Há seis anos, greve de policiais parou Fortaleza

Por Igor Cavalcante Por Érico Firmo

PARALISAÇÃO DA POLÍCIA NO CEARÁ - FEVEREIRO DE 2020

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Há seis anos, Fortaleza viveu um dia de feriado informal provocado pelo medo. Em 3 de janeiro de 2012, paralisação de policiais militares e bombeiros alterou o cotidiano da Capital como nunca um movimento grevista havia conseguido até então. Os reflexos também foram sentidos na Região Metropolitana e em municípios do Interior. O movimento alterou a rotina urbana e se refletiu pelos anos seguintes, na segurança pública e até mesmo na política.

Há cinco anos, fortalezenses enfrentaram o dia mais tenso da greve (Foto: Deivyson Teixeira em 01/01/2012)

 

Como foi o movimento
O levante começou às vésperas do Réveillon de 2012. Em 29 de dezembro de 2011. Policiais e bombeiros, mascarados sob o argumento de evitar represália, participaram de assembleia no Ginásio Poliesportivo da Parangaba e decidiram pela paralisação. Ruas ficaram sem policiais.

A festa de Réveillon era considerada o momento crítico. Para garantir a segurança durante o evento, membros da Força Nacional foram destacados para atuar em Fortaleza. A presidente Dilma Rousseff (PT) autorizou o apoio do Exército no policiamento. Como medida de segurança, o Palácio da Abolição, sede do Governo do Estado, foi isolado. A festa de Réveillon transcorreu sem maior sobressalto, apesar da tensão permanente. O pior viria após a virada de ano.

Em 1º de janeiro, reforço do Exército chegou à Cidade. Foram conseguidas novas viaturas, para repor algumas das que haviam sido tomadas ou danificadas pelos manifestantes. A estratégia passou a ser tentar impedir que os grevistas tomassem as chaves. Carros passaram a circular em comboios e a normalidade pareceu estar sendo retomada. O comandante da 10ª Região Militar, general Geraldo Gomes de Matos Filho, assumiu o controle das forças enviadas para auxiliar a segurança no Ceará.

Formas do Exercito desembarcam em Fortaleza para reformar policiamento (Foto: Edimar Soares em 1/1/2012)

Enquanto isso, tentativas de negociação fracassaram sucessivamente. Apesar de sentar pelo menos três vezes com o Governo do Estado e as associações de policiais militares que tomavam a frente dos grevistas, a procuradora-geral de Justiça do Estado, Socorro França, não conseguiu fazê-los entrar em acordo até ali. Quando os policiais pediram anistia, o governador recusou. Quando o Cid ofereceu anistiá-los, eles exigiram também reajuste salarial.

Em 2 de janeiro, a desembargadora Sérgia Miranda, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), determinou o retorno imediato dos militares ao trabalho, sob pena de multa diária de R$ 500 por policial parado e R$ 15 mil por associação envolvida na organização do movimento grevista. Os manifestantes decidiram enfrentar a Justiça e manter a paralisação.

Diferentemente do que costuma ocorrer em movimentos do tipo, houve adesão das Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (Raio) - grupo considerado a elite da Polícia Militar cearense. Também houve adesão de oficiais e de policiais que atuam na inteligência, o que fortaleceu o movimento.

Em 2 de janeiro, a situação se agravou. Relatos de violência, verdadeiros ou não, difundiram-se pelas redes sociais, sobretudo no Twitter. Vídeos de crimes de anos anteriores e fotos de ocorrências em outros estados foram difundidos como se fossem no Ceará. Houve também ocorrências reais. O POVO confirmou ter havido arrastões na Vila Velha, no Henrique Jorge e na Varjota. Comerciantes fecharam as lojas mais cedo. O comércio também encerrou expediente antes do previsto em municípios como Redenção. Havia rumores de arrastões - não confirmados - em municípios vizinhos, como Acarape e Barreira. O caldeirão foi criando o cenário para o que viria no dia 3.

Comerciante fecha loja mais cedo na Vila Velha (Foto: Gabriel Gonçalves em 2/1/2012)

O dia

No dia 3 de janeiro, a crise chegou ao ápice. Boatos que começaram no dia anterior se massificaram em redes sociais e no boca-a-boca da população. O medo foi legitimado quando empresas e até órgãos públicos começaram a fechar as portas por temor de arrastões. Feriado informal foi instituído. Na Internet, imagens falsas mostrando ações de criminosos na Cidade se multiplicavam. Avenida ficaram desertas em pleno segundo dia útil do ano. Supermercados, hospitais colégios, restaurantes, academias, lotéricas, consultórios médicos, bancas de revista e padarias, cada minuto um novo estabelecimento supostamente era vítima dos criminosos.

O que antes era uma queda de braço entre Governo e manifestantes passou a ter impactos econômicos e sociais. No fim da tarde, poucos estabelecimentos se mantiveram abertos. Nos shoppings, apesar do funcionamento normalizado, a segurança foi reforçada. A insatisfação com o impasse tomou conta da população e foi determinante para que o governador Cid Gomes cedesse e aceitasse as reivindicações impostas pelo comando de greve.

Assembleia que deflagrou greve. Policiais cobriram rosto com temor de represlia (Foto: André Salgado em29/12/2011)

Causas

Em 17 de dezembro de 2011, o governador Cid Gomes (então no PSB) visitava obras do Metrofor, quando foi cercado por policiais, bombeiros e familiares de militares. Eles tentaram impedir a passagem do carro oficial.

Dias depois, o militares acusaram o Governo de retaliação contra os manifestantes. À época, Capitão Wagner, um dos líderes do movimento, acusou o comando da PM de transferir 100 policiais militares para cidade do interior. Somado à exigência de reajuste salarial e redução da carga horária , os militares aderiram às demandas o pedido de que as transferências fossem revertidas.

Com o aumento das tensões entre a corporação e o Estado, outras exigências foram agregadas às manifestações. E a categoria também passou a reivindicar anistia para os praças e oficiais envolvidos nos protestos que vieram em seguida.

Reivindicações

Atendidas

- Incorporação do valor da gratificação de R$ 850 do turno C (madrugada) aos vencimentos dos policiais militares e bombeiros que atuavam nos turnos A (manhã) e B (tarde)
- Redução da carga horária de 44 horas semanais para 40 horas semanais
- Anistia aos policiais e bombeiros militares que participaram da greve

Para ser discutido após a greve

- Pagamento de hora extra aos militares que trabalhavam no Interior, com carga horária de 90 horas

- Reajuste do valor do auxílio-alimentação, equiparando-se aos dos servidores civis, passando de R$ 6 para R$ 10
- Regularização das promoções
- Transformação do regulamento disciplinar da Polícia Militar e dos Bombeiros em código de ética, extinguindo as prisões administrativas por indisciplina e insubordinação

Com rosto coberto, manifestante esvazia pneu de viatura (Foto: Via leitor)

A lei contra os policiais

Greves de militares da ativa são proibidas por lei e podem ser enquadrada como infração disciplinar ou mesmo motim. Conforme a lei 13.407/2003, no artigo oitavo, parágrafo terceiro, as manifestações de caráter reivindicatório e de cunho político partidário, bem como contra atos de superiores são passíveis de punição.

Já a Constituição Federal, no artigo 142, parágrafo terceiro, inciso IV, e a lei estadual 13.729/2006, no artigo 215, proíbem militares de sindicalização e greve. Tais atitudes podem configurar, em tese, os seguintes crimes militares:

Motim: quando agem contra a ordem recebida de superior ou negando-se a cumpri-la. E quando agem sem ordem ou praticando violência.
Pena: reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.

Desrespeitar superior diante de outro militar
Pena: Detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Se o fato é praticado contra comandante da unidade a que pertence o agente, oficial general, oficial de dia, de serviço ou de quatro, a pena é aumentada na metade.

Revolta: quanto os agentes estão armados.
Pena: reclusão, de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os cabeças.

Reunião ilícita: quando promove reunião de militares, ou nela toma parte, para discussão de ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar.
Pena: detenção, de seis meses a um ano a quem promove reunião, de dois a seis meses a quem dela participa, se o ato não constitui crime mais grade.

Prevaricação
Quando retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra a expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal
Pena: detenção, de seis meses a dois anos.

Organização de grupo para a prática de violência
Quando reunem dois ou mais militares ou assemelhados, com armamento ou material bélico, de propriedade militar, praticando violência à pessoa ou a coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não a administração militar.
Pena: reclusão de quatro a oito anos.

Além de ser considerado crime, esses tipo de conduta também configura transgressão disciplinar, podendo resultar em penas administrativo-disciplinar, que vão desde advertência até expulsão da corporação

Viaturas paradas na 6ª Companhia do 5ª Batalhão, no bairro Antônio Bezerra (Foto: Mauri Melo)

Táticas

Os policiais grevistas permaneceram aquartelados. Para tentar impedir a circulação de viaturas, passaram a tomar as chaves e levá-las até a 6ª Companhia do 5º Batalhão, no Antônio Bezerra, ponto de concentração do movimento. Veículos da Polícia tiveram pneus esvaziados ou furados. No primeiro dia de paralisação, 30 de dezembro, O POVO contou 90 veículos danificados. Apesar disso, os comandantes minimizavam o movimento e negavam haver adesão.

Em três momentos Governo do Estado ou policiais militares e bombeiros sinalizaram o interesse em colocar fim ao impasse. Em 30 de dezembro, na primeira tentativa, foram três horas de negociações, mediadas pela procuradora-geral de Justiça do Estado, Socorro França. As partes chegaram a elaborar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), acenando acordo, mas o procurador-geral do Estado, Fernando Oliveira não assinou, sob ordem do governador Cid Gomes.

Na noite do dia seguinte, Socorro França foi até a 6ª Companhia do 5º Batalhão, no Antônio Bezerra para oferecer, em nome do Governo do Estado, anistia aos praças envolvidos no movimento, desde que eles retomasse imediatamente os postos de serviço. Em assembleia, a categoria recusou a proposta e exigiu anistia também aos oficiais, além de reajuste salarial para toda a corporação.

No dia 2 de dezembro, nova tentativa de acordo. As negociações se estenderam também durante todo o dia seguinte em meio a crescente onda de boatos e de casos de violência contra a população, fazendo lojas, escolas e até a Prefeitura encerrar o expediente mais cedo por falta de segurança.

Em 3 de dezembro, às 17h07min, um telefonema da procuradora geral de Justiça, Socorro França, ao deputado capitão Wagner trouxe a notícia de que o governador Cid Gomes iria aceitaria três das seis reivindicações dos grevistas.

Os efeitos da greve no Ceará

Foto: Soldados do Ex�rcito fazem seguran�a em ruas desertas no Centro da Cidade (Foto: Fco Fontenele)
 

Em meio à instabilidade da segurança pública e ao tensionamento criado na relação entre o Governo do Estado e a tropa, o ano de 2012 foi cenário de um dos maiores crescimento no número de homicídios no Ceará. De acordo com dados do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, entre 2011, quando foram registrados 2.762 assassinatos, e 2012, com 3.734, houve aumento de 35,19% desse tipo de crime, que é o mais usado mundialmente como parâmetro para medir o grau de violência de uma sociedade.

Conforme o levantamento da entidade, desde 2007, sempre houve aumento nos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que incluem homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio (roubo seguido de morte). Contudo, em nenhum ano a taxa de aumento havia passado de 15,65%, como o registrado entre 2009, com 2.382 crimes, e 2010, com 2.755.

Levando em conta os dados mais recentes da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), uma explosão tão grande de homicídios só foi registrada no ano passado no Estado. Com o fim da pacificação nacional estabelecido entre as facções criminosas, no fim de 2016, o Ceará registrou 4.681, até novembro do ano passado. Em 2016, foram 3.407, um crescimento parcial de 37,39%.

Efeitos políticos

A greve de 2011 foi divisora de águas para o governo Cid Gomes. O governador à época disse que aqueles foram seus piores momentos como administrador. As consequências o acompanharam até o fim do mandato.

Com a piora dos índices de segurança, a situação contaminou a política e enfraqueceu o governo. O irmão de Cid, Ciro Gomes, chegou a ser escalado para uma consultoria informal dentro da SSPDS. Ao final do trabalho, o secretário Francisco Bezerra foi demitido. O desgaste nessa área, sobretudo, teve impacto particularmente sobre o eleitorado da Capital. Na eleição seguinte, em 2014, Cid elegeu o sucessor, mas perdeu em Fortaleza. Eunício Oliveira (PMDB), candidato de oposição, teve 57% dos votos na Capital.

Já a oposição viu surgir nomes novos. Capitão Wagner, eleito vereador, deputado estadual e com desempenho expressivo na eleição para prefeito, foi o mais relevante deles. Cabo Sabino (PR) foi eleito deputado federal em 2014 e, em 2016, Soldado Noélio (PR) se elegeu vereador na Capital. Toda uma bancada legislativa egressa do movimento.

Capitão Wagner, líder dos militares na greve, cumprimenta grevistas na na 6ª Companhia do 5ª Batalhão no bairro Antonio Bezerra (Foto: Igor de Melo)

A ascensão do capitão (por Érico Firmo)

Em uma noite do fim de setembro de 2011, atendi o telefone da bancada da editoria de Política do O POVO. Do outro lado da linha, alguém muito entusiasmado oferecia informação exclusiva e que considerava bombástica: a deputada Fernanda Pessoa (PR) iria se licenciar da Assembleia Legislativa por 120 dias, a partir de 29 de setembro. Em seu lugar, assumiria o mandato o suplente Capitão Wagner (PR).

São comuns os acordos dentro das bancadas para que os suplentes exerçam parte do tempo de mandato. As substituições são parte da rotina do Legislativo e não costumam merecer destaque no noticiário. Salvo quando o parlamentar que se licencia é alguém de muito destaque, ou o suplente que assume é personagem com muita relevância política - nesse último caso, normalmente algum político que foi importante e entrou em decadência ou alguém que teve peso em cargo no Poder Executivo e se aventura no Legislativo. Nenhum desses era o caso. De modo que agradeci pela informação e me despedi da empolgada fonte. Dentro de três meses, eu descobriria a importância insuspeita que tinha aquela informação.

Ninguém ganhou tanto com a greve quanto Wagner. Em 2010, ele disputou a primeira eleição, para deputado estadual, e ficou na suplência, com 28.818 votos. Desempenho muito positivo para um estreante sem estrutura. Mas, distante do resultado que ele teria dali em diante. Em 2012, logo após a greve, ele se tornou o vereador mais votado da história de Fortaleza, com 43.655 votos. Apenas entre os eleitores de Fortaleza, ele teve 14.837 votos a mais do que havia conseguido no estado todo. Uma mostra do quanto seu prestígio cresceu.

Em 2014, Wagner se tornou o deputado estadual mais votado da história da Assembleia Legislativa. Foram 194.239 votos. Para ter dimensão do que significa esse desempenho, apenas três deputados federais tiveram mais votos do que ele. Entre a eleição de 2010 e a de 2014, a votação de Wagner cresceu 574%. Entre os dois pleitos, uma greve.

Capitão Wagner, deputado estadual do Partido da República (PR), em discurso durante sessão (Foto: Fábio Lima)
 

Para além do resultado próprio, Wagner teve papel de protagonismo na campanha de Eunício Oliveira (PMDB) a governador em 2014. Era tido como nome para comandar a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social em caso de vitória peemedebista. Com militância das mais aguerridas, os apoiadores do Capitão causaram dores de cabeça ao então candidato Camilo Santana (PT). Houve, inclusive, denúncias de uso de viaturas na campanha.

Em 2016, Wagner foi candidato a prefeito de Fortaleza. Apesar da derrota, teve desempenho significativo, com 46,4% dos votos no segundo turno, contra 53,6% do prefeito reeleito Roberto Cláudio (PDT).

A greve da PM em 2012 teve como maior resultado político a transformação de um desconhecido suplente de deputado no maior fenômeno eleitoral do Ceará surgido desde então. Nas duas últimas eleições, ele tentou ajudar um aliado a chegar ao poder estadual e buscou, ele próprio, a chefia do Poder Executivo na Capital. Não conseguiu, mas tem sido a mais constante e relevante referência de oposição no Ceará.

Personagens

Capitão Wagner Sousa
Então aos 32 anos, era suplente de deputado estadual, havia três meses no exercício da função. Era fundador e então presidente da Associação dos Profissionais de Segurança Pública do Ceará (Aprospec) - criada em março de 2011. Ganhou visibilidade ao usar redes sociais, como Facebook e Orkut, para denunciar a cúpula da segurança pública. Após a greve, elegeu-se vereador em Fortaleza, em 2012, com votação recorde de 43.655 votos. Em 2014, elegeu-se deputado estadual, novamente com recorde: 194.239 votos. Em 2016, concorreu a prefeito de Fortaleza. Foi ao segundo turno, quando foi derrotado por Roberto Cláudio (PDT). Teve 588.451 votos.

Flávio Sabino
Cabo da Polícia Militar, presidente da Associação de Cabos e Soldados Militares do Ceará (ACSMCE). Tinha 39 anos. Havia sido um dos líderes do movimento em 2010, quando policiais do Ronda do Quarteirão pararam viaturas nos pátios dos quartéis e se recusaram a circular. Em 2014, em "dobradinha" com o capitão Wagner, foi eleito deputado federal com 120.485 votos.

Pedro Queiroz

Aos 49 anos, presidia a Associação Nacional de Entidades de Praças Militares Estaduais (Anaspra). Acumulava o cargo com a presidência da Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Ceará (Aspramece). Assim como Sabino, estava na liderança da paralisação de policiais do Ronda do Quarteirão em 2010. Chegou a ser promovido a subtenente em 2003, mas acabou retornando à patente de soldado devido à militância.

As esposas dos policiais

Com a lei pesando contra para impedir a manifestação dos policiais, as esposas dos grevistas ganharam papel importante nos protestos. Elas deram rosto a insatisfação da tropa, enquantos os homens precisavam ficar mascarados temendo represálias administrativas. Foram elas que ficaram na porta de alguns quartéis e esvaziaram os pneus das viaturas paradas numa ação para impedir a saída dos militares e bombeiros para o serviço, após determinação da Justiça.

Os gestores

Francisco Bezerra

Então secretário da Segurança Pública e Defesa Social, é coronel da Polícia Militar, com trajetória muito ligada ao governador à época, Cid Gomes. Comandou o 3º Batalhão da PM, em Sobral, na época em que Cid era prefeito do Município. Ao assumir o Governo do Estado, Cid levou o amigo para comandar sua Casa Militar. No segundo mandato, ele foi alçado a secretário da Segurança. À época, o governador disse ter escolhido para a função um "pé de boi", um homem de ação, como contraponto ao estilo intelectualizado do antecessor Roberto Monteiro. Em sua gestão, sobretudo após a greve, houve disparada dos índices de criminalidade. Caiu em setembro de 2013.

Cid Gomes

Governador por dois mandatos, tinha na segurança pública sua prioridade desde a primeira campanha. Lançou o Ronda do Quarteirão como carro-chefe de governo - hoje, o programa está completamente esvaziado. Teve na greve da PM o momento mais crítico de sua administração. Ficou desgastado pelo silêncio enquanto transcorria a crise.

Ivo Gomes

Irmão do então governador, era chefe de gabinete de Cid Gomes e monitorava de perto a área da segurança pública. Foi a primeira voz do Palácio a se manifestar após a greve. Na época, ressaltou a confiança do governo no comando da Segurança e da PM. Ele afirmou que a administração Cid Gomes foi surpreendida pela intensidade da insatisfação da tropa e pela força do movimento.

Werisleik Matias

À época, o comandante da Polícia Militar foi uma das autoridades que mais rebateu a ideia de paralisação dos subordinados. Até 30 de dezembro, quando houve paralisação da categoria e veículos foram depredados, ele negava a ausência de militares no serviço. O coronel também negava que os manifestantes procuraram os gestores para chegar a algum acordo. Durante a greve, Matias foi criticado por subestimar a insatisfação da tropa e as consequências que o protesto dos policiais poderia causar.

Eduardo Diogo

Então secretário do Planejamento e Gestão, teve papel central, na condição de gestor do Orçamento estadual, no momento em que as negociações destravaram. Foi uma das principais vozes do governo na mesa com os grevistas, diante do enfraquecimento do secretário da Segurança.

O interventor

Geraldo Gomes de Matos Filho

Pernambucano de Recife, general do Exército, comandante da 10ª Região Militar. Assumiu o comando das tropas da Força Nacional e do Exército destacadas para atuar na crise da segurança pública no Ceará. De perfil linha dura e estilo severo, é, por outro lado, considerado aberto ao diálogo. Havia atuado em crise similar no Maranhão, em 2011.

A negociadora

Socorro França

Procuradora-geral de Justiça do Estado, tornou-se a mediadora diante do esgarçamento da relação entre policiais e Governo do Estado. Foi ela quem desobstruiu o diálogo e levou aos líderes do movimento a notícia de que parte das reivindicações havia sido acatada.

O bispo emérito de Limoeiro do Norte, dom Edmilson Cruz, e a então defensora pública geral do Estado, Andréa Coelho, também mediaram as conversas.

O impacto do movimento na Polícia Militar

Camilo Santana com policiais militares (Foto: Mauri Melo)

O número de militares envolvidos na greve varia, de acordo com a contagem dos líderes do movimento e do comando da PM. Independentemente do número exato, a quantidade de envolvidos foi suficiente para fazer a Cidade parar assustada e dividida entre casos de violência e boatos de insegurança.

Do total de policiais que participaram da greve, 53 chegaram a ser indiciados pelo Comando Geral da Polícia Militar do Ceará por terem liderado o movimento e, na ocasião, terem cometido uma série de crimes militares. No grupo estavam incluídos também integrantes do protesto contra Cid Gomes no Metrofor.

À época, o Comando da PM defendeu que a anistia assumida pelo governador não foi descumprida, já que o acordo não incluía – e, juridicamente, nem poderia incluir – a atuação do Ministério Público, que pediu a PM para investigar criminalmente o caso.

Soldados do Exército em frente ao 5ª Distrito Policial no bairro Parangaba (Foto: André Salgado)

A anistia total aos militares veio em agosto de 2013, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) garantiu o benefício aos policiais grevistas de 16 estados, incluindo do Ceará. No Estado, a medida atendeu pelo menos 350 homens processados após a paralisação de dezembro de 2011 e janeiro de 2012. Se levados em conta os que respondiam a inquérito, mas sem indiciamento, a lista de favorecidos chega a 1,2 mil militares.

Com o fim do Governo Cid, e o início da gestão Camilo Santana (PT), em 2015, a relação entre o Executivo e a corporação começou a se reestabelecer. Durante a transição, o Ferreira Gomes defendeu que  o petista não teve qualquer envolvimento com as decisões tomadas pelo Governo acerca da greve. E, por isso, as relações entre as partes deveria começar com o “clima zerado”.

Com discurso mais conciliador que o padrinho político, o petista tirou Servilho Paiva da Segurança Pública e nomeou Delci Teixeira como secretário. No primeiro ano de gestão, o governador sancionou a lei que passou a garantir as promoções nas carreiras dos policiais militares e bombeiros do estado, uma antiga demanda da categoria, em novo gesto de aproximação do Palácio da Abolição dos militares.

Viaturas com pneu seco paradas (Foto: Deivyson Teixeira)

Outros movimentos

Sempre envoltas em polêmicas, por serem proibidas por lei, o Ceará registrou em sua história outra grande greve de policiais militares que gerou clima de tensão na população. Em 29 de julho de 1997, os policiais pararam as atividades e foram para as ruas manifestar por reajuste salarial, em meio a uma onda de paralisações semelhantes pelo País. Durante a marcha, houve troca de tiros entre o militares e o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), que não aderiram ao movimento. Na ocasião, o comandante da PM, coronel Mauro Benevides, foi baleado nas costas.

O POVO contou a história da primeira greve dos militares no Ceará

Em abril de 2010, policiais do Ronda do Quarteirão realizaram uma “greve branca”. Durante o movimento, várias viaturas ficaram paradas nos pátios dos quartéis da Capital e Região Metropolitana. Os PMs se recusaram a dirigir as Hilux usando como argumento a não realização de um curso de condutor de veículo de emergência, exigido pelo Código de Trânsito Brasileiro. Um dia após o fim da “greve branca”, 46 policiais foram transferidos.

Já em 2013, um ano após a greve de policiais e bombeiros, a categoria realizou um novo ato para discutir o andamento das reivindicações de 2012. À época, o Estado demitiu dez lideranças do movimento. Contudo, em 2015, a ex-controladora geral de disciplina dos órgãos de segurança pública do Estado do Ceará, Socorro França, determinou imediato retorno dos homens à corporação, obrigando o Governo a acatar a decisão.