QUARTETO IRLANDÊS

Quarenta anos de música

Quarteto irlandês permanece com a mesma formação desde 1976, quando o baterista Larry Mullen publicou um aviso na escola em busca de músicos para formar uma banda

Foto: divulgação
 

Em 1976 quatro irlandeses se reuniram para fazer um som arraigado no pós-punk. Com acordes melódicos, referências espirituais e um vocalista carismático, os adolescentes conseguiram ganhar as paradas mundiais e entraram no rol de bandas de rock mais representativas da história. No início dos anos 1980 já eram famosos internacionalmente e colhiam os frutos do álbum de estreia: Boy. Bono, Edge, Adam e Larry continuam na estrada 40 anos após o início da carreira. Como quatro pilares de um mesmo templo, os músicos colecionam turnês vitoriosas, prêmios, cifras milionárias de vendas e o sustentáculo do sucesso: fãs fissurados pelo U2.

"Eles começaram a carreira em uma idade tenra e conseguiram passar pelos momentos de auge, de estrelismo, sem se dispersar uns dos outros. O Bono tem um cerne político forte e os outros abraçaram a posição. É difícil explicar a continuidade de uma banda com uma mesma formação. Considero os fatos deles terem começado juntos, muito novos, e do Bono nunca ter deixado a banda", argumenta o professor Poty Fontenelle, do curso de Música da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Bono Vox, hoje com 56 anos, é vocalista do U2 desde os 16. Para além da voz, dos óculos escuros e das composições, ficou conhecido pelo trabalho humanitário realizado no continente africano. Certa vez, Yoko Ono chegou a afirmar que o cantor seria como um “filho de John Lennon”.

A banda veio quatro vezes ao Brasil: 1998, 2001, 2006 e 2011. Na última passagem trouxe o show 306º Tour, espetáculo super elogiado pela crítica e que utilizava um palco circular. “O U2 foi a banda que definiu o que é um megashow há quase 30 anos, desde o início dos anos 1990 quando colocou a Zoo TV sua mais ambiciosa turnê na estrada, eles têm ditado o que a tecnologia de produção vai fazer dali para frente”, opina Vivianne Nunes, analista e MIS e fã da banda desde os tempos do álbum Achtung Baby e da canção One.

Amor de fé. Entre novas e velhas canções

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O analista de sistemas Suderland Guimarães, 38 anos, virou fã do quarteto irlandês por influência de amigos de escola e da faculdade. Escutou um álbum, gostou e foi buscar outros. Curioso, começou a pesquisar sobre as mensagens de Bono, as letras e a sonoridade. Em uma das investigações descobriu que U2 faria um show em São Paulo. Foi o gatilho de uma história que começou com voos atrasados, corrida no Aeroporto de Guarulhos, a polícia brasileira entregando uma intimação para os integrantes da banda e terminou com Suderland com uma camiseta autografada por Bono Vox.

Era 2006 e as ferramentas de comunicação não estavam tão imediatas quanto agora. Os fãs se reuniram em grupos e comunidades no extinto Orkut para debater os lançamentos, fazer jogos e criar relações em torno da musicalidade da banda. E muitos dos laços formados à época se perpetuam até hoje em fã-clubes e grupos de discussão. Depois da turnê de 2006, o U2 retornou ao Brasil em 2011 com a aclamada 360º.

“Os grandes amigos que tenho conheci por conta da banda”, aponta Alexandre Aguiar, 46 anos. Integrante do fã-clube U2 Fortaleza, ele mantém uma rede de apaixonados pelo quarteto. Em grupo, pontua, tudo fica mais fácil. Até conseguir os ingressos para os shows - que costumam se esgotar em poucas horas. “Sempre há uma resistência da família, achando que sou velho para isso. Quando aparece show deles aqui, eu largo tudo. Chego dois dias antes para dormir na fila, na rua. Tudo vale a pena. São as loucuras que fazemos pela banda”, diz.

Em uma das “aventuras”, ele e os amigos se perderam na capital paulista. “Tentamos ir ver a banda no hotel. Acabamos pegando o ônibus errado e paramos no outro lado da cidade, distantes uns 60 quilômetros. Depois de rodar muito de ônibus em ônibus, conseguimos chegar onde eles estavam hospedados. Depois de alguma espera, vimos o Bono. Na volta, o grupo que reuni não se desfez. Nascia o U2 Fortaleza”.

Nova turnê

Para 2017 há fortes indícios de que Bono Vox (vocal), The Edge (guitarra), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria) percorram as principais cidades do mundo com nova turnê. As especulações se espalham por sites estrangeiros e nas rodas de conversa dos fã-clubes. Até agora, entretanto, há confirmação somente do novo álbum - que deve ser lançado nos próximos meses e foi intitulado Songsof Experience.

Vivianne Nunes, 32 anos, já foi há quatro shows no Brasil. É fã desde a infância. Aos nove anos escutou a canção One no rádio. “Anotei o nome da música e da banda do jeito que entendi em um papel e fui atrás dos amigos para conhecer o que era aquele som”, lembra. Se a nova turnê passar pelo Brasil há uma certeza: Vivianne estará nas primeiras filas.

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Coleção. Uma vida com U2

Alexandre Aguiar, 46 anos, começou a história com o U2 em 1985. Passou a adolescência escutando a banda em discos de vinil que guarda até hoje. Em casa, um quarto é dedicado exclusivamente para a coleção de itens da banda - das blusas aos CDs. Viu ao quarteto ao vivo pela primeira vez em 1998, em São Paulo. À época, o ingresso valia uma pequena fortuna: deR$ 50.   Alexandre é integrante do fã-clube U2 Fortaleza e ajuda em campanha para trazer o quarteto à cidade.

OS FÃS INDICAM DISCOS

1 Achtung Baby

Para Vivianne Nunes, 32 anos, o álbum de 1991 é forte e extremamente bem gravado. “Acho que é um disco obrigatório para fãs e não-fãs”, aponta.


2 Songs of Innocence

Para Bruno Ioseph, fã da banda desde a década de 1980, o disco tem uma sonoridade singular. Destaque para a canção EveryBreakingWave.

 

U2 em show no Brasil em 1998

A música, o mito, a emoção

Acompanhar o U2 ao vivo é uma experiência marcante e diferenciada, mesmo para quem já conferiu diversos grandes shows em estúdios ou mega apresentações como a dos Stones em Copacabana, dois dias antes do concerto de Bono Vox e cia. no Morumbi, naquele fevereiro de 2006. O mito demonstra e justifica sua força. A emoção é absoluta. São dezenas de milhares de pessoas que se abraçam, cantam, fecham os olhos, vão às lágrimas

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Antes do mito, a música. Deveria ser sempre assim. Afinal, é ela a principal responsável pelo U2 se ter tornado, bem além de uma das maiores bandas da história do rock, um dos grandes ícones da arte e, ao mesmo tempo, da cultura pop, reconhecível de forma imediata em grande parte do planeta. Egressos da periferia do grande centro irradiador da invasão britânica dos anos 60, da revolução punk no do-it-yourself da década de 70, do pós-punk, do new age e do glittering rock dos anos 80, Bono Vox, The Edge, Adam Clayton e Larry Muellen Jr cedo conquistaram seu lugar de protagonistas na história.

Ainda que reconhecidos antes pelos shows que pelos álbuns, tanta reverência se deve principal e essencialmente a canções como "I will follow" (do inicial "Boy", de 1980), sucesso nos dois lados do Atlântico; "Sunday bloody sunday" e New year´s day" (de "War", de 1983); "Pride (in the name of love)", de "The Unforgettable fire", de 1984, já sob a produção de Brian Eno e Daniel Lanois, e como as dylanescas "Where the streets have no name" e "I still haven´t found what I´m looking for", além do hit instantâneo "With or without you", de "The Joshua Tree", de 1987.

Viriam "Desire" e "All I want is you" (de "Rattle and Hum", de 1988), "One", de "Achtung baby", de 1991; "Stay (Faraway, so close)", de Zooropa, de 1993; "If God will send his angels" e "Staring athe the sun", do controverso "Pop", de 1997... E o que dizer de "Walk on", "Elevation", "Beautiful day", todas de "All that you can´t leave behind", de 2000? E de "Vertigo", "City of blinding lights" e "Sometimes you can´t make it on your own", de "How to dismantle an atomic bomb", de 2004?

E assim o U2 seguiu construindo uma carreira capaz de unir hits radiofônicos a experimentação criativa, bandeiras políticas e humanistas que se contrapunham ao cinismo, ao niilismo, ao império do individualismo e do consumo. Mesmo, ironia ou não, mantendo vendas nas casas dos milhões, consolidando-se como a mais emblemática banda do rock nos anos 80, antes de o Guns ´n Roses chacoalhar as coisas com o bom e velho hard rock, bem antes de o grunge do Nirvana provar errado o veredito - mais um - sobre a suposta morte do rock.

No caso do U2, entretanto, há tanto a mais do que a música que é preciso olhar - e sentir - além para compreender tamanho impacto. Assim também é em um show do grupo, típica situação de jogo ganho antes mesmo de começar. A comparação da reverência de setenta mil fãs, unidos em um estádio (arena ou templo?) a uma devoção religiosa, a momentos de elevação, a rituais de entrega e intensidade, é a mais recorrente e tentadora. Mas talvez seja, ainda, insuficiente para descrever a verdadeira catarse que se testemunha em uma apresentação como aquela de 20 de fevereiro de 2006, uma das ocasiões em que os quatro cavaleiros trouxeram suas canções de amor, glória, redenção, remissão, desafio. Transcendência.

Pouca gente pareceu realmente perceber o ótimo show de abertura, do Franz Ferdinand de Alex Kapranos, então em ascensão para se tornar um dos novos nomes do rock mundial. Na noite fria no Morumbi, não somente aqueles que acamparam nos arredores do estádio, mas todos os fãs do U2 ali se presentes se mostravam diferentes dos seguidores de todas as demais lendas do rock, dos Stones ao Maiden, de Dylan a McCartney, de Gilmour a Waters, de Rock in Rio a Lollapalooza. Assim que a banda ganha o palco, a sensação é de cumprimento de um encontro de há muito marcado. Multiplicam-se os abraços e, mesmo em um show com a energia de muitos rocks e de várias faixas novas, as lágrimas não tardam a aparecer. Chegam muito antes das baladas, acompanhadas de expressões de espanto (ao melhor estilo "Não acredito que tô aqui!") e de uma reverência que, em tempos de costumes entre o fake e o blasé, comove pela sinceridade.

"Beatiful day" cantada após "Está chegando a hora...". Referências a Lula e ao ainda sonhado hexa do futebol. As luzes dos celulares em "Where the streets have no name". As vozes se multiplicando em "Pride": "in the naaaame of looove"... As saudades do pai em "Sometimes you can´t make it on your own". Entrega, histeria, catarse. "Vertigo" e "Elevation", tudo ao mesmo tempo então. Em um momento do qual não se podia escapar. Muito menos os fãs que foram puxados ao palco, em "Miss Sarajevo" e "With or without you". "All because of you". Tudo por causa da música. Como sempre deveria ser.

Dalwton Moura - Jornalista, compositor, crítico musical. Atualmente escreve o livro"Esperando o Show Começar", sobre o eterno encanto, os micos,as roubadas e glórias do vício de ir a pequenos e grandes shows.

Linha do tempo

Foto: divulgação

1976
O U2 nasce a partir do anúncio que Larry Mullen publica na escola em busca de músicos para formar uma banda.

1978
Depois de ser The larryMullen's Band, Feedback e The Hype, o quarteto assume o nome de U2.

1980
Após o EP Three, lançado somente na Irlanda, a banda apresenta Boy, disco de estreia que trouxe sucessos como I Will Follow.

1984
O lançamento de The UnforgettableFire mostra uma banda menos agressiva e em busca de um som mais maduro. É o primeiro disco produzido por Brian Eno e Daniel Lanois.

1985
O U2 integra o elenco do Live Aid, evento megashow montado para arrecadar fundos para amenizar a fome na Etiópia. A performance chamou a atenção de milhares de pessoas pelo mundo.

1988
Com o sucesso da turnê do álbum The Joshua Tree, o U2 lança o documentário Rattleand Rum, acompanhado da trilha sonora que conta com When Love Comes to Town, dueto com B. B. King.

1991
Achtung Baby apresenta mais uma mudança nos rumos do U2, que passa a incorporar elementos da dance music. essa mudança ficaria ainda mais radical nos discos seguintes.

1998
O U2 se apresenta pela primeira vez no Brasil com a turnê Popmart. O mega espetáculo passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo.

2000
Após uma década dedicada aos sons eletrônicos, o U2 volta ao básico com o álbum AllThatYouCan'tLeaveBehind. Beautiful Day, Elevation e WalkOn marcam as pazes com o rock.

2009
Na cola do disco No Lineon The Horizon, o U2 apresenta a ambiciosa turnê 360°. Num palco circular, eles apresentam um espetáculo de tecnologia, carisma e boa música. O modelo do palco foi copiado até pelas bandas Revelação e Calcinha Preta. A turnê também passou pelo Brasil.

2014

Após rumores sobre o fim do U2, chega às lojas SongsofInnocence. O novo disco é baseado em lembranças da juventude da banda e a capa traz uma belíssima imagem do baterista Larry Mullen abraçado à cintura do filho.

40 ANOS DE U2 EM IMAGENS

Vida & Arte: U2

Confira reportagem sobre os 40 anos da banda no jornal O POVO