Amor a seu tempo

“O amor a seu tempo” entrança o conjunto de narrativas sobre a relação entre mães e filhos, que O POVO publica neste segundo domingo de maio. Conta das ligações de um lado ao outro e diz também que o amor tem seu próprio tempo de ser: é uma construção, dia a dia. E uma conjugação do amar.

 

PARTICIPARAM DO PROJETO:

 

Ana Mary C. Cavalcante (texto)
ANAMARY@OPOVO.COM.BR
E repórter especial do O POVO. Encantou-se pelo Antônio. E, a cada entrevista sobre o amor, vai criando coragem para ser mãe.

Tatiana Fortes (fotos)
TATIANAFORTES@OPOVO.COM.BR
É a filha de Maria do Socorro, o maior presente que recebeu da vida, a pessoa mais linda e generosa do mundo..Em uma única palavra, diria que ela é amor.

Rômulo Costa (texto)
ROMULOCOSTA@OPOVO.COM.BR
É o primeiro filho de Guirlanda. Dela, guarda uma correntinha que ganhou na saída da maternidade, os cafunés e todos os abraços.

Renata Viana (projeto gráfico)
RENATAVIANA@OPOVO.COM.BR
Filha de Aurineide, mulher preta de raça, não só de cor. Dela vem a coragem, que nos assemelha e um jeito sem frescura e sem amasso, mas que é puro amor

Émerson Maranhão (direção e roteiro)

EMERSON@OPOVO.COM.BR
É filho de dona Avany, cujo endereço é mais distante do que gostaria. Talvez por isso, foi ela a fonte de inspiração para criar cada segundo desta websérie

Renato Ferreira (edição)

RENATOFERREIRA@OPOVO.COM.BR
Delineado no ventre de Neide Ferreira, cearense meio mato-grossense, boêmia e cheia de risos. Aprendeu a voar e com ele levar amor e gratidão

Juliana Matos Brito (edição digital)
JULIANAMB@OPOVO.COM.BR
É a segunda de cinco filhos de Maria Christina, uma mãe que sempre foi, é e será motivo de encantamento. Hoje, procura seus ensinamentos, sua força e seu sorriso para criar o João Pedro e a Maria Alice.

Amar: a conjugação e o aprendizado de cada dia

Por Ana Mary C. Cavalcante

Se fosse possível a relação mãe e filho caber em uma definição, talvez, seria a conjugação do amar. Um aprendizado infinito, pleno de encantos, contestações, reconhecimentos, cuidados. E que começa pela disposição ou pelo desprendimento de si mesmo – seja do corpo, do tempo ou das importâncias sabidas até aqui. E que também começa a vida, uma vez mais, e o entendimento de muitas coisas, para sempre.

 

Assim sentiu (e sente) Deubia quando se descobriu (e se descobre) mãe de Antônio, um menino de "seis anos e oito meses; completei oito meses em abril", como ele mesmo conta nos dedos. Tanto quanto, já na outra ponta da maternidade, vivencia dona Alverninha, 89 anos recém-completados, mãe de quatro homens e uma mulher.

Foto: TATIANA FORTES
Antônio e Deubia: "É como se a gente não se lembrasse da vida antes dele". FOTOS TATIANA FORTES

A advogada Deubia Gabriela Oliveira Cavalcanti Mourão, 40 anos, e Antônio Cavalcanti Mourão principiam as narrativas deste especial "O amor a seu tempo". Ela e ele vivem a fase em que o filho ainda cabe dentro da mãe. Andam de bicicleta e ouvem Beatles juntos. "Eu só durmo (encostado) na costela dela!", abraça Antônio. Então, para o menino, a mãe é linda “quando ela fica em casa, só de camisola, que a gente fica no chamego!".

 

Deubia, por sua vez, se encanta desde que o exame de sangue lhe confirmou a maternidade, e sucedeu de ouvir um segundo coração batendo dentro dela, e soube que era um menino, e houve dele mexer na madrugada, e dela cantar para a barriga, e o nascimento "tão lindo, tão incrível, encantador, maravilhoso, meio mágico", e as primeiras palavras, e os primeiros passos de Antônio. "Nosso encantamento atual é o raciocínio lógico: tudo dele, ele quer fazer conta… E ele também é alucinado por música e nos encanta ele escutar uma música e identificar os instrumentos", acrescenta os dias seguintes. Cada um, descobrindo o outro, tenta agarrar o instante.

 

É uma relação feita e refeita por começos e finitudes. Antônio já se esparrama pelo colo de Deubia. E, de jeito nenhum, é para ela chamá-lo de "meu bebê" na frente dos amiguinhos do 1º ano do ensino fundamental. O menino ressalva: já passou da fase bebê para a fase criança. Os filhos crescem rápido. Daqui a pouco, a mãe prevê, podem acontecer muitos outros amores entre eles, ou Antônio pode ir estudar música na Inglaterra como já planeja aos seis anos e oito meses.

 

Virão mais noites em claro. Deubia sabe que, a partir daquele minuto, entre o Natal e o fim do ano, quando teve o resultado do exame de sangue, sempre vai esperar por Antônio. Virão também mais canções iguais àquela que ela cantava para a barriga, quando podia estar a sós com sua gravidez. E que, agora, de sempre ouvir e ao tempo em que compreende e traduz esse amor, é Antônio quem canta olhando e sorrindo para a mãe: “You are my sunshine/ my only sunshine./ You made me happy/ when skies are grey/ You never know, dear,/ how much I love you/ Please, don´t take/ my sunshine away”.


Despedidas e desilusões ainda virão, como já chegaram questionamentos e independência. Fazem parte do que ela chama de "pacote da felicidade" de ser mãe: "Nesse pacote, vai ter coisas boas e ruins, mas a gente opta por ser feliz". E Deubia é, desde quando o corpo ganhou outras formas e estrias, “Isso passa, não é importante", contrapõe.


Antônio também dá seu desconto: não pode ver muito TV, tem que se arrumar na hora de sair, guardar os brinquedos. Ainda assim, a mãe "é legal. Ela cuida de mim… O que ela faz? Não consigo te explicar, de tanta coisa que tem".


Antônio e Deubia aprendem a amar esse amor sem fim. Cada um a seu tempo e modo. "Acho que (mãe) tem a ver com responsabilidade, com amor, doação. Com um tipo de generosidade gratuita. Você não escolhe ser generoso com um filho; você é", segue Deubia que começou, uma vez mais, quando Antônio passou a existir. "É como se a gente não se lembrasse da vida antes dele", une.


O menino deve continuar filho único. No sentido maior das duas palavras juntas, filho e único. "As pessoas dizem: 'Só tem ele?'. E eu: 'Não. Eu tenho tudo isso que é ele”, contrapõe a mãe. Deubia também significa o suficiente para Antônio: "Eu quero muito dar pra ela sabe o quê? Uma passagem de avião! Pra Disney. Porque eu quero muito ir com ela. Mas, como não vai dar, vou tentar dar um sapato ou uma roupa. Ela tem um zilhão no guarda-roupa… Ou, então, vou dar pra ela um ímã de geladeira de brinquedo, o Magnus. É tipo um bonequinho que tem a cabeça peluda. Vou comprar dois. E vou fazer os dois dando a mão: eu sendo o verde e ela, o amarelo".

 

O filho de Deubia

 

Video

Relatos sobre amores incondicionais das mães e dos filhos

Quando a cumplicidade supera as diferenças

Por Rômulo Costa

O tempo passa depressa. Corre tão rápido que é difícil entender como a menina, que até pouco tempo inspirava cuidados e afetos, hoje aparece costurando sonhos e personalidade. Foi no susto que a nutricionista Katya Marques Rodrigues, 54 anos, se deu conta disso. Aconteceu quando a filha Jadeh, 17, informou que já tinha desejos prontos para o futuro. Numa conversa ligeira, a adolescente — ainda aos 15 anos — disse que trocaria a festa de debutante por um intercâmbio no Canadá. Queria aprender inglês e experimentar a liberdade.


Katya assentiu na vontade da filha, mesmo com a aflição típica das mães. Daquele dia em diante, percebeu também que a relação com a jovem havia de se transformar. Já não estava mais lidando com uma criança carente de completa atenção. A menina cresceu. E permanece crescendo em vontades e descobertas.

Foto: FOTOS TATIANA FORTES
Katya e Jadeh encontraram no diálogo uma maneira de vencer os desencontros. FOTOS TATIANA FORTES

Ser mãe de adolescente é também se despir dos medos, embora eles sempre estejam presentes. Katya sabe que é difícil perder de vista o rebento pela vontade de percorrer o mundo (e a vida) sem ter que exercitar o olhar protetor que se aprende no ofício de cuidar. Quando as espinhas aparecem no rosto e o corpo começa a mudar, é tempo também de refazer a mãe que se aprendeu.


Nessas tentativas, no meio dos acertos e dos erros, Katya se redescobriu. Compreendeu que era preciso dar liberdade, mas não afrouxar os laços por inteiro. Funciona assim: Jadeh pode viver tudo o que lhe der na telha, desde que com responsabilidade e mantendo os pais informados sobre as decisões. No centro de tudo, estão os diálogos.


Conversar, aliás, foi uma receita que Katya encontrou para acalmar o coração sem reprimir os passos da filha pelas veredas do adolescer. "Não aceito tudo, claro. Quando não concordo com alguma coisa, eu chego e fecho questão. Às vezes, ela argumenta, se achar que não tem nada demais. Mas tudo é conversado", explica.


Essa fase da liberdade controlada iniciou quando Jadeh quis sair com as colegas de escola paras os primeiros passeios para além dos muros do colégio. Iam para o shopping enquanto a mãe acompanhava tudo a alguns passos de distância. ("Isso foi bem no comecinho", esclarece a mãe. "Mas já era chato", protesta a filha). Depois, vieram os fins de semana na casa das amigas, as diversões depois dos estudos, o primeiro namoro... Tudo sob a orientação e os cuidados de Katya.


"A primeira vez que a Jadeh dormiu na casa de uma amiga, longe de mim, foi muito complicado. Essa, talvez, seja a fase mais difícil para as mães", refaz a preocupação. "Mas tem que deixar. A gente diz um monte de recomendação, mas acaba sempre confiando nela".


No caso das duas, a confiança se fortalece a cada bate-papo. Não que Jadeh tenha mantido com a mãe os mesmos diálogos intermináveis de quando era criança. Desse tempo, Katya ainda guarda (na memória e no papel) os bilhetinhos que a menina lhe entregava no regresso da escola. Mas passou. É lembrança de quando a filha passava horas a desfiar as vivências da meninice, em assunto sem fim.

 

Hoje, as experiências pessoais são repartidas mais com as amigas do que com a mãe. Só então Katya entendeu que os jovens também inspiram silêncios. "Mas eu não me lamento por isso. Eu já fui adolescente e sei que ela não vai confidenciar tudo para mim", disfarça. Assim - nas descobertas - as duas exercitam a parceria entre a mãe que acolhe (e assevera) e a filha desbravadora de si.

 

O bom é que a gente tem muito respeito uma pela outra. Uma das provas é que a minha mãe sempre deixou eu me expressar, sem restrição", reforça Jadeh. Essa certeza nem sempre esteve presente, porém. Quando Jadeh pensou em colocar o piercing no nariz, chegou cheia de dedos para não assustar a mãe e receber, de supetão, uma resposta negativa. Falou, argumentou e se surpreendeu com a resposta. "Ela me disse só um 'tá'. Sem dificuldade", recorda, ostentando o enfeite.

 

É que nos tempos de juventude nem tudo é contestação ou certeza. As dúvidas se misturam às tentativas. É quando se aprende a ser gente, treina as responsabilidades. Ser mãe também é um jeito eterno de aprender. Talvez seja onde as estradas de Katya e Jadeh se encontram novamente. Uma resiste ávida por se embrenhar no mundo e percebê-lo o quanto pode, enquanto a outra permanece na valorosa insistência de amar e cuidar. A esta última característica, dá-se o nome maternidade.

 

A filha de Katya

Novos olhares pela experiência de cuidar

Por Rômulo Costa

Ainda adolescente, na fase de questionar os nãos, Carla Weyne, 34 anos, tentava entender o pensamento da mãe. A relação com dona Zeza, 57, não foi complicada. Muito pelo contrário. As duas nunca se desentenderam a ponto de amargar os olhares, o que não quer dizer que a mãe evitava de bater o pé aqui e acolá para acalmar as vontades da menina. Por outro lado, Carla buscava explicação para as escolhas de Zeza - a preocupação, os medos, os cuidados. A resposta só veio tempos depois, quando ela própria viu surgir dentro de si o começo da maternidade.


As sensações vieram quase silenciosas. Carla percebia que o corpo estava passando por alguma transformação, só não entendia qual. Suspeitou de gravidez. Um dia, numa conversa de ocasião, ela soltou: "Mãe, o que a senhora sentia quando estava grávida?" Zeza, que ainda não tinha ligado os pontos, respondeu de imediato: "Eu sentia muito sono, muita dor nos seios e minha cintura sumiu de uma hora pra outra". Assim, despretensiosamente, a mãe havia respondido todas as suspeitas de Carla. Tão rápido quanto, Zeza reacendeu os medos da filha.

Foto: FOTOS TATIANA FORTES
Depois de se tornar mãe, a filha Carla compreendeu as escolhas de Zeza. FOTOS TATIANA FORTES

Aos 29 anos, ainda morando na casa dos pais, Carla não se achava preparada para provar das responsabilidades de ser mãe. Dona Zeza percebeu a angústia no dia em que foram as duas no laboratório confirmar o "sim" para a gestação que se iniciava. "Eu vi o medo no olhar dela. Mas fiquei tão feliz que a única coisa que eu queria era abraçá-la. Eu ia ser avó, essa foi minha maior felicidade", relembra.


Dali em diante, não só o corpo de Carla passaria por mudanças. A relação das duas também haveria de se transformar. Elas se redescobriram logo nas primeiras fases da gravidez. A partir de então, mãe e filha, em idade tão diferentes, tinham assunto em comum. Vários, aliás. Compartilhavam experiências, conversavam sobre os futuros e preparavam, juntas, a vida para o menino Benki (hoje com 5 anos).


Carla recorria à mãe para saber dos processos da gestação. Queria entender como Zeza passou pela fase de organizar a vida de outra gente dentro de si. Mas a curiosidade foi além das conversas. Em buscas na internet para acalmar os medos, Carla encontrou um grupo de apoio a mulheres grávidas, acabou conhecendo sobre o parto natural, a importância de amamentação e de outros cuidados da maternidade. Apareceram novos questionamentos.


"Ouvi a minha vida toda que minha mãe queria um parto normal e teve cesárea. Depois, soube que ela teve muita dificuldade de amamentar. Eu queria fazer diferente", relembra. Por vezes, Carla chegou a se perguntar se realmente a mãe não tinha "fraquejado" ante aos desejos.


Quando Benki nasceu, ela compreendeu as escolhas, embora tenha vivido outra maneira de gestação e de criação do filho. Aceitou-se quando compreendeu os processos da mãe.
Foi Zeza que esteve perto para acompanhar a feitura da nova mãe, com a chegada de Benki.

 

Nesse momento, também foi mãe, mas, principalmente, avó. O olhar atento da filha acompanhava os primeiros banhos do bebê. Também era Zeza que ajudava nas noite mal dormidas e nos cuidados do resguardo. "Isso foi decisivo para eu viver um pós-parto saudável, como eu queria. Foi com a ajuda dela que eu pude mergulhar nesse nevoeiro que é ser mãe", assegura.


Zeza ensinou à Carla os passos de ser mãe, sem dizer palavra. Os gestos de doação - dali e de toda a vida - apontaram para a filha os rumos que deveria seguir. "Hoje, como mãe, eu me vejo revivendo várias situações que eu passei como filha. É nessa hora que surge a empatia. Eu me vejo no lugar dela e percebo o quanto minha mãe tinha força", reconhece. E no cuidado, a relação se estreita. Mãe e filha se fizeram, também, parceiras.


Mesmo com a boa relação antes do filho, Carla ainda enxergava Zeza com "o olhar inferior de filha". Hoje, ela diz que a relação se horizontalizou. Vê a mãe como amiga, divide as angústias dos dias, o cuidado do filho, o encontro e as descobertos que fazem Benki crescer e evoluir. Não são só as semelhança nos gestos e no sorriso que as aproximam. Há também um jeito muito particular de ser e viver os carinhos de mãe.

 

A filha de Zeza

O tempo do acalanto e das mãos dadas, de novo

Por Ana Mary C. Cavalcante

Chega um tempo em que é a mãe quem cabe dentro do filho. Não é um tempo, necessariamente, que segue uma ordem cronológica. Pode ser quando ela chora, ou sente medo e dor. Pode ser quando a mãe envelhece, mas pode ser, principalmente, quando o filho a percebe frágil. É o tempo do acalanto e das mãos dadas de novo. "É o cuidado, efetivamente, de desfrutar. Não só de proporcionar a ela momentos bons, mas de estar com ela", traça Alex em direção a dona Alverninha, 89 anos feitos em abril.


Maria da Soledade Mont’Alverne Silva – Alverninha é um diminutivo do sobrenome – é mãe de cinco filhos: quatro homens e uma mulher. O médico Alexandre José Mont´Alverne da Silva (Alex Mont´Alverne, clínico geral) é o terceiro entre eles. À exceção do primeiro, que tem paralisia cerebral, todos cuidam da mãe com um tanto de si. "Eu cuido da saúde dela. Meu irmão cuida das finanças. Como é engenheiro mecânico, cuida também da parte de manutenção da casa. E minha irmã cuida da administração do lar com ela, que ela não abre mão de gerenciar.

Foto: FOTOS TATIANA FORTES
Alex e Alverninha: "O que mais precisa é carinho, é estar presente. É estar lá para ouvi-la. E ela gosta muito de falar". FOTOS TATIANA FORTES

Não fica pesado pra ninguém, porque cada um assume uma parte", demonstra Alex. Incontáveis vezes, foi dona Alverninha quem se doou para cada um. Também não sentiu peso; sente amor, e o amor é leve. Lembra-se bem que tinha sempre dois bebês em seu colo.


"Cansava, mas era eu quem queria cuidar… Porque achava que (a babá) não fazia como eu: tratar com amor", reafirma. Os quatro homens vieram primeiro, foi um parto normal atrás do outro. "A dor do parto? Não posso dizer insuportável porque suportei. Mas precisa muita abnegação, muita vontade de ser mãe, de ver a carinha, saber como é", abraça.


Para cada filho, foi necessário um cuidado (é, ainda hoje). Seja no escolher das palavras, "para não melindrar"; seja no criar histórias mais felizes e músicas capazes de remediar doenças e amanhecer o dia. "Os problemas de saúde (dos filhos) doem profundamente", ressente dona Alverninha. "E me dediquei, nunca trabalhei fora, dei tudo de mim por esses filhos. Mas, hoje, recebo de volta o carinho, a assistência, o amor que eles me dão", espelha.


Alex, ela reconhece, é um dos que lhe segura a mão para atravessarem o presente: "Quando eu pergunto se preciso consultar algum especialista, ele diz: ‘Mamãe, eu sou seu médico. Confia em mim’. Aquilo me dá tanta tranquilidade, me acalma e me conforta".


Do outro lado, ele se dispõe a uma travessia delicada, entre ser médico e ser filho ao mesmo tempo. Sabe sobre as doenças e aprende sobre cuidados. "Ainda hoje, cada medicamento que eu passo tem que ser uma conferência internacional! Tem que mostrar as evidências, discutir com ela as indicações e contraindicações. Se não, ela não toma!", diz. São dois teimosos que pedem desculpas mutualmente, ele retrata. "O vínculo foi se fazendo mais forte à medida que a gente foi percebendo a fragilidade dela", une.


A medicina lhe demanda estar o dia inteiro na Secretaria da Saúde do Estado, três noites no consultório e, um domingo pela manhã e outro madrugada adentro, no plantão do Instituto Dr. José Frota. Já dona Alverninha lhe demanda um beijo, uma oração na missa, um telefonema para avisar que chegou de viagem. "O que mais precisa é carinho, é estar presente. É estar lá para ouvi-la. E ela gosta muito de falar, então, em alguns momentos, tem que ter paciência.


Cuidar é, em primeiro lugar, ter presença e saber ouvir… Tem dias que a gente não tá nem com disposição, nem com tempo. Mas tem que se conscientizar, permanentemente, de que é fundamental", abraça.


Na verdade do tempo, mãe e filho passam a vida em comum tentando guardar o instante. Aos 89 anos, dona Alverninha se dedica a escrever as memórias mais felizes que teve na vida - o casarão da fazenda no Interior, o ninho das rolinhas, o pirão de leite, o banho de açude -, quer deixar a alegria de herança e o perfume de vó como saudade. Continua a reverter as histórias, como fazia quando precisava amanhecer o dia se os filhos adoeciam. E ensina o primeiro, que completou 63 anos este mês, a se comunicar: "Vou juntando as letrinhas que ele pode dizer. Eu entendo muito bem quando ele quer dizer as coisas". Ela não se cansa de ser mãe. Seria tudo de novo, cinco vezes mais: "Eu seria. E teria os mesmos filhos. Não tem nenhum que não devia ter nascido".


O filho de Maria de Soledade

Compartilhe sua foto no Instagram usando #diadasmãesopovo

Ver mais fotos

Amor a seu tempo

Amor a seu tempo

Veja as páginas impressas do especial em homenagem ao Dia das Mães