Mil nascimentos para mil despedidas

E NÓS, QUE AINDA TECEMOS O JORNALISMO DE CADA MANHÃ, NOS PERGUNTAMOS - AOS 20, 40, 60 OU AOS 90 ANOS - PELAS MÚLTIPLAS #VERDADES DOS #FATOS E PELAS MIL POSSIBILIDADES DAS #PESSOAS

Por Ana Mary C. Cavalcante
O POVO nasceu em 1928 e, desde 1973, está na atual sede da avenida Aguanambi, 282. FOTO: ARQUIVO O POVO

 

Há muitas #despedidas em se nascer 90 vezes, assim na vida como no #jornalismo. E, na complexa verdade do #tempo, são as despedidas que nos deixam as #permanências, compondo o que somos, essencialmente. Em outras palavras: sob os escombros de despedidas, somos o que resgatamos - quando nascemos outra vez.


Esta imagem também espelha o jornalismo diante do tempo. Para os #nascimentos que demarcam a sua história - dos espaços públicos de Atenas Antiga à web deste século, dos tipos móveis de Gutenberg (década de 1440) aos caracteres atuais -, foram necessárias certas despedidas.

 

A opinião como notícia e o jornal como palanque, arroubos de uma primeira imprensa, vão se adequando aos gêneros jornalísticos e à #ética, em favor da #credibilidade. A curiosidade nata, que emendava #histórias populares e informações sem muito rigor, é burilada por técnicas de entrevista e de #apuração. Abrem-se #fazeres e espaço para o #aprofundamento; a #reportagem é o nosso rio.

 

Aos poucos, as redações se desfazem das máquinas de escrever e mesmo da poesia de uma época artesanal; de quando o jornalismo era feito à mão e à memória de reporteiros formados pelas crônicas, pelas ruas e pela boemia. Silencia-se o burburinho das palavras datilografadas, enquanto o pensamento passa a se manifestar no sem-fim #digital.

 

Perdem-se escritores, ganham-se jornalistas diplomados.
Neste ir e vir, ampliam-se o #mundo e os assuntos, muda-se o estilo de dizer, somam-se meios de contar. O tempo acelera enquanto é preciso se demorar na #humanidade. Mas o #olhar e o #sentir daqueles que se destinam a reportar permanecem e seguem transbordando limites. “O jornal é uma publicação da paróquia, porém do tamanho do mundo. Depende apenas do ponto de vista de quem lê e de quem o faz”, traçou o jornalista Demócrito Rocha Dummar (1945-2008), presidente do Grupo de Comunicação O POVO entre 1985 e 2008.

 

E nós, que ainda tecemos o jornalismo de cada manhã, nos perguntamos – aos 20, aos 40, aos 60 ou aos 90 anos – pelas múltiplas #verdades dos #fatos e pelas mil possibilidades das #pessoas. “A essência do repórter, o coração do repórter, a alma do repórter é fazer com que o mundo seja melhor”, extraiu o jornalista e professor Ronaldo Salgado, 61 anos, em entrevista ao O POVO (“O jornalismo quixotesco”. Páginas Azuis, 20/3/2017).


Neste sentido, investigamos tanto números quanto sentimentos, delações e silêncios. Investigamos, igualmente, sol e chuva e também nos importa a morte dos peixes, das dunas, das florestas; queremos o #voo dos pássaros. Precisamos, mais do que nunca, escrever para #significar.

 

“Alguém pode dizer: as coisas mudaram. Sim. Mas a #essência do jornalismo não pode mudar... A gente não pode pensar em abrir mão dessa tentativa de #investigação, desse mergulho na realidade”, aponta Ronaldo Salgado. São as permanências em nossas despedidas.


O #encontro com o outro é o único sentido de todas as #conectividades estabelecidas ao longo da história humana (história que corre em paralelo com os caminhos da notícia). O dizer, com ou sem hashtags, é outra permanência em nossas despedidas. “A potência do que o jornalismo pode fazer não se apaga por conta da derrocada de um modelo... É o #conteúdo que vai fazer a diferença. É um conteúdo rico, bem apurado, #honesto, #inovador também”, compreende a jornalista e professora Fabiana Moraes, 43 anos, em entrevista ao O POVO (“Jornalismo feito verbo”. Páginas Azuis, 31/7/2017).

 

SONHOS
No papel, no vídeo, na internet, nos smartphones ou apenas nos sons do rádio, que se reinventem muitos meios de transporte: é do jornalismo chegar a um tempo de tanto viver a vida dos outros que não se morre mais. O que acontece é que tem vezes de nos despedirmos um pouco de nós, para nascermos. E aquilo que ainda se deseja aos 20, aos 40, aos 60 ou aos 90 anos é o que nos mantém vivos.

 

Ao olharmos no espelho do tempo, que ainda seja possível ver o que sonhamos. “Agora estou trabalhando em cursos para o online, de educação a distância, tenho um blog, tô escrevendo livros... A mais-valia que a #experiência nos dá é muito grande. E vamos em frente”, reflete, aos 83 anos de idade e 60 de jornalismo, o pesquisador Manuel Carlos Chaparro, em entrevista ao O POVO (“Jornalismo sempre em transformação”. Páginas Azuis, 9/1/2017).

 

Há quem conte o tempo pelo envelhecer: a cada ano, ficaríamos mais velhos. E existem os que percebem o tempo pela #resiliência: a cada ano, ficaríamos mais sábios. Acredito que a distância entre velhos e sábios esteja, justamente, em despedir-se de determinadas #realidades, para nascer em outras #utopias. E outras, e outras, e tantas. Seja aos 20, aos 40, aos 60 ou aos 90 anos. Até enquanto houver palavra, até enquanto houver sentimento. Até enquanto houver vida pra dizer, até enquanto houver mundo pra significar.

 

Ana Mary C. Cavalcante começou a trabalhar no o povo em 1996, mas sempre parece que foi ontem. nos últimos 21 anos, garimpa palavras para dizer sobre cultura, economia, cotidianos e humanidade

 

Sem ponto final

Tal e qual a arte da xilogravura, o jornal vai talhando dia a dia sua marca na vida dos leitores. Neste domingo, dia 7 de janeiro, O POVO comemora 90 anos. E, em meio à comemoração, se reinventa. Com o compromisso de sempre: levar qualidade com credibilidade aos leitores. Agora, em todas as plataformas.

Por Ana Naddaf

A capa deste especial em comemoração aos 90 anos do O POVO foi criada a partir do trabalho em xilogravura do artista plástico Carlus Campos sobre marca criada pelo designer gráfico Gil Dicelli, editor do Núcleo de Imagem do O POVO. A foto é do editor de fotografia FCO Fontenele. Na contracapa, a fotomontagem na marca dos 90 anos foi criada pelo designer Robson Pires.

Vírgula. Sim, o texto poderia começar com este sinal de pontuação. Porque, às vezes, é preciso quebrar regras absolutas. Como o escritor português que subverte a língua e se desobriga das normas para dar um sentido à sua escrita. Pois assim é a jornada destes 90 anos do O POVO. Uma história que nunca acaba. E uma vírgula para completar a frase. Para que a narrativa continue por outras décadas.

É a metáfora da vírgula no lugar do ponto final que nos faz encarar o novo olhando o passado. Principalmente para um periódico que iniciou sua trajetória comprometendo-se à pluralidade de vozes, à inovação e aos sentimentos. E que falava da vida moderna, em seu primeiro editorial, com uma promissão: encarar mudanças e acompanhar suas transformações. Um jornal que pretendia ser o “pão espiritual” de cada dia ao tratar de liberdade, encarar debates, lançar tendências e ser fiel aos seus ideais.

E assim o fez. Tornando-se essencial, necessário. No decorrer de suas nove décadas, narrou fatos que mudaram a história de Fortaleza e do Ceará. Foi testemunha do que aconteceu no Brasil e no mundo. Teve papel decisivo na biografia das muitas personagens que passaram por suas páginas. Apresentou-se em imagens emblemáticas, transformou-se em crônicas e opiniões, ganhou o formato de grandes reportagens e destacou-se em manchetes e capas.

 

O mundo vem mudando o jornalismo. E vice-versa. Exatamente por isso continuamos com o mesmo compromisso feito há exatos 90 anos. Este especial é a essência deste trato. Contempla o que já fizemos com um fitar no que está por vir. Assim como este texto que se despede com uma vírgula. Porque – repito - a história nunca acaba,

Ana Naddaf
Diretora-Executiva da Redação


AUDIOVISUAL
Em 90 anos, O POVO levou as mais diversas notícias aos seus leitores. Da chegada do homem à Lua à morte do padre Cícero, da caçada ao bando de Lampião ao gol mil do Pelé. Neste especial, uma linha do tempo mostra 90 assuntos que passaram pelas páginas do O POVO de 1928 até hoje.Uma animação traz os temas com áudios e músicas de cada época.

WEBDOC
Há muitas maneiras de consumir informação através do O POVO. Da mesma forma que são muitos e múltiplos os nossos leitores, espectadores, ouvintes e navegadores. Este webdocumentário especial mostra a polifonia que caracteriza o nosso público, ao mesmo tempo em que revela a amplitude de plataformas de comunicação em que atuamos.

 

 

90 anos de transformação

Por Juliana Matos Brito

Um jovem senhor de 90 anos. Que vai rejuvenescendo com o passar do tempo. Que já percorreu muitas estradas, fez parte da história de muita gente e segue seu caminho. Se renovando, ousando e crescendo. A homenagem de hoje é pra ele. Um jornal que já nasceu com o propósito de servir o leitor.


O POVO é sinônimo de mudança, de superação. Ele se reinventa dia a dia e segue transformando a vida das pessoas. O jornal que foi lançado em 1928, com apenas 12 páginas e textos diversos diagramados e divididos por linhas pretas, foi crescendo e absorvendo as tecnologias. Num dia, a primeira foto é publicada; no outro, a ousadia de uma arte na capa. Depois, chegam as cores, um maior número de páginas, suplementos e mais assuntos para o leitor.

 

Se, no começo, eram apenas a cidade, a política e a economia que tomavam conta das páginas, o jornal foi ampliando seu publico e entregando um leque cada vez maior de informação. Moda, comportamento, diversão, saúde, tecnologia...

 

Com o passar do tempo, O POVO foi se tornando múltiplo. Ele segue levando, no papel, uma curadoria especial com as principais informações para o seu leitor. Notícias, análises, opiniões, serviços e entretenimento. Sempre com qualidade. E se espalha também pela internet, seja no portal O POVO Online, seja nas páginas e perfis das mais diversas redes sociais, seja pela lista de notícias do WhatsApp.

 

Além dos projetos multiplataformas, com webdocs e séries audiovisuais. Neste especial, contamos um pouco dessa história, que mistura as reportagens, os leitores e todos que fazem O POVO. Sempre com os votos de vida longa a este jovem de 90 anos.

 

Juliana Matos Brito

Editora do especial

A história do Jornal

AOS 90 ANOS, PERMANECE CORAJOSO. E CONTINUA A SE REINVENTAR. COM AS MÚLTIPLAS PLATAFORMAS, LANÇA OLHAR PARA O FUTURO, COM SORRISO DE MENINO

Por Lucinthya Gomes

Em 90 anos, marcos da história foram narrados aqui. FOTO: FCO FONTENELE

Era uma tarde de sábado. A primeira edição acabava de ser impressa à altura do número 158 da rua General Bezerril. A partir da praça General Tibúrcio, a Praça dos Leões, um novo jornal ganhava as ruas. Naquele 7 de janeiro de 1928, no topo da primeira página, o nome O POVO formava um chicote.

Nascia corajoso e com o propósito de confrontar poderosos, desonestos, maus governantes. “Nunca será demais um novo jornal”, anunciava a primeira frase do editorial, impresso logo abaixo do cabeçalho. “O povo necessita de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis porque surgimos”. O povo se fazia identidade e também argumento.

Para definir o nome do vespertino, o fundador Demócrito Rocha lançou um “concurso público” no periódico em que trabalhava, O Ceará. Já se desenhava ali uma estreita relação com seu público leitor. Foram muitas sugestões até que o nome O POVO saiu eleito. Estava firmado o compromisso. “E o futuro dirá da nossa fidelidade ao programma aqui traçado (sic)”, sentenciava aquele mesmo editorial. Da sentença, se fez realidade ao longo de décadas. São 90 anos neste 7 de janeiro de 2018.

A história de um jornal se confunde não somente com a história de seu povo, mas também com seus anseios. O operário, o agricultor, a mulher, os povos indígenas, a criança e o adolescente ajudam a contar essa trajetória. O POVO se fez instrumento político e empunhou bandeiras, deu visibilidade a pleitos, antes negligenciados, mas que foram ganhando força e relevância a partir de embates traçados nas páginas de jornal.

HISTÓRIA
Nestas nove décadas, marcos da história do Ceará, do Brasil, do mundo - e além - foram narrados e problematizados aqui. A estiagem, por exemplo, é tema que ilustrou as páginas do O POVO desde seus primeiros dias. O flagelo e a conquista do sertanejo e o impacto das secas na vida do homem urbano estão documentados nas páginas deste longevo jornal. Assim como mudanças de gestões e modelos políticos, revoluções do comportamento, guerras e conflitos, marcos científicos - incluindo a chegada do homem à lua.

O POVO: exercício constante de democracia. FOTO: JULIO CAESAR

Plural, o periódico fez as vezes de arena, garantindo a multiplicidade de visões. Um exercício constante de democracia. A relação com o público, que era tracejada por Demócrito Rocha antes mesmo do surgimento do jornal, foi se firmando. Além de fomentar a participação popular em decisões políticas, internamente, O POVO sempre destinou e destina espaço para o seu público.

Além das páginas de Opinião, o Jornal do Leitor, seção que compila textos enviados à Redação, simboliza o respeito e o reconhecimento por quem impulsiona a seguir adiante. Na mesma medida, o Conselho de Leitores, que se reúne mensalmente, ajuda a construir o jornal de todos os dias. Por meio da figura do ombudsman, a ouvidoria do jornal, exerce a autocrítica e renova a busca pelo jornalismo crítico e independente.

No Ceará, o O POVO é o único periódico em atividade por 90 anos a resistir até hoje, atravessando crises, econômicas e políticas, e se refazendo diante das revoluções tecnológicas e de consumo de informação. Aos 90 anos, permanece corajoso, sem temer o novo. E continua a se reinventar. Com as múltiplas plataformas que abriga, lança olhar para o futuro, com sorriso de menino.

SOBRE A PRIMEIRA EDIÇÃO

Eram 44 centímetros de largura e 31 de altura; 12 páginas compunham a primeira edição do O POVO. O primeiro jornal fora impresso em uma “Alauzet”, maquinário francês. Gazeteiros o vendiam a 200 réis.

Naquele tempo, era moda em Fortaleza o terno de linho branco e o chapéu palheta. As mulheres vestiam crepe-da-china e usavam cabelos curtos. Trabalhadores chegavam aos arredores da Praça do Ferreira em um bonde elétrico. Para lazer, os fortalezenses se conduziam ao Cine Majestic ou mergulhavam no mar ou participavam de chás dançantes nos clubes Iracema e Ideal. Automóveis já eram comuns e as casas já passavam a ser construídas com garagem. O bando de Lampião assombrava o Interior e o imaginário de cearenses e nordestinos.

MISSÃO
Ao lado do primeiro editorial, no topo da página, o diretor do jornal O Ceará, Julio Ibiapina, assinava uma carta de felicitações. “Ao O Povo, pela confiança que nelle deposita o público, está reservada a missão importante de concorrer para diminuir (...) a somma de arbítrio dos governantes”.

 

A primeira edição já trazia uma seção chamada Noticiário Telegraphico, com informes sobre o conflito entre Polônia e Lituânia, falecimento do governador interino de Pernambuco, cotação da borracha e inundações em Tamisa.

A seção Trovas e Cantigas do Povo reunia rimas do cordelista pernambucano Leandro Gomes de Barros. À altura da página 15, Jader de Carvalho assinava artigo ácido endereçado aos “três mil intellectuaes de Fortaleza”. Logo abaixo, havia texto de Rita de Queluz - pseudônimo de Rachel de Queiroz - sobre ensino profissional.

Lucinthia Gomes
começou a trabalhar no o povo em 2005 e entende como privilégio a missão de ouvir e contar histórias. por meio delas, tem acesso a realidades distintas e adversas. com elas, aprende sobre humanidade.

No comando do O POVO

SEIS PRESIDENTES COMANDARAM O POVO. O PRIMEIRO, DEMÓCRITO ROCHA, FUNDADOR DO JORNAL. HOJE, LUCIANA DUMMAR, BISNETA DELE, ESTÁ À FRENTE DO GRUPO DE COMUNICAÇÃO O POVO

Por Lucinthya Gomes

1 - Demócrito Rocha (1928-1943)

Na primeira página da primeira edição do vespertino O POVO, o jornalista J. Ibiapina teve texto publicado dando boas-vindas ao novo jornal. No “bilhete”, que se iniciava com “Caro Demócrito”, tecia o desejo por um jornal atuante como escudo do povo, fiscalizador severo, contra a arbitrariedade dos poderes públicos. “Por falta de critica imparcial é que os governos se desregram”, sentenciava o então diretor de O Ceará, conhecido impulsionador da nova imprensa no Estado. “Pelo que reconheço da tua atuação quando collaborador do O Ceará, domina-me a certeza de que, no leme do novo periódico, has de ser um defensor ousado e intelligente de todas as causas populares”, assinava como amigo e admirador.


Antes de fundar o O POVO, naquele 7 de janeiro de 1928, Demócrito Rocha formou-se em Odontologia, em 1921, e passou a dividir a casa com o gabinete dentário em um sobrado na Major Facundo, onde produzia “dentadura dupla de ouro e prata”, como anunciava à porta. Nasceu em 14 de abril de 1888 em Caravelas, no sul da Bahia. Lá, desde menino, trabalhava como operário consertando locomotivas. Aportou em Fortaleza em 1912, quando começou a trabalhar como telegrafista. Aqui, conheceu dona Creusa, com quem namorou por seis meses e casou em 9 de junho de 1915. As filhas não demoraram a chegar. Albanisa veio em janeiro de 1916 e Lúcia, em maio de 1917. A primeira morada se estabelecera na rua Barão do Rio Branco, no Centro.


Passou por outros endereços até chegar ao sobrado da Major Facundo. No Centro, bairro pelo qual tinha grande apreço, era presença certa no Banco da Opinião Pública, na Praça do Ferreira, e no bar do Silva, onde se discutiam as letras, os problemas da Capital e se emendavam as soluções. Nas páginas do jornal O Ceará, de Ibiapina, criou a revista de amenidades Ceará Ilustrado em 1924 e fez-se voz política e crítica, a partir de 1925. Era assumidamente opositor do governo de Moreira da Rocha. Pela força de suas notas, em 1º de junho de 1927, a caminho da Praça do Ferreira, levou uma surra de 12 policiais. Mas não se intimidou. A esta altura, já planejava ter o próprio jornal.


A data de fundação deveria coincidir com o nascimento da primeira filha, mas atrasou dois dias. O periódico foi se mantendo com amparo de amigos e leitores, que pagavam adiantadas as assinaturas. Desde o princípio, O POVO lançava luz sobre a literatura. Rachel de Queiroz, Filgueiras Lima, Paulo Sarasate, Jader de Carvalho eram alguns dos escritores que preenchiam de modernismo as revistas Maracajá e Cipó de Fogo, impressas nas edições de 16 páginas já em abril de 1929. Não por acaso, Demócrito Rocha passou a integrar a Academia de Letras do Ceará em 1930, na cadeira que tem como patrono Padre Mororó.


Foi eleito deputado federal em 1934 pelo Partido Social Democrático (PSD), quando as pautas da sigla eram sindicalização das classes, defesa dos direitos dos proletários, nacionalização de minas e quedas d’água. Como parlamentar, batalhou ainda pelo fomento da cultura da carnaubeira, pela construção do porto do Mucuripe e pelo combate às secas. Contudo, o Congresso foi fechado antes, em 1937, pelo Governo de Getúlio Vargas.


De volta à casa, em Fortaleza, Demócrito já travava nova batalha, dessa vez, pela vida. A tuberculose, ainda sem cura nos anos 1940, o afligia. Forçou-se a viver apartado, sem partilhar talheres, sem oferecer colo, sem receber beijos. Em 29 de novembro de 1943, se despediu. Fez-se luto em Messejana, na casa da família, e silêncio em jornais de Fortaleza (O Estado, O Nordeste, Unitário, Correio do Ceará, Gazeta de Notícias), que não circularam, e na rádio PRE-9, que não veiculou seus programas, em homenagem a Demócrito Rocha.

 

2 - Paulo Sarasate (1943-1968)

A revista A Farpa, criada por Paulo Sarasate em 1926, quando era aluno da Faculdade de Direito, fazia críticas ferrenhas ao governo de Moreira Franco. Não custou até que o tom da revista levasse Sarasate e seus amigos de redação - Plácido Castelo, Parsifal Barroso e Perboyre e Silva - à prisão. O enredo do rapaz fez com que Demócrito Rocha visse nele um aliado em sua missão de fazer um jornal ferrenho contra os desmandos do poder local. Dois dias após bater à porta do O POVO, em janeiro de 1929, Sarasate já estava lado a lado com o idealizador nas páginas e nos corredores do vespertino.


Com múltiplas funções, Paulo Sarasate (1908-1968) foi redator, revisor, repórter, noticiarista, diagramador e braço direito de Demócrito. Acompanhava o fundador do O POVO nos comícios, nas praças e também em missões pelo Interior. Rapidamente, passou também a ter voz nos palanques e, em 1935, foi eleito deputado estadual constituinte. Tão próximo se tornou da família, que, em 1936, casou com a primeira filha de Demócrito, Albanisa. Certa vez, Adísia Sá relatou: “Demócrito, boêmio, visionário, poeta, pensador, apoiava-se no genro Paulo Sarasate de raro senso de administração”. Aplicado, Sarasate assumiu a direção do jornal a partir de 1943 e se manteve na posição até o ano de sua morte, 1968.

 

Com talento para a política, transitava entre grupos de diferentes correntes ideológicas. Exerceu mandato como deputado federal (1951-1954), foi governador do Ceará (1955-1958) e, em seguida, voltou à Câmara Federal, até se tornar senador (1966-1968). Influente, era bem próximo a Castello Branco, que foi presidente do Brasil entre abril de 1964 e março de 1967. Teve papel decisivo na educação cearense, com a criação da Universidade Federal do Ceará (UFC), junto com Martins Filho. Foi protagonista também na instalação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Banco do Nordeste (BNB).

 

3 - Creuza Rocha (1968-1974)

Quando desembarcou pela Ponte Metálica, em 1912, Demócrito Rocha foi, pouco a pouco, descobrindo a Cidade que, à época, tinha 60 mil habitantes. O telegrafista costumava contemplar Fortaleza a partir do Passeio Público, que atraía a juventude e as famílias, com seus adornos e influências franceses. Dali mesmo, Demócrito cruzou olhares com a moça que vestia chapéu com longa pena branca. Era Creuza do Carmo Rocha (1897-1974). Seis meses depois, subiam ao altar na Igreja de Nossa Senhora do Carmo.


No livro da jornalista Adísia Sá, Traços de União (Edições Fundação Demócrito Rocha), dona Creuza se define e revela a personalidade forte: “Sou generosa, amiga. Conheço as criaturas, confio nelas, mas que nunca ninguém me faça de marionete. Jamais fui joguete de interesses escusos”. Amigo da família, também jornalista José Raymundo Costa complementa: “Revolucionária de 30 e 64 e udenista convicta, jamais acenava para adversários a título de cortesia, ainda quando estes fidalgamente a visitavam e eram ilustres, como Juscelino Kubistchek”, também na pesquisa de Adísia Sá.

 

Dona Creuza tornou-se diretora-presidente do O POVO entre 1968 e 1974 (após Paulo Sarasate e a gestão interina de José Raymundo Costa). Foi a primeira mulher cearense a tirar o título eleitoral. Era afeita às tertúlias literárias, que organizava em casa, principalmente quando a família morou próximo à Praça da Gentilândia, no Benfica. Além de mãe, cumpriu a missão de manter o O POVO, sempre na linha de frente, junto ao marido.

 

As dificuldades financeiras, entre as décadas de 1920 e 1940, a fizeram por vezes recorrer à cunhada, viúva, para garantir o pagamento do salário dos funcionários do jornal. Ela era o ponto que Demócrito mirava enquanto discursava a cada palanque.
 

4 - Albanisa Sarasate (1974-1985)

O plano inicial de Demócrito Rocha era fundar o O POVO no dia do aniversário da primeira filha, Albanisa (1916-1985). O presente chegou dois dias após o aniversário de 12 anos da menina, que cresceu como ouvinte fiel dos textos que o pai, jornalista político, escrevia. Aprendeu com ele sobre liberdade. Tinha, inclusive, voz ativa nas conversas dos adultos desde cedo. Foi por intermédio do ofício do pai, que conheceu o homem com quem escolheu partilhar a vida. Casou-se aos 20 anos com Paulo, de quem recebeu o sobrenome Sarasate.


Depositou no sobrinho, Demócrito Dummar, a confiança e as muitas lições aprendidas na convivência com o pai. Em entrevista à jornalista Ana Mary C. Cavalcante, para o especial O POVO 80 Anos, Demócrito Dummar partilhou: “Depositou confiança em mim. Assim traduzindo sua forma de amor, na explicitação daquele acreditamento… Devotei o melhor da minha energia para fazer renascer, em cada desafio, este ideal.

 

Convites tentadores não faltaram, inclusive para a política partidária, a partir da suplência de senador de César Cals, ou para posições estratégicas na administração pública. Mas não há nada que me afaste do ideal do fazer jornalístico. Assim eu respondo a todos os meus antepassados, e a ela em particular”.

 

Demócrito Dummar é filho de dona Lúcia, a caçula de Demócrito Rocha, mas teve em Albanisa uma segunda mãe. Afeto que se estendia à neta escolhida, Luciana, filha de Dummar, que ouvia da “vó” Albanisa: “Nunca seja subalterna”. Doçura e firmeza se encontravam na figura da mulher que comandou o jornal entre 1974 e 1985. Albanisa lutou contra um câncer e morreu em 25 de maio de 1985. Dois meses antes, retribuiu o agrado que recebera do pai, quando ainda tinha 12 anos. Em 4 de março de 1985, assinou o ato de criação da Fundação Demócrito Rocha.

 

José Raymundo Costa

A história de José Raymundo de Albuquerque Costa (1920-2004) começa no O POVO em junho de 1938. Nascido nas proximidades do rio Juruá, no Acre, havia acabado de chegar ao Ceará. Arrumou trabalho no jornal, como contínuo, no tempo em que a impressão era feita em maquinário alemão. A empresa foi crescendo e Zé Raymundo foi acompanhando. Em 1941, chegou ao posto de gerente. No mesmo ano, casou com a costureira Djanira, que havia conhecido nas idas e vindas de bonde. Com ela, teve seis filhos.


Casado, foi morar no Centro, mais perto do emprego. Tão perto, que, no quintal, havia uma passagem para o O POVO. À época, o jornal era sediado na rua Senador Pompeu (antes de dar lugar à loja Mesbla). No trabalho, Zé Raymundo parecia estar em casa. E foi alçando voos dentro do jornal. Passou a sócio da empresa O POVO Ltda, tornou-se diretor administrativo; em seguida, diretor financeiro, diretor industrial, diretor comercial, até se tornar vice-presidente (1982). O jornal passou de vespertino a matutino, assim como ganhou as ruas também aos domingos, por decisão dele.

 

Com o passar dos anos, tornou-se mais conhecido como Seu Costa. A fama remetia também às paixões pela família, pelo O POVO e pelo Fortaleza Esporte Clube. Outro legado de sua gestão foi a criação do Jornal do Leitor, em 1984. E a história teve ainda outros exemplos de sua vontade de crescer. Como só havia estudado até a 8ª série, aos 56 anos, voltou a estudar. Em 1977, prestou vestibular para jornalismo junto com uma das filhas, a jornalista Jacqueline Costa Soares, que dividiu com ele os bancos da faculdade. Todos achavam que ele era professor. E Seu Costa só não o foi, porque quando conquistou o primeiro lugar no concurso já havia passado dos 60 anos.
 

 

5 - Demócrito Dummar (1985-2008)

A empresa era familiar e era necessário começar a pensar a sucessão. A conversa, presenciada quando ainda tinha sete anos de idade, já anunciava um crescer em meio aos corredores do O POVO. “Quando relembro, percebo que, minha vida inteira, estive entranhado no ambiente de máquinas de redação. O jornal era o instrumento de uma família de artesãos da palavra e do pensamento”, contou Demócrito Dummar à jornalista Ana Mary C. Cavalcante, para a publicação comemorativa O POVO 80 Anos. Além do nome do avô, o fundador do jornal, ele herdou o amor pelo jornalismo, a direção da empresa.

 

Chegou ao O POVO aos 17 anos e o serviu por 45. “Ou participei, ou assisti, ou fui protagonista das mudanças. (...) Passei por todas as experiências. Da arte da impressão ao novo jornalismo”, afirmou na celebração dos 80 anos do jornal, que cresceu junto com ele. Sua grande paixão foi Wânia Cysne Dummar, um casamento que durou 30 anos. “Encontrar uma mulher como Wânia é algo raro. Inteligente, arguta, texto lindo, sentido poético a flor da pele… Wânia enche uma casa”.

 

Diferente do avô e do tio, Paulo Sarasate, não teve vinculação político-partidária, mas, sim, fez do O POVO instrumento de formação, mobilização, pressão. Era essa a sua política até o ano de sua morte, 2008. Como presidente do O POVO, trabalhou como articulador e defendeu pautas importantes para o Ceará e o Nordeste, como a transposição do rio São Francisco, construção da refinaria no Estado, do açude Castanhão. Atuou ainda em defesa da democracia direta e da participação popular. No papel de fazer jornal, empunhava bandeiras, exercia e estimulava a cidadania.
 

6 - Luciana Dummar (2008)

A primeira dos quatro filhos de Demócrito Dummar, Luciana Dummar tornou-se uma das mais jovens dirigentes de empresas jornalísticas do Brasil. O mergulho no jornalismo se deu por um trabalho em parceria com o Museu Nacional, que buscava microfilmar as coleções dos principais veículos de comunicação brasileiros. À época, o pai defendia essa como uma rara oportunidade de se ambientar com a história do jornal e de saber das intervenções realizadas por seus fundadores. A experiência foi tão rica que a fez maturar o projeto de consolidar o O POVO como importante veículo da imprensa regional brasileira.

 

Foi durante a pesquisa, ao liderar a primeira equipe, microfilmando mais de 500 mil páginas do jornal, que Luciana foi percebendo mudanças comportamentais da sociedade, a influência do coronelismo no Estado e as metáforas com a atualidade, e o avanço dos recursos tecnológicos e de informação. Sempre flertou com as novas mídias, percebendo-as como aliadas. “Somos operadores desses novos meios e sabemos como fazê-los conviver entre si, a partir do aprendizado constante e da formação ininterrupta da nossa equipe de profissionais”, disse também à jornalista Ana Mary C. Cavalcante.

 

A exemplo do pai, percorreu vários setores da empresa, onde começou a trabalhar no Banco de Dados, até se tornar presidente do Grupo de Comunicação O POVO, em 2008. É bacharel em Administração de Empresas. Ao lado do pai, Demócrito Dummar, e dos irmãos, teve papel fundamental na modernização editorial e gráfica e na incorporação de novos meios de comunicação ao Grupo. Em cada uma das plataformas, manteve o jornal como espaço da pluralidade. “Através das plataformas do O POVO, o Ceará lê, assiste, ouve e escuta, acessa e compartilha todas as opiniões, de todas as matizes ideológicas, vertentes políticas, credos e colorações sociais.

 

 

 

Por onde se fez morada

EM 90 ANOS, O POVO PASSOU POR DIVERSAS SEDES. DESDE 1973,ESTÁ NA AVENIDA AGUANAMBI, 282

Praça General Tibúrcio
No início do O POVO, sequer havia pautas. Os repórteres saíam às ruas cedo, no início da manhã, em busca de histórias para contar. O bonde era meio de transporte. Ao meio-dia, os textos já deveriam estar prontos e diagramados, para serem enviados às oficinas. Quanto antes o jornal ficasse pronto, mais cedo estaria disponível para o leitor, o que impactava nas vendas. A primeira sede ficava na rua General Bezerril, 158, na praça General Tibúrcio, a mesma Praça dos Leões.

 

 

Barão do Rio Branco

No mesmo ano da fundação, as primeiras instalações do O POVO já não davam conta. A Redação, a gerência e as oficinas se transferiam para o número 239 da rua Barão do Rio Branco, também no Centro de Fortaleza. À primeira página, o jornal de 9 de junho de 1928 anunciava a transferência para novo prédio. Este tinha dois andares.

 

Major Facundo

Dois anos depois, em 13 de setembro de 1930, O POVO concretizava mais uma mudança de endereço. Uma nova máquina chamada “Planeta” havia chegado para aposentar a pequena “Alauzet”. A rua Major Facundo, 252, era a nova sede. À essa época, ainda era fundamental permanecer no Centro para manter o ritmo de produção de notícias. Era ali que os fatos mais importantes aconteciam. A partir da Major Facundo, começou a campanha pela “sede própria”. Iniciada em 21 de março de 1941, a campanha de assinaturas entre leitores arrecadou, em 40 dias, 45 contos de réis para o fundo especial destinado à aquisição do prédio. Uma vez adquirido, o amplo edifício recebeu adaptações. Estava situado à rua Senador Pompeu.

 

Senador Pompeu

Em sua primeira sede própria, rua Senador Pompeu, 1082, o O POVO estava lado a lado com outros veículos de comunicação da Cidade, em setembro de 1941. A rua era conhecida como boulevard dos jornais. O antigo maquinário foi vendido. Ainda em agosto haviam chegado as 19 toneladas de máquinas para o jornal. Desta vez, a impressora veio importada dos Estados Unidos. As novas instalações foram oficialmente inauguradas em 16 de outubro de 1941. A partir desta sede, uma sirene anunciava o momento em que o jornal começaria a circular. Eram tempos de guerra. Alguns leitores se aglomeravam à porta do jornal, disputando as edições com os gazeteiros. O número de páginas crescia. Além dos fatos locais, notícias nacionais chegavam por sucursais em Recife, Teresina e Brasília.

 

Aguanambi

Em 1973, a mudança do O POVO para a nova sede marcava também o início da circulação matutina. A avenida Aguanambi, 40 (hoje 282), se fez abrigo a partir de 22 de setembro de 1973. As páginas já eram impressas em sistema offset. Neste tempo, as pautas já eram planejadas. O repórter saía às ruas com pelo menos seis no bolso para apurar ao longo do dia. Com a popularização dos carros, já era possível se deslocar pela Cidade com mais agilidade. A inauguração oficial do novo prédio ocorreu em 7 de janeiro de 1974, com a presença de muitas autoridades. Dom Aloísio Lorscheider (à época arcebispo metropolitano de Fortaleza) deu bênção ao prédio.

 

A evolução para o GCOP

Avesso às múltiplas teorias sobre o fim da mídia impressa, O POVO se fez resistência. Em vez de temer o surgimento de novas mídias, ousou passear por elas, tê-las como aliadas. Ao longo de 90 anos de jornal impresso, foi festejada a inauguração da Rádio O POVO, em 25 de março de 1982. Com o mesmo entusiasmo, o portal O POVO Online entrava no ar em 7 de janeiro de 1997.

 

Em 2007, nascia a TV O POVO. A palavra leitor já não dá conta de tudo o que o público representa e almeja. O leitor passa, então, a ser visto como consumidor de informação. O jornalismo, por sua vez, se consolida através do tempo pela credibilidade e relevância, independentemente da plataforma em que se pratica. “Quando surgiu a internet, foi uma revolução. Os jornais ficaram perdidos. Demócrito (Dummar, presidente do O POVO de 1985 a 2008) achou ótimo. Não viu a internet como concorrente, viu como forma de o jornal avançar. Não importa o suporte, o importante é a notícia”, lembra o diretor institucional do Grupo de Comunicação O POVO (GCOP), Plínio Bortolotti.

 

Por meio das múltiplas mídias, O POVO foi se reinventando. Como explica Bortolotti, a renovação é algo que o jornalismo precisa fazer constantemente. “Tem que ter as raízes fincadas no passado, respeitar a tradição, mas olhar para frente”. Em princípio, cada um dos veículos de comunicação atuava separadamente.

 

Depois, como parte de um processo evolutivo, foi surgindo a percepção de que era necessário organizar, integrar, unir forças para realizar um jornalismo melhor. Foi conjugando a convergência, que surgiu o Grupo de Comunicação O POVO. Com cada uma de suas faces, o jornalismo era exercido com autonomia e ganhava fôlego em outras plataformas, mantendo os assuntos mais relevantes em pauta. “A prática mostrou que a gente precisava trabalhar junto. É uma empresa que tem que aproveitar da melhor forma possível a produção dos seus repórteres”, continua o diretor institucional. Não se trata de promover a concorrência entre as mídias. Ao contrário.

 

TRANSMÍDIA, UM CONCEITO

Especial transmídia sobre o Rio São Francisco

Da necessidade de se reinventar, um novo produto vem sendo disponibilizado. “A gente entende que O POVO não tem mais só leitores. A gente trabalha com o conceito de consumidor de informação. E as demandas vão além do conteúdo que a gente oferece no impresso. É para atender a necessidade desse consumidor, que a gente trabalha em projetos transmidiáticos, na perspectiva de abastecer de informação esse consumidor, de todas as formas possíveis”, explica o jornalista Emerson Maranhão, editor de audiovisual.

 

Com esse mote, desde a pauta, conteúdos especiais são planejados para se apresentarem em múltiplas linguagens. “A gente sempre pensa num desdobramento da versão impressa para um hotsite, documentário ou websérie, para a rádio e para a televisão. Dessa maneira, a gente cerca o consumidor de informação por todos os lados, sempre levando em consideração que esse conteúdo é autônomo e ao mesmo tempo complementar. Esses conteúdos se retroalimentam”, define Maranhão, que coordena a célula de audiovisual dentro da Redação do O POVO.

 

Cada conteúdo, portanto, tem uma finalidade em si, mas funciona como um convite ao público, para acompanhar o conteúdo disponibilizado nas outras plataformas, inclusive com as narrativas costuradas pela célula de audiovisual. “Por isso são autônomos e complementares. Sim, eu posso ver só o jornal, só o vídeo, só a rádio. Mas tenho a oportunidade de ter outra experiência de comunicação, trabalhando esses conteúdos em muitas plataformas”.

 

Um exemplo de conteúdo transmídia foi o especial As Águas de Francisco. Além de caderno especial no meio impresso, assinado pelo repórter especial do O POVO, Cláudio Ribeiro, com imagens do fotógrafo Mateus Dantas, e de hotsite (especiais.opovo.com.br/asaguasdefrancisco/), com repercussão na Rádio O POVO CBN, a reportagem teve também plataforma audiovisual, um webdoc.

 

“Toda a narrativa é costurada por um artesão esculpindo uma carranca. Por quê? A carranca é o ícone máximo do rio São Francisco. Qual era a história? A água do São Francisco vai chegar aonde nunca esteve antes. Como traduzir isso? Mostrando a elaboração dessa carranca levando as águas do São Francisco até onde elas iriam chegar”, apresenta Emerson Maranhão.

 

Na plataforma audiovisual, um artista esculpe uma carranca em argila. Na plataforma impressa, o artista Carlus Campos esculpiu peças em argila para manter a identidade visual do caderno.

 

 

Primeiro editorial do jornal

NO PRIMEIRO EDITORIAL, DESTAQUE PARA O LEITOR: "O POVO NECESSITA DE MAIS GRITOS QUE O ESTIMULEM, DE VOZES QUE LHE FALEM AO SENTIMENTO"

Capa da primeira edição do O POVO

Contrariamente ao pensamento de muitos, nunca será demais um novo jornal. A complexidade da vida moderna, agitada e vertiginosa, já por si, justificaria a preferencia dos periodicos sobre os livros. A vista não mais se apura no estudo paciente e methodico dos gabinetes, mas limita-se a percorrer títulos e a deter-se onde encontra o assumpto escolhido pelas necessidades materiaes e mentaes de cada momento.

 

O livro está, evidentemente, restricto às perquirições das elites. O jornal e do vulgo. É no jornal que o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo vencendo distâncias. É a lanterna mágica do progresso. É a força propulsora e conductora das massas insatisfeitas, para as grandes reivindicações de seus direitos postergados pela cafila absorvente dos magnatas de todos os tempos.

 

Quando o povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do captiveiro, indiferente e modorrento, resignado à violencia paralysante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a nutrir-lhe as cellulas dormentes, a despertar-lhe os neuronios amortecidos, a ondear-lhe, nas veias á torrente vigorosa e energica da revolta. O povo necessita de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento.

 

Eis porque surgimos. Ao desfraldar a nossa bandeira de combate, pelos mais duros ideaes de justiça e liberdade, não nos entontece a gloria de vencer, porque a alvorada redemptora ainda está muito longe de ralar no oriente da patria. Mas havemos de ser o grão de areia do formidavel monumento, contra o qual, serão impotentes as picaretas aguçadas dos erros seculares. O POVO é, pois, uma bateria descoberta para os embates francos e leaes, na arena da imprensa. E o futuro dirá da nossa fidelidade ao programma aqui traçado.

 

O caminho, que temos a percorrer, embora seja bordado a precipicios e semeado de espinhos, não será a picada sinuosa dos hypocritas, mas a estrada real por onde marcham, alheiados de si mesmos , aquelles que se acostumaram a fitar a claridade dos infinitos desnubiados. Alenta-nos a confiança de chegarmos, incólumes, ao término da jornada Mas.. se por ventura, rolarmos no abysmo, os que ficarem empunhando a penna, poderão dizer, com o poeta: “Um cadaver de mais, um sonhador de menos...”

 

 

Credibilidade em tempos de redes sociais

O FAZER DO JORNAL PODE SER DEFINIDO EM DOIS COMPROMISSOS: O DE FALAR AO MÁXIMO DE PESSOAS E A CADA UMA INDIVIDUALMENTE

Por Henrique Araújo

Jornalismo responsável e presente em todos os momentos. FOTO: FÁBIO LIMA

O papel tem características próprias: certa porosidade, densidade, cheiro e textura. É natural, então, que desperte sensações físicas nos leitores e que a isso se associe um prazer de manuseio, fórmula afetiva que, bem ou mal, acaba se imiscuindo no próprio ato de ler, que se converte num gesto de descoberta de mundos diversos.


Logo, o poder do papel também está intimamente conectado ao prazer do papel, essa coreografia de mãos que, pela repetição, se transforma em ritual. Rito é outra palavra para cultura, um conjunto de saberes decantados ao longo do tempo do qual se extraem valores. Essa cultura do jornal, portanto, conjuga tanto uma experiência física com o suporte quanto uma decifração da realidade por meio do conteúdo do qual o veículo é meio e mensagem ao mesmo tempo.

 

O poder do papel reside ainda num leque de aprendizados que ele carreia quando posto em circulação, transporte de símbolos e textos que chegam ao mais público e ao mais privado. O jornal, não custa lembrar, é objeto híbrido – a meio caminho do livro e da revista, está todos os dias na rua, metonímia do espaço de trânsito de uma comunidade, mas também chega, pelas mãos do jornaleiro, até a casa das pessoas.

 

Casa e rua, desse modo, funcionam como lados da mesma moeda e resumem o fazer do jornal, que repousa num duplo compromisso: o de falar ao máximo de pessoas e a cada uma individualmente. E tornar isso possível usando um repertório lexical escolhido para dizer muito, mas, sobretudo, dizer com clareza, sem baratear a inteligência de seus leitores e leitoras.

 

É um desafio levado a sério no O POVO há nove décadas.
Isso explica parte da força do jornal, mas não todos as suas nuances, que implicam necessariamente uma outra pergunta: a despeito da ascensão do digital, por que o papel continua tão presente? Mais que isso: por que, contrariando os prognósticos mais pessimistas, o impresso tem se mostrado resolutamente decisivo como baliza de veracidade para o real?

 

REDES SOCIAIS
Espécie de Babel contemporânea e símbolo de uma máxima segundo a qual todos nos tornaríamos comunicadores num futuro próximo, as redes sociais instauraram um tempo de multiplicidade e democratização, mas também de mixórdia. Nelas, como cada usuário é produtor de sua própria mensagem, os fatos cederam lugar a versões. Daí até a palavra da moda foi um pulo: narrativas.


É comum hoje a substituição de verdade factual, uma noção muito cara ao jornalismo profissional, por narrativa, que, grosso modo, seria a construção, fidedigna ou não, de uma linha de argumentativa que se ancora na realidade, mas não se mantém presa a ela.

 

Foi dessa maneira que os próprios jornais e alguns jornalistas passaram a utilizar as narrativas para se referirem a interpretações dos fatos, o que seria mais apropriado. Afinal, versões são perspectivas de uma mesma história, que eventualmente podem até divergir, mas não escamoteiam o que têm de explicitamente pessoal. A versão embute sempre um sujeito que conta sob um ponto de vista particular.

 

O mesmo não acontece com a narrativa, que, aos poucos, foi ocupando o lugar da verdade, um conceito hoje filosófica e socialmente quase fora de moda. As redes, então, passaram a desempenhar o papel de multiplicadoras de narrativas que, a fim de que se repliquem rápida e massivamente, acabam se reduzindo a um mínimo de variáveis, o que, no mais das vezes, resulta por dispensar qualquer esforço de verificação de suas premissas. Sua única condição de existência é que seja de fácil compartilhamento.


Onda de notícias falsas

À volatilidade do digital, então, seguiu-se uma onda de fake news, ou seja, notícias falsas cultivadas na internet que constituem a matéria-prima das narrativas, sempre a serviço de interesses políticos ou econômicos muito específicos. Não por acaso, dois eventos recentes foram influenciados por esse estratagema.


O primeiro foram as eleições norte-americanas, das quais saiu vencedor o magnata Donald Trump. E o segundo, o plebiscito que culminou com a retirada do Reino Unido da União Europeia. Nos dois casos, uma onda de notícias customizadas invadiu as redes sociais, de modo a prejudicar, nos EUA, a adversária de Trump, a democrata Hillary Clinton, e no Reino Unido a tese para a qual a permanência do país no bloco continental seria fundamental.

 

Qual a base comum dessas ações de sabotagem midiática? A manipulação, o baixo grau de adesão à realidade, a exploração de um autêntico sentimento de insatisfação em amplos extratos da sociedade e, finalmente, certa dificuldade dos grandes jornais de enxergarem que havia um público à espera de que a boataria fosse combatida.

 

Um caso é ilustrativo desse momento. Durante sua campanha presidencial, Donald Trump acabaria por cunhar a expressão para um fenômeno no qual ele mesmo estava surfando. Acossado por série de acusações, o então candidato desconversou numa entrevista: não eram verdades, eram fatos alternativos. Ora, a sugestão, por si só, de que havia uma dimensão paralela à qual apenas o republicano tinha acesso mostrava os riscos de um discurso cuja principal arma era a mentira, mas que, no entanto, foi vencedor ao final do pleito.

 

Por uma razão: não é que seus fatos alternativos fossem de difícil questionamento – não eram, e foram desmontados ao longo da disputa. Ocorre, porém, que suas lorotas frequentavam uma zona cinzenta da própria cobertura jornalística. Como nenhum outro político antes dele, Trump soube explorar com eficiência comunicativa esse ponto cego e falar a um eleitorado para quem os jornais eram igualmente mentirosos. Qualquer semelhança com o caso do político brasileiro Jair Bolsonaro não será mera coincidência.

 

Jornal impresso traz uma seleção rigorosa dos fatos importantes para a sociedade. FOTO: JULIO CAESAR

Jornalismo vigilante
De lá para cá, o que a imprensa, sobretudo a impressa, aprendeu? Primeiro, que o mundo hiperconectado demanda um jornalismo ainda mais vigilante, presente, mais variado e pronto a checar e confrontar os fatos alternativos e as narrativas que surgirem não apenas a cada nova eleição, mas todos os dias. Segundo, que o papel adquiriu peso ainda maior em meio a essa algaravia de mensagens nstantâneas.

 

Por dois motivos: o jornalismo, principalmente se bem feito, custa caro; e tudo que está no jornal é parte de seleção rigorosa de um conjunto heterogêneo de fatos que representam, bem ou mal, os liames e as fronteiras da sociedade.

 

Disso resulta que um jornal de papel ainda é um recorte curatorial representativo do vasto campo de interesses que apontam para certas tendências de uma coletividade. Por suas características físicas e simbólicas, é também uma instância de verificação da realidade à qual os leitores recorrem quando precisam confrontar uma versão com a verdade factual. É por isso que a máxima “deu no jornal” continua forte.

 

Qual é, então, não o poder, mas a função do papel? Tornar-se, cada vez mais, a arena pública por excelência, um espaço de mediação no qual o diferente não se veja reduzido a simples narrativa. Estabelecer-se como um lugar de fala e de escuta, um mobilizador de energias e mudanças. Restituir todos os dias a crença na capacidade de interlocução pela palavra.

 

Esses são os compromissos do O POVO. Aqui, a exemplo do caso Dandara e de tantos outros, todas as histórias que estão no papel são as que precisam ser contadas.

Henrique Araújo
é editor, cronista e leitor do o povo há quase dez anos. nesse tempo, já foi um bocado de coisa na empresa. queria ter vaiado o sol na praça do ferreira ou andado de metrô, mas talvez isso fique para outra vida.

Uma constelação de imagens

EM 90 ANOS, O FOTOJORNALISMO DO O POVO PASSOU POR TRANSFORMAÇÕES E MANTEVE O COMPROMISSO COM AS GRANDES NARRATIVAS VISUAIS

Por Iana Soares

Depois de meses na tentativa, o fotógrafo Benjamin Abraão encontra Lampião e Seu bando e realiza grande reportagem publicada com exclusividade, em 1936.

A fotografia jornalística é marcada pela força da síntese da informação e por ser um testemunho precioso do tempo, intimamente ligado ao real vivido e registrado. Em 90 anos, O POVO tem sido responsável por documentar importantes momentos da vida pública do Ceará, assim como do Brasil e do mundo, além do cotidiano de gentes, ruas, litorais e sertões. Escolher algumas imagens entre as milhares que existem no acervo é como mapear constelações em uma noite estrelada. Cada uma delas tem força isolada, mas, em conjunto, inclusive as que não estão neste breve recorte, dizem do passado e contribuem com uma reflexão sobre o tempo presente.

 

Entrevista histórica com Padre Cícero, que posa na foto entre os jornalistas Alfeu Alboim e Paulo Sarasate, em 1931.

Em 7 de janeiro de 1928, não havia fotografias em nenhuma das 12 páginas do primeiro exemplar do O POVO. As ilustrações de um pneu, de algumas vitrolas e discos, em anúncios, eram as únicas imagens da edição que inaugura a história do jornal mais longevo do Ceará.

 

Uma semana depois, no dia 14 de janeiro de 1928, aparece a primeira foto. Sob o título “A pena de morte no Ceará”, cinco bandidos posam em frente à força policial. Depois de citar o nome dos criminosos e do sargento responsável pela prisão em um breve texto, o redator acrescenta que “a fotografia foi tirada antes da partida para o Alto do Leitão, onde foram os criminosos fuzilados e sepultados”. O número de fotos cresce e, nas décadas seguintes, a fotografia será uma linguagem fundamental para narrar histórias. Nas primeiras imagens, o crédito do fotógrafo raramente aparece, já que muitas vinham de estúdios fotográficos da capital cearense ou de outros acervos privados.

 

O fotógrafo Manuel Cunha fez as imagens do acidente que matou o marechal Castelo Branco, depois de deixar a Presidência do Brasil, em 1967.

Em 1936, a autoria surge na própria foto. Benjamin Abraão consegue fotografar Virgulino Ferreira da Silva - o Lampião -, Maria Bonita e o bando de cangaceiros em um sertão profundo de gravetos retorcidos e mistérios. Na imagem, o fotógrafo aperta a mão de Lampião e coloca-se em pose de herói, após retratar o mito que ocupava o imaginário popular e as narrativas jornalísticas. A reportagem, patrocinada pela Abafilm, foi publicada com exclusividade nas páginas do jornal em edição que se esgotou.

 

 

 

Em 1994, o cardeal Dom Aloisio Lorscheider foi feito refém no Instituto Penal Paulo Sarasate durante uma rebelião. A imagem é de João Carlos Moura.

 

A entrevista exclusiva com Padre Cícero, a morte do ditador Castelo Branco, o assalto ao Banco Central, as desigualdades sociais expostas durante a realização da Copa do Mundo, a morte do menino Bruce e outras tantas imagens passaram pelos olhos do O POVO. Os fotógrafos, grandes narradores do real, transitam entre o documento e a emoção. Ao compreender a efemeridade do instante, guardam para a eternidade os lampejos da história.

 

 

A seca é tema constante nas reportagens do O POVO. Nesta foto de Fábio Lima, os galhos retorcidos se misturam à figura resistente do carcará.

CONTADOR DE HISTÓRIAS

Em 1969, Mauri Melo foi um dos primeiros cearenses a ver o homem pisar na lua. No rádio-foto, aparelho que servia para receber imagens internacionais, o jovem que ainda não era fotógrafo observou as cenas que estamparam as páginas do O POVO e de todos os jornais do mundo. No ano em que o jornal completa 90, o baixinho de topete e passo ágil inteira 46 anos como repórter fotográfico. A primeira foto, que saiu na capa e foi responsável pela sua contratação, foi a de um enxame de abelhas que aterrorizava os moradores de um bairro fortalezense. Ali foi o batismo da coragem.

 

Protesto de estudantes por conta do aumento da passagem de ônibus, em 1996, fotografado por Mauri Melo.

É dele a fotografia da menina que grita com o policial que esconde os ouvidos com as mãos, durante uma manifestação de estudantes secundaristas, em 1996. Fotografou o papa João Paulo II no Castelão e boa parte da política cearense nos últimos anos. Sobre a fotografia, Mauri explica que “além de revelar a História, ela também tem uma história por trás” e emenda contando que, alguns dias depois do sequestro, em 1994, dom Aloísio Lorscheider deu uma entrevista para a imprensa. Quando já havia terminado, quase todos saíram do local e o cardeal permaneceu na mesa. Mauri também ficou ali, pois “o fotógrafo deve estar sempre perto, sempre pronto”. Mauri esperou atento e, de repente, dom Aloísio limpou o rosto suado em um gesto que era a síntese daquele momento. “Pronto! Essa é a foto, pensei na mesma hora”. Essa “sensação gostosa”, de saber que fez A Foto, assim maiúscula, renova cotidianamente a missão deste narrador visual.

 

O fotógrafo Edimar Soares sintetizou as desigualdades sociais que persistem em Fortaleza, durante a Copa das Confederações, em 2013.

Além da história grande, Mauri diz que gosta de fotografar crianças e idosos, pois não estão preocupados com o fotógrafo, e sim com a vida. Explica que pode chegar bem pertinho com a câmera, que uma criança não vai deixar o desenho de lado, nem vai abandonar um brinquedo ou uma alegria.

 

Em 2010, um policial do Ronda do Quarteirão, programa policial do governo do Estado, atirou pelas costas e matou o adolescente Bruce, que acompanhava o pai em um domingo de trabalho. A foto é de Igor de Melo.

Mauri atravessou gerações e revoluções. Do filme ao pixel, fez parte das mudanças que atravessaram a fotografia feita no O POVO. “O fotógrafo nunca deve achar que já sabe de tudo, que já viu tudo, que alcançou a perfeição”, explica aos 74 anos. Depois de nove décadas, o fotojornalismo do O POVO também é um senhor com alma jovem. Escala muros, experimenta novas tecnologias, arrisca outras narrativas e também se coloca rente ao chão para enxergar como criança, mesmo depois de tanta coisa já vista.

 

Iana Soares trabalha no O POVO desde junho de 2009. à vezes se surpreende ao pensar que é quase uma década entre imagens, palavras e gentes. aqui aprendeu as rotas de estradas e becos antigos, além de descobrir novos caminhos.

A inclinação pelas grandes histórias

A INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA E O JEITO DIFERENTE DE NARRAR HISTÓRIAS DE VIDA MARCAM A TRAJETÓRIA DO O POVO

Por Rômulo Costa

Cobertura investigativa sobre o furto ao Banco Central levou informações inéditas ao leitor. A reportagem especial rendeu um prêmio Esso. FOTO: EDIMAR SOARES, EM 8/8/2005

A vocação de contar história é a mesma que obriga se demorar no fato, aprofundá-lo e buscar suas repercussões. Foi assim que, em 90 anos de caminhada, as páginas do O POVO nunca se furtaram às grandes coberturas. Nunca se esqueceram de dar importância aos fatos relevantes, investir na grande reportagem e no jeito diferente de reportar com verticalidade e preocupação sobre o que se narra.


A sina pela grande reportagem começou junto com o jornal e ganhou reconhecimento de fora. O primeiro deles veio em 1954. Foi quando O POVO recebeu seu primeiro prêmio, com a matéria Um ano menos oito dias em Fernando de Noronha. O mundo ficava a 300 milhas da ilha, publicada em 4 de setembro de 1953. O jornalista Pádua Campos contou sua experiência como voluntário do Exército Brasileiro na ilha pernambucana por quase um ano, com o objetivo de evitar a invasão dos alemães ao Brasil. Era no contexto da Segunda Guerra Mundial.

 

Anos mais tarde, o primeiro Esso também demarca a vocação pela reportagem vertical, humanizada e analítica. A apuração reconhecida com a mais respeitada premiação do jornalismo brasileiro foi escrita por J. C. Alencar Araripe, em 1954. A série Seca, Irrigação, Açudagem e Psicultura contou em oito matérias a luta do sertanejo pela água, a necessidade da construção de novos açudes e a repercussão da estiagem no sertão cearense. Depois daquele primeiro Esso vieram mais 15, nas categorias Regional e Nacional.

 

“É a própria essência. Observando as especificidades de cada época, O POVO sempre teve na grande reportagem um de seus principais pilares. Nem poderia ser diferente”, dialoga a jornalista Fátima Sudário. Ela coordena o Núcleo de Especiais do O POVO, responsável por pensar e executar as grandes reportagens e as produções especiais da jornal. O núcleo existe desde 2003.

 

A ideia, segundo a jornalista, é se dedicar à investigação. E nessa palavra cabe um mundo. “Para além de desvendar denúncias de escândalos, corrupção, ilegalidades, violações, entendemos a investigação como um fazer que permeia também a alma humana, o comportamento, as vivências, a etnografia. Enfim, é especial, para nós, qualquer grande história que nos estimule investigá-la e contá-la da melhor forma. Seja o furto ao Banco Central ou o perfil da dona Maia Raio X, a vidente lá do Cariri”, explica Fátima.

 

Ao longo de nove décadas, o jornal acompanhou as transformações do tempo sobre a forma como as reportagens são apresentadas, mas o fazer jornalismo continua com o mesmo compromisso iniciado em 1928. Para Fátima, O POVO continua “inquieto e inovador” e essa característica, iniciada ainda nos primeiros anos de circulação, se espraia para as outros fazeres. “A grande reportagem é uma construção que independe de plataforma. As novas mídias têm suas próprias estratégias, mas não vão abrir mão de grandes narrativas, de investigação, de qualidade de texto, de apuração séria e responsável”, defende.

 

 O olhar pelo que é público
É dever do jornalista deter o olhar e a sua atenção ao que é público. Denunciar desmandos, apontar irregularidades, lançar luz ao que está escondido pela corrupção. Nesses 90 anos,
O POVO esteve atento a essa necessidade e trouxe para o leitor informações exclusivas sobre casos emblemáticos envolvendo o poder executivo, as forças de segurança e os órgãos de fiscalização.


As grandes histórias passaram pelas páginas do O POVO. Muitas delas, com exclusividade. Foi assim em 1997. A equipe do jornal recebeu do agente João Alves de França denúncia envolvendo nomes de policiais civis e militares em esquema criminoso. Assalto, tráfico de drogas e armas, extorsão e homicídios estavam entre os crimes do grupo, que incluía ocupantes dos cargos de chefia da Polícia.


O Caso França, como o jornal chamou a série de denúncias, suscitou a criação de uma comissão especial na Procuradoria-Geral da Justiça para apurar as acusações. A cobertura do caso, reunida em mais de 80 reportagens, exigiu mais do que um trabalho de investigação. A equipe chegou a sofrer ameaças de nomes envolvidos nas denúncias. A cobertura foi vencedora da categoria regional do prêmio Esso.

 

O factual também pode apresentar pistas sobre o que está oculto. Foi assim em 2000 na cobertura da tragédia envolvendo o avião AT-26 Xavante, da Força Aérea Brasileira, que caiu a 40 km do litoral de Fortaleza, na praia do Pecém, em São Gonçalo do Amarante. Tudo indicava que era apenas um acidente. No entanto, O POVO descobriu que a asa esquerda da aeronave sacou em pleno voo, ocasionando o acidente. A série de reportagens sobre o caso revelou a falta de revisão das aeronaves da FAB, motivou familiares de outras vítimas a denunciarem casos de negligência e motivou investigação sobre o tema pela Procuradoria-Geral da República.


Anos depois, o susto. Chegou a informação de que um grupo cavou um túnel embaixo de uma das mais movimentadas avenidas da Capital que levava ao caixa-forte do Banco Central. A ação ousada levou mais de  R$ 164 milhões. Em valores, era o maior furto a um banco brasileiro e segundo maior do mundo.

 

A cobertura daquele 8 de agosto de 2005 foi dedicada ao crime contra o Banco Central. As reportagens seguiram pelos dias seguintes e a investigação do O POVO conseguiu informações que ainda eram desconhecidas pela própria Polícia Federal. Exemplo disso foi a maneira como os criminosos encontraram para sair com a 1,5 tonelada de dinheiro: recheando carros com as notas em uma casa no bairro Luciano Cavalcante. A apuração sobre o furto rendeu um prêmio Esso Regional.

 

COBERTURAS ESPECIAIS

Escândalo dos banheiros

A investigação do O POVO desvendou série de irregularidades em convênio firmado entre Associação Cultural de Pindoretama e a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará, em 2012. As reportagens revelaram que o filho e a mulher do então presidente do Tribunal de Contas do Ceará (TCE), Teodorico Menezes, já haviam presidido a associação. O caso conhecido como Escândalo dos Banheiros culminou no afastamento do conselheiro do cargo e alcançou também o presidente do Banco do Nordeste à época, Jurandir Santiago, que foi secretário das Cidades quando o convênio foi firmado.

 

Inquisição: no rastro dos amaldiçoados

A partir de entrevistas e documentos levantados em Portugal, a trilogia de cadernos especiais traçou caminhos e descobriu o rastro de condenados pela Inquisição que vieram parar no Ceará. Os documentos descobertos pelo O POVO recontam essa história desde 1497. A apuração revelou, de maneira inédita no jornalismo impresso, o cotidiano dos judeus anoussitas, os descendentes dos judeus batizados à força em 1497 pela coroa portuguesa. A trilogia venceu o prêmio Esso na categoria criação gráfica.

 

Assassinatos na Base Aérea de Fortaleza Um ano e seis meses após as mortes de Cleoman e Robson, O POVO retomou a cobertura do caso das mortes na Base Aérea, com informações que contradiziam a versão oficial. Em vez de homicídio seguido de suicídio, o caso se tratava de um duplo homicídio. O capelão da Base Aérea, padre Cheregatto, foi denunciado e absolvido dos crimes por falta de provas. As investigações, no entanto, apontaram para desvios de dinheiros e casos de orgias sexuais.

 

Chacina dos portugueses

Seis portugueses foram assassinados em Fortaleza após serem enterrados vivos na barraca Vela Latina, na Praia do Futuro. O crime foi premeditado pelo compatriota Luís Miguel Militão Guerreiro, que atraiu os turistas para a Capital. O POVO foi o primeiro veículo de comunicação a publicar a morte dos portugueses, que causou comoção e repercussão internacional.

 

Documento BR

O universo da exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes nas rodovias federais que cortam o Ceará foi tema de caderno especial publicado em dezembro de 2006 pelo O POVO. A reportagem passou por 26 cidades identificadas como pontos de exploração infantojuvenil. Traçou o diagnóstico do problema e deu voz às meninas exploradas. A reportagem venceu o Prêmio Tim Lopes de Investigação Jornalística.

 

Projeto Criança

Surgido em 1999, o projeto de criação da jornalista Ana Márcia Diógenes, então diretora-executiva da Redação, buscava privilegiar as pautas relacionadas ao universo das crianças, para além das factualidades. Todos os dias eram publicadas até quatro reportagens para discutir temas como Estatuto da Criança e do Adolescente. O esforço foi reconhecido pelo Instituto Ayrton Senna que agraciou a idealizadora do projeto com o Prêmio Especial de Editor, em 2000, em São Paulo.

 

Expedição Cocó O repórter especial Demitri Túlio passou mil dias embrenhado diariamente no Parque Ecológico do Cocó e registrou em fotografias o cotidiano de bichos, plantas e rio do lugar. O trabalho resultou em dois cadernos especiais sobre a fauna e a flora da maior floresta de Fortaleza e a necessidade de preservação do ecossistema. A reportagem foi vencedora do Prêmio Jornalistas & Cia/HSBC 2012, na categoria Nacional.

 

Criação gráfica: o valor do design
A reportagem está além do texto. Pensar a maneira como as apurações vão chegar até o leitor também é uma forma de informar. O POVO sempre soube disso. Todas as grandes reportagens publicadas pelo grupo têm uma preocupação com o projeto gráfico, concebido na convergência entre repórteres e fotografia e design editorial.


É um processo que trouxe reconhecimentos à equipe. Nos últimos 16 anos, foram cinco prêmios Esso de Criação Gráfica. Todos levam a assinatura do jornalista Gil Dicelli, editor-executivo de design do O POVO. Foi ele quem trouxe o primeiro prêmio Esso na categoria Nacional ao O POVO, em 2002, com o caderno especial Patativa do Assaré. Usando a metáfora do passarinho, Gil levou ao longo de todo o especial elementos que lembravam a construção de um ninho. Era uma homenagem ao poeta-pássaro.

 

Esse projeto é considerado pelo jornalista o mais importante da carreira. “Até hoje trago no meu trabalho um aspecto que aprendi com esse caderno. Entendi que o design, aliado ao jornalismo, tem que ser pensado, tudo tem que estar dialogando e falando com a reportagem”, conta.

 

Pensar e traduzir uma reportagem em um projeto gráfico demanda tempo e apuração também. Para os cadernos Santificados, o jornalista precisou realizar uma pesquisa que durou nove meses. Tudo isso para poder levar para o papel a história de mártires santificados pela crença popular no interior do Estado. O resultado foi um caderno que virou um oratório, em alusão aos santos.

 

O mesmo cuidado na apresentação do material foi demandado para a trilogia Inquisição - No rastro dos amaldiçoados (2010), em que Gil remeteu à colonização portuguesa com azulejos típicos da região ao longo de todo o material. Os cadernos traziam narrativas de judeus que saíram de Portugal e se refugiaram no Ceará Colonial, desde os idos de 1457, quando o Brasil era formado por sesmarias. O projeto foi reconhecido com o prêmio Esso de criação gráfica.
Na mesma categoria, venceram os cadernos Planeta Seca e Sertão a Ferro e Fogo todos elaborados pelo Núcleo de Especiais e com projetos gráficos de Gil Dicelli. O jornalista também foi reconhecido internacionalmente quatro vezes.

 

Para ele, as premiações funcionam como estímulo. “O prêmio é um reconhecimento mas não pode ser só isso, senão você paralisa. Tem que de impulsionador”, avalia. “Quando coloco um trabalho meu ao mérito de juízes para que eles possam julgá-lo, busco, na verdade, saber se um trabalho que comecei há 20 anos ainda continua válido e comunicando”, traduz.

 

Rômulo Costa está no O POVO desde 2013. fez parte do curso de novos talentos e foi repórter de Cotidiano e Conjuntura. Antes de tudo isso, lia crônicas do Airton Monte no Vida & Arte. Todos os dias.

O desenho do agora

DESDE A 1ªEDIÇÃO, O POVO JÁ TRAZIA A BUSCA PELA EXCELÊNCIA GRÁFICA. AO LONGO DE 90 ANOS, MUITAS FORAM AS REVOLUÇÕES

Por Renato Abê

Um chicote foi símbolo do início de uma história de inovações que já dura 90 anos. Em 1928, o primeiro logotipo do O POVO surge fortemente marcado por um viés político. A letra “P” se alongava em torno das letras seguintes e dava um aviso: o estalo daquele chicote era para acordar a população cearense para as questões sociopolíticas daquele fim turbulento dos anos 1920. O jornal fundado pelo jornalista Demócrito Rocha (1988 - 1943) surgia com posicionamento claro de denúncia em torno da gestão do então presidente do Ceará, Moreira da Rocha.


O logotipo original – que foi escolhido a partir de um concurso cujo vencedor não veio a público – revela que, desde a edição número um, o “jornal das multidões” carrega a busca por uma comunicação visual inventiva e objetiva. Chegando às ruas no dia 7 de janeiro de 1928, a primeira edição marca o início de uma história de 90 anos de muitas inovações sempre pondo o pensamento gráfico e editorial em consonância.

 

“O histórico de ousadia gráfica do jornal nasce junto com ele desde o início. O POVO surge já com um desejo de trabalhar o que se tem de melhor dentro do jornalismo e trazer isso visualmente desde sempre”, aponta Gil Dicelli, editor-executivo do Núcleo de Imagem do O POVO.

 

MUDANÇAS

Um breve histórico do O POVO comprova a afirmação de Gil. Em 1929, com apenas um ano de circulação, o jornal já trazia sua primeira arte gráfica publicada. Foi numa edição especial com 62 páginas anunciando a mudança de governante no Estado. Saía Moreira da Rocha, entrava Matos Peixoto, político que apareceu na capa daquele 12 de julho em volta do brasão do Ceará num desenho que incluía ainda o mar e a jangada como símbolos.

 

Já o primeiro infográfico foi publicado em 14 de março de 1930 e trazia um mapa com as rotas percorridas pelo cangaceiro José Pereira. Em 1936, houve uma mudança mais brusca com um novo logotipo. Por meio de novo concurso idealizado por Demócrito, os leitores puderam sugerir a nova “cara” do periódico. O vencedor foi o artista gráfico Raimundo de Paula Moreira.

 

Sai o P alongado em chicote e entra uma fonte de letra cursiva, um charme à época. Esse modelo mais desenhado de grafar o nome do jornal foi mantido por mais de 30 anos, sofrendo, claro, alterações ao longo do tempo, como a inclusão, em 1966, do azul, até hoje marca característica do Grupo de Comunicação O POVO (GCOP).

 

EFEITO GUEVARA

Nas primeiras décadas do O POVO, um nome foi emblemático nessa “revolução gráfica” proposta pelo jornal sonhado por Demócrito Rocha. Após a morte do fundador, em 1943, o novo diretor do jornal, Paulo Sarasate (1908 – 1968), contratou o artista plástico paraguaio Andrés Guevara (1904-1964), que realizou projetos gráficos considerados inovadores em periódicos como o argentino Clarín e o carioca Última Hora.

 

Por aqui, Guevara implementou várias novidades como a possibilidade de usar tipografia sobre fotos. Foi o primeiro projeto gráfico mais técnico para um jornal do Norte e Nordeste do País e, assim, o “efeito Guevara” reverberou ainda na criação de novas colunas como a Mundanismo (coluna social) e Notícias do País. Além disso, o artista permaneceu no Estado produzindo charges para o jornal em colaboração com o chargista Augusto Rodrigues.

 

“Na história do O POVO, o investimento em designer gráfico remete aos anos 1940, quando se contrata o Guevara, que foi o primeiro artista gráfico que fez o trabalho de assessoria, rodou o Brasil. Ele foi convidado para vir ao Ceará e fazer o projeto do O POVO. Naquele tempo, só os grandes jornais do eixo Rio-São Paulo convidavam um artista para fazer um projeto”, aponta Gil.

 

OUSADIA E INOVAÇÃO

Entre as décadas de 1950 e 1970, as alterações se concentram mais nos conteúdos e as renovações gráficas foram mais sutis. O jornal, claro, não parou no tempo e passou, por exemplo, a usar fotos coloridas. Entre as novidades, em 1966, o azul passou a fazer parte da marca da publicação e, em 1969, o jornal apresenta a nova marca, que foi produzida pela agência Aliança Publicidade.

 

Sai a letra em modelo manuscrito e entra as letras maiúsculas, em bold, dando maior seriedade à marca. Foi em 1989, porém, que outra revolução visual se desenhou. A partir do dia 24 de janeiro daquele ano, a capa foi totalmente reformulada, com as chamadas ganhando “cabeças” com os nomes das editorias. Foi nessa leva de mudanças que o então Caderno B passou a ser chamado de Vida&Arte. Para pensar as mudanças, O POVO contratou o designer cubano Mario García, referência internacional em design de jornais.

 

A parceria com o profissional seguiu na década seguinte, quando O POVO iniciou o projeto Século XXI, iniciativa para renovar o jornal mirando os anos 2000. Em trabalho conjunto com o escritório García Media, fundado em 1993 por Mario com sede na Flórida, o periódico iniciou, em 1997, as mudanças para traduzir “nova Era na produção de conteúdo e na relação com o leitor”, conforme publicado à época. Já em setembro de 2000, mais mudanças: cores diferenciadas personalizam cada editoria e suplementos e, assim, favorecem a navegabilidade do jornal.

 

Uma ponte com a convergência é estreita: as “breves”, notícias curtas, já refletem a influência da internet no consumo das notícias. O ano é marcado ainda pela introdução de ponto de leitura que faz um link com outras mídias. Em junho de 2004, o novo desenho surge pautado pela velocidade de leitura. São inseridos, ao longo das páginas, complementando as matérias, vários pontos de entrada nas matérias como as seções “Eu estava lá” e “Eu indico”.

 

As editorias são reunidas em núcleos – Comportamento, Conjuntura, Cotidiano e Negócios – e surgem espaços como as Páginas Azuis e Mercado. Maio de 2007 e a palavra da reforma editorial e gráfica é convergência, principalmente com outros veículos como o portal, rádio e a recém-inaugurada TV O POVO.

 

Novembro de 2010 e mais novidades, O POVO faz novos ajustes a partir de premissas como simplicidade de navegação e destaque dado conteúdo local.

 

 

A força do O POVO.DOM

É janeiro de 2014 e três letras demarcam uma mudança grandiosa que reverberou nos anos seguintes: DOM.

 

Surgido como suplemento de domingo, o DOM traz desenho inovador a partir de um design clean e de novas possibilidades de distribuição de conteúdo. Nas páginas, o espaço em branco é marcante, equilibrando o visual para dar protagonismo ao texto, e dando agilidade para a fruição do leitor. Em maio de 2015, um novo ajuste. A edição inteira do domingo passa a ser Dom, com navegação diferente que propõe quebra entre as editorias. A navegação é iniciada pela Farol.dom, seção que traz os acontecimentos da semana que passou, projetando-se para o futuro.

 

Em meio à diversidade de conteúdos, o projeto gráfico reforça o papel de moldura para as matérias. “O redesenho dos 90 anos tem muito do DOM. Na verdade, a gente ampliou o conceito do DOM e deu um salto para o novo O POVO. A partir dessa mudança, o leitor sente também no redesenho o “fazer jornalístico”, aponta o editor-executivo de imagem Gil Dicelli.

 

O POVO 90 anos “O processo de redesenho não é um processo que começa e termina no gráfico. Está incluído no projeto maior que é de repensar mesmo esse novo jornalismo, qual é o novo jornalismo que a gente quer daqui pra frente”, aponta Gil Dicelli.

 

“O POVO busca sempre estar atento ao que está acontecendo, aos sinais do mundo de hoje, é um jornal que não para, é um jornal que vê as inquietudes do mundo e se inquieta também e demonstra isso através dessas constantes revoluções”, finaliza.

 

Renato Abê

na busca por histórias transformadoras, renato abê encontrou na avenida aguanambi, 282, um terreno fértil para construir e desconstruir narrativas.

 

 

NOTÍCIAS PELAS PÁGINAS DO O POVO

DE 1928 ATÉ HOJE

Um jornal compartilhado

DESDE A FUNDAÇÃO, O POVO BUSCA ESTREITAR LAÇOS COM O LEITOR. AO LONGO DESSES 90 ANOS, DIFERENTES FERRAMENTAS DE APROXIMAÇÃO FORAM CRIADAS

Por Renato Abê

Antes mesmo de a primeira edição chegar às ruas, O POVO já estava de portas abertas ao público cearense. A prova disso é que Demócrito Rocha realizou concurso para escolher o nome e o logotipo do periódico, evidenciando, assim, que a publicação já nascia em sintonia com quem habita a Cidade, o Estado. A Redação sempre foi palco para a interação direta entre os profissionais da notícia e o leitor.


Passados 90 anos, a característica de “jornal das multidões” – slogan do impresso por décadas – se mantém firme em várias práticas e ações do Grupo de Comunicação O POVO (GCOP). Não à toa, O POVO é um dos dois únicos veículos de mídia impressa brasileira que contam com a figura do ombudsman (o outro é a Folha de S. Paulo). Palavra de origem sueca, ombudsman tem a tradução aproximada de “advogado do leitor”. Desde 1994, o jornal mantém essa função, sempre destacando um jornalista experiente da Redação para atuar nesse cargo que avalia, critica, opina e debate.

 

“O ombudsman faz a mediação entre a produção de notícias e os leitores. No O POVO, a função já existe há mais de 20 anos, portanto, já está consolidada. Os usuários sempre podem recorrer ao ombudsman. Seja para reclamar, corrigir, ponderar e elogiar”, afirma a jornalista Tânia Alves, que nos últimos três anos (2015 – 2017) ocupou esse posto. A profissional, que há 30 anos trabalha na empresa, destaca que essa figura constrói uma relação que vai além da simples escuta.

 

“A função de ombudsman dá aos leitores a certeza de que a empresa quer acertar. Não acertando, ela corrige, muda o curso por meio da figura do ‘ouvidor’”. Segundo Tânia, com as ferramentas de comunicação oferecidas pelas redes sociais online, o público tem se tornado cada vez mais ativo nas colocações. “Os leitores hoje estão mais independentes. Eles omitem opinião de forma virtual e imediata, muitas vezes, movida pela paixão. Assim, o ombudsman se torna cada vez mais importante no novo cenário da informação, pois a visão dele é técnica. Sempre pautada pela busca do bom jornalismo. Isso dá aos leitores a segurança necessária para estreitamento de relações”.

 

Dona Maria Lina nasceu no mesmo dia do O POVO e, há cinco décadas, tem assinatura vitalícia do jornal. FOTO: TATIANA FORTES

Meio século de união com O POVO

Há cinquenta janeiros, Maria Lina soube de uma ação de aniversário do O POVO. Quem tivesse nascido em 7 de janeiro de 1928 poderia bater à porta do jornal, pois ganharia assinatura vitalícia da publicação. A então funcionária pública se empolgou e até rememorou o trabalho de parto demorado que a mãe dela, a professora Ana Fortes, enfrentou - começou no dia 6 e varou a madrugada do 7 (“Ainda bem que demorou, né?”).

 

Lina se aprontou toda e, apaixonada por leitura que é, foi em busca do seu brinde duradouro. Desde aquele domingo de 1968 até hoje, faz parte do seu cotidiano “mexer” no jornal todo o dia. Mesmo quando os tempos corridos não permitem uma leitura mais aprofundada, ela garante: sempre dá um jeito de dar uma olhadinha. Nas páginas impressas, Maria Lina viu muito do Ceará, do Brasil e do mundo. Na casa dela, a relação com a notícia acabou virando um costume. “Meus filhos pegaram o hábito. Todos leem muito”, orgulha-se.

 

Para ela, a leitura diária traz muitos benefícios. “Eu até hoje tenho memória boa e ler muito ajuda. Eu me lembro de coisas do tempo de menina”, confirma, do alto das nove décadas. Em 2017, a “leitora VIP” passou quatro meses afastada do jornal de cada dia. A culpada? A febre chikungunya. “Eu passava o dia todo dormindo com dor, não tinha coragem para nada”, lamenta ela, paciente entre as estatísticas contabilizadas na edição dia 3 de junho do ano passado, que trouxe a manchete “Cresce 219% a incidência de chikungunya no Ceará”.

 

O pior, porém, já passou e a leitura voltou com tudo para os seus dias, assim como as outras atividades da vida de Lina, que participa de grupo de pintura, de crochê, de oração. A aposentada ultimamente tem se entristecido com algumas notícias que chegam até ela. “A política, meu filho, é um vai e vem”, critica, diante de acontecimentos como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e os desdobramentos da operação Lava Jato. “Mas é isso mesmo, nós vamos vencer, não dá para perder o otimismo”, recobra a esperança.

 

Ela ressalta que o caderno de Esportes não é muito uma prioridade. “Eu não torço (por nenhum time), mas eu simpatizo mais com o Ceará do que com o Fortaleza”, conta, lembrando que esse gosto vem desde os tempos em que era vizinha da sede da equipe alvinegra, no Porangabuçu. “É, eu vi”, diz, admitindo que acompanhou a campanha do time para subir para a Série A. A aposentada diz preferir mesmo o Vida&Arte. E também as colunas sociais. “Mas também quando é tudo muito chique demais, não me interessa muito”, confirma. “Gosto mais de coisas simples”, conta, afirmando se encantar quando encontra histórias de gente comum publicadas.

 

Já o resumo das novelas, que já fora uma seção importante para ela, hoje não é mais. “Antigamente as novelas tinham mais graça. Hoje, vez por outra, as pessoas vêm me dizer que tem uma boa, mas, se eu não comecei a assistir, não vou pegar o bonde andando, né?”. Na leitura semanal, ela tem um xodó: a coluna Das Antigas. “Esse rapaz, o Demitri (Túlio, repórter especial) escreve muito bem”. Para ela, é importante ter uma leitura crítica sobre os fatos a que se tem acesso.

 

“Sobre violência, as pessoas culpam muito o governo e a polícia, mas acho que eles fazem o que pode, o negócio é que a turma é indisciplinada mesmo”, avalia, parabenizando o jornal por, segundo ela, não “julgar” arbitrariamente. Para Lina, entretanto, o importante mesmo é que O POVO siga renovando a busca por narrativas inspiradoras. “Gosto quando tem as matérias da entrega de cartinhas dos Correios no Natal, com essa história do papai-noel para as crianças”.

 

Única leitora com assinatura perpétua do jornal, ela diz se sentir honrada. “São cinquenta anos que valem muito para mim”, aponta, confirmando desejar “vida próspera” ao periódico. Lina afirma se sentir diretamente incluída na trajetória de 90 anos do O POVO. “Vocês têm um cuidado com leitores, uma relação de muita gentileza”. Sobre a própria chegada aos 90, se alegra: “Não tenho muito o que me queixar da vida. não”.

 

 

Jornalista Daniela Nogueira ministra oficina de escrita para alunos dos Cucas da Barra do Ceará e Jangurussu no O POVO. FOTO: JULIO CAESAR

JORNAL DO LEITOR

Há mais de três décadas, a união entre O POVO e os leitores ganhou uma plataforma arrojada: o Jornal do Leitor, um caderno feito exclusivamente por quem lê o periódico. A ideia foi do jornalista José Raymundo Costa, o Seu Costa, que atuou como vice-presidente da empresa até a década de 1980. Na primeira edição, Seu Costa reuniu 54 textos que foram enviados pelos leitores e publicou um caderno especial no dia 7 de janeiro de 1984.

 

Nesta data, O POVO instituiu também o Dia do Leitor. Num primeiro momento, esse espaço era publicado apenas uma vez por ano e, a cada nova edição, o interesse de ocupação da seção só crescia. Seu Costa recebia pessoalmente em sua sala, às tardes, os interessados em reproduzir seus escritos. Em 1991, por exemplo, a edição anual chegou a reunir mais de 200 textos. Tanto que em 1993, o Jornal do Leitor passou a ser semanal, sempre aos domingos.

 

De lá para cá, muitas foram as mudanças de formato, de dia de publicação e público cativo, mas o espaço se mantém e preserva a proposta original vislumbrada por Seu Costa. “É um espaços de todos, independente do nível de instrução, classe social ou qualquer outro fator. Nós publicamos artigos de médico, de taxista que gosta de escrever poema, é bem democrático”, aponta Jacqueline Costa, editora do Jornal do Leitor.

 

A jornalista é responsável pelo espaço desde 2004, após a morte do pai dela, Seu Costa, que deixou como legado essa união entre quem faz e quem consome O POVO. Jacqueline, que é também coordenadora do O POVO Educação, afirma que o Jornal do Leitor sempre abraçou jovens leitores. “Muitos estudantes participam. Alguns hoje têm livro publicado e dizem que a possibilidade de publicar no jornal ajudou a descobrir o dom da escrita”, aponta.

 

Segundo ela, a possibilidade de dar vazão à escrita num espaço como esse acaba ampliando horizontes desses alunos, mesmo para aqueles que não escolhem a escrita literária como profissão. “Alguns já voltaram aqui depois de adultos, formados em várias áreas diferentes, para falar da importância de ter publicados esses textos no O POVO”. É o caso do estudante Rennê Câmara, que hoje tem 21 anos e começou a publicar aos 13. Atualmente ele cursa graduação em História na Universidade Federal do Ceará. “Sempre gostei de escrever, mas deixava meus textos escondidos até descobrir que havia esse espaço no O POVO. Comecei a me inserir e, desde 2009, envio artigos, poesias, textos de opinião”, conta.

 

Segundo Rennê, em espaços como esse, o público acaba se sentindo espelhado nas páginas impressas. “O leitor busca no jornal algum tipo de voz e espaço em que se sinta representado. Esse tipo de contato permite que o jornal se torne cada vez mais acessível e próximo da sociedade”.

 

Conselho de Leitores

O jovem Rennê Câmara tem ainda outra experiência de aproximação com a Redação. Ele compôs o Conselho Consultivo de Leitores em 2015. “Foi muito bom estar em contato com as diferentes opiniões. É importante o jornal levar em consideração questões de perfis tão diferentes. Cada conselheiro opina do seu lugar de fala e faz críticas e sugestões a partir do que vive. Cada leitor é um universo diferente”.

 

Criado em 1998, o conselho é um canal de diálogo entre a sociedade e as mídias do O POVO. Selecionados a partir de votação interna no GCOP, os conselheiros se reúnem mensalmente num encontro presencial, além dos debates diários na lista de email - que congrega também profissionais da empresa. A cada mês, os membros analisam um assunto específico relativo ao jornalismo. Entre as atribuições do grupo, está a de analisar o conteúdo editorial do O POVO.

 

“O Conselho Consultivo de Leitores é um colegiado muito querido para o Grupo de Comunicação O POVO, pois se inscreve na meta de proximidade com o leitor que O POVO mantém já de modo tradicional. É uma oportunidade de participação que é oferecida ao consumidor de nossos produtos, dando a ele a chance de colaborar com sua visão de mundo, sugerindo, criticando, comentando, fazendo-se parte daquilo de que ele usufrui”, avalia Daniela Nogueira, atual ombudsman e coordenadora do Conselho de Leitores nos dois últimos anos.

 

A jornalista pondera que o material produzido na Redação é impactado diretamente pela busca de diálogo direto com quem lê a publicação. “Ter a participação do conselheiro é o resultado de que o jornalismo que aqui é praticado não se restringe a uma via somente, mas há vários caminhos”, analisa. Ela completa: “É para isto que o Conselho existe - para que haja essa divisão de pensamentos, para que saibamos se estamos no rumo acertado ou próximo do mais democrático”.


 

O POVO 90 anos

MODERNO, CONECTADO, MEDIADOR DE GRANDES CAUSAS, O JORNAL FAZ ANIVERSÁRIO CELEBRANDO O FUTURO

Por Arlen Medina Néri

ILUSTRAÇÃO CARLUS CAMPOS

A edição de hoje é para nós um marco: ela sinaliza a mudança de um ciclo no jornalismo - uma transição entre o hoje e o futuro, ambos sustentados pela força de um jornal fundado em 1928. Ao longo de nove décadas, é natural que tenhamos passado por muitas mudanças. E, penso, chegamos até este aniversário justamente por entender que retratar os fatos, debater os temas, lançar tendências são características fundamentais para atravessar o tempo sendo referência na arte de dialogar com as pessoas, de mediar conflitos, de encontrar caminhos.


A essência dessa conexão está na mudança. Não chegamos hoje festejando 90 anos como mero fato cronológico. Chegamos porque tivemos a capacidade de entender as mudanças nos costumes, nos relacionamentos sociais e familiares, no comportamento dinâmico da economia, nos hábitos culturais, na forma de ver e retratar o poder público. E de nos colocarmos à disposição de todos nas diversas plataformas de comunicação.

 

Mesmo tendo nascido como jornal impresso, O POVO sempre foi “hub” de informação para o rádio, a TV e as mídias sociais. E seguiremos ampliando essa conexão. Informação checada, que leva em conta padrões éticos, é imprescindível na vida das pessoas. Os tempos velozes, de opiniões extremadas, reafirmam nosso compromisso fundamental com a realidade dos fatos.

 

O POVO mantém sua característica de ser um veículo inclusivo, que tem a capacidade de mobilizar e falar com todos. Nenhum jornal chegaria a 90 anos caso tivesse perdido essa conexão com uma sociedade que é diversa nos valores, nos costumes, nas crenças, na política. Não é um exercício fácil, mas é possível. Por isso, estamos hoje celebrando este aniversário. Já estamos de olho no primeiro centenário. Em 2028 será curioso observar como a informação qualificada venceu “a guerra” contra os boatos (fake news). Nós, no O POVO, trabalharemos com afinco para que isso se concretize.

 

Arlen Medina Néri, diretor-geral de Jornalismo do O POVO, chegou ao O POVO, em 1994, aos 26 anos como repórter de política e, logo depois, foi subeditor e colunista de política. também foi editor do ciência & saúde, editor adjunto e executivo da redação. em 2001 passou a ser diretor da redação. desde 2006 é diretor-geral de jornalismo.

Um gigante na nossa mesa

MARCELO BERABA DESTACA A REVOLUÇÃO NO JORNALISMO NO PAÍS E A FIGURA SURPREENDENTE DE DEMÓCRITO DUMMAR

Por Marcelo Beraba

ILUSTRAÇÃO CARLUS CAMPOS

Em meados dos anos 1990, a Associação Nacional de Jornais criou o Comitê Editorial, formado por um grupo de jornalistas balzaquianos com funções executivas em algumas das principais Redações do País. Era um fórum de discussões sobre o futuro do Jornalismo e de troca de experiências. Na época, estávamos muito focados em gestão e na melhoria da qualidade do que produzíamos. Eu representava inicialmente a Folha e, a partir de 1996, o Jornal do Brasil.


Estávamos vivendo o advento da revolução digital, mas ainda não a enxergávamos com nitidez. Discutíamos novos procedimentos de gestão, metas, treinamento, manuais de procedimentos, ética, programas de aperfeiçoamento e qualificação profissional. Infografia e jornalismo com auxílio de computador eram grandes novidades, continentes a serem desbravados. A reportagem investigativa não tinha ainda este nome entre nós e o direito de acesso a informações públicas não era um direito.

 

Recordo agora aquele período por duas razões. Primeiro, porque, ao voltar no tempo constatamos a impressionante a revolução que vivemos, tanto no jornalismo como na indústria da comunicação. Depois, porque revejo, naqueles anos de grandes desafios, a figura surpreendente de Demócrito Dummar, então presidente de O POVO, um dos vice-presidentes da ANJ e que prestigiava aquele grupo de jornalistas empenhados em tentar melhorar a qualidade do que entregávamos a nossos leitores.

 

Em várias ocasiões ele sentava conosco, durante uma refeição ou num intervalo de trabalho, não para discutir algum daqueles pontos que nos pautavam. Mas para nos trazer as suas angústias. Que iam muito além dos problemas de gestão ou de aperfeiçoamento técnico das nossas Redações. Ele queria falar de filosofia. De vida. Neste momento em que perdemos energia desmontando notícias falsas, em que tentamos nos proteger do ambiente de intolerância que intoxica as redes sociais, buscamos saída para a crise financeira da indústria jornalística e nos empenhamos em garantir a importância do papel da Imprensa para a vida das pessoas e para a democracia – neste momento, recordo com carinho a figura daquele gigante sentado à nossa mesa querendo que enxergássemos mais longe, além da tecnicidade e da burocracia que nos prendiam. Naquelas ocasiões, Demócrito não era só um jornalista, era um humanista.

 

E a lição que passava era a de que não estamos aqui para produzir um jornalismo frio, engessado, distanciado, certinho. O compromisso deve ser com um jornalismo vivo, crítico, criativo, impertinente, inconformado, que ajude as pessoas a entenderem melhor toda esta confusão em que estamos metidos, e que assim possam viver melhor. Não é fácil, mas o jornalismo tem de dar conta de todos estes novos desafios que o questionam, neste ambiente de desconfiança e ceticismo, sem perder a sua dimensão humanista.

 

Marcelo Beraba, jornalista

é um dos fundadores e foi o primeiro presidente da associação brasileira de jornalismo investigativo (abraji). hoje, faz parte do conselho curador da entidade.

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