Lei que aboliu escravidão entrou em vigor em 13 de maio de 1888. O processo começou no Ceará, no atual município chamado por isso Redenção. Uma luta que não terminou até hoje e ganha novos significados na atualidade
Por Rubens Rodrigues
130 anos após a sanção da Lei Áurea, a população negra ainda guarda marcas irreparáveis de uma tragédia que durou mais de três séculos. Último país do Ocidente a libertar os escravos, o Brasil Imperial escondia, no Ceará, movimentos que radicalizaram sociedade, economia e política.
Sancionada em 13 de maio de 1888, a lei n.º 3353 é curta, mas ao declarar extinta a escravidão, deu à princesa Isabel o reconhecimento por uma ação conquistada anos após luta de diferentes setores da sociedade. Nesse processo, uma parte acabou invisibilizada, refletindo em uma construção cultural que definiu parâmetros de percepção da sociedade.
A partir desse ponto, O POVO Online resgata a história com os movimentos que radicalizaram as províncias do Ceará em busca de liberdade e revisita lugares - e ruínas - que guardam a memória escravista e antiescravista. A exemplo de Redenção, município distante 62,8 km de Fortaleza. Quando ainda se chamava Acarape, tornou-se a primeira cidade do País a alforriar todos os seus escravos - todos os 116 de uma só vez, em 1º de janeiro de 1883. O movimento se espalhou pela província do Ceará, que, em 25 de março de 1884, tornou-se a primeira do Brasil a libertar os negros cativos.
País afora, seriam mais quatro anos de embates até a Lei Áurea. Nesse intervalo, o Ceará se tornou peça central na propaganda abolicionista. A "Terra da Luz", no dizer de José do Patrocínio. Até como parte do processo de convencimentos dos brancos da necessidade de libertação dos negros pelo Brasil, a propaganda de exaltação do pioneirismo cearense enfatizou o protagonismo da intelectualidade branca.
Mesmo Redenção se viu em processo de negação da herança negra e, hoje, encara um processo de reparação da própria narrativa.
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O olhar para o passado
Como o reconhecimento como mulher negra mudou a vida e a visão sobre sociedade da comunicadora Margarida Marques. Negra, feminista e militante dos Direitos Humanos. E que testemunhou, na própria família, as marcas da herança escravista
Por Rubens Rodrigues
São muitas as fortalezas que compõem uma cidade. Dos prédios às ruínas espalhados na Capital cearense, alguns territórios marcam a memória da comunicadora social Margarida Marques, de 55 anos, com profundidade. Seja na divisão entre as aldeiotas que guardam as elites de quem vive à margem da cidade ou na simbologia em torno da Ponte Velha, na Praia de Iracema.
Margarida é integrante do Instituto Negra do Ceará (Inegra). Feminista, negra, militante dos Direitos Humanos. Nem sempre foi assim. Ela assistiu a três gerações de mulheres negras da sua família ganharem a vida como trabalhadoras domésticas para famílias ricas no Ceará. Ela chegou a acompanhar a tia Maria, que era lavadeira de roupas, em algumas entregas.
Na casa dos patrões, elas nunca entravam pela porta da frente, fazendo com que a pequena Margarida, ainda nos anos 70, só conhecesse a área de serviço e a cozinha da casa das famílias ricas. Dessa forma, Margarida foi educada a entender que pertencia a um lugar diferente dos brancos. Dos patrões. O lugar de subalterna.
Para ela, a história só começou a ser reescrita com a luta social, que surgiu no fim da adolescência. A militância veio no movimento estudantil e depois como sindicalista. Foi essa trajetória que culminou no própria compreensão da negritude.
Primeiro, Margarida se percebeu como classe trabalhadora. Sua atuação a fez pensar o lugar da mulher no movimento sindical, abrindo a percepção para as questões de gênero. A luta da classe, contudo, não resolvia as questões das mulheres. E então Margarida se deparou com o lugar da mulher, e o lugar da mulher negra.
"Hoje eu percebo que o que eu vivi e o que outras mulheres negras viveram tiveram como fator determinante a raça", afirma. "Quando olho o conjunto de trabalhadores, e o conjunto de negras e negros, passo a entender um pouco da minha história, da história da minha família e das mulheres da minha família".
Margarida gosta de dizer que foi salva pela luta social, mas a herança do processo de escravização permanece. "Não podemos dizer que vivemos um processo de libertação da população negra. Os mais de 300 anos de escravização de negros e negras marcaram o povo brasileiro de forma muito profunda, em diversos aspectos. A abolição dos escravos não veio com nenhuma compensação".
O rastro da desigualdade
A herança marcada pela desigualdade social reflete nos índices de trabalho, violência e, principalmente, nas oportunidades. O preconceito racial está presente no mercado de trabalho, nas escolas, e é percebido até na renda dos brasileiros.
A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao quarto trimestre de 2016, mostra que o desemprego é maior entre negros e pardos. O contraste salarial é evidente. Os trabalhadores negros aparecem com média salarial de R$ 1.461; os pardos em R$ 1.480; os brancos em R$ 2.660. Naquele ano, a renda média salarial era de aproximadamente R$ 2.043.
No mesmo período, ainda segundo o IBGE, a taxa de desemprego era de 9,5% para pessoas brancas, enquanto a população declaradamente negra atingiu a marca de 14,4% - a média nacional era de 12%.
O último Censo do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, mostrou que 15,6% dos juízes brasileiros eram negros. Dessa porcentagem, apenas 1,4% se declarava preto, enquanto 14,2% se declaram pardos. Dentre as mulheres, 1,5% se reconhecia preta, enquanto 12,7% eram pardas.
De acordo com o Atlas da Violência 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Em relação aos cidadãos de outras raças, o povo negro tem 23,5% mais chances de sofrer homicídio. No Ceará, esse número foi de 14,3% em 2005 para 35,8% em 2015 - três vezes mais (variação de 149,7%). O Mapa da Violência aponta que o número de negros assassinados no Brasil chega a 4.290 por ano. São 66 jovens negros mortos todos os dias, um a cada 23 minutos.
Século radical
Gerações da segunda metade do século XIX viram um País atravessando tensões sociais geradas pela preocupação com o trabalho forçado e sob todas as formas de tortura
Por Rubens Rodrigues
Foram muitos os processos que culminaram na chamada abolição dos escravos. Leis anteriores à determinação "de ouro", movimentos sociais e greve de trabalhadores foram essenciais para o processo que adiantava a conservadora extinção dos escravos. Para além disso, personagens negros tiveram participação invisibilizada, apagada, "esquecida" numa narrativa que exalta o heroísmo e a benevolência dos brancos. A ação do Estado não foi o motor da libertação, mas consequência de uma luta anterior e sem volta. Além da pressão que o Brasil passa a sentir do outro lado do Atlântico.
Em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz impedia a diáspora africana no Brasil. Consequência de pressões inclusive da Inglaterra contra o tráfico humano, que resultou até, dois meses antes da aprovação da lei, em ataques armados da esquadra britânica à costa brasileira. Duas décadas depois, filhos de escravizadas nascidos a partir de 28 de fevereiro de 1871 ficaram livres pela Lei do Ventre Livre. O chefe do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), o ex-vice-governador Francisco José Pinheiro, explica que tais regulamentações eram tentativas de postergar a abolição da escravatura. Não à toa, o Ceará foi uma das províncias que mais exportou escravos para o Sudeste, principalmente nos anos que antecederam a Lei Áurea.
Pinheiro resgata que o então deputado da província do Ceará, Tristão de Alencar Araripe, tentou criar mecanismos, ainda em 1869, para regulamentar o trabalhador pobre, sem terra. Os primeiros homens livres. O projeto, no entanto, foi modificado e aprovado apenas em relação aos imigrantes. Ele destaca que o Ceará foi importante no sentido de "abrir uma fresta" na pacto da classe dominante agrária. "Não há característica de senzala aqui porque o número de escravos por empresário era pequeno, diferentemente de outras regiões do Brasil. Aqui, 70% dos empresários tinha até cinco escravos. Em Campinas (SP), chegava a 50 escravos".
Para além do óbvio
Descobrir a narrativa dos personagens que fogem do óbvio não é uma tarefa fácil. Há uma evidente falta de memória ao período escravista na Capital cearense. Historiador e cientista social, Hilário Ferreira diz que a preocupação histórica, especificamente para a escravidão, é inexistente por parte dos gestores do públicos.
"A problemática se amplia a medida que a gente se aprofunda na história. Há inclusive uma falácia de que não existe negros no Ceará", levanta. "É preciso incentivo cultural para que exista uma ponte, principalmente com os cursos de História, para que essa memória negra seja resgatada".
Hilário Ferreira tem autoridade para falar. Militante do movimento negro desde 1985, pesquisou o tráfico interprovincial, que deu origem ao livro "Catirina, Minha Nêga, Tão Querendo Te Vendê...". Na publicação, Hilário discute escravidão, tráfico e os costumes negros no Ceará do século XIX.
"Fortaleza e a província do Ceará no século XIX eram predominantemente africanas. Você tinha sambas na Av. Imperador, no bairro Damas. Tinha a festa da Burrinha, a festa do Congo. Havia espaços da cidade dominados pela cultura africana", relata. "Os jornais da época falam do cativo tocador de samba, em sua maioria jogadores de cacete. Algo semelhante ao maculelê". O título do livro de Hilário faz referência às músicas cantadas nas festas.
Essa movimentação dos negros era conhecida na província, começando no dia 23 de dezembro e seguindo até o dia 9 de janeiro do ano seguinte. Nas festividades, escravos, africanos ou não, libertos e até brancos. A festa começava na Igreja do Rosário, antes conhecida como a igreja dos pretos. Em proscição, seguia até a Igreja do Carmo, ambas no Centro de Fortaleza.
A celebração não era só entretenimento. Um costume guardado ao Ceará, como acredita Hilário, era a libertação de um negro sempre que o rei do Congo era coroado na festa. "Conversando com historiadores da Bahia, São Paulo, por exemplo, ninguém tinha conhecimento disso em nenhum outro lugar do Brasil. Era um período de ligação profunda entre Estado e igreja", explica.
O controle dos escravos era efetivo. Para sair de um município como Aquiraz, era preciso documento que autorizava o escravo a sair da cidade ou do Estado. Ao chegar no Rio de Janeiro, os escravos eram distribuídos para o interior ou outros estados como São Paulo e Minas Gerais.
Depois da liberdade
Por Rubens Rodrigues
Redenção alforriou 116 escravos de uma só vez cinco anos antes da Lei Áurea. As 116 cartas foram entregues aos escravos libertos que passaram a procurar formas de se reintegrar à sociedade. Bacharel em Humanidades e pesquisador da pós-abolição no município pioneiro, Nilson Lopes fala que muitos negros não se habituaram à Vila do Acarape, antiga Redenção, após a alforria.
Muitos fugiram para o quilombo na Serra do Evaristo, em Baturité. Com medo de serem perseguidos, lá eles acreditavam estar seguros da fragilidade da alforria. Outros partiam para Fortaleza, de carta na mão, e viajavam em busca das suas famílias. Havia também a parcela de libertos que não tinha família e que não queriam se refugiar nos quilombos. Dos que já estavam acostumados com a rotina escravista, entraram em acordo com os senhores e passaram a prestar serviço remunerado.
Resgatar toda essa memória não foi fácil, já que muitos documentos da época se perderam. "Não sabemos exatamente se existe documentação de ex-escravizados, como certidões de nascimento, casamento e óbitos", afirma. "Com a chegada da universidade (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - Unilab) surgiu a possibilidade de catalogar esses documentos".
"A universidade acabou dando um puxão de orelha porque nós temos uma história e é preciso correr contra o tempo para contá-la. Os descendentes dos escravos precisam ser ouvidos. Essa questão de ser negro, as pessoas passaram a entender isso com o tempo porque existia preconceito", conta. "Até pouco tempo, havia negro com vergonha de se reconhecer dessa forma".
Redenção tem seus símbolos da libertação, como os museus que guardam o pouco dos documentos ainda preservados e a memória escravista em prédios históricos, casa grande e senzala - hoje destino de turistas.
Abolição inacabada
Por Rômulo Costa
Da forma como foi implementada, a abolição dos escravos no Ceará, ainda que uma atitude pioneira no Brasil, não representou uma política de inclusão do negro. É o que defende a pesquisadora Zelma Madeira, coordenadora de Igualdade Racial do Governo do Estado. Professora da Universidade Federal do Ceará (Uece), diz que existe tentativa de dizer que no Estado não há negros. E isso é ideológico. Como a senhora avalia o processo da abolição no Ceará?
Primeiro, acho que a data tem de ser tratada, ou seja, não posso esquecer o 13 de maio, mas posso ressignificar essa data, no sentido do que representou a abolição da escravatura. Na verdade, pra nós é interessante que tenha a liberdade, só que a maneira como a abolição se deu não representou a liberdade em absoluto para a população cativa.
No Ceará, esse protagonismo vem carregado de uma força ideológica, que é dizer que no Ceará não tem negro. Então, essa é a repercussão. A gente poderia pensar: "Ah, então se aboliu primeiramente, é um dos estados que tem protagonismo, que se destaca, que maravilha". É muito um discurso de se ver livre da população negra. A população negra retorna com a Unilab. Eu digo "retorno", de está voltando essa população de África e agora para uma educação internacional. Mas, de que forma essas populações são recebidas ali em Redenção? São recebidas, ainda, sob força do preconceito, do estigma, do preconceito em ação, que é a discriminação, e aflorando as desigualdades.
Então, essa é uma realidade que se faz viva aqui no Ceará. Isso coloca como uma grande dificuldade porque nós vamos ter, além desse racismo, que é típico da sociedade brasileira, uma especificidade no Ceará, que é o discurso da ausência do negro. Tinha poucos negros, fez-se a Abolição, mas o que é que se continuou fazendo para a população? É muito, no Ceará, da invisibilidade. Então, se eu não tenho problemas, por que eu vou pensar em ações de solução? Por que eu vou pensar em uma ação de promoção da igualdade racial? E isso fica como um grande desafio tanto para os governos, tanto para quem está na gestão, como hoje eu estou na gestão de política de promoção da igualdade racial, poder pensar essa articulação junto com outras secretarias, que promova, como para o movimento social, para o movimento negro.
Existe um discurso de que justamente por ter poucos negros escravizados o Ceará assumiu esse pioneirismo da abolição. Isso é mito?
Isso pra mim é ideológico. É ideológico porque esconde relações de poder, porque quando eu digo que não tem, então não preciso fazer nada e não vou estar na disputa dos lugares de qualidade, dos lugares sociais. Penso que isso é muito danoso. Como é que você vai dizer que você existe, que você é cearense, que você é negro? Isso é um grande desafio para a população como um todo.
Imagine para quem é negro, que sofre as vulnerabilidades que estão postas na Cidade, no Estado, ter de conviver com esse discurso. É ideológico porque esconde relação de poder que existe nessa realidade e que vai diminuindo as oportunidades ou vai inexistindo a necessidade de políticas de promoção de igualdade racial.
Da forma como se deu a abolição no Ceará, ainda há repercussão hoje?
No cenário nacional, se você for ver a Lei Aurea, é só uma paginazinha, só tem um artigo: "Esteja livre". Isso já diz muito que a gente sai sem uma política de reparação. Se eu tenho uma situação de vulnerabilidade, de falta de educação para o trabalho, de analfabetismo, já fomos acumulando desvantagens e nós vamos sair sem nenhuma política de reparação. Isso já é um dano, mas acresce-se outro, que esse é o perigoso e que se reproduz até hoje. Nós sairmos da escravidão com condutas criminalizadas.
A gente não sai assim: "Olha esse povo bem aí, se ensinar eles aprendem”. Não! "Esse povo não tem ética e nem moral para o trabalho", "Olha que esse povo é dado para a vadiagem, porque eles passaram muito tempo na escravidão, e só trabalhavam na base no açoite, só trabalham se apanhar", "Olhe, preste atenção para essa população, eles são danado para um negócio de uma capoeiragem".
Então, toda essa estética, toda nossa linguagem, toda nossa expressão cultural passa a ser criminalizada. E você pode ver hoje que se reedita. Claro que em cenários contemporâneos, sobre outras formas, mas o que é toda perseguição ao funk? O que é, na verdade, a perseguição ao hip hop? O que é quando pegam um jovem negro e já me dizem que é bandido, que faz parte de facção, que foi ótimo ter morrido mesmo porque é menos uma alma sebosa no mundo. Então veja que esse foi um dos maiores problemas, esse problema que nós não saímos com política de reparação e esse outro problema que nós saímos carregados de que todas as nossas condutas são criminalizadas.
Para nós, nossa abolição é o que a gente chama de abolição inacabada. Ela precisava de ter toda essa redefinição. A população negra não escapa do baculejo policial e desses estigmas que vão nos norteando. 66% do emprego doméstico é de mulheres negras, então mulher negra não está no lugar do pensamento, da intelectualidade, de criar forças discursivas para explicar esse projeto de nação Brasil.
No Ceará não vai ser diferente. Cada estado têm suas narrativas. A narrativa, aqui, é de que não tem negro, de que eram poucos. É como se fosse se livrar mais rápido desse problema de ter negros. Isso é típico de um discurso de miscigenação e do mito da democracia racial. Isso é tirar a responsabilidade das costas dos não-negros sobre a situação de vulnerabilidade e desigualdade. "Tinha uns negros aqui, nós abolimos, nos vemos livre e tchau".
130 anos depois, é possível haver reparação?
É possível e é necessário e nós temos os caminhos. O racismo e as desigualdades é um problema social, não é um problema individual, não é um problema interpessoal. Esse é um problema que está esparramado na estrutura social, econômica, política e cultural da vida brasileira. Então, nós temos as políticas. Como nós podemos resolver estes problemas? Claro que é uma resposta histórica, vai demorar, mas tem que ser iniciada.
Então, por parte do Estado, temos de efetivar as políticas públicas. Aquelas universais, que são dever do Estado e direito de todos, como saúde e educação. Ao lado dela, na concomitância, as políticas específicas, onde temos três vieses: a repressiva, que é dizer que o racismo é crime.
Mas, nós temos as ações valorizativas, que é ensinar essa sociedade a acabar com esses estigmas e com esse preconceito e discriminação através dos processos educacionais. Temos a lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura dos africanos e afro-brasileiros, nós temos a alteração dela, que está na 11.645, que acresce mais a cultura e a história dos indígenas. Temos as diretrizes com educação quilombola e educação indígena. Então, nós temos os parâmetros. É tornar ele vivo, sem depender de um professor sensibilizado. É algo de uma legislação educacional, que não tem que estar na base das sensibilizações, elas têm que ganhar corpo dentro do currículo escolar.
Nós temos as ações afirmativas, que tem tempo determinado de existir. "Eu vou fazer política de cotas pra daqui a 10 anos e depois vou avaliar se há necessidade". Então, dentro da política de cotas, você viu que nós não temos unanimidade. Foi uma luta grande para provar a constitucionalidade. Nós conseguimos provar que é constitucional. Hoje nos deparamos com uma ordem de problemas, que são as fraudes. Muitas pessoas se auto afirmando indígena ou negros.
Além das cotas, teriam outras políticas afirmativas que poderiam ser implementadas?
Sim. Além das cotas, nós podemos apostar em bonificação, em cursinhos para estas populações. Você pode ter outras formalidades das ações afirmativas, contanto que você afirme esse segmento que foi historicamente discriminado em termos étnicos-raciais. Precisamos ter essas ações, esses deslocamentos de lugares.
Não é só sensibilizar no nível individual, eu vou ter que mexer numa cadeia, que forma um projeto de nação, porque o racismo é estrutural. Ele que estrutura a economia, a forma societária, a cultura, a política. Vamos ver quantos vereadores temos negros e negras, quantos deputados, prefeitos, governadores, senadores ou presidentes da república?
Então, veja que ele é estruturado, não é algo demarcador da diferença que aparece aqui ou acolá, de um homem ou mulher que não gosta de negro. Ele é uma ramificação que toda sociedade está presente. E aí, fazendo parte desse projeto de nação, foi a forma como a abolição se deu no Brasil e nos estados brasileiros. Ela vem no sentido de se ver livre dessa população dos cativos, mas nao vem no sentido de dar um lugar vantajoso para essas populações cativas.