VIVA SANTO ANTÔNIO

Da fé, do amor e da generosidade

Por Sara Oliveira

Dia 13 é o dia de um dos santos mais queridos do Nordeste. Santo Antônio, que já deu nome a tantas pessoas e realizou pedidos.

Hoje, milhares de pessoas fazem homenagens ao homem que ganhou fama de casamenteiro, mas que foi, acima de tudo, exemplo de partilha do pão, de misericórdia e milagres. De tantos nomes, tantas histórias, tantos pedidos.

Este ano, a Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha, a maior celebração em sua memória no Ceará, acontece pela primeira vez sob o título de Patrimônio Imaterial Brasileiro. O intangível valor do festejo é reforçado pela mais inexplicável sensação/ação/certeza já exibida pelo ser humano: a fé.

A data comemorada marca a morte de Santo Antônio, que nasceu no dia 15 de agosto de 1195. Famoso no Nordeste, o frade conta com a devoção cearense há quase 200 anos. Quem conta as histórias do santo é o pároco da Paróquia de Santo Antônio, em Barbalha, padre Alencar, que o descreve como um homem simples, generoso e querido por todos. “Ele foi um exemplo de fidelidade ao Evangelho, que mudou sua vida quando surgiu o desejo de se doar. Santo Antônio é um santo que muitas pessoas testemunham seus milagres”, afirma.

Festa do Pau da Bandeira

Padre Alencar comenta que há muita polêmica acerca da festa, tida por alguns como profana. Para ele, entretanto, a base de tudo – até da diversão - é a fé, e isso é o mais importante. “Em todos os momentos a gente percebe a fé. Antes de irem à floresta, cortar a árvore, os homens passam na igreja para pedir a benção. São homens que têm fé”, garante.

O pedido de tombamento da festa foi feito em 2010 pela Prefeitura de Barbalha, através da Secretaria da Cultura e do Turismo e apoiado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A aprovação, em setembro de 2015, passou a integrar o Livro de Registros das Celebrações.

A popular Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha, no Cariri cearense, reúne uma multidão para culto profano e religioso / Foto: Tatiana Fortes


A tradição ocorre desde 1928, sempre no último domingo de maio. Uma grande árvore é escolhida para simbolizar a devoção ao santo. Centenas de homens, os carregadores, formam uma força tarefa para levarem seu tronco por seis quilômetros, da mata até a frente da igreja matriz, onde é hasteado em demonstração de força e fé. Com a crença de que podem conseguir um casamento, mulheres tentam pegar na madeira e até arrancar um pedaço para fazer chá.

Uma ajudinha do Santo

“Ele não é apenas um santo casamenteiro, mas protetor também. Além de casar, ele protege a família que se formou. Por isso festejamos muito seu dia, sem esquecer de agradecer”, conta a cabeleireira Márcia Thais Silva Lopes, 26.

Se o matrimônio existiu exatamente por causa do santo ou não, ela não sabe, mas “tudo aconteceu em torno da festa dele”. O primeiro beijo, a notícia da primeira gravidez, o casamento no religioso depois de nove anos juntos apenas pela lei. Tudo foi no comecinho do mês de junho.

Moradora de Barbalha, Thaís vai às festas que reverenciam o santo desde pequena, quando a avó montava barraca para vender comida. A crença é vivida também pelo marido que, todos os anos, faz parte do corte do pau na floresta, uma das principais partes do ritual.


Santo sem cabeça no sertão cearense


Quem passa pela estrada que leva a Canindé, a 115 km da Capital, vê uma cena inusitada ao passar pelo município de Caridade. Uma imensa estátua sem cabeça e tombada, ao lado, uma imensa cabeça sem corpo. A imagem “decapitada” é de Santo Antônio, padroeiro da cidade. A intenção era de que o monumento fizesse parte de um complexo religioso, que atrairia turistas e fiéis de todos os lugares.

 

A cabeça de Santo Antônio jaz entre a rua e a casa do Seu Miguel, que trabalhou na moldagem da enorme estátua / Foto: Evilázio Bezerra
 

 

Mas um erro de projeto não permitiu erguer aquele que seria objeto de peregrinação religiosa. Acontece que alguém não calculou o peso que a cabeça deveria ter para que os ventos não a derrubassem. E outro alguém não calculou os recursos necessários para que os ajustes fossem feitos. Resultado: a cabeça foi deixada a 3 km do corpo, onde foi originalmente montada, na casa do senhor Antônio Barbosa Dozia, ou simplesmente o Seu Miguel, que trabalhava na obra.

Ele lembra que “morar mesmo, ninguém morou” dentro da cabeça (que é oca), mas muitos viajantes pediam para passar a noite lá dentro. Seu Miguel disse não ter nenhum “causo” curioso para contar, mas afirma que mulheres solteiras sempre foram maioria entre os visitantes, que, além de fieis, incluem repórteres do Brasil, da Noruega, Alemanha, México e Chile.

O radialista Jerônimo Barroso, morador de Caridade, conta que hoje a cabeça esparramada no chão já passa despercebida pelos moradores e que um projeto de reestruturá-la já foi discutido. Mas nunca saiu do papel. “Essa história deixa a gente chateado, porque Caridade poderia ser conhecida pela cidade de Santo Antônio e não a cidade do santo sem cabeça”, destaca.

Me chamo Antônio


No Brasil, mais de dois milhões e meio de pessoas chamam-se Antônio ou Antônia. No Ceará, 8.452.381 trazem este nome na certidão de nascimento. É, proporcionalmente, o Estado do País com maior número de batismos em reverência ao santo. A cada 100.000 pessoas registradas por aqui, 3.541,68 são Antônio ou Antônia.


 

 Uma promessa, uma doença, um futuro. A mãe da zootecnista Antônia Renata Lima Corrêa, 25, prometeu homenagear Santo Antônio através do nome da filha caso não fosse infectada com rubéola durante a gravidez. O pai e a irmã de Antônia estavam doentes. O nome foi, durante anos, motivo de vergonha, mas passou a ser sua preferida forma de identificação. “Descobri que Antônia significa fazendeira e, como vivo do campo, o nome ajuda a me sentir mais próxima do lugar e das pessoas onde trabalho, até pela crença que se tem no interior. Hoje assino o nome Antônia Renata, apenas”, conta.

 

 Para o almoxarife Francisco Antônio Martins, 57, o nome traz consigo bênçãos. Irmão de mais 10 pessoas que também têm nomes de santo, ele destaca a fé da mãe, que não perdia uma missa e a leitura da Bíblia. Repassando a tradição, deu nomes religiosos a três dos quatro filhos: Lucas, Gabriel e Bárbara. “Eu acredito que devido à fé religiosa que a gente tem, isso traz proteção para eles. Eu me sinto bem de ser chamado de Francisco e Antônio. Gosto que falem os dois nomes, porque a proteção é maior”.

Um buquê de santo?!

As simpatias e brincadeiras com Santo Antônio são comuns. Há quem o coloque de cabeça para baixo, dentro da água... há quem tire o menino Jesus que ele carrega nos braços. Tudo para que seu desejo seja realizado. A tradição mais bem humorada do que religiosa virou negócio e faz parte de muitos cerimoniais de casamento. São os buquês de Santo Antônio. Jogar flores para que as amigas solteiras as peguem e se casem? Para quê, se você pode jogar vários bonequinhos do santo casamenteiro?


Em Barbalha, tomar um chá de pedaço do Pau da Bandeira é tradição entre as mulheres solteiras

 

“Hoje a gente não faz mais só de Santo Antônio, que é casamenteiro, mas de São José, que traz um bom marido. Já cheguei a entregar três buquês por semana”, conta a artesã Ana Luisa Matesco. Conforme ela, muitas noivas pedem que o santo venha com o bonequinho que representa Jesus, para que as mulheres possam escondê-lo do santo e, como resgate, peçam a realização do matrimônio. “Acho que é brincadeira, mas no fundo elas acreditam porque as pessoas têm muita fé em Santo Antônio”.

Fé e esperança. A autônoma Wandrita Ferreira Lima, 29, que jogou um buquê do santo em sua festa, acredita que a esperança de que o matrimônio possa acontecer já faz valer a intenção da brincadeira. “Quando você pega o santo, tem a esperança de que vai encontrar alguém, o amor da sua vida, e isso já mexe com quem pegou. Você consegue seguir em frente, sem desistir”, destaca.

Relíquias do santo

 

Desde o dia 1º de junho, a relíquia de Santo Antônio está exposta na paróquia Nossa Senhora da Paz, na Aldeota. A matéria orgânica, que não se sabe a qual parte do corpo pertence, foi trazida no início deste ano da cidade de Pádua, na Itália. Outros restos mortais do santo permanecem intactos na Basílica de Santo Antônio.

 

A visitação é aberta ao público somente até hoje, 13. Logo mais, às 17 horas, também acontecerá a tradicional procissão terminando com Celebração Solene de Encerramento dos Festejos de Santo Antônio de Pádua.

Mais sobre o Santo Antônio


- Desde jovem tinha vontade de ser sacerdote, mesmo contra a vontade do pai

- Se chamava Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo e se tornou padre aos 27 anos

- Congregou-se com os frades agostinianos e foi professor de Teologia

- Quando encontrou os frades franciscanos assumiu uma vida missionária

- É um santo taumaturgo, que operou milagres em vida
- Milagres: pão aos que têm fome; fé a quem não tem e uma ajudinha pros que querem um amor

- Conta-se que quando era ajudante de cozinha em um convento, Antônio ofereceu a peregrinos os pães que seriam servidos em um encontro com altos nomes da Igreja. Questionado pelo chefe da cozinha, ele disse que Deus providenciaria o alimento necessário. Minutos depois, ao chegar à dispensa novamente, o chefe encontrou dezenas de pães.

- Certa vez, chegou a uma cidade para pregar sobre o sacramento da Eucaristia. Em meio a multidão, um homem levantou a voz e disse acreditar em Deus, mas não crer que o encontraria em um pedaço de pão. Para acreditar, o homem precisava ver sua mula de estimação dobrar os joelhos no momento da Eucaristia. No dia combinado para que Santo Antônio provasse a presença divina na hóstia, o animal dobrou as patas dianteiras e o reverenciou.

- A fama de casamenteiro nasceu na Idade Média, quando dotes eram oferecidos às famílias dos noivos. Quando ainda era frei, Santo Antônio recebeu uma jovem de família pobre que estava apaixonada por um homem com posses. Uma grande quantidade de dinheiro foi pedida para que o matrimônio acontecesse. Desesperada, ela procurou o frade. O santo escreveu um bilhete e disse que ela o levasse a um comerciante, pedindo que o pedaço de papel fosse colocado na balança. O quanto pesasse em moedas seria dela. A mulher foi e, incrédulo, o comerciante aceitou a proposta. Ele colocou moedas e a balança fez o contrapeso. A quantidade de moedas exata para o equilíbrio foi o valor que a moça precisava para pagar o dote.