção.
Tucaninho ou tucaninho-da-serra (Selenideragouldiibaturitensis) Ocorre na Amazônia e serra de Baturité. Por conta desse isolamento, entre as duaspopulações, é considerado uma subespécie raríssima e ameaçada de extinção.
Arapaçu-de-garganta-amarela (Xiphorhynchusguttatusgracilirostris) Tem registro confirmado somente no Ceará, nas serras da Ibiapaba e de Baturité. Pouco abundante e arisco, vive no interior da floresta úmida. Vai à borda para se alimentar.
Saíra-militar ou pintor (Tangara cyanocephalacearensis) Esta subespécie só tem registro no Brasil para as serras da Aratanha, Maranguape e Baturité. É do interior da mata, mas vem à borda, aos pomares e comedouros.
Pintassilgo-do-nordeste (Spinusyarrelli) Perseguida por traficantes, já foi muito abundante em Baturité. Ameaçada de extinção, com sorte pode ser vista no período chuvoso.
Vira-folha-cearense (Scleruruscearensis) Possui registros apenas no Ceará. Nas serras da Ibiapaba, Baturité, Itatira e Chapada do Araripe. Habita os bosques sombreados das matas preservadas, virando folhas secas atrás de alimento.
Chupa-dente-do-nordeste (Conopophagacearae) Ave discreta que habita somente os sub-bosques preservados. Vivem aos casais. O macho possui trechos brancos na lateral da cabeça, ausentes da fêmea.
Maria-do-nordeste (Hemitriccusmirandae) Vive no interior da mata úmida e pode ser vista executando voos curtos, entre galhos, para capturar insetos. É uma das raridades de Baturité.
Choca-da-mata (Thamnophiluscaerulescenscearensis) Segundo o Guia de Aves de Baturité, a ave só é encontrada na serra de Baturité. Vive em casal, defendendo o território de indivíduos da mesma espécie.
Arapaçu-rajado-do-nordeste(Xiphorhynchusatlanticus) Ave rara, ocorre apenas em algumas florestas úmidas do Ceará. Conhecida também como Subideira, escala troncos em busca de insetos e larvas.
Banho dos pássaros
Banho dos pássaros
Falta catálogo de espécies em extinção
O biólogo e observador de pássaros, Thieres Pinto, defende que mapeamento e trabalho de preservação devem ser realizados de maneira mais sistêmica
A falta de uma lista das espécies ameaçadas de extinção da avifauna do Ceará é um prejuízo para a criação de programas de conservação no Estado. Segundo o biólogo e observador de pássaros, Thieres Pinto (thieres@sertoesconsultoria.com.br), da Sertões Consultoria Ambiental, o mapeamento e trabalho de preservação deveria ocorrer de maneira mais sistêmica. A extinção de uma ave pode tornar mais pobre o êxito reprodutivo de parte da flora de um bioma. (Demitri Túlio)
O POVO - O que pode desencadear a extinção de uma espécie em uma floresta como a do Maciço de Baturité?
Thieres Pinto - Ecologicamente todas as espécies desempenham um papel dentro de um ecossistema. Algumas acabam assumindo papéis mais cruciais que outras. Por exemplo: uma ave frugívora de grande porte, como um Jacu ou um Mutum, pode ser responsável pela dispersão de sementes de uma determinada espécie de planta, de frutos e sementes de grande porte. Sendo assim, a extinção desse grupo de aves levará à redução no sucesso reprodutivo destas árvores. Consequentemente na redução do recurso que as mesmas ofereciam. Isto influenciaria toda uma cadeia dentro deste ecossistema e o tornaria pobre.
OP - Quais parâmetros científicos usados para decretar que uma espécie está extinta?
Thieres - A definição de extinção que mais aplica foi estipulada pela IUCN (International Union for Conservation of Nature) e diz que um táxon considera-se extinto quando não restam quaisquer dúvidas de que o último indivíduo morreu. Um táxon está presumivelmente extinto quando falharam todas as tentativas exaustivas para encontrar um indivíduo em habitats conhecidos e potenciais, em períodos apropriados (do dia, estação e ano), realizadas em toda a sua área de distribuição histórica. As prospecções devem ser feitas durante um período de tempo adequado ao ciclo de vida e forma biológica do táxon em questão. Ou seja, deve-se buscar o animal em questão da forma mais apropriada e eficiente possível por pelo menos o período de um ciclo de vida inteiro do animal após a última avistada do mesmo.
OP - Há alguma ave que desapareceu definitivamente das matas do Ceará?
Thieres - Historicamente há várias aves que foram registradas no Ceará que hoje não se tem mais registros recentes. Naturalistas cearenses citavam grandes revoadas de várias espécies de araras nos paredões da Ibiapaba e da Chapada do Araripe. Estas já não se podem mais ver por aqui. Porém ainda não temos uma compilação/catalogação de todas as espécies de aves já registradas no Ceará e nem um esforço para avaliar, localmente, seu risco de extinção ou se já foram extintas. Ou seja, nos falta uma lista de espécies ameaçadas estadualmente.
OP - Qual a importância dos observadores de pássaros na conservação das espécies?
Thieres - Os observadores de aves aumentaram muito o esforço de levantamento de informações, o que tem possibilitado um melhor conhecimento da ornitofauna existente atualmente no Ceará. Além disso, a atividade de observação de aves cria um vínculo maior das pessoas com nossa biodiversidade, o que as faz se tornarem sensíveis à conservação de nossas espécies e matas. Isso já é um grande avanço para a conservação de nossas espécies.
Quase R$ 400 mil para a reprodução do periquito-cara-suja
Ao longo de 48 meses, a Fundação Boticário repassou R.620,32 à Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) para fomentar ações de estudo e recuperação da população do periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus). A ave, exclusivamente nordestina e que ocorria em muitos estados da região brasileira, entrou na lista de animais cuja existência está por um fio.
A história meio que se repete no Brasil. Ameaçados, por causa da destruição de habitats e a captura ilegal de animais silvestres, as espécies mais vulneráveis não suportam a redução dos territórios de sobrevivência. Caso do periquito-cara-suja que, hoje, só ocorre no Ceará — quase restrito às florestas serranas de Baturité.
Segundo Emerson Oliveira, coordenador de Ciência e Informação da Fundação Grupo Boticário, desde 2010 o Boticário viu no trabalho de recuperação dos bandos de periquitos-cara-suja a oportunidade de também contribuir com a regeneração da biodiversidade da mata úmida de Baturité.
Além de apoiar a lida com o periquito-cara-suja, a Fundação Boticário destina recursos para o Programa Extinção Zero no Ceará, da Aquasis. Estão incluídos projetos com tartarugas marinhas, conservação do jacu verdadeiro na Reserva Particular do Patrimônio Natural Mãe-da-Lua (Itapagé), preservação da vegetação da Estação Ecológica de Aiuaba (Inhamuns) e manejo com botos e peixe-boi.
Efeito colateral Quando uma espécie sai da lista de animais ameaçados de extinção, outras espécies da fauna e flora se beneficiam. O biólogo Fábio Nunes, da Aquasis, é quem atesta. Atualmente, a instituição está em busca de comprar uma área na serra de Baturité para transformar em reserva.
O interesse, explica Fábio Nunes, é de reforço à preservação do ambiente onde vive o periquito-cara-suja e uma infinidade de indivíduos. Quem tiver interesse em negociar uma porção de floresta para “preservação perpétua”, o biólogo pede para entrar em contato (fabio@aquasis.org). Seguindo a mesma lógica, a Aquasis comprou uma propriedade no Crato. Para proteção do soldadinho-do-Araripe (Antilophia bokermann). “Precisamos criar um santuário para as aves na serra de Baturité”, afirma Nunes.