Grandes Sertoes Afetos

A persistência se faz natureza

O QUE TORNA UM LUGAR GRANDE? O BEM-QUERER - POR UM RIO, PELA TERRA, POR UM CÃU DE ESTRELAS, PELO CANTO DOS PÁSSAROS... OS AFETOS FAZEM OUTRA MEDIÇÃO DAS COISAS, ENGRANDECEM-NAS. É ASSIM NO SERTÃO: O GOSTAR TECE A VIDA ENTRE A FALTA E A FARTURA.

Sertão é terra-mãe, com todas as delicadezas deste relacionamento. Pariu e criou Maria, João, Francisco, José, Ivone, Abel, Valquíria. Sertanejos que, neste caderno especial, conduzem as narrativas de dentro para fora. Mostram a casa que construíram com o tanto que plantaram; espelham como resistiram com menos água, comida e sonhos. Contam como o passado os fazem ir até o amanhecer seguinte, atravessando o presente.

As memórias distendem o tempo, a persistência se faz natureza. E já não há apenas a dualidade entre seca e chuva, falta e fartura. Existe a permanência. Não é tapar o sol com saudades; é ir ao encontro do sol a maior parte da vida. O sertanejo vai. Por ser também mãe, é difícil ir embora do sertão, deixá-lo para trás. O sertão ensina a querer bem – a um rio, a um pedaço de chão, a um bicho, a uma vida.

Em quatro dias pelas entranhas do Ceará, por mais de 1.300 quilômetros de sertão, O POVO foi em busca das chuvas que retornaram este ano – depois de uma estiagem desde 2012. No roteiro por Canindé, Madalena, Tauá, Inhamuns, Varjota, Pentecoste e Apuiarés, o ponto de partida era a convivência com a (pouca) água.

A reportagem queria saber as estratégias desta convivência, pelas beiradas de grandes açudes em agonia; as lições da seca para qualquer tempo. Não só a fé sertaneja em Deus, nem as obras emergenciais dos governos. Não só a espera e a estrutura, mas, principalmente, a esperança – que é o que move – e o subjetivo – que é a própria reinvenção de um lugar, de um povo. A chuva no sertão, este ano, foi como alguém que regressa de uma ausência. Entrou pelas horas e conversas, pelos olhos dos sertanejos e pelas brechas das casas; trouxe cheiro e cor; renasceu a alegria.

É verdade que a chuva de 2017 não remediou a seca dos últimos cinco anos. Mal chegou e já está de partida. Permanece a peleja. Desde 2012, O POVO vem publicando, em uma série de cadernos especiais e reportagens, experiências de viver a falta: as alternativas, as tecnologias, os recomeços no sertão. Mas faltava dizer porque se volta, porque se fica.

Neste caderno de viagem, mais do que as águas, O POVO encontrou os afetos no caminho. Foi o ponto de chegada, desta vez. Ainda que os sertanejos ouvidos pela reportagem não falassem em amor, palavra farta, todos disseram da coragem em viver com o sertão.

E, nesta redescoberta, o título deste caderno especial é inspirado na obra-mestra de João Guimarães Rosa (1908-1967), Grande Sertão: Veredas (1956). Com a licença do plural e da desmedida que esta reportagem propõe: os sertões são muitos e estão dentro das gentes.

SÉRIE A PELEJA DA ÁGUA

OUTROS OLHARES DO O POVO PARA A DEVASTAÇÃO DAS ÚLTIMAS SECAS E A ESPERANÇA PELA ÁGUA

PLANETA SECA - 11/11/2012

178 dos 181 municípios do Ceará estavam em situação de emergência quando O POVO iniciou uma série de reportagens pela etnografia da seca deste século. O caminho pelos sertões do Estado, agora, quer alcançar estratégias de convivência com a falta d´água. A morte do gado e o comércio de uma água suja, por exemplo, são retratados lado a lado com o assistencialismo de governos e questões ambientais. Carcaças e migrações, é bem verdade, tracejam os mais de 2 mil quilômetros percorridos, abrangendo 16 localidades visitadas pela reportagem. Mas o que se quer garimpar desta história que atravessa os séculos é a convivência renovada com a seca – e isto inclui a necessidade de políticas permanentes e criativas para minimizar a insegurança hídrica e alimentar.

A PELEJA DA ÁGUA - 8/12/2013

Um ano depois da publicação do caderno especial Planeta Seca, o Núcleo de Reportagens Especiais do O POVO retomou os caminhos da estiagem. Foram percorridos mais de 2.500 quilômetros, sertões adentro. O comércio da água, o embarreiramento dos rios, os poços profundos, os cacimbões, as disputas municipais por açudes pontuam os conflitos pela água em municípios como Crateús, Hidrolândia, Ipueiras, Itapajé, Jaguaribara, Solonópole, Tururu, Uruburetama, Varjota. Existiam 177 cidades, dos 184 municípios, em situação de emergência no Ceará.

OS QUINZES- 18 E 25/8/2015

Em dois cadernos especiais ou dois capítulos, uma reescrita dos cem anos da seca de 1915 (uma das piores estiagens do Ceará, retratada pela escritora Rachel de Queiroz em livro homônimo). Quinze sertanejos mostram as estratégias de sol a sol para transformar a seca em excedente. Uma superação, seja na feitura de doces e bolos ou de açudes inteligentes, que indica caminhos possíveis de lidar com o drama da estiagem. Foram percorridos 2.500 quilômetros, entre 11 sertões.

À ESPERA DE FRANCISCO- 2/5/2016

As obras de transposição do rio São Francisco são o norte da reportagem que retrata a espera cearense pelas águas do Velho Chico. A obra gigantesca é um projeto polêmico há mais de um século e ganha, na atualidade política e econômica do País, indefinições. No curso do tempo e das esperanças, a reportagem do O POVO desbrava 2 mil quilômetros do Eixo Norte da transposição, pelos municípios de Cabrobó e Salgueiro (Pernambuco), Jati, Brejo Santo e Mauriti (Ceará). O Estado terá 13 açudes para as águas do rio, entre eles, o Castanhão – principal garantia hídrica para a Capital.

A SECA QUE MATOU OS PEIXES - 30/8/2016

No quinto ano de seca, os peixes desaparecem dos açudes, gerando a migração de pescadores para o Norte do País. O POVO regressa à Caatinga e revela a extinção dos peixes em barragens construídas pelo Dnocs e pelo governo estadual: açudes General Sampaio (General Sampaio), Pereira de Miranda (Pentecoste), Araras (Varjota), Pedras Brancas (Quixadá), Castanhão (Alto Santo-Jaguaribara), Banabuiú (Banabuiú), Orós (Orós), Lima Campos (Icó). Uma situação que afeta a economia local e a segurança alimentar das famílias viventes da pesca artesanal. A piscicultura em cativeiro também chega ao fim, pois grandes açudes estão no volume morto.  O volume hídrico do Ceará estava em torno de 10%.

WEBDOC: PACTO ENCANTADO

Não há como se negar a sabedoria com que o sertanejo se porta perante a imprevisibilidade do clima, senhor inequívoco de seu destino. Há algo de encantado - e encantador - neste pacto tácito firmado entre um e outro. O que muitos nem suspeitam é que esse respeito pelo aleatório também é condição essencial para quem se debruça sobre esta realidade. Ainda mais para os que o fazem com o objetivo de traduzi-la através de narrativas construídas por imagens em movimento.

Tivéssemos nós alguma dúvida a respeito desta verdade silenciosa, as tantas veredas e atalhos percorridos durante a realização do webdoc que integra este projeto especial teriam dado evidências suficientes para que mudássemos de opinião. Validos da coragem e porte sertanejos ante às intempéries climáticas, partilhamos aqui nosso trabalho com seu coautor, a força maior que guia a criação e lhe define os rumos que seguirá. 

ÉMERSON MARANHÃO
EDITOR DE CONTEÚDO DO
NÚCLEO DE AUDIOVISUAL
emerson@opovo.com.br

UNIVERSO DE BENQUERENÇAS

Este é o sexto especial da série “A Peleja da Água”. De lá para cá, uma abordagem nova a cada edição. Um grande desafio para trazer ao leitor um olhar fora do radar comum. Acompanhamos a saga da estiagem pelo nosso semiárido e registramos morte, vida, escassez, abundância, resistência, transformação, expectativa, esperança...
O jornalismo visual, que escreve através da escolha tipográfica, da seleção das imagens, do uso de cores, do projeto gráfico enfim, trilhou essa evolução a cada abordagem. Novos olhares exigem novos caminhos estéticos. Eis mais um desafio.

Os afetos deste caderno são como memórias guardadas num universo de benquerenças. Metonímia. Picotes de histórias que contamos antes e, claro, destas novas que nascem aqui. A escolha pela colagem está ligada aos álbuns de fotos, às colchas de retalhos, àquela matéria do nosso espírito que, depois de uma longa jornada, nos faz juntar pedaços para recontar o que vivemos e, principalmente, quem somos.

GIL DICELLI
EDITOR-EXECUTIVO
DO NÚCLEO DE IMAGEM gil@opovo.com.br

Canindé e Madalena: um viver severino que se fabrica

Por Ana Mary C. Cavalcante (TEXTOS) Por FCO Fontenele (FOTOS)

Dona Mariinha fez do quintal um oésis

A saudade era um descampado na comunidade Cajazeiras, interior do município de Madalena (Sertão Central). “Tava com seis anos” que a agricultora Maria Auxiliadora da Silva Lima, 55, não via o “canterim plantado”, o mamoeiro, o pé de limão: “Olhava aquele alto acolá, parecia que tinham jogado um monte de cinza”.

Era uma tristeza que ia bater no Canindé, a 69 quilômetros dali. O povo do assentamento Monte Orebe viu morrer os açudes de novembro pra dezembro passado. Milho ou feijão não tinham força para vingar. Os animais, moedas de troca, iam definhando. O agricultor João Varela da Costa, 70, nascido na fazenda de onde se fez o assentamento, filho do vaqueiro, assombrou-se com a última seca: “Esse secarau que houve de 58 pra cá, tenho pegado todas. Mas a dos últimos cinco anos foi das piores. Nunca tinha visto esse açude seco e, agora, vi. Secou que rachou”.

Piçarra adiante,Maria de Fátima Uchoa Souza, 53, a dona Mariinha do sindicato, “viúva, mãe de três filhos, assentada, agricultora”, sempre se desdobrou para continuar a vida naquele fim.“A gente é sertanejo do coração valente, continua trabalhando porque a vida do agricultor é essa mesmo”, vive. “Morar no sertão tem que ter coragem”, emenda.

Maria Auxiliadora com a água. Veio o 'canterin'

Se a plantação tradicional não brotou, Mariinha tirou o leite de duas vacas e passou o verão vendendo dindim de fruta. Ou se somou a nove mulheres do assentamento, para ser mais forte, trocar experiências e ajudar a terra seca a parir um quintal de frutas, horta, plantas medicinais e forragens.E ainda mantém, como é possível, uma criação de galinha, porco, bode e gado, para o consumo da fome.

A primeira lição da seca dos últimos tempos, os sertanejos aprendem, é não ficar só esperando a vontade de Deus.É bem verdade que querer tirar a fé do sertanejo é o mesmo que querer tirar a alma do sertão. Mariinha acredita que “a chuva é uma bênção divina”, a mulher de seu João fez promessa para chover e Auxiliadora dobrou os joelhos até Deus se lembrar de mandar chuva. Mas a falta ensina a conviver com a pouca água que o sertão dispõe.

A gente é sertanejo do coração valente, continua trabalhando porque a vida do agricultor é essa mesmo. Morar no sertão tem que ter coragem

Dona Mariinha

Da vida sertaneja, Auxiliadora tem “mais lembrança de seca. De dias difíceis, de muita luta, de muitas necessidade”. É um viver severino, mas que se fabrica. “A gente tem que se manifestar, trabalhar e perseverar pra ter uma vida digna”, orquestra Mariinha.

Para atravessar a última estiagem, conta, muitos se valeram de auxílios dos governos, como Bolsa Família e Seguro Safra, além da aposentadoria. Poços profundos, carros-pipa e cisternas foram outros sustentos para as pessoas, as plantações e os animais.“Se tiver como armazenar água, você passa a seca e o inverno quase sem muita diferença. A chuva é abundância, mas nós tem que saber conviver com a seca também”, considera Mariinha.

O sertão cria para se querer o suficiente. Plantar e colher. “No campo, é muito bom de se viver. Tem os momentos difíceis, mas, na vida, tudo né muito bom, não. E a gente, agricultor, já é acostumado a viver nesses momentos”, relaciona a sertaneja. Ela, Auxiliadora e João produzem para si e para as feiras de agricultura familiar. Da infância à velhice, foram se adaptando ao tempo no semiárido. Auxiliadora tentou comercializar galinha, não deu certo. Então, propôs ao filho mais velho a produção e venda de verduras. Armazenando e regrando a água que conseguia do açude ou dos carros-pipa, tem “de tudo, um pouco”: pés de limão, capim santo, hortelã, malvarisco, corama, mastruz, pimenta, pimentão, cheiro verde, mamão. E “mais de 20 mil pés de palma”, sua riqueza: “Na seca, vende muito”.

Em pleno sertão de Canindé, Mariinha também realizou uma transformação: onde só tinha pedra, ela aponta, fez um quintal produtivo. Foi cuidando da terra, abolindo as queimadas e cobrindo o solo com o esterco dos bichos. “Hoje, o que eu plantar nele, ele dá”, assegura.

João Varela. A fartura da terra

A vida sertaneja tem seus milagres, compensações e sentimentos.“Meu pai tava aqui desde 42, 43. Dali pra cá, começou a nascer a família, eu me casei com essa paraibana, acostumada aqui mais eu”, completa-se João.É uma vida tão incerta quanto a chuva, mas que, por vezes, acontece. Como naquela manhã de fevereiro, quando voltou a chover. Os bichos se alegraram, remediou-se a saudade.

“Fui pro alpendre e fiquei olhando pra chuva... Me deu vontade de pular, de gritar, de chorar, correr dentro do quintal. Era de alegria porque ia fazer seis anos que ninguém via água”, abraça Auxiliadora. Para a agricultora, a chuva “é comparável a uma pessoa que tá distante, que a gente não tem notícia e volta. É aquela alegria com aquela satisfação de amor”.

Webdoc

Varjota: entre o rio e o roçado. A multiplicão do fazer

Maria da Saúde e o filho Francisco. Ela conta da morte do rio e ele deseja que o filho veja a chuva

Foi o rio Acaraú que fez a agricultora Maria da Saúde Pinto Lima, 60 anos neste maio, se mudar da serra de Guaraciaba para o sertão de Varjota (272,7 quilômetros de Fortaleza). Ela foi ao encontro das águas, para dar de beber à plantação que a acompanha desde sempre. “Na serra, tava seco. Quando eu cheguei aqui, que vi o rio Acaraú, eu disse: é aqui que eu vou ficar”, demarca.

Há 21 anos, a agricultora reconstruiu sua morada a cerca de um quilômetro do rio. Acostumou-se com o calor do sertão. Mais que isso: criou afeição pelo lugar inóspito e possível ao mesmo tempo. “Agora, quando chego na serra, o meu negócio é voltar pra cá!”, reconhece. O sertão lhe deu as coisas que possui: o plantio, a força, os recomeços. “Eu nasci pra viver da agricultura”, espelha Maria.

É uma vida que nasce todas as vezes que chove e que resiste e se reinventa ao longo das secas. “Sou tudo. Tudo o que der pra mim, eu tô fazendo”, amplia-se a agricultora do tamanho do sertão. Houve anos em que ainda se via água no rio, enquanto a terra ressecava. Naquele 2002, era incerto colher banana, goiaba, mandioca, milho, feijão.

A família da agricultora é grande, “dá dez pessoas”, mas nem todos queriam “trabalhar no meio do sol”. Para não depender só da vontade de Deus mandar chuva e “não viver tudo parado, sem fazer nada”, valeram-se do rio. A família abriu um restaurante às margens do Acaraú para somar ao que conseguisse extrair da agricultura.

Mais do que a sobreviver, a falta ensina a viver de outro jeito, a adaptar o tanto que se quer ao pouco que se tem. O desejo comum dos sertões, narrado das fazendas às casas ainda de taipa, é ter uma vida digna. Nestes outros tempos de seca amparada por auxílios governamentais ou projetos de ONGs, a luta de cada dia se alia à criatividade e à renovação dos fazeres. A seca ensina, Maria e os seus foram aprendendo.

Com as três filhas que moram em casa e o filho mais velho, a agricultora inventou um balneário durante dez anos, até 2012 – o tempo das águas no rio. O restaurante funcionava de segunda a segunda. “Era direto, eu vendia peixe, frango, galinha caipira, cerveja, refrigerante, batatinha”, Maria restaura a fartura. “Tinha dia d´eu vender cem quilos de peixe!”, rememora.

Aquele pedaço de rio era conhecido na região. O banho havia se tornado a diversão de um Interior sem mais nada. “Era sábado e domingo, vinha gente de todo canto: Santa Quitéria, Ipu, Sobral, Cariré, Guaraciaba e até de Fortaleza”, conta Maria. Mas vieram também os anos de chuva escassa e foi preciso racionar as águas que desaguavam no rio, a partir do açude Araras, lamenta a agricultora: “O rio secou. Fecharam a água do açude, o açude baixou a água... Secou, morreu o rio”. O restaurante, igualmente, agonizava: tinha dia de só vender um peixe frito.

Quando eu cheguei aqui, que vi o rio Acaraí, eu disse: é aqui que eu vou ficar

Maria da Saúde

Há dois anos, o local está fechado e o rio, sem força. A quadra invernosa deste 2017 até ensaiou revigorar o Acaraú, mas as precipitações não foram suficientes, atestam as histórias de uma época em que se atravessava de canoa onde hoje passa a estrada. “No sertão, geralmente, a chuva é mais pouca. Chuva, mesmo, acho que só foi em 97... Onde nós tamo, cobria nós”, relata Francisco Antônio Pinto Lima, 32, o ano em que o Araras sangrou e o rio Acaraú subiu três metros d´água.

Francisco é o filho mais velho de Maria e é quem faz companhia ao pai no roçado, com chuva ou sol. Ele também se desdobra e se recomeça na precisão. (Os outros cinco irmãos não tomaram gosto pelo serviço). “Eu trabalhava na agricultura mais meu pai, aí, comecemo aqui (no balneário). A água secou e voltemo pra agricultura. Desde cedo, que eu trabalhava na agricultura mais ele. Gostava e gosto”, reafirma.

Francisco tem um menino de nove anos que ainda não viu chuva da maneira que ele viu, maior do que tudo. “Este ano, o inverno foi bom a vista dos outro”, mede. “Mas ainda falta. Tem muitos legume que tá perigando não dá. Quem plantou cedo, ainda vai dar alguma coisa”, avalia.

O roçado é a outra margem da esperança naquele sertão. “Tudo o que a gente plantou, eu tô com fé da gente colher”, projeta Maria. Há quatro anos, a família implantou três cisternas que, juntas, acumulam 84 mil litros d´água – ou cerca de seis meses, ela mensura, sem tanto aperreio. Um poço profundo comunitário também abranda o período de estiagem. “A seca pode ensinar que a gente deve dar valor ao pouco da água que a gente tem”, conclui.

Entre o rio e o roçado, eles multiplicam os fazeres e vão ficando naquele traçado. O sertão, mais do que a serra (onde não restou parente), é para onde as saudades e os afetos também se mudaram. “A família é grande e pra gente sair com um monte de gente é mei ruim”, firma-se Maria que, fazendo “da fraqueza, a força”, deve formar o terceiro filho na faculdade este ano. 

Pentecoste e Apuiarõs. A felicidade de cada dia

Francisco Fernandes. Cultivo em plena seca recriou o sertão

Nos interiores dos lugares e das pessoas por onde esta reportagem andou, sertão e homem se tornam um só: fazem, da fraqueza, a força. No nascer (e nascer) entre seca e chuva, no viver entre a falta e a fartura, o homem vai se deixando no sertão e o sertão vai sendo humanidade. O agricultor Francisco Fernandes da Silva Maciel, 30, gerente da fazenda Califórnia, em Pentecoste (94,7 quilômetros de Fortaleza), sofre a sede da terra, a fome do bicho. Os últimos cinco anos de estiagem mataram 50 gados dos 180 da fazenda produtora de leite. “Fora os pequeno”, adita.

Quase Francisco arribava com a mulher e o filho. “Gado morrendo, pra mim, é a mesma coisa que um fi meu. Eu vendo aquela coisa, querendo partir pra cima sem poder, sem ter o que dá. Isso dói no meu coração. Dói dentro de mim, a seca”, padece. Francisco, que perdeu o olho esquerdo atrás de um boi, no emaranhado da caatinga, é um dos que viraram sertão. Seus sonhos são da extensão da fazenda, sua sabedoria é a mesma da natureza. “Quem dá força ao milho é a chuva. Tá precisando (chover) agora”, preocupa-se ao tempo em que desvenda o cultivo da palma, para dar de comer ao gado restante. Só no sertão, as plantas contam segredos aos homens.

A palma tem se mostrado uma forrageira que necessita de pouca água – Fernando diz que basta aguar duas vezes por semana. A fazenda Califórnia experimenta o cultivo em plena seca, há pouco mais de um ano. A estiagem, equilibra o agricultor, “judiou muito. Através de um poço que nós tem aqui, aguamo pra escapar elas. Escapemo. Nós tamo estudando onde é outro canto pra nós prantar pra melhorar o negócio”.

O filho do dono da fazenda, “que tem estudo”, completa Fernando, indicou que é melhor plantar a palma “em terra alta”. Já o agricultor, que lê a terra e o tempo, decifra a natureza de cada vida sertaneja:“Tirei pela base depois que prantei essas daqui. Nós cortemo, tiremo a muda. Ela não se dá se você prantar logo. Tem que passar o mínimo de dez dias parada ali, pra escorrer uma parte dela. Porque, na hora que você tirar e prantar, apodrece o tronco. Ou chuva demais, ela também não se dá. Ela tem um segredo nela”.

Foram os especialistas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce) que introduziram a palma naquela região, destaca o veterinário João Costa Mendes, da Ematerce de Pentecoste. Atualmente, pelo menos 20 proprietários rurais locais tentam o cultivo como forma de complementar a alimentação do gado. Vai-se escapando aos poucos, narram todos que permanecem. Sertão é terra-mãe, sempre vai amparar os seus, creditam. Entre o nascer e o morrer, dá-se a reinvenção – do lugar, das gentes. Com o destino entre a falta e a fartura, o sertão, ou Francisco, convida a ficar: “Comer um feijãozim no almoço... Se quisere passar um dia aqui, pode vir. Andar a cavalo, dá uns passei no rio”.

Na vida que leva, atravessando sol e chuva, mãos e alma calejadas, o sertanejo conhece a felicidade de cada dia. Pode não parecer tanto para quem vem de fora e tem pressa, mas é um bastante. Porque felicidade é o que se salvou do que foi vivido, é uma companhia de última hora, a lembrança frente ao esquecido. De “tudo de bom e de ruim” em 75 anos de sertão, o agricultor Abel Rodrigues Guimarães salva o casamento com Valquíria da Silva Guimarães, 79, os 14 filhos (11 estão vivos) e a plantação de coqueiros. É o seu bastante.

No mais, a alegria porque choveu este ano na Comunidade Santo Antônio (a 12 quilômetros de Apuiarés, município vizinho a Pentecoste), ainda que tenha ficado “água pouca nos açudes”. Fartura, só nas memórias de dona Valquíria, nascida do outro lado do rio Curu. “Eu lembro assim: soltaram a água do General (Sampaio, principal açude da região), eu fui mais meu pai (ver). Aí, a água vinha chegando, muié, vinha se espatifando, ficando só aqueles beijuzim de areia em cima. Deste tempo pra cá, tinha água. Secou no 93”.

Abel Rodrigues. Orgulho da plantação de coco

O rio era o mundo. “Vinha era gente de longe pra tomar banho... E eu tinha umas prima que era mesmo que umas piaba! Nesse tempo, muié, o rio dava chei, que vinha de uma barreira a outra”. E o mundo era só esse mesmo.“Não era que nem agora que, você querendo, fura o mundo de uma banda pra outra, trevessa... A gente não tinha pra onde ir. Tinha essa cidadezinha do Apuiarés... E era (ir até lá) de pés. E ninguém dava fé se era longe. E se fosse pra novena, não ia pra missa no outro dia, escolhesse um dos dois”.

Nos limites do sertão, vai-se intercalando certa felicidade. “A chuva é muito bonito, sem relâmpago, sem trovão é bom demais (dona Valquíria tem medo de trovão e relâmpago). No verão, tudo é seco, preto. Basta dar uma chuva pra nascer!”, ela admira.

Tauá e Inhamuns. Além das beiradas dos açudes

Seu Tá e a mulher Francinari: a reinvenção do cotidiano

Em Tauá (Sertão dos Inhamuns), a saudade tem a extensão do açude Favelas, um dos grandes da região, a 23 quilômetros da sede do município. Pode-se medir pelas conversas no caminho: quando a chuva encontrava o açude, faziam-se “uns cinco, seis quilômetros d´água para um lado e para outro. Quando tá chei, vai até Tauá botando água”, somam as histórias de pescadores e agricultores locais. Quando tinha água, tinha também curimatã, tilápia, traíra, sardinha, paisagem.

Mas a chuva faz falta há cinco anos, pelo menos. O açude ressente, partiu-se em mil pedaços. O que era vida – peixe, árvore, esperança – morreu. “Quem tava arranchado aqui saiu”, vela o pescador José Viana de Franca, 47. Da dezena de casas de taipa em redor do açude, somente a família dele e a de outro pescador ficaram. E já faz tanto tempo de estiagem que a lembrança da chuva também está indo embora. “Dá uma tristeza” ver o açude morto, padece também José. Em 18 anos que mora ali, ele diz, “é a primeira vez que o açude seca assim”.

O pescador não sabe ler o mundo e fica difícil ir além das beiradas dos açudes. A vida de José é andar em busca das águas. “Vamos pescar fora, no município de Aiuaba (a 114 quilômetros de Tauá). Eu mesmo nasci pescando, não sei fazer outra coisa”, segue.

Acontece que, no sertão, é preciso nascer muitas vezes, tantas quantas forem as secas. É um nascimento que se dá pela disposição de aprender o novo, de querer todas as possibilidades que o sertão guarda, conduz o Projeto Paulo Freire nos Inhamuns. Há pouco mais de um ano e meio, o projeto se desenvolve na Comunidade Oiticica (40 quilômetros de Tauá), com 73 agricultores.

Técnicos e agricultores trocam conhecimento e sabedoria há três anos. “É trabalhada a questão agroecológica: qualidade na produção, respeito ao meio ambiente, diversidade na produção”, resume a engenheira agrônoma Valdênia Delmondes de Macedo, 43. O principal resultado, ela completa, é a utilização de técnicas que os sertanejos desconheciam, fazendo brotar o alimento do impossível chão.

Os homens entram com a força e as mulheres, com a inventividade – une a engenheira agrônoma Keila Delly Marinheiro Veríssimo, 38, agente Cáritas e técnica de campo do projeto. É assim nas terras dos agricultores José Luciano Gomes de Freitas (seu Tá), 48, e Francimari Gomes de Oliveira, 42. Eles se mantêm, principalmente, com uma horta, vendendo o que colhem em escolas, nos comércios e nas feiras do município. Uma renda mensal que pode somar R$ 2 mil, calcula Keila Veríssimo.

José Viana de Franca. Pescador
 

“A ideia surgiu das nossas cabeças, eu e minha esposa”, diz seu Tá. Com as últimas secas, a produção, no roçado, diminuiu. “Foi quando nós partimo pra criar esse negócio de horta... Tinha um canteirim pra gente comer, desse canteirim, a gente passou pra vender pra vila”, amplia. O casal de agricultores considera que a horta não demanda muita água: o plantio se sustenta da irrigação por um poço profundo e da água que conseguem armazenar em duas cisternas (uma de 52 mil litros e outra de 22 mil litros).

Além disso, sublinha seu Tá, “aqui, nós economiza. Eu aguo o canteiro de manhã e deixo pra aguar à noite. A aguada que eu dou de manhã, se eu gastar dez mil litro d´água, à noite, vou usar cinco, devido à frieza”.

Enquanto houver bem querer, os aprendizados e artifícios são muitos na convivência do sertanejo com o sertão. “Deus me livre d´eu sair do meu lugarzinho!”, contrapõe seu Tá. “Porque, lá fora, eu não tenho uma moradia. Aqui, eu tenho; fraca, mas tenho. Eu já conheço a região. Se eu preciso de uma coisa, é um começo. Se vou na vila, uma pessoa tem pra me fornecer uma feirazinha. E, lá fora, como eu vou conseguir?”, devolve a questão.

E frente a qualquer pergunta sobre o futuro no semiárido, seu Tá se dispõe ao novo, retratam as técnicas do Projeto São José. Este ano, o agricultor já lida também com a produção de mel e deve colher uma renda extra neste semestre. Começou do zero, mais uma vez. Não espera mais pela chuva que sempre fica de vir em janeiro.

“Tem que enfrentar. Quando a chuva faltou, a gente usou a água do cacimbão. Quando o cacimbão secou, tive que cavar um poço. Cada dia, a gente inventa uma coisa. Eu já mexia com horta, hoje, tô mexendo com abelha pra ver se dá algum resultado”, atravessa. Durante a última estiagem, seu Tá negociou ainda os 12 gados que tinha, inteirou com uma safra de milho, para conseguir um poço profundo. “A chuva me ensinou. Porque, hoje, eu tenho poço. Vendi o gado pra ter um poço. A pessoa, tendo coragem e fé, a água aparece”, extrai. 

Tauá e Inhamuns. O bem querer feito cordão umbilical

Dona Ivone e seu Dedé. Casal garimpa felicidades no sertão

Mais do que viver a falta, o sertanejo (quem criou raiz na terra árida) vive o que tem. Não que a fome, a sede ou o menos lhes seja destino. Não, isso não é destino de nenhuma vida. Mas é que os pertences – uma morada, um roçado, uma criação, um resto de rio, uma fé, qualquer chuva, o gosto de um bolo, um punhado de memórias - são, para o sertanejo, certa fartura. No sertão, a vida que se vive é a vida que se conheceu.

“A maneira que a gente se agarra no sertão é isso: eu não tenho outra coisa que fazer. Você não sabe viver na cidade, gosta do Interior”, expressa o agricultor José Vital Neto (seu Dedé), 68, em par com a agricultora Antônia Ivone de Araújo Vital, 62. Eles estão casados desde 1976 e moram na Fazenda São Braz, a 15 quilômetros de Tauá. E, mesmo sendo só os dois sob o sol inclemente do Sertão dos Inhamuns, não pensam em migrar. “Não me sinto como teimosia. Me sinto como saudade e como o lugar que eu nasci e me criei. Que fui feliz nesse lugar”, permanece dona Ivone.

Uma felicidade simples, garimpada desde tempos que eram difíceis “e a gente vivia sem dar fé daquela dificuldade”, emenda seu Dedé. A felicidade da infância, por exemplo, que transformava sabugo em boneca, restaura dona Ivone. Ou a presença da mãe a lavar e remendar a roupa de 14 filhos à mão. Ou as novenas na casa alheia. Ou a dança a noite inteira, ir e voltar três, seis quilômetros a pé. Ou o rio quando enchia, e os irmãos atravessavam a feira do povo do Marruás na balsa de mulungu. Ou comer o que se produzia, sem medo de fazer mal, pilar o milho, torrar o café, o queijo de manteiga do pai. “Aquilo era a maior felicidade!”, engrandece dona Ivone.

A fartura em plena falta. O casal de agricultores já teve de carregar água, na cabeça ou no jumento, três, quatro quilômetros. “Aqui, nunca deu quatro meses de inverno”, subtrai seu Dedé. Ele se lembra “de muita safra” só até a década de 1960. “Foi uma década de inverno. O mais foi um (ano) sim, outro não; dois sim e dois não; dois não e outro sim... Agora mesmo tá desastroso”, assinala. A derradeira lembrança da chuva, para ele, foi em 2009. Depois, a chuva se arretirou, deixou a saudade.

Seu Dedé vendeu os gados e as ovelhas da fazenda de 200 e poucos hectares, herança do pai desde 1965. Ele e dona Ivone viram os três filhos tomarem o rumo do mundo, se aposentaram. Cada ano, o tempo pesa mais. A chuva faz mais falta. “As águas vão sumindo. Estamos sobrevivendo de poços profundos. Quem tem condição faz, quem não tem vai pedir”, reflete o agricultor. O povo também vai sumindo, cansando, não sobra gente pra tentar a plantação. “Os que não morreram migraram pra outros cantos. A única que tem aqui, desde o nascimento, sou eu”, completa dona Ivone.

E por que se fica? Porque quem aprende a querer bem nunca se vai de vez. E o sertão ensina esse bem querer. “Não tenho vontade de sair daqui. Não gosto de sair daqui”, responde seu Dedé. “Eu sinto saudade da roça”, costura dona Ivone os dias brandos e os anos de sol.

Não é viver só as saudades, essa falta. É viver o que se tem, mais uma vez. Ainda que o verão seja triste e cinza, diferente da alegria e da cor da chuva, “mesmo assim é gostoso”, afirma dona Ivone, permanecer no sertão. O sertão é a gentileza do mundo. “Você amanhecer o dia ouvindo os passarim cantar, acordar pelo canto passarim... Fazer um bolo, Dedé fazendo palavra cruzada ou jogando paciência no tablet. E eu costuro. Na hora do descanso, jogo no iPad”, atualiza a agricultora. “Mulher, esse tempo de chuva, você vê as planta tudo florida, os bichim tudo animado. É muito gratificante morar no Interior (também) na época de inverno”, adita.

Nunca se vai de vez do sertão, ou sempre se volta. Que nem a chuva – que é, na vida do sertanejo, uma pessoa da casa. “Até porque, quando tá se aproximando o tempo, você tá esperando todo dia. Tá olhando se tem um relâmpago, tá ouvindo se tem um trovão”, revive seu Dedé. A chuva escreve, dizendo que vem. O agricultor sabe ler a natureza: “A gente fica olhando se o passarim cantou, assim por diante. Verdade ou não, cada um tem uma tradição de ver... A formiga carrega o filho de dentro do rio e bota no alto. Aí, é certim que vai chover. A lagoa vai criar água”.

Sabendo do recado, seu Dedé e dona Ivone esperaram a chuva regressar este ano. E ela chegou numa madrugada de janeiro, durou até às 11 horas do outro dia, eles dizem, demorou-se como quem também sentia saudades. E era tanta história que a chuva trouxe “que o radialista não conseguia nem fazer o programa porque todo mundo quer dar notícia de quantos milímetros deu!”, ri-se dona Ivone.

“Quando a chuva bate, de noite, a gente já acorda, todo mundo se levanta! Aí, entra água pelas porta!”, festeja seu Dedé. “Eu nem controlo ficar dentro de casa quando tá chovendo! Se eu pudesse, eu aparava cada pingo de chuva que cai!”, dona Ivone se emociona.

Camilo Santana: Olhar permanente

Açude Pentecoste

A seca é a cartilha dos sertões, uma lição pela falta, aprendem sertanejos e Estado. Na lida com o tempo, o sertanejo se adapta à pouca água, reinventa modos de sustentar-se. “O grande aprendizado é que recursos hídricos e seca são uma coisa que precisa ser olhada permanentemente. Permanentemente, tem que ser estudada, planejada, avaliada de acordo com seus objetivos. O Ceará tem estado nesse caminho”, dialoga o governador Camilo Santana (PT), em entrevista por telefone.

Para o governador, há necessidade de políticas de médio e longo prazos, e o Estado caminha, historicamente, até elas: “Estou falando de governos que sempre se preocuparam em planejar a questão hídrica. Há mais de dez anos, se planejou o Eixão das Águas. Em nível de Governo Federal, se planejou a transposição (do rio São Francisco)”. O Ceará tem avançado na convivência com a estiagem, sublinha Camilo Santana, “fruto também da experiência, de políticas de reuso de água”.

Neste sentido, assinala o governador, a construção de uma unidade de dessalinização (para aproveitar a água do mar) é um caminho próximo: “Este ano, se Deus quiser, vamos decidir qual a empresa que vai fazer o investimento”. Também o reuso da água do esgoto da Capital pela indústria e a construção do Cinturão das Águas do Ceará são projetos que devem conduzir a travessia por “essa situação mais crítica que o Ceará tem enfrentado nestes últimos anos”.

Sobre o Cinturão, obra estruturante, o governador planeja “concluir, até o final do ano, 53 quilômetros, que são o trecho que vamos utilizar para trazer água do São Francisco (com a transposição)... A grande angústia é a retomada da obra da transposição, que é o que vai nos dar segurança para enfrentar a situação neste ano de 2017 e 2018”.

Ainda para remediar os danos da estiagem que se prolonga desde 2012, cita Camilo Santana, as ações são emergenciais: a partir de 2015, quando assumiu o governo do Estado, foram perfurados mais de três mil poços e implementados mais de 330 quilômetros de adutoras no Ceará. Chafarizes, sistemas de dessalinização e de reuso de água e cisternas compõem mais números deste quadro. Uma “ação inovadora, no Brasil, trouxemos até uma máquina do Arizona (EUA)”, ele ressalta, é desenvolvida no Cumbuco: a perfuração de poços horizontais (investimento de R$ 8 milhões).

No meio do caminho, estão Fortaleza e Região Metropolitana. “A grande preocupação”, demarca o governador. A Capital e o redor ficaram à beira de um racionamento de água em 2016, mas a seca ainda parece distante do cotidiano fora do sertão. “As pessoas de Fortaleza não imaginam que a água passa 250 quilômetros para chegar aqui. Não imaginam o que tornou possível essa água chegar aqui”, contrapõe Camilo Santana.

O governador diz dialogar com o prefeito Roberto Cláudio (PDT) sobre o reuso da água e a redução do consumo e do desperdício. “Essa cultura precisa ser implementada tanto pelo poder público como pela iniciativa privada... Precisamos estimular para que as pessoas possam olhar a água como um bem precioso. Isso precisa estar inserido na cultura da sociedade cearense”, conclui.

MEDIDAS NECESSÁRIAS

“Vivemos no semiárido e temos que conviver com ele. Só temos dois, três meses de inverno. Até a água, no subsolo, está desgastada por causa do desmatamento”. O retrato é da secretária da Agricultura de Varjota (272,7 quilômetros da Capital), Rocineuda Ferreira Pires, 40. “Deveriam vir novas tecnologias, para melhor absorção dessa água. Poços, mas com gotejamento, com novas técnicas, coisas que o agricultor não tem esse costume. E a conscientização, não só do agricultor, mas da população em geral, que é o desperdício de água”, demanda.

Rocineuda Ferreira

Rocineuda considera que faltam “políticas que cheguem aqui e perguntem o que está faltando e não que venham de cima para baixo. Muitas vezes, vem uma política pública que não abrange a necessidade”. Também é urgente “a valorização do pequeno (produtor), incentivo, capacitações”.

Noutro canto do Estado, em Pentecoste (94,7 quilômetros de Fortaleza), João Costa Mendes, veterinário e técnico da Ematerce local, observa que as chuvas deste ano só “encheram dois metros e pouco” do açude grande, Pereira de Miranda (General Sampaio). O açude tem 29, 4 metros de altura. “Quando chegar em janeiro, estaremos na mesma situação que antes. O inverno para a produção de plantas foi bom, mas não foi para acumular água”, equilibra.

“Técnicas adequadas para o semiárido, animais adequados também”, ele atenta, são necessidades básicas da região. Bem como maneiras de acumular a água e melhor gerenciamento dos recursos hídricos. “E o agricultor sente a ausência do Estado. É fundamental a produção de água. Deveria haver uma preparação para enfrentar essa questão. Quando tem fartura, todo mundo esquece”, sublinha.

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