Cuidar da Natureza para preservar

Em 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) propoe como tema para o Dia Mundial da Água, 22, soluções naturais para problemas hidricos

 

 

Anualmente, o dia 22 de março é marcado por temáticas relacionadas à preservação de recursos hídricos, por meio do Dia Mundial da Água. Celebrada pela primeira vez em 1993, a data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, a cada ano, traz um tema correspondente a um desafio atual ou futuro. Para 2018, a proposta é “A natureza pela água”, visando o uso de estratégias naturais para a criação de soluções para problemas hídricos.

 

Foto: GETTYIMAGES
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Conforme afirma o professor titular do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), Suetônio Mota, a água representa “um dos grandes problemas do mundo”, tanto pela quantidade — que, apesar de suficiente à população, não está bem distribuída — quanto pela qualidade — quando a água disponível não está em condição adequada para uso. “Então, qualquer movimento no sentido de conscientizar a população e divulgar a necessidade de racionalizar o uso e proteger a qualidade da água é muito importante”, afirma.

A população global, de acordo com a ONU, aumentará em dois bilhões de pessoas até o ano de 2050 e, até lá, a demanda pela água pode crescer 30%. A projeção da entidade também é de que “com as transformações do clima e a manutenção de padrões insustentáveis de produção, a poluição e a desigualdade na distribuição vão se agravar, bem como os desastres associados à gestão da água”.

Com esse cenário, o tema proposto pela instituição para este ano pretende gerar reflexão sobre a gestão de recursos ambientais para criar soluções para questões hídricas. Vegetação, solos, mangues, pântanos, rios e lagos são citados pela entidade como exemplo desses recursos, pelas suas capacidades naturais para armazenar e limpar a água. Algumas possibilidades para garantir estoques de água limpa, segundo a ONU, são a proteção e a expansão de zonas pantanosas e a reposição de reservatórios hídricos subterrâneos.

As iniciativas têm custo menor do que represas construídas pelo homem. Segundo Mota, a água relaciona-se com outras características do meio ambiente e ações tomadas para preservá-lo terão impacto na conservação dos recursos hídricos. “A água tem um escoamento muito grande nas encostas, então, quando se preserva essas encostas com vegetação, evitando ocupá-las ou desmatando menos, garante-se que a água tanto escoe melhor quanto garante uma quantidade melhor distribuída”, afirma. Outro exemplo citado pelo professor são as dunas, que, por serem porosas, funcionam como áreas de recarga de aquíferos. “A água está sempre ligada ao ambiente. A poluição atmosférica, por exemplo, pode terminar causando a sua poluição."

Atenção do mercado da Água

Durante a produção de águas envasadas, uma das iniciativas para preservar a matéria-prima pode ser a reutilização de parte da mesma que seria descartada. No processo de osmose reversa, que é utilizado para purificar a água, por exemplo, cerca de 30% do volume tratado corresponde a rejeito, com concentração do sal que é retirado da água de entrada, e pode ter novos usos.

O procedimento é utilizado, inclusive, em empresas associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Águas Purificadas Adicionadas de Sais (Abinap). Com 12 anos de atuação na representação de empresas que produzem água adicionada de sais — que, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é caracterizada por receber a adição de pelo menos 30mg/L de sais minerais —, a entidade conta com 38 associados no Ceará e, ao todo, 65 no Brasil.

“Em vez de expurgar, reutilizamos [o rejeito] exatamente pensando em proteger a água, que é um bem tão precioso”, reforça Ricardo Lopes, presidente da Abinap. Além disso, Lopes cita outras iniciativas sustentáveis que fazem parte dessa cadeia de produção, como a venda do plástico proveniente de garrafões fora do prazo de validade para reutilização — além da possibilidade de tampas e rótulos serem reaproveitados. “Ou seja, todos os produtos dos insumos que nós utilizamos, no seu contexto, futuramente tornam-se reutilizáveis”, pontua.

Uma das empresas associadas à Abinap, a Lafonte é um exemplo que coloca em prática o sistema de osmose reversa e que reutiliza a parcela que seria descartada. “Esse volume é reaproveitado para lavar pátios e irrigar a grama e a vegetação de 230 hectares de plantas nativas, mantendo o verde e a vida do meio ambiente que nos fornece uma água pura”, explica Régis Lopes Melo, químico da Lafonte. Além disso, outras ações são adotadas pela empresa, como proteção dos poços por uma casa vedada, permanente esterilização do ar, proteção dos poços com revestimento inox e treinamento dos funcionários em boas práticas de fabricação e de higiene e em utilização de maquinário automatizado.

 

 

Novos Estudos

Relatório apresentado no dia 19 de março por Audrey Azoulay, diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e por Gilbert Houngbo, diretor do UN-Water (ONU Água, em tradução livre), durante 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília, trouxe a discussão sobre a utilização de infraestruturas cinzas, construídas pelo homem, e soluções mais verdes, com a preservação das funções dos ecossistemas, para a economia de uso da água.

“Por muito tempo, o mundo tem se transformado em um lugar onde as melhorias para a gestão hídrica são baseadas primariamente nas infraestruturas construídas pelo ser humano, conhecidas como ‘infraestruturas cinzas’. Com isso, conhecimentos tradicionais e indígenas, que abrangem soluções mais ‘verdes’, são constantemente deixados de lado. Três anos após a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, é hora de reexaminarmos as soluções baseadas na natureza para que nos auxiliem a alcançar os objetivos relacionados à gestão hídrica”, escreveu Houngbo no prefácio do Relatório.

A estimativa do estudo é que com a utilização de soluções verdes é possível aumentar a produção agrícola em 20% em todo o mundo. A partir da análise de projetos de desenvolvimento agrícola de 57 países de baixa renda, descobriu-se que a combinação entre redução de uso de pesticidas e melhor cobertura do solo aumentou as colheitas em 79%.

Já para áreas urbanas, o relatório cita como benéficos à preservação da água a construção de mais paredes verdes, jardins em terraços, reciclagem e coleta de água, reservatórios para recarga de águas subterrâneas e proteção de bacias hidrográficas.

Filmes para refletir

Entre os dias 18 e 23 de março, o Green Film Festival levará ao Cine Brasília uma programação com longas e curtas-metragens nacionais e internacionais* e debates. Na programação, concorrem à premiação em dinheiro e ao Prêmio Green Drop, que contempla produções que promovem a sustentabilidade. Com sessões gratuitas, o festival faz parte da 8ª edição do Fórum Mundial da Água, evento realizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água, organização internacional com a participação de membros de mais de 50 países. Em 2018, o Fórum chega ao Brasil e tem Brasília como cidade-sede do evento.

Confira quatro dos longas-metragens que serão exibidos no festival e que abordam a temática da água:

As Damas Azuis  
(Las Damas Azules)
Bérengère Sarrazin – Espanha – 62 min – 2015

O documentário mostra a luta de mulheres andinas contra a expansão da maior mina a céu aberto da América Latina, que ameaça rio na região de Cajamarca, no Peru

O Jabuti e a Anta
Eliza Capai – 71min – Brasil – 2016
Após grande seca na região sudeste, a cineasta Eliza Capai viaja até as represas construídas nos rios Xingu, Tapajós e Ene, na Floresta Amazônica, e conversa com ribeirinhos, pescadores e povos indígenas da região.

Rio de Memórias
Avi Belkin e Avi Levi – 60 min – Israel – 2015
O filme aborda a história do rio Yarkon, o mais famoso de Israel, desde que seus recursos eram compartilhados por árabes e judeus até a notoriedade que ganhou pelas águas poluídas e o atual processo de recuperação.

Rio Manchado de Azul
Roger Williams and David Mcllvride – 96 min – Canadá – 2016
Com narração de Jason Priestley, o documentário acompanha o conservacionista Mark Angelo e mostra impactos causados por processos têxteis em águas fluviais.

De olho em soluções naturais

Manutenção de Áreas de preservação ambiental, respeito aos limites de exploração de fontes hidrominerais e reutilização são medidas que ajudam a preservar a água e evitam desperdicio.

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Um dos itens mais presentes na composição do corpo humano, a água é um recurso de grande relevância para a vida e, atualmente, encontra-se ameaçada por fatores, como o crescimento da demanda por ela — com o aumento da população e das atividades industriais, por exemplo —, desperdício e poluição. O tema do Dia Mundial da Água de 2018, “A natureza pela água”, alerta para a importância da adoção de medidas baseadas no meio ambiente como solução dos problemas hídricos. Recursos da própria natureza podem ser eficientes na preservação da água e das fontes das quais ela é retirada, por exemplo.

De acordo com Carlos Alberto Lancia, geólogo e presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam), a preservação ambiental é fundamental para que os recursos naturais sejam mantidos vivos e abundantes. No caso das indústrias de água mineral natural, uma das medidas é a manutenção de área de proteção ambiental, definida em lei, em cada fonte.

O presidente afirma que nessa área de preservação não pode haver nenhuma atividade. “Não tem plantação, não tem nenhuma atividade agrícola ou industrial. Preserva o meio ambiente, a fauna e a flora dessa área. Quando são somadas as áreas de proteção de todas as fontes de água mineral do Brasil, tem-se uma área de preservação ambiental do tamanho do estado de Sergipe”, explica.

O respeito ao tempo de residência da água — tempo que a água permanece nas rochas até se tornar mineral — é outro exemplo de atitude que ajuda na preservação das fontes hidrominerais. É feito um cálculo matemático que aponta quanto de água mineral foi formada e quanto dela pode ser extraída, de forma que a fonte mantenha sua produção constante. “O tempo de residência da água não permite que eu explore aquilo que tenho vontade, apenas permite que eu envase aquilo que a natureza me oferece. Por isso, não tem exaustão, degradação. A minha produção está diretamente proporcional ao que a natureza proporciona. Você nunca viu, no Brasil, alguém dizer que secou uma fonte de água mineral. E nunca vai ver.”

Superintendente da sucursal cearense da Abinam, Lucas Ferianci ratifica a importância do controle da quantidade de água retirada do subsolo. “É um cuidado que temos nas nossas fontes para que todo o ciclo hidrográfico aconteça e não haja uma superexplotação, que seria retirar água demasiadamente do solo”, afirma. A explotação deve ocorrer de acordo com o limite aprovado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que regula a atividade das indústrias de água mineral no Brasil. “Se você seguir o que está aprovado, auditado e fiscalizado, você mantém constantemente a fonte. Tem fontes que estão há mais de 50 anos bombeando e sem baixar o nível”, explica.

Outro cuidado é em relação à poluição. Ferianci esclarece que, para evitar a contaminação, é importante que as fontes estejam mais distantes da cidade, em áreas com vegetação, que ajudam a inibir essa poluição. “Qualquer contaminação que tiver no entorno pode contaminar a fonte e a empresa perde seu negócio. Mesmo porque a água mineral não pode passar por nenhum tratamento. O que vier da natureza a gente tem que coletar e engarrafar. Se tiver qualquer tipo de contaminação nessa água, ela não pode ser envasada”, explica.

Cuidados na prática

Empresas de água mineral cearenses já atentaram para o valor de cuidar dos recursos naturais. Uma dela é a Naturágua, que possui iniciativas como a manutenção e preservação do Sítio Curió, área de vegetação no entorno da empresa, além da instalação de uma estação de tratamento de águas residuais. “A água é uma riqueza inquestionável e única, portanto, precisa ser usada da forma mais inteligente possível, sendo essencial a redução e o controle do lançamento de industriais no meio ambiente, como uma das formas de cooperação e participação no desenvolvimento sustentável”, afirma Aline Telles Chaves, diretora da Naturágua.


Localizado no bairro Lagoa Redonda, o Sítio Curió, conhecido também como Floresta Curió, possui três trilhas que percorrem os 57 hectares do local, que abriga diversidade de fauna e flora. “Toda a natureza do entorno é preservada. O maior exemplo disso é a Floresta do Curió, Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), mantida e preservada pela Naturágua desde 2002. O local está aberto à visitação”, explica a diretora.

 

Foto: CAMILA DE ALMEIDA
A Floresta Curia possui três trilhas que percorrem os 57 hectares da região, que abriga diversidade de fauna e flora. O local é aberto a visitação
 

 

Outra ação de preservação ao meio ambiente é a reutilização de água para atividades da empresa. “Internamente, uma das iniciativas da empresa é a redução do desperdício de água, através da instalação da Estação de Tratamento de Águas Residuais (Etar), onde toda a água residual é reutilizada nas atividades de jardinagem e nos sanitários”, afirma Aline.

A Serra Grande também mantém ações voltadas para o meio ambiente. De acordo com Fabrício Lima, gerente da fábrica da empresa, a região onde a fonte está localizada é de preservação. “No terreno onde está localizada a fonte foi feito um reflorestamento. Antes, era uma plantação de café, não havia muitas árvores. A empresa plantou árvores para preservar a nascente”, afirma.

“Temos um tanque para onde vai toda a sobra da água das lavagens. Nele, fazemos o controle do PH da água para que ela seja adequada para atividades de irrigação, como aguar o jardim, as árvores e demais plantas dos arredores da fábrica”, completa Lima

 

O que fazer diante do cenário

Atual panorama do Ceará reforça a necessidade de alternativas para garantir a sustentabilidade hidrica do Estado. Tecnologias como reuso despontam entre medidas que podem ser incorporadas pela sociedade civil

Falar em água é falar em condição sine qua non para a manutenção da vida. E esta é, certamente, uma das razões pelas quais a baixa reserva de acúmulo de água no Estado do Ceará continua a ser motivo de aflição para muitos cearenses. Segundo a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) do Ceará, dos 155 açudes monitorados, 112 estão com reservas abaixo dos 30%, sete sangraram e 11 encontram-se com volume acima de 90%. Ainda conforme a Cogerh, os outros 25 possuem reserva entre 30 e 90%.

 

Foto: FCO FONTENELE
Vista do Aonde Pedras Brancas em Quixadá
 


"De maneira geral, a situação da água no Ceará em termos de volume que chega pelas águas da chuva está bastante complicada. Existe um déficit que tende a se agravar com o crescimento das atividades econômicas no Estado, a exemplo da mineração e da geração de energia, dependendo da fonte", descreve Guillermo Gamarra, professor do curso de Extensão Rural do Departamento de Economia Agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em meio ao panorama cearense nada otimista de disponibilidade de água, reaproveitar o recurso é uma alternativa pertinente. E é com tecnologias como Bioágua Familiar que entidades da sociedade civil estão lançando mão de projetos de reutilização do recurso. Em desenvolvimento desde agosto de 2017, o "Quintais de Maria" é uma iniciativa da Caritas, entidade que atua na defesa dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário, e segundo Lourdes Camilo, diretora-tesoureira da Cáritas Diocesana de Tianguá, surgiu a fim de beneficiar famílias interioranas que têm a demanda de consumo doméstico habitual supridas, mas que não são contempladas com o recurso para produção agrícola de pequeno porte.

"O mecanismo de reúso que implantamos nessas casas é bastante simples: a água proveniente da pia da cozinha, do chuveiro, por exemplo, é direcionada para um filtro de gordura e depois para outro filtro. Em seguida, ela passa para um reservatório, cujo volume será usado exclusivamente na irrigação da plantação. Em essência, ela é utilizada no plantio de pequenas hortaliças e plantas medicinais”, diz. 

Lourdes explica que as mulheres beneficiadas com o projeto não passam pelo risco de precisar utilizar água das atividades primordiais e, além de se alimentarem e alimentarem a família com mais qualidade, elas podem comercializar o excedente. Até o momento, a ação beneficiou 30 famílias nas comunidades de Albino, em Ubajara, Areia Branca, em Tianguá, e dos Almeida, em Granja. Para os próximos meses, está prevista a implementação de mais 21 sistemas entre Tianguá, Ubajara e Ibiapina.

Também pertencente à sociedade civil organizada, o Centro de Pesquisa e Assessoria, Esplar, desenvolve, desde o ano passado, projeto de reúso de água em Santana do Acaraú, Canindé, Choró, Quixadá e Sobral, com o objetivo de utilizar a água que não seria aproveitada no cultivo de plantações para alimentação de estudantes e moradores. Andrea Sousa, zootecnista e coordenadora de projetos na entidade, explica que com o "Sistema Bioágua Familiar de Reúso da Água Cinza", aproximadamente, 300 pessoas entre ambiente doméstico e escolar foram beneficiadas em Santana do Acaraú e Quixadá.

"A ideia é o reaproveitamento de água utilizada. Na escola que foi beneficiada em Santana do Acaraú, por exemplo, a água com que foram lavadas as louças foi reutilizada para cultivo de hortaliças. Na comunidade de Vila Rica, nós acompanhamos um grupo de 30 jovens que já tinham iniciativa de comercialização", explana.

 

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