13 de julho de 1985

As raízes na música erudita, no jazz, no rythm and blues e, principalmente, em uma sociedade pós-guerra, fundamentaram o que ficou conhecido como rock and roll. O estilo cresceu, ganhou subgêneros e virou estilo de vida

Por Rubens Rodrigues

Há exatos 31 anos, o Estádio de Wembley, em Londres, foi palco para Queen, Bowie e outras dezenas de artistas que marcaram o Live Aid. O concerto para arrecadar fundos em prol de pessoas que enfrentavam a fome na Etiópia teve continuidade no Estádio JFK, na Filadélfia, Estados Unidos. Entre as bandas, estavam os lendários Black Sabbath, Judas Priest e Eric Clapton. Mais de 1,5 bilhão de pessoas assistiram ao espetáculo pela TV e mais de 30 milhões de euros foram arrecadados.

 

A data ficou marcada, seja pelo desejo de Phill Collins de tornar aquela uma data-calendário, ou por reunir em um dia um número de bandas nunca antes visto no mesmo evento. O brasileiro, afetivo como só ele, apropriou-se do dia que, lá fora, não costuma ser lembrado.

Com respeito, Senhor Rock

Foi pelos idos de 1950 que os pioneiros firmaram seu lugar no mundo. O rockabilly de Bill Haley abriu as portas para o que seria uma verdadeira revolução musical. Após alguns anos de anonimato, Haley emplacou a canção "Rock Around the Clock" no filme Sementes de Violência (BlackBoard Jungle, 1955). Com a popularidade que o longa de Richard Brooks trouxe, outros músicos do gênero passaram a ganhar notoriedade, embora, na mesma época, Chuck Berry já se destacasse com a mistura do blues com o country. Considerado pela revista Rolling Stone o quinto maior artista da música de todos os tempos, Berry era a voz rock and roll da chamada música negra.

 

"É difícil dizer quem surgiu primeiro", diz o mestre em Música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcos Maia. Para ele, a ascensão de Elvis Presley partiu de "uma questão midiática". O hoje sessentenário gênero musical virou cultura de massa com o garoto de Memphis.

 

Elvis estreou com duas de suas canções em uma rádio de Tennesse, em 1954. Foi questão de meses para virar assunto nacional. Aos 20 anos de idade, já era ídolo de uma geração norte-americana. Homem, branco, de passos que desafiavam a própria sociedade conservadora de sua época. Rapidamente veio a alcunha de "Rei da Guitarra Elétrica" pela imprensa. Em 1956, o Rei do Rock já era sucesso fora do seu país quando virou estrela de cinema em "Ama-me com Ternura" (Love Me Tender).

 

Foram 31 filmes em 14 anos, fora outros 15 títulos entre documentários, filmes para TV e participações, em que o personagem era a própria estrela.

 

Mesmo após sua morte, em 1977, seus filmes e músicas se fizeram presentes mundialmente. A empreendedora Sulamita Rodrigues, de 40 anos, diz que lembra de Presley "desde sempre". Viu os filmes na infância e, só na adolescência, descobriu que ele já havia partido. "Não penso em como estava quando morreu. Para mim, permanece a imagem dele saudável, mas quando escuto as músicas, é uma sensação estranha que eu não consigo explicar. Sinto uma tristeza só de lembrar que ele se foi. É como se fosse alguém próximo", conta. "Acho que vivi naqueles anos em Graceland", brinca.

 

Concerto

Live Aid

...Atravessando o Atlântico

Se os Estados Unidos marcaram o início, a grande contribuição para o gênero veio na década seguinte, do outro lado do Atlântico. Foi do Reino Unido que vieram as grandes bandas dos anos 1960. É o que lembra o professor Marcos Maia. Ele diz que mesmo com a raiz afrodescendente do rock, a Inglaterra tem participação acentuada nessa história. "A gente percebe que a contribuição europeia é até maior que as próprias bandas norte-americanas", diz. 

 

 

Na época, o mundo já estava tomado pela Beatlemania. Apontada como a banda mais bem sucedida do mundo pelo Media Traffic, os Beatles são citados no Livro dos Recordes como os artistas que mais venderam discos na história. São também o grupo que mais tem álbuns no topo das paradas dos Estados Unidos, chegando a 19. Dez a mais que Elvis Presley. "O Reino Unido tinha uma arrecadação pesada de impostos. Era muito comum as bandas britânicas saírem da Europa para solo americano", diz Maia.

 

Para se ter uma ideia, a coletânea "1", com 27 canções que atingiram o primeiro lugar nas paradas, vendeu 13,5 milhões de cópias só no primeiro mês em todo o mundo. Dessas, 3,6 milhões foram vendidas no primeiro dia. Os garotos de Liverpool alcançaram o primeiro lugar em 35 países. 

 

Foi lá também que o gênero se disseminou. A música progressiva e psicodélica ganhou espaço com Pink Floyd e Led Zeppelin, abraçados por quem procurava música alternativa. A chamada Invasão Britânica se estabeleceu com os Rolling Stones. Genuinamente rock and roll, o grupo de Mick Jagger e Keith Richards sempre foi sinônimo de rebeldia.

 

Com "Sympathy for the Devil", canção que abre "Beggars Banquet" (1968), sétimo álbum de estúdio, surgiram as primeiras acusações de satanismo. Pudera. Inspirado pelo romance soviético "O mestre e Margarida", de Mikhail Bulgakov, Jagger escreveu a letra como se fosse o próprio diabo conversando com o ouvinte da canção. Com o pé no candomblé, a música foi a contravenção perfeita.

 
 

A imagem deixada pelos Stones e o vigor com o qual continuam, acredita Marcos Maia, é uma das provas que o rock nunca perdeu seu lugar. "E os gêneros decorrentes do rock só contribuíram para que ele se mantivesse. Perceba que a maioria das bandas mantém o formato power trio (guitarra, baixo e bateria), por exemplo, característico dos Stones. Apesar dos subgêneros, o bom rock nunca perdeu o fio da meada. Cada estilo tomou seu caminho".

 

Bandas como The Police, Motörhead e Nirvana fizeram história como power trio. Dos exemplos mais atuais, o Muse, surgido na década de 1990, se consagrou em 2006 com o elogiadíssimo "Black Hole & Revelations". A banda formada por Matthew Bellamy (guitarra, vocal e piano), Christopher Wolstenholme (baixo, teclado e vocal) e Dominic Howard (bateria) flerta com a música progressiva, sinfônica e até com o metal.

O início, o fim e o meio

No Brasil, o rock chegou com a Jovem Guarda, reproduzindo o que já era feito no exterior. A bossa nova e a Tropicália romperam o que havia de mais tradicional nos idos de 1950 e 60. Os Mutantes e os Novos Baianos subverteram o meio musical com trabalhos antológicos, até que o rock setentista ganhou voz e rosto com o esoterismo e deboche de Raul Seixas.

 
O professor de História da Música Brasileira da Universidade Estadual do Ceará, Potiguar Fontenele, lembra que a época foi de experimentação sonora, o que se perdeu com a tentativa de politizar os discursos nos anos 1980. "Adaptada para as necessidades urbanas, a música virou um protesto restrito ao jovem intelectual. O rock se empobreceu, ficou mais fácil de tocar e de compreender", diz. "Eu vivi esse momento. Foi uma década de produtos de venda imediata".
 
Potiguar afirma que a mídia era mais aberta à diversidade musical, com programas de auditório nos fins de semana que iam do rock à música erudita. Com as transformações, o gênero passou a ser uma "linguagem social". A década seguinte foi de movimentos fortes no Brasil, como o recifense Mangue beat de Chico Science e Nação Zumbi. Houve ainda a crescente popularidade do heavy metal com Sepultura e Angra como expoentes.
 
Quem cresceu nos anos 2000 conviveu com a presença do Charlie Brown Jr. nas rodas de violão e de conversa. Apesar de flertar com o reggae e o skate rock, o grupo trouxe com ele uma porçao de nomes do hardcore, cena musical surgida a partir da chamada segunda onda do punk.
 
"A música feita nos últimos 15 anos virou cordel eletrônico. Só há uma linguagem que se utiliza basicamente da rítmica e traz informação imediata", avalia Potiguar Fontenele. "Não é como os músicos dos anos 70 que pensaram cadência e harmonia. Criar deixou de ser necessário". 
 
Resistência 
 
Mas há quem, ainda hoje, faça do setentista punk rock música contemporânea. Líder da banda cearense Lavage, Bruno Andrade diz que o gênero mudou, radicalmente, sua perspectiva de vida. "O que me influenciou bastante foi o 'Do It Yourself' (faça você mesmo). É algo forte que eu levo para a vida toda, em todos os aspectos", diz. O cantor diz que esse modo de fazer música reflete diretamente na cena local, com a realização de festivais colaborativos, "onde as bandas produzem tudo no peito e na raça".
 
Fortaleza, aliás, é berço de gente que vê na música a possibilidade de ganhar o Brasil. Jonnata Doll e os Garotos Solventes lançou disco homônimo em 2014, com produção de Yuri Calil (Cidadão Instigado). O disco marcou pelo lirismo underground que debate abertamente temas marginalizados. Saíram também da terra alencarina Selvagens à Procura de Lei, Verónica Decide Morrer e o próprio Cidadão Instigado.

 

 

Para Luciana Lívia, vocalista da Mafalda Morfina, a fase em São Paulo reflete amadurecimento. "É preciso lembrar que grandes artistas também saíram daqui, no passado. Belchior foi um deles", comenta. "O poeta procura por liberdade também. É um processo natural de quem trabalha com criação e realização. É tudo inspirador no fim, sangrando e sorrindo". 

O disco que mudou minha vida

The Doors – Strange Days (1967)



"É o segundo disco deles e esse disco e marcou profundamente porque eu já era um ouvinte de rock, já gostava da sonoridade e esse disco me apresentou outras possibilidades. Strange Days dialoga com outros gêneros, como o jazz e até com a bossa nova e, ao mesmo tempo, apresenta outras possibilidades de letra. A banda conseguiu combinar a poesia tão rica do Jim Morrison com aquela sonoridade. Foi um divisor de águas na minha experiência como ouvinte. Do ponto de vista do lirismo, da possibilidade do rock and roll trazer letras tão ricas, tão complexas, mostrou que o gênero não era para uma audição tão inocente. Era algo que poderia ser profundamente sofisticado, sobretudo em termo de poesia".  Por Felipe Araújo, jornalista

 

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The Beach Boys - Pet Sounds (1966)



"No fim dos anos 1990 esse disco já me perseguia visualmente. Quase sempre eu esbarrava na sua capa verde e estranha. Talvez meu preconceito de adolescente tenha me afastado um tempo dele, até que um dia consegui escutá-lo e foi um divisor de águas na minha vida. Lembro de ter escutado a noite toda sem colar o olho. Aí descobri que o Rock não é só feito por camisas pretas. Desde então sempre escuto e ainda fico com a voz embargada com algumas canções". Por Denilson Albano, dj e designer

 

AC/DC - High Voltage (1976)


"Foi o primeiro disco de rock que ouvi. Acho que na época eu tinha uns 4 anos de idade. Foi o primeiro álbum (ainda em vinil) de rock que meu irmão mais velho (Dudu) comprou. Obviamente com essa idade eu não entendia música, mas sentia, pois lembro de ouvir sempre junto com ele e de gostar bastante. Alguns anos depois, já entendendo mais de música, fiquei com uma ideia fixa de tocar guitarra, ser guitarrista. AC/DC foi tão marcante pra mim que quando ganhei de presente da minha mãe a minha primeira guitarra, fiz questão de que ela fosse a mesma que o Angus Young usava: uma SG! Claro que não foi uma Gibson, rs, mas foi um ótimo começo". Por Artur Menezes, músico 

 

* Com shows marcados ao longo do ano nos Estados Unidos, Artur Menezes está morando em Los Angeles 

 

The Cure - Pornography (1982)

 

 

"Pornography, o quarto álbum do The Cure (uma magnum opus digna do top 100 do rock), deu um passo além na trilha sombria do pós-punk gótico. Estabeleceu padrões até hoje vigentes: vocais agudos-e-desolados, versos pesadelísticos, guitarras atmosféricas, baixos graves como um funeral, synths gélidos, arranjos minimalistas, batidas hipnóticas de andamento arrastado, samples espectrais, produção cavernosa etc. Depois que ouvi esse disco belíssimo, eu senti o que é negar o dia para brilhar na escuridão – e nela encontrar maravilhas mal-ditas para inspirar-me em minhas próprias (de)composições. Diria que esse álbum intempestivo, destaque na discografia do Cure, abre portais para uma trip de rumo a um pós-mundo nostálgico que existe depois do fundo do poço existencial: o abismo do lado noturno da vida". Por Márcio F. Benevides, vocal/guitarra/synth na Black Knight Freqüency

 

* O grupo Black Knight Freqüency lançou Perceptron, álbum de estreia, nas principais plataformas de streaming  

 

Guns N’ Roses – Use Your Illusion I & II (1991)



"Desde os tempos de espermatozóide eu já amava rock, mas em 1999/2000 coincidiu com minha fase de adolescência e fui saber os nomes daqueles quais eu gostava de ouvir. Foram vários, de Iron Maiden à U2, e despertei o interesse em também tocar e ter uma banda. Mas após a primeira banda não ter saído do “vamos marcar”, foi no hard rock que me encontrei. Foi com “Use Your Illusion I e II”, dos Guns N’ Roses, que tive os primeiros shows nos barzinhos da Praia de Iracema. Esses discos me influenciaram a estudar música e a compor. Fiz grandes amigos e aprendi muito. Hoje não sigo a carreira musical, mas foi importante influência para que eu permanecesse na área artística. A estética dos anos 80 e 90 ainda hoje é muito forte no meu imaginário". Por Daniel Aragão, cineasta

Programação do Dia do Rock em Fortaleza

Cineteatro São Luiz

Dia 13 - exibição do filme “Woodstock – 3 dias de Paz e Música”, às 14 horas (gratuito)

Dia 13 – exibição do filme “Janis: Little Girl Blue”, às 18h30min (R$ 6 / 3)

Dia 17 - exibição do filme “The Wall” e apresentação da banda Caco de Vidro, cover do Pink Floyd. Início às 16 horas (R$ 20 / 10)

 

Livraria Cultura

Dia 13 - Essencial Música convida: Mimi Rocha, Lucas Guterres, João Paulo Saraiva, Ricardo Pontes, Marcus Vinnie, Lu de Sousa, Fets Dómino, Alessandro (Macarrão), Cláudio Mendes, Hamilton, Bixin, Rafael Balboa, Tiago Sulivan, Felipe Cazaux e Tony Pontes, às 19 horas (gratuito)

 

Palco Vida & Arte

Dia 16 - Otto apresenta a turnê Recupera no Anfiteatro do Parque do Cocó, às 20 horas (gratuito)


Theatro José de Alencar
Dia 13 - Exibição dos filmes "Mães de Metal", de George Andreoni,e "Cabeça Metal", de Gandhi Guimarães, às 18 horas (gratuito)
Dia 13 - Orquestra Filarmônica do Ceará apresenta clássicos do rock, às 19h30min (R$ 20/10)
Dia 27 - Orquestra Filarmônica do Ceará tributo ao Legião Urbana

Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

Dia 13 - Debate "É tudo Rock and Roll! Fotografia e Rock em Fortaleza", às 19 horas

Dia 14 - Estreia do filme "Janis Little Girl Blue", no Cinema do Dragão
Dia 17 - Exibição do filme "Guardo tudo nas lembranças que é pra nunca desistir", sobre a produção do álbum Fortaleza, da banda Cidadão Instigado, no Cinema do Dragão, às 18 horas (R$ 6 / 3)
Dia 17 - Show com a banda Cidadão Instigado, no Anfiteatro do Dragão do Mar, às 19 horas (R$ 60 / 30)