Amor de pai

Em homenagem ao Dia dos Pais, O POVO conta a história de quatro pais e o amor incondicional

 

O ciclo da vida contado pelo amor de pai. Um amor de todos começos, que vai se definindo a cada dia e necessidade até se saber desprendimento e permanência. Neste domingo de agosto, O POVO propõe ir ao encontro da paternidade até o coração. As histórias investigam os sentimentos que estão sob as camadas de força e segurança com que se costumam pintar os pais. Nas narrativas que formam este especial, a perspectiva do homem sobre o amor incondicional a outro alguém.

Amor que chega: a descoberta da paternidade

Por Rômulo Costa (TEXTOS) Por Julio Caesar (FOTOS)

Os dias justificam o acaso. No silêncio, o tempo organiza as vontades do peito sem que a gente precise necessariamente traçar metas, separar datas, fechar compromissos. Os sonhos simplesmente acontecem. Foi assim com Renan Rebouças, 27 anos. Em uma noite comum, esperando o elevador encostar no térreo, ele descobriu-se pai. E foi para sempre.

A namorada, Bruna Lobato, 23 anos, contou que tinha comprado um teste de farmácia para resolver a curiosidade. Renan refutou. “Não precisa fazer teste. Você está grávida”, adiantou-se. Nove meses depois, nascia Inaê Maria — a menina que Renan imaginou na adolescência e que o tempo fez existir sem que ele ou a namorada planejasse, organizasse, metrificasse os desejos.

Eu sempre quis ser pai, mas é um sentimento tão grande que eu ainda não sei explicar com palavra. É como se tudo o que você viveu até esse ponto não contasse mais

Renan Rebouças músico

Quando soube que seria pai, Renan não sentiu medo do futuro nem das noites intermináveis, muito menos quis antecipar a sorte da menina. Naqueles dias, a felicidade o atravessou de um modo diferente, tanto que ainda hoje é difícil traduzir. “Eu sempre quis ser pai, mas é um sentimento tão grande que eu ainda não sei explicar com palavra. É como se tudo o que você viveu até esse ponto não contasse mais”, ensaia.

Renan recomeçou; Inaê foi seu ponto de partida. O nascimento da menina foi mais que um novo amanhã. De algum modo, Renan se refez novamente, nasceu também.

Buscando a tranquilidade que a gestação exige, ele e a namorada se mudaram para Maranguape. Mais perto da serra, guiando-se pelo presságio cantado pelos passarinhos, o tempo passava mais devagar, como a calma de quem apronta uma criança. A barriga de Bruna, por sua vez, passou a apontar lentamente para a realidade. Renan acompanhou, gestou junto.

“Eu sempre tive muito contato com a Inaê, desde a barriga. Eu tocava violão, conversava, e ela se mexia”, assoma. “Lá para o sexto mês, quando eu vi a minha filha mexendo dentro da mãe, vi que a nossa relação estava ficando ainda mais forte”. Os dias confirmariam os sentimentos do pai.

Inaê Maria Lobato Rebouças, hoje com 1 ano e 3 meses, nasceu em uma terça-feira. Logo na noite do dia 11 de maio de 2015, a mãe começou a sentir o desejo da filha enxergar o mundo. As dores se prolongaram por toda a madrugada até que na manhã do dia seguinte, ao som dos mesmos passarinhos que o casal perseguia ao decidir morar em Maranguape, o choro de vida da menina rompeu.

Inaê nasceu em casa por desejo dos pais. Veio aos dias a partir dos cuidados de Renan que, pela próprias mãos, cortou o seu cordão umbilical e preparou a vida e os afetos para recebê-la. Fez-se ali a nova história.

 


“A primeira coisa que a gente aprende com um filho é o amor incondicional. Só a paternidade te permite esse tipo de amor”. Ele explica, para entender também: “É um amor que não há condição para deixar de ser. Tudo pode estar terrível, mas ele não fraqueja. É intenso, é forte”.

A cada manhã, Renan entende mais sobre o amor pelo sorriso de Inaê. A rotina de cuidados e brincadeiras ensinam sobre o que, no começo, era incerteza, medo e muitas dúvidas. Pelo ofício de pai, ele orienta, acalenta, redireciona mas, principalmente, compreende sobre a paternidade.
“No começo, eu fiquei muito preocupado se eu daria conta, se seria um bom pai. Mas a Inaê me ensina todo dia a ser bom. E ensina muito bem”, divide.

 

* Rômulo Costa é filho do Ronaldo
* Julio Caesar é filho de José Maciel e pai de Julio Caesar Junior

 

 

 

 

Quatro histórias de amor incondicional

Coração de Pai

Ser o que é. Quando o filho é maior que o sonho

Por Rômulo Costa (TEXTOS) Por Julio Caesar (FOTOS)

Ser pai é também atirar-se na escuridão do futuro. Projetar, em sonho e vontade, a vida do filho que ainda se forma longe dos olhos. A sobreposição de si e das outras crias encontra-se no rebento que o tempo ainda prepara com serenidade e calma. Filho é também projeção, desejo de se encontrar no outro. É sonho refeito. Uma segunda chance.

O político e diretor de teatro Karlo Kardozo experimentou o caminho da paternidade por cinco vezes. Em todas as tentativas, imaginou os filhos como se, ainda no útero materno, pudesse olhá-los nos olhos. A idealização da criança, o filho imaginado, não se cumpriu em nenhuma das vezes. Todos os rebentos lhe chegaram com demandas específicas, medos diferentes, sorrisos variados. Cada um a seu jeito, a seu tempo.

Eu disse para ela que cada filho é diferente. Sempre é assim. Cada um tem uma necessidade específica, um jeito de cuidar. Enfrentar a diferença nunca foi problema

Karlo Kardoso político e diretor de teatro

Karlo, que é titular da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, já tinha quatro dos cinco filhos aos 54 anos — todos grandes e criados. Acreditava que a aventura de ser pai já tinha se encerrado por ali. Mas o futuro não é feito de certezas. Em um dia comum, a esposa, que ainda não tinha perseguido os passos da maternidade, lançou-lhe a proposta de começar de novo.

“Quando a Luiza veio propor, fiz uns questionamentos e vi que não tinha nenhum problema ter mais um”, lembra. Foi assim que surgiu, no patamar dos desejos, a vida do menino Karlo Artur, hoje com dois anos de idade. O pai, então, viu-se reinventado.

Com a chegada do novo filho, a longevidade passou a ser uma das preocupações de Karlo. “Eu parei de fumar, mudei minha alimentação, mudei tudo. Fui construir um corpo com a perspectiva de um cálculo: quando meu filho tiver 18 anos, eu terei 70!”, projetou.

Quando o corpo aceitou a criação de novo homem, chegou-lhe a certeza de que não seria um pai de novo mas, sim, um novo pai. “Descobrimos que ele era portador de Síndrome de Down depois do nascimento. Para mim, foi uma surpresa, claro”, rememora. No começo, não teve espaço para florescer as dúvidas.

A maturidade e a experiência que Karlo angariou com os outros filhos iluminaram a trajetória. Karlo enxugou os medos de Luiza. “Eu disse para ela que cada filho é diferente. Sempre é assim. Cada um tem uma necessidade específica, um jeito de cuidar. Enfrentar a diferença nunca foi problema”, conta.


 

A rotina de cuidados e a orientação de especialistas levaram Karlo a entender que deveria questionar os limites do filho. Ocorreu, então, uma segunda transformação na vida do pai. O menino Artur passou a dividir com o pai a rotina de esportes e aventuras. Foi tempo de escalar as paredes de casa, subir no skate, percorrer as ruas do Benfica de bicicleta, descobrir-se no mundo. Eles foram juntos.

Dia desses, os caminhos deram no mar. Abraçados, sentiram a cadência das águas da Beira Mar a bordo de uma prancha de stand-up paddle. Aquele fim de tarde funcionou como metáfora para a vida que os dois aprendem a viver agora. O ritmo é outro, sim, mas o prazer do cuidado e do afeto é o mesmo. E sempre será.

A diferença está dentro da própria diferença. “As pessoas gostam de classificar como um ‘down’ e não é assim. Ele é uma criança que tem síndrome de down, mas ele é um mundo de outras coisas”, compartilha.

Aos 54 anos, na quinta chance de se refazer pai, Karlo aprendeu mais do que podia imaginar. Teve a certeza que os filhos são muito mais do que se pode inventar nos sonhos. “Os filhos são o que são”, ensina.

 

* Rômulo Costa é filho do Ronaldo
* Julio Caesar é filho de José Maciel e pai de Julio Caesar Junior

 

 

O tempo passa num instante. É hora da filha ir para o mundo

Por Ana Mary C. Cavalcante (TEXTOS) Por Julio Caesar (FOTOS)

A paternidade é uma travessia por todos os medos, os próprios e os dos filhos. E se vai à frente, de mãos dadas, abrindo passagens, norteando rumos, clareando mundos – os próprios e os dos filhos. Nesse caminho só de ida, tem momentos em que não se sabe ao certo quem segurou mais forte o outro, firmando o passo.

Houve noites de não dormir, quando acontecia uma febre sem trégua. Carlos, então, abraçava a filha o máximo que conseguia, como se pudesse transferir a dor para si. Houve noites assim também para Carol, quando o pai se demorava no bar e o trilho do trem, na fronteira de casa, cruzava a espera. A caçula só dormia se o pai estivesse a salvo, em suas pequenas mãos. Fosse (a vida) como fosse, tudo ia ficar bem, prometeram-se.

O sapateiro Carlos Teixeira Matos, 56 anos, refaz a travessia de “ser pai” enquanto Carol arruma as saudades nas malas para Brasília. Depois de hoje, qualquer dia pode ser o da partida. A filha casou em julho agora, cresceu nem faz tanto assim. Que tempo sem hora, esse de ir pro mundo. Parece que foi ontem o banho dado, a merenda feita, levar e buscar no colégio, a formatura da alfabetização.

Ser pai nunca cansou. Pra mim, não teve aquele momento de desistir

Carlos Teixeira Matossapateiro

Carlos tinha 30 anos quando a primeira filha, Viviane, nasceu; cinco anos depois, veio a Caroline. “Foi uma das melhores emoções da minha vida”, traduz. E foi a maior transformação também. “Muda tudo. A gente sabe que vai aumentar a responsabilidade e que, por todas as formas, a gente vai passar pelo processo de ser pai: um processo que nunca aconteceu”, une.

O amor inaugura o homem. Carlos afirma que se dispôs a cuidar das filhas “em todas as áreas da vida, não só financeiramente”. Teve que conciliar trabalho e sono, presença e ausência (teve que se perdoar muitas vezes). Descobriu como sanar a fome e o choro, como acalentar. "Ninguém nunca me ensinou, fui fazendo. Fui pegando a manha, me adaptando aos poucos e me engajando na paternidade”, retrata. Nos plantões da mulher, que é técnica em enfermagem, era ele quem pastorava a noite das meninas – até dia desses, quando elas casaram. Descobriu ainda como amanhecer quantas vezes for preciso. “Ser pai nunca cansou. Pra mim, não teve aquele momento de desistir”, expressa.

Daí se fez o cordão umbilical entre pai e filhas. Uma ligação tecida pela amizade, ele credita, um vínculo “criado pelo cuidado”. O que também significou impor limites, mas, principalmente, significou confiar – dos dois lados. Carlos foi na frente, abriu passagens, norteou rumos, até chegar na beira do mundo. Dali em diante, o voo pertence às filhas. Amor é pássaro em liberdade.

E Carlos trilhou, lado a lado, o caminho da entrega. Quis saber quase tudo dos namoros (à exceção das conversas que só se têm com as mães), passou noites pintando mimos para o casamento de julho. Até o altar, não se sabe ao certo quem segurou mais forte o outro, firmando o passo. E até a caçula pegar o avião para Brasília, onde o marido serve ao Exército, ele se preocupa com a merenda e segue com a filha no mesmo ônibus para o trabalho.


 

O pai tenta agarrar o tempo enquanto vive “um amor de desprendimento. Um amor que você já está usufruindo. E que você começa a dividir”. É difícil, aperta o coração. “Pai também chora”, emociona-se. Carlos nem sabia que podia ser um pai assim, “não tem um manual de instruções” e ele mesmo só teve pai até os 11 anos - depois, ficou “à deriva”. Tudo o que sente é a sua herança para as filhas, doa-se. E, na travessia de todos os medos, aporta, inteiro, na outra margem da vida. “Daqui a pouco vou ser avô... E, aí, são outras emoções!”, reinventa-se.

* Ana Mary C. Cavalcante é filha do seu Francisco Rodrigues
* Julio Caesar é filho de José Maciel e pai de Julio Caesar Junior 

 

 

Maria e Anna: Entre a vida e a morte, a escolha por amar infinitamente

Por Ana Mary C. Cavalcante (TEXTOS) Por Julio Caesar (FOTOS)

Esta não é uma história triste. Porque quem a viveu não a conta assim. Diz da espera de ser pai, “um desejo que nasceu no coração”. Diz do dia no aeroporto, quando a esposa lhe entregou um sapatinho e ele “ficou meio aéreo, com a sensação de que você não tá no seu corpo, sabe?!”. Diz de todos os ultrassons e de como era “lindo a barriga dela crescer”. Diz ainda de uma coragem absoluta “em um momento que você tem duas alternativas: ou você desaba, ou vai pra frente”. Esta não é uma história triste porque, entre a vida e a morte, o professor de inglês Janmes Wilker Mendes Costa, 39 anos, escolheu amar de maneira infinita.

No dia em que soube que ia ser pai de uma menina, Janmes também foi alertado de que a primeira filha poderia nascer com alguma síndrome. Ele e a mulher, Luciana, decidiram não investigar tanto porque havia o risco de um dos exames provocar um aborto. Além disso, com cerca de 14 semanas de vida, a menina parecia dizer algo maior do que tudo pelo “som mais lindo” que Janmes já escutou: o coração de Maria batendo, “forte, a mil por hora!”.

A Maria me ensinou a amar de maneira incondicional. E com a Anna, coloco isso em uma situação prática. O pai é essa figura de força, mas tem que ser também a figura de amor

Janmes Wilker Mendes CostaProfessor de inglês

No instante daquele diagnóstico, começou a nascer um pai. “Eu tinha que ser muito forte, as duas (mãe e filha) dependiam de mim”, ele retrata. “E eu não encarava a minha filha como um problema”, completa. A paternidade foi ganhando suas nuances com a gravidez. Vieram o enxoval, os brinquedos, o quarto. A Síndrome de Edwards, as pesquisas na internet, as estatísticas. As conversas dele com Maria sobre o amor que nunca mais deixaria de haver, sobre existir Deus e Nossa Senhora, as canções que cantava para a barriga de Luciana. “Vivemos a gravidez de um pai e uma mãe que esperam um filho muito desejado, muito amado. Nada diminuiu”, afirma Janmes.

Veio, enfim, o dia do nascimento que a medicina preveniu não acontecer. E, no curto intervalo entre o parto e a transferência para a UTI neonatal, foi o tempo de Janmes falar, olho no olho, o que esperou nove meses para dizer: “Minha filha, você é linda!”. Duas ou três semanas depois, o pai pegou a filha nos braços. “E a gente foi vivendo nossos dias no hospital”, tece.

Maria viveu três meses na UTI e 28 dias em casa. “Dentro da limitação dela, a gente foi vivendo tudo o que ela podia. Minha filha vivia arrumada, cheirosa, cheia de lacinho no cabelo. A gente, simplesmente, viveu”, embarca Janmes. Maria foi ressuscitada incontáveis vezes, pelos médicos ou pelo amor inquebrantável do pai: “Todo dia, eu dizia que amava, eu beijava, fazia carinho”. Ele lhe enfeitava, tirava selfies, continuava a cantar para ela. E passava horas ouvindo o olhar da filha: “O olhar dela dizia tudo”, liga-se. Certo dia, Janmes compreendeu que ela “adorava ficar olhando pro céu”.

E compreendeu também o que Maria sempre quis lhe dizer, desde quando ele ouviu o som forte do coração: “Ela me ensinou a amar sem esperar nada em troca, a amar sem nenhum tipo de medida. E eu só tinha o hoje para amar a Maria. Na verdade, eu só tinha o agora”. Era tudo o que Janmes precisava saber para amar outra vez.

Maria o preparou para ser pai também de Anna, que nasceu há um ano e onze meses: deu-lhe o exato valor das coisas. A caçula herdou roupas e bonecas da irmã e ganhou um amor renovado do pai. Hoje, Janmes trabalha menos para brincar e conversar mais com a filha. Ele lhe explica, por exemplo, que ela tem uma irmã que está nas fotografias e nas flores plantadas no jardim na entrada de casa. Anna sorri e o abraça.


 

Ausência e presença convivem no mesmo espaço de um (coração de) pai. “São dedicações diferentes. Com a Anna, eu brinco e corro muito!”, desdobra-se o professor. “A Maria me ensinou a amar de maneira incondicional. E com a Anna, coloco isso em uma situação prática”, distingue. “O pai tem que construir esse amor porque, se não, corre o risco de não criar esse laço. O pai é essa figura de força, mas tem que ser também a figura de amor”, une.

Esta não é uma história triste. Porque não pode ser triste uma história em que o amor se sobrepõe - seria incoerente com o próprio amor, entende? Como pode ser triste a história de um amor tão imenso, capaz de alcançar o céu? Porque assim é também o amor de pai, demonstra Janmes.

* Ana Mary C. Cavalcante é filha do seu Francisco Rodrigues
* Julio Caesar é filho de José Maciel e pai de Julio Caesar Junior 

 

 

 

CORAÇÃO DE PAI

Coração de pai

Homenagem do O POVO ao Dia dos Pais