Dia Internacional da Mulher

Liberdade, força, dor, fé, corpo e outras palavras que as mulheres conjugam

O especial do Grupo de Comunicação O POVO, publicado no Dia Internacional da Mulher, apresenta histórias de sete mulheres – contadas em primeira pessoa por elas – em que se destacam temas que vão de maternidade a assédio.

Além de uma série de matérias publicadas no O POVO e reproduzidas pelo portal, trazemos uma websérie (vídeos) e áudios produzidos pela rádio O POVO CBN, com os programas Debates do POVO e no Revista O POVO (Que serão publicados ao longo do dia).

Sobre sexualidade e a mulher

Por Cláudia Leitão - professora e pesquisadora

Foto: Iana Soares/ O POVO
Iana Soares/ O POVO

Para a minha geração, todas as conquistas em favor da liberdade sexual (pílulas anticoncepcionais, amor livre e movimentos feministas) foram vividas de forma ambígua, em meio a pesados sentimentos de culpa, reflexos óbvios de um sempre temível imaginário cristão. Superadas as crises existenciais da adolescência e as frustrações da vida adulta, tenho a sensação de que o exercício da sexualidade pode ser uma experiência nova e interessante na idade madura.


Sim, é a maturidade que nos permite não nos levarmos mais tão a sério como o fizemos até um dia desses. E a sexualidade é mesmo uma dessas “lentes” eficazes, capazes de nos revelar os desconfortos e constrangimentos das nossas frágeis convicções pequeno-burguesas. Ao (des) moralizarmos nossa sexualidade na maturidade, não estaríamos, enfim, nos redimindo da nossa própria humanidade?

Sem o amparo da juventude e de sua nonchalance, sinto-me cada vez mais livre para aproximar e (con) fundir corpo e espírito em nome de um prazer liberto das amarras morais e religiosas. Não se trata do prazer proposto pelo mass mídia, nem da promessa vã de felicidade oferecida a prestações pelo cartão de crédito. Falo do prazer que sempre chega para todos aqueles que abandonam o “individualismo possessivo”, as performances espetaculosas e a competitividade (também no sexo...) em nome do “saber viver”.

"Sim, é a maturidade que nos permite não nos levarmos mais tão a sério"

Cláudia LeitãoProfessora e pesquisadora

Hora de rever comportamentos, reações e sensações. Hora de fruir (mais do que usufruir!) cada momento, cada encontro, cada descoberta. E as descobertas aí estão! Pelo exercício da minha sexualidade, me apaziguo e desfaço velhos interditos, assim como aprendo a manter sob rédea curta os fantasmas da beleza, da sedução e da vaidade, sempre tão hegemônicos no universo feminino.

 

Enfim, se o espelho me revela todos os dias os vestígios do tempo em meu corpo, ele também me lembra que é preciso, mais do que nunca, viver. A ratio do trabalho, que em muitos momentos adormeceu minha sexualidade, vai aos poucos dando lugar a um pathos mais desperto para o que ainda não vivi.

Um Dioniso vagabundo começa a me habitar sussurrando as mesmas palavras: carpe diem, carpe diem...

Questão de tempo

Por Regina Ribeiro - jornalista

Foto: Iana Soares/ O POVO
Iana Soares/ O POVO
 

Uma mulher aguarda o marido num hotel, no litoral francês. Enquanto espera, aproveita para dar um passeio pela orla no início da noite. É verão. Percebe que nenhum homem olha para ela. E o marido? Será que ainda lhe resta algum interesse? Entra em crise. A cena está no livro A Identidade, de Milan Kundera.

Diferente de Chantal, a persongem, nunca achei que chamasse atenção. Magrela desde a infância do tipo que vivia na gemada, no Biotônico Fontoura e na reza de rezadeira para levantar espinhela caída – nem três filhos paridos alteraram a anatomia e, em consequência, a geografia. Acontece, também, que nunca senti desejo de brigar com o tempo, pelejando com ele como quem trava uma batalha contra uma doença grave.

O que sempre quis foi me sentir bem com o moço – o tempo. Talvez, por isso, a decisão de assumir meus cabelos brancos foi tanta que me fez vencer todo o pavor que rodeava a ideia. Principalmente nos outros. Todas as minhas amigas me disseram que eu ia me arrepender. Que eu ia parecer uma velha. “E seu marido? O que ele vai achar disso?” “Geeeeente, não faz isso”.
Pela primeira vez na minha vida, tremi diante do medo de “ser” velha com toda a carga que essa palavra tem entre nós mulheres. Fui em frente.

Sempre me senti tímida. Acho qualquer tipo de exagero kitsch, e discrição, pra mim, é princípio. No entanto, no fundo, eu sentia vergonha de quase tudo. Hoje, continuo discreta, porém um pouco mais desavergonhada. Até porque difícil o dia que alguém não se aproxima e pergunta algo sobre o meu cabelo: menina, mulher feita, homem. Muitos gays já me pararam na rua pra dizer: “mulher, teu cabelo é um “lllllôxo”. Uma mulher correu atrás de mim, um dia: “moça, moça, seu cabelo é lindo!”. Ano passado, fiz uma cadeira de Teoria II, na Letras (UFC) e ouvi dois meninos comentando atrás de mim, numa das minhas travessias pelo bosque Moreira Campos: “Óaí má, o que a “mnina” fez no cabelo...” Devem ter a idade do meu filho mais novo.

Em supermercado e loja de shopping acontece tanto que, quando estou com as meninas, elas respondem sobre o shampoo, o cabeleireiro e a “natureza” dos fios. Mas é óbvio que não sou o feminino de Sansão. Sou apenas uma mulher que está aprendendo a lidar com a passagem dos dias e das horas. E descobrindo que a vida pode muito bem ser como a escrita de um ensaio. Muito mais livre e sem tantas formalidades e métodos que nós imaginávamos quando éramos mais jovens. Em questão de tempo, me sinto ótima com a idade que tenho.

Meu marido ainda me diz: “você tá linda”. Ouço das minhas filhas: “Quando tiver 50, quero estar como você”.

Somos as que dançam

Por Andréa Bardawil - coreógrafa

Foto: Foto: Fco Fontenele/O POVO
Foto: Fco Fontenele/O POVO
 

Algumas frases me surgiram, de pronto, quando recebi o convite para escrever aqui. Espinosa nos pergunta “o que pode o corpo?”. E Nietzsche declara que “só acreditaria num Deus que soubesse dançar”. Duas sentenças que me ajudaram a encontrar uma forma de estar no mundo: em movimento.

"Que sejamos as que carregam a coragem, a possibilidade de novas vidas"

Andréa Bardawilcoreógrafa

Na sequência, uma terceira frase surgiu, como síntese das anteriores. Lembrei-me da anarquista Emma Goldman, sentenciando que “se não posso dançar, não é minha revolução“. Trata-se, portanto, de muita coisa, força, alegria, coragem, transformação, potência e revolução. Tudo isso, acreditem, num só corpo, numa só mulher.

Desde cedo, a vida me ensinou um segredo: a dança pode salvar a vida de uma pessoa. Quando danço, movo tudo o que sou e tudo o que já fui. Dançar me traz uma lucidez, uma condição de presença, “um grau de alerteza que é sabedoria de bicho acordado”, como descreve Clarice Lispector. Justo por isso, também aprendi cedo que dança e política não são universos distantes, e sim complementares.

Trata-se, primeiro, do que conseguimos produzir em nosso corpo, e de como intervimos no mundo, com tudo o que somos e o que nos tornamos. Algumas mulheres carregam essa sabedoria. São as que sabem que ser mulher é constituir-se – ou tornar-se, como decretou Simone de Beauvoir - e não simplesmente nascer. Essas são as que resistem, as que re-existem, na contracorrente das violências cotidianas, dos processos de captura de subjetividade a que estamos sujeitas. Essas são as que devoram antropofagicamente o inimigo, e nos deixam uma lição: a política começa no corpo. Produzir, criar e educar para a autonomia, implica, antes de tudo, em experimentá-la.

As velhas sábias das comunidades tradicionais nos ensinam que força também tem a ver com sustentar. Para o bem e para o mal. O que carregamos e sustentamos, em nosso corpo? O que produzo no meu corpo e com o meu corpo? Quem carrega em si a possibilidade de gerar vidas, também é capaz de gerar mundos.

A dança nos prepara para a vida e para as guerras, nos faz mais fortes, porque dançar é produzir alegria no corpo, e a alegria é um estado de potência. Eis aonde chegamos: a alegria nos torna melhores. A alegria é revolucionária. A banalidade do mal não há de ser nosso destino.

Que sejamos as que carregam a coragem, a possibilidade de novas vidas. Que sejamos as dançam, para as batalhas que estão por vir. Mas que sejamos, também – e sobretudo – as que sabem que a verdadeira alquimia é transformar o negativo em positivo, o ódio em esperança, a indiferença em amor, no nosso próprio corpo e no mundo.

Por tudo isso é que repito, junto com Pina Bausch, feito um mantra: “dancemos, dancemos, ou estaremos todos perdidos.”

Pelo direito de ir e vestir

Por Sarah Monteiro - universitária

Foto: Foto: Iana Soares/ O POVO

Sempre usei a roupa que quis. Por causa disso, dentre outros fatores, passei por muitas situações que não gostaria de ter passado. Não há um dia que eu saia de casa sem pensar, depois de me olhar no espelho, nos constrangimentos que serei obrigada a enfrentar pelo tão simples fato de vestir a roupa na qual estou confortável para vestir. Pelo tão simples fato de ser mulher.

Andar na rua – à luz do meio dia ou ao mais tardar da noite – é garantia de sentir meu espaço tomado por pessoas que nunca vi na vida, mas que se sentem no direito e poder de soltar palavras desagradáveis e invasivas, de apelos sexuais. Rebato com meu silencio engasgado, amedrontada por todas as possibilidades que minha cabeça consegue imaginar. Sinto-me roubada: minha liberdade de vestir, minha segurança e até minha voz.

Não é simplesmente uma questão de roupa. Para me provar isso, saí um dia determinada a contar quantas vezes alguém se dirigiria a mim na rua invasivamente. Mas sem as tais roupas. Com uma calca não muito apertada e uma blusa frouxa, ouvi coisas de todo tipo quarenta e nove vezes, do Benfica à Aldeota. Percebi que a questão não era de fato o vestir. É o posicionamento todos os dias da sociedade frente à mulher. São as pequenas e grandes atitudes que tratam como sendo uma fatalidade do mundo o que, na verdade, é uma construção que ajudam todos os dias a edificar.

Repreender alguém por usar algum tipo de roupa e colocar a culpa na sociedade “que é assim
mesmo” cria uma espécie de consciente coletivo, de aval generalizado para que o mesmo continue a acontecer. Se eu culpo o vestir quando acontece algo “porque já estava avisado que poderia acontecer, mesmo que não concorde”, eu eximo de culpa aquele que violentou com mãos ou palavras, transferindo a responsabilidade para quem foi violentado.

Acho que se é preciso, sim, ensinar a ter cuidado com as situações que já existem. Não faz sentido negar aquilo que é real e viver como se estivesse num mundo a parte. É perigoso, sim. Infelizmente ou felizmente – difícil dizer – existem formas de tentar pegar os perigos no contrapé. Mas não é preciso negar para combater. Não é preciso aceitar para se proteger.

Ressignificar é preciso. É uma forma de resistência. Nas pequenas coisas do dia a dia, é possível dizer não, dizer outra coisa. É possível apoiar alguém a dizer não ao namorado que dite suas roupas, não endossar que ele ficará com raiva. É possível, no lugar de dizer a alguém que ninguém vai querer estabelecer ligações sérias por causa do vestir, dizer que quem estigmatiza e classifica mulheres são antes de tudo escolhas negadas nossas.

É possível, antes de aconselhar alguém a não pegar ônibus de decote à noite, trocar o discurso do “troque de roupa ou assuma o risco de ser violentada” pelo “não é seguro porque há pessoas que não respeitam a liberdade dos outros”. É não condenar a liberdade, e sim alertar da existência de quem não sabe respeitá-la.

É hora de trocar de discurso. É hora de trocar de postura. Mas, definitivamente, não é hora de trocar de roupa.

Sou mãe. E agora?

Por Lanna Roriz - jornalista

Foto: Foto: Fco Fontenele/ O POVO

Desejei e planejei ser mãe. Isso ocorreu nos meus 33 anos. Quando minha filha nasceu, eu me julgava preparada. Cheia de teorias na cabeça, alguma leitura, muita orientação das ginecologistas e da doula. Mas, uma vida em suas mãos requer muito, mas muito mais.

Uma parte dos cuidados é quase instintiva. Mas com instinto, apenas, na vida moderna que levamos, não se vai muito longe. Foi difícil equacionar as necessidades de uma bebê e as minhas próprias, a dificuldade de contratar uma funcionária, a busca por uma boa creche para se voltar tranqüila ao trabalho e as discussões com o pai da criança (com quem eu era casada na época) sobre o papel de cada um.

Os momentos mais tranquilos eram os da amamentação. Experiência mais sublime que eu pude ter (embora saiba que não é simples ou prazeroso para todas). Vendo-a sugar alimento, energia e vida de dentro de mim, eu pude entender o sentido da maternidade. Como aquilo era espetacular! Como eu era abençoada por ter tido o direito de ‘botar uma criança no mundo’. E mais, provê-la, cuidar, orientar e acompanhá-la por muitos e muitos anos de sua vida.

Mas não havia amor, idealismo ou romantismo que me fizessem perder o desejo de voltar ao trabalho. De sair de casa. De sentir-me livre de novo. Depois entendi que isso fazia parte das limitações que a maternidade traz consigo. Que tudo aquilo que eu estava passando era comum a muitas - quem sabe até a todas - mulheres que se tornavam mães. Só era algo extremamente delicado de se admitir. Foi a hora de me livrar da ‘culpa materna’ e entender que até mesmo para ser uma ‘boa mãe’ - sem categorizar de forma tradicional, mas entendendo como um desejo natural daquele papel - seria necessário o meu próprio encontro com a mulher feliz que desejava ser.

Aimê está prestes a fazer cinco anos. Ela é, de longe, o que eu fiz de mais bonito nessa vida. A menina mais amada. Que me dá orgulho cotidiano apenas em olhá-la. Mas, nesse ínterim, entendi um pouco mais sobre o processo que vivi. Entendi que não podemos abrir mão do nosso bem estar por eles, pois eles precisam que estejamos felizes para criá-los; que maternidade nasce junto com paternidade, e que é das coisas mais magníficas, mas também das mais difíceis que uma mulher pode se propor a fazer.

Aprendi que nós, mulheres, não temos que ser ajudadas pelos pais das crias, mas que esse é um processo de parceria. E que não precisamos ser mães para nos sentirmos completas, como muitas vezes ouvimos. Compreendi que as ‘consequências’ para a mulher são maiores, sim, mas são proporcionais à participação do pai. Que a carreira passa um tempo para se ajustar novamente. Porque precisamos nos reconhecer e reinventar. E aprendi, especialmente, que meu coração nunca mais baterá no mesmo compasso, que sempre haverá mais emoção em mim, para o bem e para o mal.

Uma questão de feminilidade

Por Sammila Marques - mulher transexual e coordenadora de diversidade sexual de Pacatuba

Foto: Foto: Fco Fontenele/O POVO
Foto: Fco Fontenele/O POVO
 

Houve um tempo em que ser mulher para mim era ter um lar, deixar a casa bem arrumada, ir para a cozinha fazer o jantar para meu marido, e estar bonita e perfumada para quando ele chegasse. Era como se o feminino em mim precisasse do complemento de algo ou alguém para existir. Carecesse de uma ação direta do masculino, de uma espécie de afirmação do outro para que eu pudesse me sentir a mulher perfeita. Faltava-me confiança.

Imaginem só o que é ser mulher em um estado machista, sexista e transfóbico. Sim, porque sou uma mulher trans. E eu só queria ser igual a todas as mulheres que tinha como referência: mãe, tia, avó e tantas vizinhas. Mulheres que, de vez em sempre, viviam mais para agradar ao marido que para se sentir feliz, se realizar e serem plenas em sua condição feminina. Há quem goste e acredite sinceramente que ser mulher é servir mesmo sem querer. Para estes e estas, um aviso: os tempos mudaram e nós, mulheres, também.

A verdade é que, ao longo do caminho, descobrimos que para encontrarmos a mulher interior só precisamos de nós mesmas, só precisamos ser nós mesmas. Acredito que na luta por mais espaço no mundo competitivo de trabalho, no posicionamento de igualdade nos relacionamentos amorosos, e na afirmação do nosso papel social, começamos a nos colocar e a nos definir como mulheres de verdade.

E é aqui que cabe aquela famosa frase: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. É exatamente isso que nos faz e define. É o que me fez e definiu como a mulher que sou, com toda a doçura e delicadeza de uma pétala, mas pronta para a luta. Forte, altiva e guerreira sim, mas sem descer do salto e sem perder a feminilidade. Jamais!

Há quem defenda que o feminino esteja ligada à fragilidade. Não acho. Penso que está diretamente relacionado ao estado de perfeição. No ser desenhado pela vida e marcado por atitudes ponderadas, pelo olhar de ternura, pela beleza dos gestos, pela delicadeza do falar e, em especial, do ouvir. Mas também está ligado à sua afirmação como protagonista de sua história e sua escolha nos papéis sociais.

Não importa se estes papéis antes foram ocupados tradicionalmente por homens e o hoje o são por mulheres. O que realmente importa é que estas mulheres hoje se bastam. Hoje, nós nos bastamos. Não somos mais a mulher do fulano ou do sicrano. Somos mulheres que só a nós pertencemos. E nos afirmamos no feminino sem a necessidade da legitimação do olhar e da compreensão do outro. Sobra-nos confiança. Esta é a nossa revolução!

As religiões afrodescendentes e o empoderamento feminino

Por Kelma de Yemanjá -pesquisadora de cultura afro-brasileira

Foto: Foto: Iana Soares/ O POVO
 

Eu sou Kelma de Yemanjá, uma mulher negra e de terreiro. Assistente social, pesquisadora e especialista em cultura africana e dos afrodescendentes. Mestra em Educação brasileira pela UFC e servidora pública da Prefeitura de Fortaleza na saúde mental. Professora licenciada da Faculdade Cearense - FAC. Integro o Coletivo de estudos e pesquisas africanas Em tempos de Ayoká e coordeno o grupo de trabalho mulheres de axé-saravá da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde/Renafro-CE, onde luto cotidiana com outras mulheres contra o machismo, a homofobia e o racismo presentes na sociedade brasileira e mundial.

No Ceará há uma presença muito forte das religiões afro-brasileira (Umbanda e Candomblé). São Religiões que você não escolhe, você é escolhida. E eu fui escolhida e parida no Àse como omo-òrìsà Ìyemonja (filha do orixá Yemanjá). Eu carrego comigo a força ancestral desse òrìsà. Sua energia advinda das águas do mar. Ela é o símbolo do poder feminino gerador de vida, representa a grande mãe parideira e como uma mulher de terreiro eu me sinto parideira também, principalmente pela capacidade de gerar a vida em nosso corpo. As mulheres afro-religiosas são Ìyás Igba (mães cabaça). É do nosso útero que a vida é gerada e muitas exercem também uma maternidade simbólica, porque muitas mulheres de terreiro ao parirem filhos de santo tornam-se mães de santo; mas também tornam-se mães criadeiras, mães do Àse, mães da comida. Tornam-se mães do acolhimento. É de nossas mãos que a vida é tecida e cuidada dentro de casa, dentro do terreiro e na sociedade quando lutamos pela afirmação de direitos humanos, principalmente no cenário da sociedade atual que vive sob a égide da violência e suas expressões produtoras de adoecimento físico e mental nas pessoas.

Como uma mulher de axé-saravá, sinto-me uma cuidadora por excelência e cuidar é ver e sentir o outro em sua completude (corpo, espírito e natureza). Eu me importo com a dor do outro ser humano, então um gesto de carinho, uma palavra amiga, ouvir o outro, lutar por uma vida digna, por uma sociedade do bem viver que respeite a diversidade, por uma alimentação mais natural e livre de agrotóxicos, tudo isso está dentro da minha vida afro-religiosa. Como filha de Ìyemonjá eu carrego em mim as dores e as delícias do mundo, a esperança transformadora de vidas e de pessoas, porque também estou em transformação constante. Nesse dia 08 de março vamos juntas! Vamos com firmeza e fé! Outra vida é possível!

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