Tão assustador quanto a volta quase total das ruínas da velha Jaguaribara, inundada num repentino “dilúvio” de 40 dias de chuvas que encheu (de uma vez) o Castanhão em 2004, é testemunhar submergir a Caatinga que não deu tempo desmatar. A floresta das árvores mortas, mas ainda em pé, reapareceu no insustentável pico da seca desses cinco anos encarrilhados no Semiárido cearense.
O “mar” que existia no Castanhão já não é mais. E com o fim das águas, o finito também para os cardumes no mais ostentoso açude do Nordeste.
A possibilidade de 2017 atravessar o sexto ano seguido de seca, segundo prognóstico da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), apavora. Não por um motivo, mas, entre os mais esgaçados, o esgotamento até dos “mares” dos sertões feito o Castanhão, o Orós, o Banabuiú, o Pedras Brancas, o Araras, o Pentecoste e outros que estão na risca do volume morto ou se aproximando dele.
O POVO, na discussão incansável sobre as relações de convivência do habitante do Semiárido com a seca, regressa à Caatinga para reverberar, agora, a extinção dos peixes nas barragens construídas pelo Dnocs e as do Governo estadual. Um golpe de morte na economia dos municípios e na segurança alimentar de milhares de famílias que vivem da pesca extrativista ou da piscicultura.
Algumas secas, para exortar Capistrano de Abreu num grifo do economista Cláudio Ferreira Lima, foram “uma grande rasoira, que em poucos meses, desbaratou fortunas”. Estamos novamente nessa encruzilhada.
Em 2007, O POVO lançava o caderno especial Mares do Sertão. Uma grande reportagem, parte de uma trilogia sobre a abundância e sustentabilidade no Semiárido brasileiro (Mares, Desertos e Chuvas do Sertão). Nove anos depois, e num dos períodos mais longos de seca (2012-2016), o repórter Demitri Túlio voltou aos principais “mares”, agora secos, do interior cearense. Mais de três mil quilômetros percorridos ao lado do fotógrafo Fábio Lima e do motorista Francisco Freitas. O retrato, agora, é outro.
Multiplicação da morte
Por Gil Dicelli
No semiárido nordestino, a morte flutua em poças que teimam debaixo do sol. Nas águas onde ainda se pode afundar, a vida recava, salta e mergulha. A falta de oxigênio dos peixes é também a sede dos homens. E o que era ícone do milagre da fartura agora é indício do padecer.
Visualmente, o habitat da reportagem é pensado em páginas duplas que contam uma história com começo, meio e fim. Do nascimento do peixe, sua reprodução, à resistência do cardume e, na página final, à morte.
A tipografia dos títulos parece sumir, mas deixa seu rastro de lama. Colunas de textos reagem a cada imersão da silhueta representativa das espécies que sucumbem à quentura: tilápia, tucunaré, pirarucu, sardinha, piau, pacu, curimatã, tambaqui.
Todos os elementos gráficos se debatem na imensidão da estiagem branca do papel. Multiplica-se a morte. Multiplicam-se as esperanças.
O fim dos peixes
Os anos seguidos de seca no Nordeste decretaram o declínio de 75,43% da produção oriunda da pesca artesanal nos principais mares de água doce do semiárido cearense. Despencou de 2.725.700 toneladas, pescadas em 2012, para 669.923 quilos do ano passado. Ainda falta computar 2016
Por Demitri Túlio (textos)Por Fábio Lima (fotos)
Os dados estão no relatório 01/2016, de julho último, do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) e mapeiam os cardumes dos açudes Castanhão (Alto Santo), Orós (Orós), Banabuiú (Banabuiú), Pedras Brancas (Quixadá), Araras (Varjota), Pentecoste (Pentecoste), Jaibaras (Sobral/Cariré) e General Sampaio (General Sampaio).
Para este ano, apesar de o Dnocs admitir que tem dificuldade para continuar a coleta de informações e da Secretaria da Agricultura, Pesca e Aquicultura do Ceará (Seapa) não possuir número algum, a situação é projetada como caótica. Com vários açudes no volume morto ou seco, o sumiço total dos peixes é sinônimo de insegurança alimentar no sertão. Além da falência da cadeia produtiva gerada no Interior e em municípios de estados como Piauí, Maranhão, Alagoas e Paraíba, que compram a maior parte do que é produzido aqui.
Os organizadores do estudo parcial, Cristiano Lopes Oliveira (pesquisador), Audízio Xavier de Almeida (economista) e Guilherme Mavignier (técnico), foram taxativos. “Em 2015, a situação se agravou quando a produção anual da pesca (artesanal) atingiu um patamar de aproximadamente um terço da verificada em 2014”. Ano crítico, que deveria ter servido de alerta à “sociedade e às instituições que gerenciam os recursos hídricos”.
No Castanhão, o maior açude público do Brasil para múltiplos usos e um dos mais importantes produtores de pescado do País, a curva desanimadora começou em 2013 (veja gráficos nas páginas 6 e 7). Quando a produção caiu de 1.450.700 toneladas para 681.400 em 2014. E, ano passado, para 202.500 quilos.
Tilápia A piscicultura em cativeiros nos grandes açudes também está chegando ao fim. Com a redução das chuvas no Semiárido e a falta de recarga dos reservatórios nos últimos cinco anos, a criação de tilápias em tanques-rede mais perdeu do que ganhou. Levantamento do Dnocs, no Castanhão e Jaibaras, apontou um crescimento de 115% na despesca (retirada do peixe do viveiro) de 2012 a 2013. Mesmo com a estiagem, o aporte d’água ainda era favorável.
Para os pesquisadores, até 2014, a tilápia que se retirou das centenas de “gaiolas” “atendeu satisfatoriamente a demanda crescente, principalmente, no Ceará que é um dos principais mercados consumidores do País”. Mas a resistência aos efeitos da seca prolongada não se sustentou em 2015. Nem agora.
Na avaliação dos técnicos, o dia 3 de julho de 2015 foi o marco para o início da tormenta dos donos das “fazendas de tilápia”. Foi quando o Castanhão registrou a primeira “grande mortalidade” da espécie. O açude estava com 19% de sua capacidade, que é de 6 bilhões e 700 milhões de metros cúbicos.
Nenhuma pesquisa científica rigorosa foi feita para se determinar as causas da morte dos peixes de cativeiro no Castanhão e no Orós. Mas, em linhas gerais e de “forma empírica”, o estudo do Dnocs traçou algumas hipóteses.
No terceiro ano de seca, em 2014, “muitos açudes já haviam atingido o volume morto e foi inevitável que houvesse a migração de pescadores e produtores para os principais açudes do Dnocs. Aumentando, assim, o esforço de pesca e a oferta de pescado cultivado para atender do mercado consumidor”.
Ano passado, segundo o relatório, a mortandade no Castanhão elevou o grau de risco da atividade. Uma vez que os cativeiros se tornaram mais vulneráveis a fatores biológicos e de difícil controle. Alguns produtores endividados, mas que não faliram, “tomaram a decisão de reduzir a produção nos tanques-rede nos açudes públicos e passaram a utilizar o sistema de viveiros escavados (fora dos reservatórios). O que representa maior custo de investimento”.
No quinto ano consecutivo de seca, a grita é geral nos grandes açudes cearenses que estão no fim de suas águas. Enquanto pescadores artesanais se retiraram para outros estados ou permanecem desempregados, produtores estão “pedindo a Deus” para conseguir fazer sobreviver a última safra de tilápia dos poucos viveiros que ainda restam. Uma forma de reduzir os prejuízos e prospectar 2017.
SAIBA MAIS > Estudo da Agência Nacional das Águas indica que parte do território cearense atingiu em julho/2016 o nível de "seca excepcional". O mais drástico na escala e com a possibilidade de seca em 2017.
> A situação é crítica. O volume hídrico do Ceará, após cinco anos de seca, está em torno de 10%. Os 153 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), com capacidade de 18.674 milhões de m3, estão com menos de 2.030 m3.
Rumo ao Norte
Fosse por ela, já havia partido para tão longe dali. Tentar um prazer na sina, até agora, sem facilidades. Ainda se atreveria, mesmo aos 74 anos e aposentada das pescarias de quase uma vida inteira, na imensidão do açude de Banabuiú. Um mar de água doce, o terceiro do Semiárido cearense, que minguou e hoje pouco adianta para o "resto de vida" de Elisa Pereira de Sousa e para os dias de centenas de pescadores
Em cinco anos, a seca sumiu com quase toda a chuva que dava sentido ao Banabuiú e às diversas existências dele. Os invernos, propõe dona Elisa, terão de vir em “dilúvios” para ressuscitar o que deixou de viver por causa do volume quase morto do reservatório. Atualmente, com menos de 1% de um bilhão e 600 milhões m³que cabem nele. Uma cratera enorme e funda que submergiu da estiagem.
Ir tão longe, para Elisa Pereira, tem destino definido. Juntar-se ao filho que “mais quer bem” e que a deixa morta de saudade. Antônio Pereira, 42, o mais velho, foi montar rancho, há quatro meses, com o irmão Leonildo, 27, nas beiras d’água do Pará. Migraram. Foram pescar para outro patrão, tentar escapar da falta do que fazer e ganhar pra família viver.
Com o fim dos peixes na barragem do Banabuiú, no município que tem o mesmo nome e se esquadrinha no Sertão Central cearense, dezenas de filhos e maridos da vila do Boqueirão fizeram o mesmo. Partiram para os estados do Norte (também o Tocantins), onde as águas não costumam findar. “Quase toda semana vai um”. É a fala de quem ficou.
Pescadora desde criança para sobreviver e, depois, criar os seis filhos sem ajuda do marido “que vivia bêbado” e morreu assassinado na barragem, Elisa Pereira não titubeia. “Basta um saco de anzol e outro de linha, sou das águas”, diz. Ela teve para fazer um empréstimo no banco e pegar o avião, mas ponderou. “Tô vendo. Não tenho apego por isso aqui. Meu anjo da guarda (o filho Antônio), que ia comigo para o açude desde pequeno, tá lá”, confessa.
Em queda Ir embora “do açude” se tornou uma necessidade. Ou vai ou dificilmente terá algum ganho em meio à segunda grande seca com duração de cinco anos consecutivos no Ceará. A primeira foi de 1979 a 1983.
Genival Maia Barreiros, 60, presidente da Colônia Z-14 de Pescadores Profissionais, Artesanais e Aquicultores de Banabuiú, faz as contas. A produção de pescados caiu de 60 toneladas, por semana, para meia tonelada. “Quem pegava 200 quilos por dia hoje está trazendo dois ou três quilos. Isso quem consegue pegar”, lamenta Genival.
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), responsável pela gerência do açude, anotou 83.425 toneladas de peixes retiradas do Banabuiú em 2013. No ano passado, a tragédia de 1.326 quilos.
Deserto Pela experiência, Genival Maia calcula que pelo menos três mil famílias de pescadores estão passando necessidade. “Antigamente, os beiços d’água eram cheios de ranchos (cabanas improvisadas para as jornadas de pesca). Hoje não tem mais”, relata.
Diz Genival que nem a feira livre, toda sexta, resistiu. Havia uma variedade de produtos e negócios gerados dos diversos usos do açude. Mas o peixe era a principal moeda da economia do município de Banabuiú. “Há quatro anos, a beira do rio era um mundo de barcos, hoje…”, ressente Genival.
SAIBA MAIS > Para 2017, o fenômeno La Niña poderá não influenciar a quadra chuvosa no Nordeste. A previsão é da Funceme.
Último Açude
Quem não tem dinheiro para levar os barcos para os estados onde a água ainda é grande, como Pará e Tocantins, ou não foi pescar para algum patrío no Norte, está se valendo do açude Pedras Brancas, em Quixadá. O reservatório, que está com menos de 10% da capacidade (456 milhões de metros cúbicos), virou porto recorrente para centenas de pescadores do Sertão Central e outras regiões cearenses. Gente que, antes, pescava no Banabuiú, Fogareiro, Cedro, Pentecoste e até no Castanhão... Hoje secos ou agonizando
Nem precisava Antônio Sérgio Silva, 41, presidente da Associação dos Pescadores e Aquicultores do distrito de Pedras Brancas, chamar atenção. Na margem, já bem recuada do açude sobrevivente, a movimentação de homens, canoas e pequenas embarcações a motor é intensa.
Quem não havia acabado de regressar, com alguns poucos quilos de peixes miúdos, se preparava para entrar na n’água.
Da Associação mesmo, contabiliza Sérgio Silva, uns 30 pescadores eram do distrito que leva o mesmo nome da barragem. E pelo menos 150 vindos de fora. “Não sei até quando o açude aguenta”, preocupa-se.
Sim, porque, além da pesca, até quando der e o açude não secar, duas adutoras puxam e mandam água para o abastecimento humano de Quixadá e de Quixeramobim. Numa vazão de 52 litros por segundos para a terra retratada por Rachel de Queiroz em O Quinze; e 60 litros por segundo para o outro município. “Olhe, nesse lugar que estamos conversando eram uns 15 metros de fundura. Ninguém enxergava aqueles morros”, mede e aponta Antônio Silva. Ele também trabalha no controle da liberação da água para a cidade onde nasceu o beato Antônio Conselheiro.
‘Esturrando’ No inverno, esquadrinha Antônio Silva, o Pedras Brancas colhe chuva e recebe água dos rios Sitiá e São Caetano. Tempo de se pescar 50 quilos em duas idas ao açude. Bem diferente de hoje, de se trazer de três a cinco quilos num dia todo. “Dava pra fazer 20 quilos só no anzol”, garante o presidente da Associação.
Pescador desde os oito anos de idade, Manoel Messias Santos da Silva, 45, tem uma explicação para os resultados ruins nas pescarias. Se diminui o tamanho do açude, diminui a condição de vida do peixe, do alimento dele e do oxigênio. “Dá a morrinha e a mortandade chega. O peixe não tem como se desenvolver, o espaço é pouco. Você escuta o peixe ‘esturrando’ (gritando)”, ensina. Piche no casco Os amigos Francisco Inácio Fernandes, 63, e Valdemar Alves da Silva, 54, estavam no mesmo barco. Ainda na areia, na beira do Pedras Brancas, preparando a canoa.
Improvisaram uma trempe, esperaram o fogo aumentar nos galhos e foram derretendo - numa leiteira velha - pedaços de piche. Enquanto Valdemar ajeitava os teréns da pescaria, Inácio tentava garantir a impermeabilização do casco da embarcação (emprestada) de madeira. “Não existe mais quase peixe. Mas fazer o quê? Tentar”, diz Valdemar.
No inverno, ele confecciona e vende rede para pescaria. Agora, está aceitando trabalhar de pedreiro, servente ou reciclador de material.
SAIBA MAIS > O Pedras Brancas, em Quixadá, fica a 195 km de Fortaleza. Quixadá tem ainda o Cedro, quase seco (0,24%) e salinizado.
> Gente, como o contratador Bastiãozinho, se mudou com suas 20 canoas das águas do Banabuiú para o Tocantins. Levou pescadores daqui e vai passar pelo menos seis meses por lá.
> Nem a prefeitura de Banabuiú nem a secretaria da Pesca do Estado têm dados sobre a migração de pescadores cearenses para outros estados. Também não têm o número de desempregados por causa da seca. Uma lacuna que dificulta cálculo dos prejuízos.
> Banabuiú tem 17.906 habitantes, segundo o IBGE. É o 15º PIB dos sertões cearenses e está a 227 km de Fortaleza
O capim vai valer ouro Francisco Célio Barbosa, 48, o Louro, não é pescador. Mas sofre com o desaparecimento dos peixes do Banabuiú. Com a esposa e dois filhos, é dono de restaurante no caminho do açude.
Há 20 anos, quando veio de Quixadá brincar o Carnaval nas águas do Banabuiú, Louro decidiu sentar praça ali e viver do comércio de pratos puxados pelo peixe. Por noite, quando a barragem estava cheia, ele conta que vendia de 30 a 40 quilos de pescado. “Tinha sábado e domingo de eu vender 150 quilos. O movimento caiu 80%. Tá ruim pra todo mundo”, conta.
Lamentar não é a dele. A Barraca do Louro se mantém aberta com peixe que vinha do Castanhão e, com a mortalidade por lá, de comerciantes da Bahia. Ficou mais difícil e caro. “Então passei a vender também churrasquinho na barraca e na praça (do município)”.
Fez mais. Numa propriedade que tem no distrito de Bom Princípio, resolveu plantar e silar (armazenar) capim para negociar com criadores de animais. A partir de setembro, “quando a seca tiver ainda pior”, Louro terá lastro. “Vai valer ouro, vou desenterrar ouro”, aposta o sobrevivente.
Documentário
Rastro da morte
Foram seis noites sem dormir e sem ir em casa. No dizer de Francisco Jorge de Sousa, o Carlão, "lutando com os peixes" para que sobrevivessem a uma mancha de morte que correu pelo açude Orás. Não adiantou muito o esforço de mudar as gaiolas de tilápias para onde o ar fosse, quem sabe, respirável. "Quando começa, não dá tempo de nada. Você corre para o açude e o peixe morre em 30, 40 minutos", lamenta Carlão, ao contar dessa saga de quem depende das águas que escasseiam
Em março de 2015, ressente Carlão, foram 95 toneladas de tilápias mortas em seus 160 tanques-rede. O prejuízo se agravou em junho deste ano quando mais 65 toneladas tiveram de ser recolhidas, às pressas, e levadas em 11 caçambas para enterrar. “O que consegui construir em sete anos, terminei de perder em seis noites pescando peixe morto”, constata o empresário do Orós.
Criador de tilápias desde 2010 para os mercados do Ceará, Piauí e Maranhão, Carlão teve de demitir nove dos 15 trabalhadores que lidavam com os viveiros. Cuidadores dos berçários de alevinos, despescadores e pastoradores. Não houve outro jeito. “Quando a gente perde assim, não se recupera fácil. Vai atrás de começar tudo de novo”.
Na madrugada em que foram avisar que as tilápias estavam agonizando, mais ou menos no amanhecer das 4h30min daquele junho, Carlão não teve tempo de pensar muito. Nem de se lastimar. Para cobrir o inesperado e reinvestir no peixe que tinha escapado de ser contaminado, lançou mão de R$ 300 mil que havia poupado. Mas não foram suficientes.
Restou para o empresário, que paga R$ 840 mil de ração por ano, a crença desconfiada de que conseguirá se restabelecer. Com chuva em 2017 ou no imponderável de mais um ano de seca. De acordo com José Henrique, secretário da Aquicultura e Pesca do município de Orós, eram 400 produtores de tilápia e uma produção de 800 toneladas/mês que declinou para 200 mil quilos. “Só Deus”, apela Carlão.
Com 30% do cardume original, o plano de Carlão (e de poucos criadores que insistem no açude) é conseguir engordar e negociar as tilápias que sobreviveram. Antes que a segunda maior barragem do Ceará seque ainda mais. No mês passado, o reservatório passou a liberar mais água para socorrer o abastecimento em Fortaleza.
Outras opções dependem de repactuações de dívidas com os bancos e conversas com o Governo do Estado, via Ematerce e as secretarias da Pesca e Desenvolvimento Econômico, para encontrar saídas para ressurreição da pesca de criatório.
Quem não se mudou do Orós para as concorridas águas do São Francisco, na Bahia ou Pernambuco, terá de pegar mais dinheiro emprestado e construir tanques fora do açude. Uma tecnologia cara trazida da Tailândia e sustentada por água de poço. Um caminho para tentar permanecer no Semiárido sem açude. “Ou então para”, sentencia.
SAIBA MAIS > A falta de dinheiro entre os pescadores “fracassou muito o comércio” na sede do município. A constatação é de Josenilda Martins Tomáz, 37, a Nilda, presidenta da Colônia de Pescadores de Orós (Z-14). “Os lojistas perguntam pelo seguro-desemprego. São 300 pescadores cadastrados” e mais de mil que nunca se filiaram. “Até um ano atrás, ainda dava pra tirar um salário do açude, mas vida de pescador é quando o peixe quer. Tá difícil encontrar no açude secando”, diz.
Na seca, fábrica de gelo quase parada Perto do porto de canoas do Orós, a fábrica de seu Paim vendia até 200 mil quilos de gelo por mês. Com o agravamento da estiagem em cinco anos perdurantes e a derrocada da pesca no açude, a venda caiu para 25 mil quilos.
Paim ou Antônio Neto, dono também da Paim Pescados, explica que a queda de quase 80% da atividade pesqueira – artesanal e de cativeiro - afetou toda a cadeia produtiva do município. Ali, vive-se, principalmente, ao redor das possibilidades das águas.
Aos 63 anos, Paim e dois filhos levantaram um pequeno e bem sucedido império de negócios com a compra e venda de peixe. Em 1982, ele deixou de ser agricultor/pescador para iniciar a vida de empresário. Hoje exporta toneladas do Orós para Canindé (CE), Sobral (CE), Tianguá (CE), Viçosa (CE), Arapiraca (AL), Piauí e Maranhão.
Até 2013, quando os efeitos da seca ainda eram suportáveis na barragem, transportava até 13 mil quilos de pescado para entregar a clientes antigos ou para novos compradores na rota até São Luiz. Atualmente, diminuiu para 5 mil toneladas.
A redução tem razão de ser. O paraibano Antônio Neto, brincalhão a maior parte do tempo, mostra as mais de 50 embarcações ancoradas na margem do açude. “Tudo parado”. A Paim Pescados, que possui 250 gaiolas de tilápia, também comprava a produção de 70 barcos do Orós.
A situação não é fácil. Diz, sem resmungar. O que dá para ir fazendo, ele vai readaptando para não falir nem aperrear o coração já safenado. Um dos dois caminhões-geladeira que a empresa tem, e parou com a diminuição das viagens, será reutilizado para frete. E quem não tem dinheiro para pagar o peixe, quita com mercadoria. Refaz.
Dignidade do rio
No fim da rua Monsenhor Coelho, no bairro São Sebastião, em Iguatu, Cícero Correia Lima, 50, ou Neto Braga se prepara para dar entrevista num barranco que desce para o rio Jaguaribe. A poltrona velha, que divide o monturo com resto de material de construção e lixo para se afundar nele, é o ponto de partida da conversa. Ali, e em mais 12 beiradas do rio, a Cidade rejeita a condição de ribeirinha e tenta sufocâ-lo na insustentável cultura de descartar, nas águas, o que "não presta" mais
O que de "bom e ruim" entra pelo Jaguaribe deságua nos dois “mares” de água doce do sertão cearense: o Castanhão e o Orós. Das nascentes, na serra da Joaninha (Tauá), até chegar aos maiores açudes daqui, o mais extenso rio do Ceará (633 km) se mistura ao lixo e é destino de esgotos e excrementos de municípios e povoamentos não saneados. “Imagine a qualidade do peixe que se come dali?”, cutuca Neto Braga.
Ainda mais agora com o Orós e o Castanhão secando e “todo esse caldo” reduzindo as possibilidades de vida. “Tudo o que Iguatu não quer mais, joga na correnteza e vai fermentar o Orós. Morreu tanto peixe por quê?”, indaga.
E não é exagero o que Neto Braga reverbera, feito um “cangaceiro” no Facebook, do mais desenvolvido município do Centro-Sul cearense. “Meu pai disse que esse chapéu (de couro à moda Lampião), eu só usasse quando tivesse uma luta. Minha causa passou a ser a revitalização do Jaguaribe”, pontua o ex-suplente de vereador pelo Partido dos Trabalhadores e artesão.
O Jaguaribe existe nele desde menino e, a partir de 2014, virou ativismo. De um vão do sobrado onde mora, meio biblioteca comunitária, meio redação para escrever textos que ganham as redes sociais e pequenos jornais de Iguatu, Neto Braga busca dar visibilidade ao rio.
Na peleja pela dignidade das águas, ele arrebanhou idosos e estudantes no movimento Cidadania e Ação. No mesmo barco e em intervenções nas margens do manancial, em escolas, igrejas (de qualquer credo), na praça, na Câmara Municipal, pelas ruas e na Prefeitura. “A intenção é formar o ser humano. Só podemos tratar a questão do meio ambiente se cuidarmos do homem, do ser humano. Aí, pode ser, ele compreenderá o Jaguaribe e a própria existência”, declama.
Rio da Onça Numa manhã quente de julho, das 8 horas ao meio-dia, Neto Braga foi cicerone de uma visita guiada para provar o que descreve em gestos e palavras - ora poéticas, ora cruas - sobre agressões ao Jaguaribe no aldeamento que foi se urbanizando nas margens do curso d’água.
“Alguns acham que sou louco. Só porque falo do que eles já aceitaram como parte da vida. Não se pode naturalizar a destruição da mata ciliar, beber água do mesmo lugar onde despejamos veneno, sangue, urina e cocô. Isso é a morte. Não adianta construir hospital e falar em saúde plena sem curar as águas do antigo Rio da Onça”, protesta.
Em parte da extensão de 7 mil e 200 metros quadrados do Jaguaribe, na área central de Iguatu, o rio é invadido por muros e edificações privadas e públicas. Há monturos permanentes e bocas de esgotos derramando sem trégua na Beira-fresca, no Buji, no Cruiri, na Gameleira, na Barra, no Tambiá, na Santa Rosa e no Serrote. O último, a saída para o Orós.
Sem saneamento Socorro Feitosa, secretária do Meio Ambiente de Iguatu, reconhece a precariedade no entorno do rio. Em 2011, revela, um grande plano de saneamento foi traçado. Mas “não saiu do papel” e os recursos financeiros tiveram de ser devolvidos.
O simples deixou de ser feito e o município continua a ter um dos piores índices de saneamento básico do Brasil: apenas 12%. “Mesmo que Iguatu faça a parte dela, outras cidades (80) continuarão poluindo o Jaguaribe”, transfere a responsabilidade.
SAIBA MAIS > O Jaguaribe percorre 633 km, das nascentes na Serra da Joaninha (Tauá) até o Atlântico. A bacia drena 55% do território cearense e beneficia 81 municípios entre o Ceará e Pernambuco.
> A morte de 65 toneladas de tilápias fez Francisco Rejânio, 42, perder o emprego. Régis, como é conhecido, alimentava os peixes. Agora, com a ajuda do filho Francisco, 21, está “escapando” na pesca do camarão “sossego” (miúdo). Numa manhã pegou 25 kg. Pouco. “Poderia ganhar mais ou menos R$ 50, mas tem o sal e outras coisas. Acabo ficando com R$ 20. O aperrei é grande”, descreve.
> Antônio de Totô, 32, tem feito outros serviços na oficina de barcos do pai (Antônio Vicente, o Totô). A estiagem tornou sem serventia o ofício de fazer embarcações para o Orós, Castanhão, Banabuiú e Choró Limão. Durante o inverno, diz que fazem, por dia, cinco canoas e duas rabetas (barco a motor). E levam uma semana para construir uma barcaça.
Infográfico
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Limite do oxigênio
o que resta de água no Castanhão, menos de 7,27% de 6,7 bilhões de metros cóbicos, Antônio Aristides, 25, e Alan, recolhem peixes mortos do "mar" que está secando rápido. Normal era tirar meio balde de tilápias mortas de um tanque-rede quando o açude estava pleno. Agora a rotina é recolher cinco baldes na fazenda Kairás. Foi preciso fazer um cemitério no alto do serrote. Lugar antes coberto pelas águas e hoje espreitado por um bando de carcarás e urubus
Nos 80 currais flutuantes da fazenda Kairós, no Castanhão, a produção de tilápia do Nilo passava de 60 toneladas até dois anos atrás. Mas o negócio de criar peixes em viveiros no maior açude do Nordeste se tornou inviável com a seca que se arrasta há 1.701 dias, ou cinco anos sem chuvas suficientes para recarregar a barragem no Alto Santo.
Desses 80 tanques-rede, apenas 42 estão ativos. “Na verdade, nós não estamos nos preparando para a secura ainda maior no fim deste ano. Estamos parando. Temos peixe para tirar em dezembro e pronto”, responde, sobre as perspectivas, Lailton Luís de Lima, 36, gerente há dois anos da Kairós.
A morte pela falta de oxigênio ronda as gaiolas de tilápia, já mudadas três vezes de lugar no açude que está secando rápido, e traz também a ameaça de desemprego. Na Kairós são nove funcionários. A transposição do Rio São Francisco e a liberação de água do também exaurido Orós para o Castanhão são apostas de Lailton Luís por dias menos aperreados.
Lailton desembarcou ali para trabalhar nos 50 cativeiros da Cooperativa dos Piscicultores de Aracoiaba, quando o reservatório estava cheio. Mas o cenário, hoje, é de fim da linha. Tão assim, avalia Lailton, que até o presidente da Associação dos Criadores de Tilápias do Castanhão “levou as gaiolas dele” para águas fora do Ceará.
Modelo insustentável A criação de tilápias no espelho d’água do Castanhão e do Orós já deveria ter sido suspensa. A constatação é de Lúcia de Fátima Pereira Araújo, professora do Departamento de Química e Meio Ambiente do Instituto Federal do Ceará (IFCE) e mestra em Saneamento Ambiental. Nos níveis de volume atuais dos dois reservatórios, afirma a pesquisadora, é insustentável manter a atividade de piscicultura intensiva.
De acordo com Lúcia de Fátima, não bastasse a precária qualidade da água, resultante da falta de esgotamento sanitário e da inanição do saneamento básico em cidades à montante, “a pressão é acentuada pela piscicultura. Atividade que, no discurso, foi pensada para a comunidade do entorno do Castanhão. Quando se sabe que a outorga do espelho d’água concedida pela Agência Nacional das Águas a essas comunidades estão sendo repassadas para grandes empresas que acabam contratando pouquíssimos funcionários para operar os tanques”, assevera.
Numa visita técnica no último dia 4, a pesquisadora e 45 alunos observaram que o nível de eutrofização da água (falta de oxigenação) comprometerá mais ainda os cardumes que ainda restam. “O açude está no limite do volume e ainda cercado por lixões, agricultura e pecuária nas margens”, pontua Lúcia de Fátima.
O abastecimento humano, principalmente nesse momento, deveria ser a prioridade. “Nós, da Região Metropolitana de Fortaleza, temos uma Estação de Tratamento (ETA do Gavião). E a população que se abastece dessa água, tanto pelo rio quanto pelo Canal de Integração, e que não tem tratamento de água adequado? Na maioria das vezes, nenhum tratamento. Sem falar que há todas as condições para, já já, acontecer outra mortandade de peixes por falta de oxigênio”, prenuncia a professora do IFCE.
SAIBA MAIS > Em junho deste ano, toneladas de peixes morreram no Castanhão. Ano passado, foram pelo menos 2,6 mil quilos de tilápias. Baixa qualidade da água, oxigenação insuficiente e inversão térmica foram apontadas como causas. O prejuízo, segundo o prefeito Francini Guedes (Jaguaribara), seria de R$ 8 milhões só em 2016. O açude chegou a ter 670 piscicultores.
> Pesquisas apontam que a Terra teria mais cinco anos para queimar combustíveis fósseis antes de chegar a1,5° C. Queimadas também influenciam para o extremo da temperatura global. No Brasil foi registrado, até aqui, 33% mais focos que 2015 em igual período.
> Julho deste ano, diz a Agência de Oceanos e Atmosfera dos EUA, foi o mês mais quente desde 1880. Os 14 meses anteriores a julho de 2016 quebraram os respectivos recordes mensais. A temperatura média global está em quase 1ºC acima da média do século XX.
Repeixar os açuudes
Em 2017, caso haja inverno e recarga dos açuudes, o Dnocs terá de "repeixar" do zero os 320 reservatórios do Nordeste. O investimento para produção de 40 milhões de alevinos/ano e para a manutenção do potencial genético pode chegar a R$ 6 milhões/ano. Confira o que diz o agrônomo Airton Rebouças Sampaio, da Coordenadoria de Pesca e Aquicultura do órgão. Com colaboração do também agrônomo Crisanto Lopes e de Daury Gabriel, engenheira de pesca
O POVO – Após cinco anos de seca, a fauna dos açudes praticamente desapareceu, como será feito o “repeixamento” dos açudes do Dnocs? Airton Rebouças - O repovoamento dos 320 açudes públicos federais, administrados pelo Dnocs no Nordeste brasileiro, é feito pelas Estações de Piscicultura do Departamento, nas Unidades da Federação do Semiárido brasileiro. Há um critério técnico para reposição dos estoques das espécies autóctones (nativas) e alóctones (exóticas). Com relação às primeiras citadas, os estoques são bastante afetados negativamente pelos invernos irregulares, visto que as desovas não ocorrem no período em apreço. É notório que nos últimos cinco anos houve uma queda. Assim, o repovoamento faz-se necessário em todas as coleções d’água. No tocante às segundas espécies, as reposições são baseadas em diagnósticos procedidos pelas gerências das Estações de Piscicultura do Dnocs (12 Estações) e pelo Centro de Pesquisas, sediado no município de Pentecoste-CE.
OP – Qual o custo para a produção de alevinos para o repovoamento? Airton - Os repovoamentos são contínuos ao longo dos anos e são realizados nas represas que necessitam de reposição com espécies nativas ou exóticas. Em cada açude público federal há um administrador responsável por aquela coleção d’água. O investimento para produção de 40 milhões de alevinos/ano e para a manutenção do potencial genético varia de R$ 4 milhões a 6 milhões/ano, incluindo ainda a realização das pesquisas aquícolas, capacitação de piscicultores e peixamentos.
OP - Onde são produzidos os alevinos? Airton - Os alevinos para a preservação do patrimônio genético da fauna ictiíca e produção sustentável dos recursos pesqueiros continentais são produzidos nas Estações de Piscicultura do Ceará (4), Piauí (1), Rio G. do Norte (2), Paraíba (1), Pernambuco (1), Alagoas (1), Sergipe (1) e Bahia (1). O Ceará conta ainda com a produção do Centro de Pesquisas em Aquicultura em Pentecoste.
OP – Qual o prejuízo genético após cinco anos de seca? Airton - Não há prejuízos para o patrimônio genético da fauna ictíica (de peixes), porque todas as matrizes (reprodutores) estão preservadas no Centro de Pesquisas e nas Estações de Piscicultura do Dnocs, que continuam atuando, apesar dos anos de má distribuição de chuvas. No tocante às pesquisas de cultivo de peixe, que demandam uso de bastante água, elas foram desativadas. Porém, aquelas de laboratório continuam funcionando normalmente. Nós já estamos fazendo o reúso da água nas Estações de Piscicultura e no Centro de Pesquisas.
SAIBA MAIS > Este ano, o BNB programou R$ 15 milhões (FNE) para aquicultura e pesca no Ceará. Até maio, foram contratados R$ 2,5 milhões:carcinicultura (R$ 939 mil), piscicultura (R$ 417 mil) e pesca (R$ 1,1 milhão). Poderá haver mais aporte de crédito dependendo da demanda.
> A marca de quase 1°C de temperatura acima da média do século XX se aproxima da meta fixada em dezembro passado pelo Acordo de Paris, durante a 21ª Conferência Mundial sobre Mudança do Clima. O pacto é reduzir a emissão de gases de efeito estufa e não ultrapassar o aquecimento de 2°C até o 2100.
Quando novembro chegar
A falta de informações sistematizadas e de um banco de dados compartilhado entre a Secretaria da Agricultura, Pesca e Aquicultura do Ceará (Seapa) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), sobre o setor pesqueiro do semiárido cearense, é um entrave para se desenvolver, de maneira sustentável, essa vertente da economia na Caatinga. Os cinco anos de seca no Nordeste, 2012 a 2016, expuseram o quanto o Estado ainda é amador na prospecção de cenários.
A decadência na produção de pescado, que deve zerar até o fim deste ano com a falta de recarga dos açudes considerados mares do sertão, aprofundará a crise na economia dos municípios que dependem das águas para tornar a vida próspera ou sobrevivente. “Uma situação catastrófica”. Palavras de Oswaldo Segundo, coordenador de Ordenamento e Fiscalização da Seapa. Confira trechos da entrevista.
O POVO – De quanto foi a queda na produção de pescado de água doce no Ceará? Oswaldo Segundo - Não existem estatísticas que possibilitem uma avaliação numérica da queda na produção de pescado no Ceará, quer oriunda da piscicultura (cativeiro), como da pesca extrativista (artesanal). Os dados referentes ao volume armazenado dos reservatórios substanciam a afirmativa de que a queda foi bastante representativa nas duas modalidades: piscicultura e pesca extrativista. A piscicultura, atualmente, está sendo concentrada nos açudes Castanhão e Orós, tendo em ambos ocorrido uma redução drástica em razão de mortandades ocorridas em 2015 e 2016. Estes reservatórios tinham uma produção estimada de 30.000 t/ano no Castanhão e 12.000 t/ano no Orós (segundo o Dnocs só no Castanhão, em 2013, foram 1.450.700 toneladas. Veja dados nas páginas 6 e 7). Estima-se uma queda de cerca de 60% na produção em ambos. A previsão é de que haja uma queda ainda maior no final do ano, pela desistência dos produtores ou pelas ações fiscalizatórias.
OP - A queda na produção representa um prejuízo de quanto na economia do Ceará? E especificamente em municípios onde estão o Castanhão (Alto Santo/Jaguaribara), o Orós (Orós), Pedras Brancas (Quixadá/Banabuiú), Banabuiú (Banabuiú), Araras (Varjota), Pentecoste (Pentecoste), General Sampaio? Oswaldo Segundo - Os dados são inexistentes. O que se pode afirmar é sobre o impacto na economia de Jaguaribara. Atualmente, a sustentação econômica e atividade de emprego estão focadas na piscicultura. Tal fato pode ser interpretado como catastrófico para situação desse município.
OP - E o que a Seape está fazendo para mitigar os prejuízos dos produtores de cativeiro e pescadores artesanais?
Oswaldo Segundo - Em termos de pesca extrativista, a Seapa sempre vem participando das discussões sobre a sistemática na liberação do seguro defeso. A legislação que norteia essa atividade é toda de caráter federal. A inserção da seca como fator de favorecer à liberação do seguro-defeso é um dos principais argumentos defendidos pela Seapa. Outro aspecto que pode ser citado é de que o governo do Estado já defendeu junto ao governo federal a liberação de bolsa ao pescador pelo fator seca, ainda não efetivado. No que concerne a piscicultura, o governo do Estado já liberou recursos no valor de R$ 2 milhões para a retomada da piscicultura no açude Castanhão. Outros R$ 2 milhões estão previstos para quando o açude voltar a ter recarga.
OP - Em dezembro, a produção de pescado estará praticamente zerada. O governo tem um plano para o abastecimento de Fortaleza e outros municípios? Oswaldo Segundo - Essa atividade de abastecimento de pescado no Estado não é praticada a nível governamental. Cremos que o governo poderá atuar como facilitador no processo de importação de outros centros federativos, mas dentro do que preceitua a legislação inerente ao transporte de pescado.
OP - A Seapa estuda incentivar a produção de peixes de cativeiro fora dos açudes? Oswaldo Segundo - Já existe uma vertente quanto a novas tecnologias de produção. Certamente, a Seapa atuará nesse processo, de maneira que possibilite a implantação de normas específicas, por acaso necessárias. O cultivo de organismos aquáticos em regime fechado, com recirculação de água e uso de probióticos vem despertando o interesse de toda cadeia produtiva. Tal fato não inibe o incentivo às praticas atuais de cultivos em viveiros escavados e em tanques-rede.
OP - Pescadores artesanais e produtores de cativeiros que trabalhavam no Castanhão, Orós, Pedras Brancas e Banabuiú estão migrando para pescar ou instalar gaiolas no Pará, Tocantins, Pernambuco e Bahia. A Seapa tem o levantamento dessa migração? E como fará para trazer de volta os produtores e pescadores artesanais? Oswaldo Segundo - Inexiste controle quanto ao fluxo de pescado entre bacias hidrográficas existentes no Estado ou em outras unidades da federação. Entretanto, tal fato é histórico e cultural. O pescador sempre se desloca para onde lhe é favorável. Cremos que ao retomar a carga dos açudes locais e estes apresentarem viabilidades produtivas, haverá um retorno natural desses pescadores que se deslocaram nesses anos de escassez hídrica. O papel da Seapa é desenvolver e implantar um programa de recomposição da biota piscícola destes reservatórios.
OP - Quantos produtores de cativeiro existem no Ceará? Oswaldo Segundo - Até o ano de 2014, estimava-se no Ceará algo em torno de 800 piscicultores, com produção estimada de 50 mil toneladas/ano de tilápia (dados do Dnocs nas páginas 6 e 7). Inexistem dados atuais, mas o quadro apresenta-se bastante reduzido.
OP - Em relação aos pescadores artesanais, quantos estão desempregados com o fim das águas no semiárido cearense? Oswaldo Segundo - A Seapa ainda não dispõe de cadastro de pescadores, tanto marítimo como continental. Já se encontra aprovado pelo governador projeto de desenvolvimento de software específico para a existência de um banco de dados atualizado. Nos próximos meses deverá ser dada continuidade aos trabalhos.
SAIBA MAIS > Em 2007, de acordo com a Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará, 35.076 trabalhadores tinham a pesca e serviços relacionados como atividade do trabalho principal. Em 2014, caiu para 16.119 (Pnad/IBGE). A principal causa estaria relacionada à seca prolongada.
> De 2012 até maio deste ano, o BNB financiou R$ 12,6 milhões para piscicultura no Ceará em empreendimentos em açudes públicos e particulares ou enseadas marinhas. Recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste. Os municípios beneficiados foram Jaguaribara (17,4%), Beberibe (5,6%), Aquiraz (4,8%), Aracati (4,4%), Orós (4,0%), Itapiúna (3,9%), São Luís do Curu (3,4%) e Icapuí (3,1%), de um total de 123 municípios onde houve contratações.